Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5237087-71.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

ESPOLIO: JOSE MARIA NERI CARVALHO

Advogados do(a) ESPOLIO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5237087-71.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

ESPOLIO: JOSE MARIA NERI CARVALHO

Advogados do(a) ESPOLIO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de demanda objetivando a concessão de benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição da República.

Inocorreu audiência de instrução e julgamento. 

O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado. 

Os herdeiros de Jose Maria Neri Carvalho, regularmente habilitados nos autos após o falecimento do autor, apelam, alegando, preliminarmente, a nulidade da sentença, ante a ocorrência de cerceamento de defesa, por não ter sido possibilitada a devida instrução processual, face a negativa de se realizar estudo social de forma indireta, dado o falecimento do autor no curso da instrução processual.

Sem contrarrazões, subiram os autos. 

É o relatório. 

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5237087-71.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

ESPOLIO: JOSE MARIA NERI CARVALHO

Advogados do(a) ESPOLIO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

­V O T O

 

 

Alega o autor, preliminarmente, o cerceamento de defesa, visto não ter sido dada oportunidade de comprovar seu direito por meio de perícia indireta, salientou que o requerente faleceu no curso do processo, porém, o estudo social poderia ser realizado de maneira indireta.

Com efeito, o juízo a quo julgou antecipadamente o pedido, fundamentando-se no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, baseando-se exclusivamente na prova documental trazida aos autos. 

Conforme preleciona Arruda Alvim, em sua obra Manual de Direito Processual Civil, 5ª ed.:  “O julgamento antecipado da lide marca-se pela desnecessidade ou irrelevância da audiência para produção de provas. Este entendimento vem claro na interpretação do novo § 2º do artigo 331 ao se referir à designação da audiência de instrução e julgamento se necessária. Esta expressão, parece-nos, diz com a necessidade de produção de provas em audiência de instrução e julgamento. Assim sendo, deve-se ter o julgamento antecipado da lide porque a questão de mérito se  resume na aplicação da lei ao caso concreto, já definido pela ausência de qualquer controvérsia em torno dos fatos e, então, encontra aplicação a regra de que acerca do direito não se faz prova, por força da aplicação do princípio iura novit curia (...), ou, então, porque, apesar da existência de questões de fato que dependam de prova, essa prova não é oral e nem há prova pericial a ser realizada em audiência de instrução, por ser exclusivamente documental, por exemplo”.  

O caráter alimentar dos benefícios previdenciários imprime ao processo em que são vindicados a necessidade de serem facultados todos os meios de prova, não só a documental, a fim de que o autor possa devidamente comprovar os fatos por ele alegados.

Não obstante, a assistente social manifestou ID 130813638 relatando a impossibilidade de realização do laudo social da forma requerida pela apelante, afirmou que no momento que chegou ao local do exame recebeu a notícia de falecimento do autor, que sequer adentrou a residência do grupo familiar e concluiu que face ao óbito do requerente seria inviável relatar o contexto socioeconômico em que o mesmo estava inserido.

Diante disso, não se vislumbra no presente caso cerceamento de defesa, uma vez que o laudo socioeconômico não foi obstaculizado pelo juízo a quo de modo imotivado, ao contrário pautou-se em manifestação expressa da assistente social no sentido de inviabilidade da diligência. Desse modo, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

 

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)

 

O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelos arts. 20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.

A legislação exige a presença cumulativa de dois requisitos para a concessão do benefício.

Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art. 20, caput, da Lei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 20, § 2.º).

Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto de declaração parcial de inconstitucionalidade, pela qual firmou o Supremo Tribunal Federal que “sob o ângulo da regra geral, deve prevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza, assistência aos desemparados” sendo que “Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais” (STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, 2.10.2013).

De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993, dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.

O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.

Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensal per capita para “1/2 (meio) salário mínimo)”.

Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020, incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este que restou, porém, vetado.

Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos.

 

 

DO CASO DOS AUTOS

 

A condição de idosa da parte autora foi comprovada pela juntada de documento de identidade, Id. 130813574.

No caso dos autos, em razão do falecimento do autor, não foi possível a elaboração de estudo social acerca das condições em que vivia juntamente com as pessoas de sua família, que residiam sob o mesmo teto.

Inclusive, conforme consta acima, a impossibilidade de realização do estudo social foi informada pela assistente social, no documento Id. 130813638. Portanto, não há como se aferir se o autor, à época de seu falecimento, cumpria os requisitos necessários a concessão do benefício.

Observa-se que o benefício, em análise, possui caráter personalíssimo, de maneira que, em face do falecimento do autor antes da comprovação dos requisitos, não há como reconhecer a a procedência do pedido ou dar prosseguimento ao feito.

Válido esclarecer que o art. 112 da Lei n.º 8.213/91 admite a habilitação dos herdeiros, nos casos em que, reconhecida a procedência de pedido, haja direito a prestações vencidas, em consonância com a previsão contida no art. 23 do Decreto n.º 6.214, de 26 de setembro de 2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social.

In casu, repise-se, as exigências legais para concessão do benefício assistencial não foram comprovadas pelo autor. Logo, não constatado o cumprimento dos requisitos necessários a concessão do benefício antes do óbito, sequer existem valores a serem pagos aos herdeiros ou sucessores do requerente.

Também esta 8.ª Turma, nesse mesmo sentido, tem decidido pela perda superveniente do objeto nos casos de falecimento do requerente antes de comprovar que cumpre os requisitos legais indispensáveis a concessão do benefício (Apelação Cível 5309442-79.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 28/1/2021).

Assim, a sentença merece ser anulada para que o processo seja julgado extinto sem resolução de mérito.

Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para anular a sentença proferida e julgar extinto o feito, sem resolução de mérito, em razão da perda superveniente do objeto, nos termos do art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.

É o voto.

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OPORTUNIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE ESTUDO SOCIAL INDIRETO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. PESSOA IDOSA. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO CUMULATIVA DA CONDIÇÃO DE PESSOA IDOSA E DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AUSÊNCIA DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL.

- O benefício de prestação continuada exige, para a sua concessão, que a parte comprove ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial (art. 20, caput e § 2.º, da Lei n.º 8.742/1993).

- Não caracterizado o cerceamento de defesa, ante a manifestação da perita social de impossibilidade de se aferir as condições socioeconômicas do autor de maneira indireta. 

- Os elementos constantes dos autos são insuficientes para demonstrar a existência de miserabilidade apta a ensejar a concessão do benefício pleiteado.

- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, para anular a sentença proferida e julgar extinto o feito, sem resolução de mérito, em razão da perda superveniente do objeto, nos termos do art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.