APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5169694-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE LOURDES DA SILVA PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS DA LUZ - SP248179-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5169694-32.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA DE LOURDES DA SILVA PEREIRA Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS DA LUZ - SP248179-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez a trabalhador rural, desde a data do requerimento administrativo (16/3/2015). O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo. O INSS apela, pleiteando, preliminarmente, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e, no mérito, a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, requer a fixação do termo inicial do benefício na data em que constatada o início da incapacidade pelo perito, bem como seja a sentença submetida ao reexame necessário. Com contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5169694-32.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA DE LOURDES DA SILVA PEREIRA Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS DA LUZ - SP248179-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, esclareça-se não ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame necessário, considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos. A preliminar de atribuição de efeito suspensivo dever ser rejeitada, nos termos do artigo 1.012, §1.º, V, do CPC, que determina que a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória produz efeitos imediatos. In casu, ao ser determinada a implantação imediata do benefício no decreto monocrático, deferiu-se tutela específica de urgência, de natureza satisfativa, perfeitamente enquadrada na hipótese do art. 461 do Código de Processo Civil, qual seja, a procedência do pedido, a revelar cumprimento de uma obrigação de fazer, vislumbrada a necessidade de medida assecuratória do resultado específico desse adimplemento. A decisão acha-se suficientemente fundamentada, referindo-se o magistrado a quo à natureza alimentar do benefício concedido, e a alegação de ausência dos requisitos necessários à concessão da medida diz respeito, na verdade, ao mérito, e como tal deve ser apreciada. Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, quando exigida. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária. Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012). Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor da aposentadoria por invalidez porventura concedida. No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11, inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de forma descontínua, é qualificado como empregado. Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o trabalhador volante. Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado. Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADORA RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO MEDIANTE EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO DO ESPOSO) Para comprovar a sua condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da carência, a autora acostou cópia de sua certidão de casamento, realizado em 21/11/1983, da qual se infere a qualificação profissional de seu esposo, Devaldi Gino Pereira, como lavrador (Id. 124933899) e CTPS de seu esposo indicando vínculos rurais nos períodos de 6/2/1984 a 22/8/1992; 1.º/4/1994 a 3/6/1996; e 23/9/1996 a 10/1/2014 (Ids. 124933900 e 124933902). Ainda, extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) juntado pela autarquia federal revela que a autora recolheu contribuições no período de 1.º/10/2014 a 28/2/2015 (Id. 124933853). É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a profissão exercida pelo companheiro da parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar. Diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente que a mulher labore em auxílio a seu cônjuge ou companheiro, visando ao aumento de renda, para obter melhores condições de sobrevivência. E os elementos documentais juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina no caso dos autos. Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural. A testemunha Pedro Domingues afirmou que conhece a autora desde 1984, que trabalhava junto aos outros trabalhadores rurais, mas que no momento encontra-se sem laborar em função das moléstias que a acometeram. A testemunha Francisca dos Santos de Barros afirmou que conhece a autora de 1967 a 1983, que trabalhava junto à autora na plantação de cebolas, algodão e milho, porém no momento encontra-se sem trabalhar em razões de saúde. Assim, a condição de empregado rural do companheiro permite a extensão dessa condição à autora, que também desenvolvia o labor rural, a fim de contribuir para a subsistência da família, conforme corroboram os depoimentos das testemunhas ouvidas. Destarte, restou comprovada a atividade da requerente como trabalhadora rural no período de carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável, na hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível depreender do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor. No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa. A perícia médica concluiu ser, a apelada, portadora de coronariopatia obstrutiva (CID-10: I. 25), insuficiência cardíaca (CID-10: I. 50), hipertensão arterial (CID-10: I. 10), osteoartrose (CID-10: M. 15.0), hipotireoidismo (CID-10: E. 03.9) e transtorno misto ansioso e depressivo (CID-10: F. 41.2). Considerou-a incapacitada para o trabalho de forma total e definitiva, desde abril de 2018 (Id. 124933828). A requerente acostou laudo médico relatando cardiopatia grave, emitido em 4/3/2015, hipertensão arterial, emitido em 13/2/2015, bem como resultados de angioplastia percutânea transluminal coronária e implante de stent indicando “doença coronária obstrutiva biarterial no evento agudo de infarto anterior e ventrículo esquerdo com déficit moderado a importante da contração global”, realizado em 5/4/2018 (Ids. 124933801, 124933802, 124933804 e 124933807) Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de aposentadoria por invalidez. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que constatada a incapacidade total e permanente pela perícia judicial (5/4/2018). Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da República. Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019. Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência. Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais. Posto isso, rejeito a matéria preliminar e dou parcial provimento à apelação, para fixar o termo inicial do benefício, nos termos da fundamentação, supra. É o voto. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.