Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378898-19.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. F. D. S.
REPRESENTANTE: CASSIA LIMA FREIRE

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378898-19.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. F. D. S.
REPRESENTANTE: CASSIA LIMA FREIRE

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N

 

 

R E L A T Ó R I O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, condenando o INSS a pagar o benefício no valor de um salário mínimo mensal, a contar da data do ajuizamento da ação, com aplicação de correção monetária e juros de mora, e ao pagamento de honorários advocatícios, antecipando, ainda, os efeitos da tutela para implantação imediata do benefício.

Em suas razões de apelação o INSS pugna pela reforma da sentença, alegando, em síntese:

- que deixou de comprovar os requisitos estabelecidos pelo artigo 20, §§ 2º e 3º, da Lei 8.472/93.

Com contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo parcial não conhecimento da remessa oficial e pelo desprovimento do recurso.

É O RELATÓRIO. 

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378898-19.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: E. F. D. S.
REPRESENTANTE: CASSIA LIMA FREIRE

Advogado do(a) APELADO: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N,
Advogado do(a) REPRESENTANTE: MARCELO DE OLIVEIRA LAVEZO - SP227002-N

 

 

V O T O

A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.

MÉRITO

O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.

O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.

O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.

A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.

Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.

No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as metas 1.3 “Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (...)”; e 2.1 “Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.”

É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta deve ser compreendido.

O § 2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.

Nesse sentido, as avaliações de que trata o § 6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.

Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:

"A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada".

No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a ser submetido à apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).

Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico.

Por sua vez, o § 11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, dispôs que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.

Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).

Outrossim, os filhos e enteados e os menores tutelados somente integram o grupo familiar e, consequentemente, a  renda mensal bruta familiar,  quando foram solteiros e viverem sob o mesmo teto do requerente (artigo 4º, incisos V e VI, Decreto 6.214/2017), e o benefício já concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS (artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). 

Assim sendo, o inconformismo da autarquia não procede, devendo ser mantida a r. sentença monocrática por seus próprios fundamentos, os quais seguem reproduzidos (ID 149578085):

"O relatório de fls. 170/172 bem comprovou o estado de miserabilidade da parte autora, que mora em casa cedida pelo genitor, em área de ocupação, sobrevivendo de ajuda familiar de R$ 225,00 mensais. O relatório confirma que a renda per capta familiar é de R$ 112,50, portanto está bem abaixo de ¼ do salário mínimo. Já o laudo pericial a fls. 122 bem comprovou que a parte autora possui “limitação comportamental da criança, se comparadas com outras da mesma idade, sendo então classificada como uma criança especial, com limitações intelectuais e de expressões verbais, tendo sido classificada como portadora de doença congênita psiquiátrica denominada de autismo”. Portanto, a parte autora preenche também o requisito deficiência, haja vista possuir impedimentos de longo prazo, com potencialidade para obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras pessoas."

Destaco que o estudo social evidencia a insuficiência de recursos da parte autora, sendo forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.

Assim, da análise dos autos verifica-se que a renda do núcleo familiar é insuficiente para a manutenção da parte autora, devendo ser mantida a r. sentença que concedeu o benefício postulado.

Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto na sentença, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, confirmo a tutela anteriormente concedida.

Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei.

Não obstante a matéria que trata dos honorários recursais tenha sido afetada pelo Tema nº 1.059 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que determinou a suspensão do processamento dos feitos pendentes que versem sobre essa temática, é possível, na atual fase processual, tendo em conta o princípio da  duração razoável do processo, que a matéria não constitui objeto principal do processo e que a questão pode ser reexaminada na fase de liquidação, a fixação do montante devido a título de honorários recursais, porém, deixando a sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o referido tema, o que será examinado oportunamente pelo Juízo da execução. 

Assim, desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, condenando o INSS ao pagamento dos honorários recursais, e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e da correção monetária. 

É COMO VOTO.

/gabiv/jb



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL: PREVIDENCIÁRIO. LOAS. IDADE/INCAPACIDADE. MISERABILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS.

1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em razão de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve ser recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.

2. O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais preenchidos. 

3. Do cotejo do estudo social, da incapacidade da parte autora e de sua dependência econômica, bem como a insuficiência de recursos da família, é forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade que se apresenta.

4. Desprovido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, ficando a sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo da execução.

5. Recurso desprovido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso, condenando o INSS ao pagamento dos honorários recursais, e, de ofício, determinar a alteração dos juros de mora e da correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.