APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5364804-66.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: FABIANA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA
REPRESENTANTE: DEOCLECIA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO ANTONIO BARCELLI - SP118320-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5364804-66.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: FABIANA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO ANTONIO BARCELLI - SP118320-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação interposta pela parte autora FABIANA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA contra a r. sentença (Id.:147891984) que julgou improcedente o pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada, condenando-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa, suspensa a execução, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Em suas razões de apelação (Id.:147891990), sustenta a parte autora o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício requerido, vez que restou comprovada sua deficiência e a miserabilidade de seu núcleo familiar, devendo a ação ser julgada procedente. Pugna pela reforma da sentença. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (Id.:149108706). É O RELATÓRIO.
REPRESENTANTE: DEOCLECIA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5364804-66.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: FABIANA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA Advogado do(a) APELANTE: BENEDITO ANTONIO BARCELLI - SP118320-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil. MÉRITO O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993. O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar. O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças. A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos. Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria. No mais, destaco que o julgamentos dos casos de LOAS, pela análise do cabimento ou não da percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) contribui para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, que prevê a integração da Agenda 2030 da ONU pelo Poder Judiciário, guardando especial consonância os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de número 1 e 2 (ODS 1 e 2) desta Agenda, qual sejam: "erradicação da pobreza; e fome zero”, especialmente com as metas 1.3 “Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis (...)”; e 2.1 “Até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano.” É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido. O §2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, para a análise da situação de vulnerabilidade do requerente pelo conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social. Nesse sentido, as avaliações de que trata o §6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito. Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU: "A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada". No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela recente MP 1.023/2020, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo (critério a ser submetido à apreciação do Congresso Nacional), fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001). Neste sentido, o E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O §11 do artigo 20, incluído pela Lei 13.146/2015, normatizou que a comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente podem ser aferidos por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar. Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008). Assim sendo, o inconformismo da parte autora não procede, devendo ser mantida a r. sentença monocrática (Id.:147891984), por seus próprios fundamentos, os quais seguem reproduzidos: "No caso em tela, a pretensão da autora vem fundada na qualidade de deficiente, sendo, portanto, determinada a realização de perícia médica, cujo laudo foi juntado às fls. 111/118, tendo o Expert concluído que: 'De acordo com o visto e descrito a perícia conclui que a pericianda é portadora de retardo mental, com comprometimento psicosocial. Realiza acompanhamento com a especialidade e nega uso de medicação contínua no momento pois aguarda retorno com psiquiatra. Paciente sem queixas, mãe relata que a filha foi, não realiza tarefas do lar (cozinhar, limpar), e depende totalmente dela para suas atividades diárias, como administrar medicação, alimentação e higiene adequada. Ao exame físico apresenta bom estado geral. Consciente e desorientado no tempo e espaço. Boa higiene. Calma. Eutímica. Verbaliza sem alteração. Pensamento desorganizado. Com alteração das faculdades mentais. Memórias pregressa e atual prejudicadas. Delírio ausente. Mania ausente. Crítica presente. Sono sem alteração. Vaidade presente. Relação interpessoal: com prejuízo. Mantém contato visual. Vaidade ausente. Devido grau de enfermidade apresentada a pericianda não possui critério para reabilitação. Data do início da doença: desde ano 2000. Data do início da incapacidade: desde ano 2000 (início do acompanhamento com a especialidade). Portanto a perícia identificou incapacidade total e permanente para a atividade laboral (omniprofissional), bem como para realização de qualquer atividade habitual diária, estando totalmente dependente de terceiros. Não possui critério para reabilitação.'. Desse modo, a incapacidade da autora restou constatada. No que concerne à sua situação socioeconômica, foi determinada a realização de estudo social, sendo o laudo técnico acostado às fls. 128/136. Ao final dos trabalhos, consignou a assistente social: 'Diante do exposto, do ponto de vista social, embora a requerente tenha o mínimo de suas necessidades atendidas pelos genitores, somos s.m.j., favoráveis a solicitação da requerente, que a ela seja concedido o BPC que pleiteia, pois assim a mãe terá maior tranqüilidade nos cuidados e na atenção a filha.' Tal conclusão se pauta nos elementos observados durante a visita realizada na casa família, onde se constatou que a autora possui 40 anos de vida, é solteira e analfabeta. Reside na companhia dos pais, que são aposentados e de um filho, de 08 anos de idade. A família reside em casa própria, de alvenaria, simples, com forro de laje e em péssimo estado de conservação. A renda da família, no total de R$3.490,00, provém da aposentadoria dos genitores da autora. Desta feita, a renda per capita é de R$872,00, sendo superior a 50% do salário mínimo vigente. (...) Portanto, a autora não cumpriu os requisitos exigidos, de rigor a improcedência do pedido." Em que pese a conclusão da assistente social, consigno que o benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim, proporcionar condições mínimas necessárias para a existência digna do indivíduo. Colho dos autos que as despesas elencadas no estudo social são inferiores a renda auferida pelo grupo familiar e as necessidades básicas estão sendo atendidas, não ficando evidenciada a situação de extrema vulnerabilidade exigida pela lei. Ademais, conforme elucidado pelo Ministério Público Federal em seu parecer, "deve-se descontar a quantia de um salário mínimo da aposentadoria do genitor da autora, no valor de R$2.490,00, tendo em vista que se trata de pessoa idosa, que conta 69 anos atualmente. Dessa maneira, a renda a ser considerada é proveniente da aposentadoria da genitora da apelante, no valor mínimo, bem como de R$ 1.492.00,00 da aposentadoria do genitor da requerente, de maneira que a renda per capita familiar é de R$ 830,00", o que supera em muito o teto adotado para análise do benefício atualmente, qual seja, ½ salário mínimo. Assim, inexistindo outras provas em contrário, entendo que a autora não demonstrou preencher os requisitos legais, notadamente, o que diz respeito à hipossuficiência econômica, de modo que não faz jus ao benefício assistencial requerido. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei. Assim, desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à Apelação da parte AUTORA, condenando-a ao pagamento dos honorários recursais, na forma antes delineada, mantendo íntegra a sentença recorrida. É COMO VOTO. /gabiv/gvillela
REPRESENTANTE: DEOCLECIA APARECIDA SILVEIRA PEREIRA
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. LOAS. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA.
1 - O Benefício Assistencial requerido está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
2 - A concessão do benefício assistencial (LOAS) requer o preenchimento concomitante do requisito de deficiência/idade e de miserabilidade. Requisitos legais não preenchidos.
3 - Miserabilidade não comprovada. Renda per capita familiar acima do teto adotado para análise do benefício atualmente, qual seja, ½ salário mínimo.
4 - Desprovido o apelo da parte autora interposto na vigência da nova lei, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%, nos termos do art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, observada a suspensão prevista no artigo 98, parágrafo 3º, da mesma lei.
5 - Apelação da parte autora desprovida. Sentença mantida.