Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5294794-94.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: A. M. M.
REPRESENTANTE: ISABEL CRISTINA MONELLI DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUMSTEIN - SP116509-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5294794-94.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: A. M. M.
REPRESENTANTE: ISABEL CRISTINA MONELLI DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUMSTEIN - SP116509-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.

A sentença, prolatada em 09.07.2019, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem: "Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. CONDENO a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em R$ 500,00 a teor do disposto no art. 85, §§ 2º e 8º do Código de Processo Civil, considerando a ausência de proveito econômica e o baixo valor atribuído à causa. Todavia, a exigibilidade da verba sucumbencial ficará sobrestada pelo prazo de cinco anos, a teor do disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. Ciência ao Ministério Público. Publique-se. Intimem-se. Dispensado o registro (Provimento CG nº 27/2016). "

Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.

Com contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5294794-94.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: A. M. M.
REPRESENTANTE: ISABEL CRISTINA MONELLI DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE ZUMSTEIN - SP116509-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:

As condições econômicas no núcleo familiar é incompatível com o benefício ora requerida. O estudo social apontou que o núcleo familiar aufere R$ 4.290,98 em razão do trabalho de Elias Alves da Silva, o que resulta em uma renda per capta de R$ 715,20. No mais, destaco que a família reside em imóvel própria e que não foram descritos gastos extraordinários que conduzem a família a uma situação de miserabilidade. A finalidade da benesse não é dar uma vida mais confortável a quem quer que seja, mas sim garantir condições mínimas de sobrevivência àquele que, sem a ação pública, não teria meios de se sustentar. As melhorias na condição de vida, a rigor, devem ser implementadas pela família, não ao custo da previdência (dos contribuintes). Com efeito, todos eles, têm o dever de prestar auxílio aos pais, rememorando-se que “o direito (e o dever) à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” (CC, art. 1.696). Certo é que, à míngua do preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício ora pleiteado, o pedido formulado nestes autos é de ser julgado improcedente.

De fato, o estudo social (ID 138342636), elaborado em 25.07.2019, revela que a parte autora reside com seus tutores (Isabel Cristina Monelli e Elias Alves da Silva), dois irmãos (João Carlos e Luis Fernando) e seu primo João Vitor Monelli da Silva em casa própria.

A renda da casa advém do salário do Sr. Elias, como Torneiro Mecânico, no valor de R$ 4.290,98.

Informaram despesas com alimentação R$ 2.200,00;  Água R$ 212,21; Energia elétrica R$ 310,00; Internet R$ 79,00; Manutenção de aparelho odontológico R$ 70,00; Curso de informática R$ 82,20; Óculos (órtese) R$ 266,00; Farmácia R$ 288,49; INSS-Isabel R$ 109,78 e outras despesas ( padaria/roupas/combustível/dentista), por volta de R$ 800,00, totalizando cerca de R$ 4.417,68.

A perita social emitiu parecer favorável, considerando que a parte autora será dependente por tempo indeterminado e por estarem arcando como muitas despesas por conta de assumir a guarda dos sobrinhos.

Entretanto, depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.

Consta ainda que o grupo conta com elementos jovens e aptos ao trabalho.

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.

Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.  

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

3. Benefício assistencial indevido.

4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

5. Apelação da parte autora não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.