Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005140-80.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LIDIA DIAZ DE GUTIERREZ

Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005140-80.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LIDIA DIAZ DE GUTIERREZ

Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.

A sentença, prolatada em 10.03.2020, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto e por tudo mais que dos autos consta, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito da demanda, julgando improcedente o pedido formulado na inicial.”

Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício.

Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da apelação.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005140-80.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LIDIA DIAZ DE GUTIERREZ

Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.

Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.

Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.

Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica,  por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03),  a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.

Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.

Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.

Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.

Confira-se:

“Todavia, no caso em tela, em que pese o laudo social, a situação de miserabilidade econômica não se faz presente. A própria assistente, no item 14 do laudo esclareceu que "Se considerarmos o ambiente familiar no qual a requerente está inserida não há caracterização de miserabilidade". Além disso, restou demonstrado que a autora reside atualmente com casal de amigos, os quais possuem uma renda anual de R$ 22.480,00 (vinte e dois mil, quatrocentos e oitenta reais). Cabe pontuar que LOAS não é substitutivo de seguro desemprego. Fora que admitir que o desemprego gere automático direito ao LOAS implicaria em desprestígio ao valor do trabalho. Nota-se, ainda, que a residência tem todo o aparato necessário para a vida digna dos componentes da família. Outrossim, consta do relatório social que a autora possui mais três filhas, ao que consta todas aptas ao trabalho, de modo que podem e devem colaborar com a mantença de seus pais, obrigação sobretudo moral, não deixando o encargo ao Estado. Aliás, como nem sempre as obrigações morais são bem reproduzidas no plano fático, o constituinte trouxe essa determinação de apoio dos filhos aos pais com o avançar da idade deles, conforme art. 229 da CRFB. Sobre o assunto2 : (...) Ora, somente quando a família, inclusive os filhos que não mais residem com os pais, não têm condição de assistir os pais, o que não é o caso, é que cabe ao Estado subsidiar com benefício assistencial. Nesse sentido já decidiu o TRF-3: (...)”

Por sua vez, o estudo social (ID 135256447 – pag. 46/52), elaborado em 18.09.2017, revela que a parte autora reside com amigos em imóvel que a eles pertence, de alvenaria, com uma suíte, três quartos, duas salas, uma cozinha e um banheiro em ótimo estado de conservação e higiene. A casa está guarnecida com moveis e eletrodomésticos em ótimo estado de conservação que garantem o conforto da família.

A parte autora declara que não possui renda e afirma que quando podem as filhas auxilia com R$ 100,00. A família que acolhe a autora é composta por quatro pessoas, e apresenta renda mensal variável devido à atividade laboral informal exercida por parte do grupo, sendo que dois elementos recebem aposentadoria no valor de um salário-mínimo.

Afirma a perita social que: “Se considerarmos o ambiente familiar no qual a requerente está inserida não há caracterização de miserabilidade.”

Da leitura do laudo social extrai-se que a parte autora não vive em estado de miserabilidade, não havendo notícia de que suas necessidades básicas não estejam supridas.

Ademais, consta que a parte autora possui três filhas maiores de idade e com vida independente, mas que guardam o dever legal de acudi-la em caso de urgência.

Por oportuno, anoto que o primeiro relatório social, apresentado em 31.07.2017 (ID 135256447 - Pág. 20) informa que houve seis tentativas de entrevista, frustradas ante a ausência da parte autora no endereço indicado na peça inicial. Sobre o fato, alega a parte autora que estava em companhia das filhas, o que evidencia que mãe e filhas mantem contato.

Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico ou promover autonomia financeira, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.

Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.

Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005140-80.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: LIDIA DIAZ DE GUTIERREZ

Advogado do(a) APELANTE: RUBENS DARIO FERREIRA LOBO JUNIOR - MS3440-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

 

 

EMENTA
 

APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RECURSO IMPROVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.

1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora não vive em estado de miserabilidade. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.

3. Benefício assistencial indevido.

4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015.  Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.

5. Apelação da parte autora não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.