APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016853-25.2018.4.03.6183
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA CILENE NOGUEIRA DE SENA
Advogados do(a) APELADO: JOELMA MARQUES DA SILVA - SP335699-A, ELAINE CRISTINA RIBEIRO - SP138336-A, FERNANDO DA CONCEICAO - SP305147-A, MARIA NEIDE MARCELINO - SP36562-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016853-25.2018.4.03.6183 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA CILENE NOGUEIRA DE SENA Advogados do(a) APELADO: JOELMA MARQUES DA SILVA - SP335699-A, ELAINE CRISTINA RIBEIRO - SP138336-A, FERNANDO DA CONCEICAO - SP305147-A, MARIA NEIDE MARCELINO - SP36562-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ajuizada por MARIA CILENE NOGUEIRA DE SENA em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando a concessão do benefício de pensão por morte em decorrência do óbito de José Domingues Cardoso, ocorrido em 30/10/2014. A sentença julgou procedente o pedido para condenar o INSS a conceder o benefício ao autor a partir da data do requerimento administrativo (09/02/2017) e ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Condenou, ainda, o INSS ao pagamento de honorários de advogado, em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos do artigo 85, §4º, inciso II e do CPC/2015, sobre o valor da condenação, considerado como termo final desta a data da sentença, nos termos da Súmula n. 111 do STJ. Foi determinada, ainda, em sede de antecipação de tutela, a implantação imediata do benefício. Dispensado o reexame necessários nos termos do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil/2015. Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS sustentando, em síntese, que não restou comprovada a união estável e a dependência econômica, sendo indevido o benefício pretendido. Subsidiariamente, requer a observância do art. 1º - F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009 quanto aos juros de mora e a correção monetária. Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016853-25.2018.4.03.6183 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA CILENE NOGUEIRA DE SENA Advogados do(a) APELADO: JOELMA MARQUES DA SILVA - SP335699-A, ELAINE CRISTINA RIBEIRO - SP138336-A, FERNANDO DA CONCEICAO - SP305147-A, MARIA NEIDE MARCELINO - SP36562-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte estão previstos nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo necessária a comprovação, cumulativamente: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa) da Previdência Social; b) da existência de beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido. No tocante aos dependentes do segurado falecido, o direito à pensão por morte encontra-se disciplinado na Lei n. 8.213/91, art. 16, in verbis: " Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente." Vale lembrar que esse benefício é devido ao conjunto de dependentes do de cujus que reúnam as condições previstas nos art. 77 da Lei 8.213/1991, obviamente cessando para o dependente que não mais se enquadre nas disposições desse preceito normativo. Nem mesmo a constatação de dependente ausente obsta a concessão da pensão, cabendo sua habilitação posterior (art. 76 da Lei 8.213/1991). Por sua vez, o § 4º desse mesmo artigo estabelece que "a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada". A dependência econômica não precisa ser exclusiva, de modo que persiste ainda que a parte autora tenha outros meios de complementação de renda. Interpretação abrangente do teor da Súmula 229, do extinto E. TFR. Nesse sentido, também não impede a concessão do benefício em tela o fato de o dependente receber aposentadoria, pois o art. 124 da Lei nº 8.213/1991 não veda a acumulação da pensão por morte com aposentadoria, quando presentes os requisitos legais. Nega, apenas, a acumulação de mais de uma pensão, deixada por cônjuge ou companheiro, assegurado o direito de se optar pelo pagamento da mais vantajosa. O caso dos autos Contesta a autarquia apelante a condição de dependente da apelada em relação ao segurado falecido, por entender não estar comprovada a união estável e a dependência econômica. Nos termos do §6º do artigo 16 do Decreto n. 3.308/99, a união estável é aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o §1º do artigo 1.723 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002). Constatada a relação de união estável, a dependência econômica da companheira é presumida, conforme disposto no inciso I do artigo 16 da Lei n. 8.213/91, sendo desnecessária a prova nesse sentido. A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido de concessão do benefício sob os seguintes fundamentos: "(...) Resta-nos verificar a presença do segundo requisito relacionado com o benefício pleiteado, qual seja, a qualidade de dependente da autora, em relação a que devemos nos remeter ao texto do artigo 16 da Lei nº 8.213/91, segundo a qual, são beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, aquelas pessoas enumeradas nos incisos I, II e III, incluindo-se no inciso I o cônjuge, a companheira ou o companheiro. Em audiência realizada no dia 15/08/2019, foi colhido o depoimento pessoal da parte autora, bem como foram ouvidas as testemunhas por ela arroladas. A autora afirmou em seu depoimento que viveu em união estável com o falecido por cerca de cinco anos, de fevereiro de 2009 até o falecimento do Segurado, que não tiveram filhos e ele era solteiro, apesar de ser pai das pessoas indicadas em sua certidão de óbito (Id. 11550022 – Pág. 10). Acrescentou que era proprietária de um barzinho junto a sua casa, o qual era frequentado pelo falecido, quando então passaram a se relacionar e ele veio a morar com a Autora. Acometido de câncer no pâncreas, José Domingos parou de auxiliá-la no bar, e precisou de uma maior atenção da Autora, razão pela qual fechou seu estabelecimento e acabou vendendo todo seu estoque para sustentar a casa e custear o tratamento de seu companheiro. A testemunha Carlos Antônio de Lima, ao ser ouvido sob compromisso, afirmou conhecer a Autora desde 1990, quando foi morar próximo à casa dela, a qual tinha um barzinho que frequentava, assim como o Sr. José Domingues, o qual passou a residir com ela, assim permanecendo até a ocasião de seu falecimento. Afirmou, também, que eles conviviam como se casados fossem. A testemunha Beatriz Souza Brandão, confirmando todas as afirmações da Autora e da primeira testemunha, esclareceu que também é vizinha da Autora, e que presenciou os cerca de seis anos em que o Sr. José Domingues conviveu com ela na mesma residência como casados. De tal maneira, as testemunhas foram unânimes em afirmar que a parte autora e o falecido viviam em união estável, confirmando o depoimento pessoal da autora. Ademais, os documentos anexados aos autos comprovam que o casal mantinha o mesmo endereço, inclusive à época do óbito, na Rua Vitório Negrelle, nº 73, conforme comprovantes de residência em nome do autor e em nome da falecida (Id. 11550022 – Págs. 8, 13, 14 e 91). Assim sendo, reunindo-se a prova testemunhal apresentada com os documentos anexados aos autos, temos que a autora demonstrou claramente ser companheira do segurado, enquadrando-se, assim, no inciso I do artigo 16 da lei nº 8.213/91, sendo que, conforme consta no § 4º do mesmo artigo, a dependência econômica destes é presumida. Conforme a doutrina, existem duas espécies de presunção, as quais são divididas quanto à origem em presunções simples (comuns ou do homem) e presunções legais (ou de direito), sendo estas últimas aquelas decorrentes de criação legal, tendo assim o próprio raciocínio traçado na lei, subdividindo-se em absolutas e relativas. Sendo assim, a presunção relativa pode ser afastada por prova em contrário realizada pela outra parte, inclusive quanto ao fato presumido, permitindo, assim, que se demonstre que, conquanto provado o fato de que se vai extrair a inferência ou ilação conducente à veracidade do fato probando, tal inferência ou ilação não corresponde à realidade. No que se refere às presunções absolutas, por sua vez, desde que provado pelo beneficiário o fato base ou auxiliar, a inferência legal terá que ser necessariamente extraída, não restando possibilidade alguma de o juiz deixar de atender à presunção, ou seja, o fato presumido haverá de ser reputado verdadeiro. A partir daí, portanto, necessário se faz enquadrar o disposto no § 4º do artigo 16 da lei n. 8.213/91, no sentido de que a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada, se trata de presunção legal relativa ou absoluta, decorrendo daí a necessária e lógica conclusão da decisão de mérito. O Código Civil traz diversas presunções legais, algumas absolutas, outras relativas, podendo-se exemplificar as absolutas as previstas nos artigos 163, 174, 231, 574 e 659, sendo relativas aquelas que constam nos artigos 322, 324 parágrafo único, 500 § 1º, 581, 1.201 parágrafo único, 1.203 e 1.231. A leitura dos artigos acima enumerados, nos leva a encontrar a fundamental diferença entre presunções absolutas e relativas, pois as primeiras não trazem em seu texto qualquer ressalva quanto a possibilidade de ser admitida prova em contrário, como, por exemplo: Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. Art. 574. Se, findo o prazo, o locatário continuar na posse da coisa alugada, sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguel, mas sem prazo determinado. Nas presunções relativas, ao contrário, encontramos sempre uma ressalva que admite a atividade probatória, como por exemplo: Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores. Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento. Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento. Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. (não há destaques no original) A presunção prevista no § 4º do artigo 16 em questão, portanto, é de natureza absoluta, uma vez que não dá margem a qualquer questionamento a respeito do fato presumido, qual seja, a qualidade de dependente do cônjuge ou companheiro, bastando, assim, em tais casos, que se comprove o fato auxiliar ou base, no caso a união estável, para que se tenha por legal e absolutamente presumida a dependência econômica. Veja-se aliás, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça a respeito da presunção de dependência no caso de cônjuge: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CUMULAÇÃO COM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ÓBITO OCORRIDO APÓS A CF/88. POSSIBILIDADE. 1. Gozando de presunção absoluta de dependência econômica, o cônjuge de segurado falecido faz jus à pensão por morte, ainda que seja beneficiária de aposentadoria por invalidez e o óbito tenha ocorrido antes do advento da Lei 8.213/91. (não há grifos no original) 2. O direito a sua percepção, garantido constitucionalmente, somente pode ser restringido em não havendo cônjuge ou companheiro, ou quaisquer dependentes que provem a condição de dependência; não recepção do Decreto 83.080/79, art. 287, § 4º, pela atual Constituição Federal. 3. Recurso não conhecido. (REsp 203722 / PE ; RECURSO ESPECIAL 1999/0011838-3 Relator Ministro EDSON VIDIGAL - QUINTA TURMA Data do Julgamento 20/05/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 21.06.1999 p. 198) Sendo assim, devidamente demonstrada a condição de companheira em relação ao falecido Segurado do Regime Geral de Previdência Social, não há que se negar à Autora o benefício postulado." Verifica-se, assim, que o MM. Juiz Federal sentenciante concluiu pela existência da união estável e da dependência econômica da autora em relação ao segurado falecido com base na totalidade do conjunto probatório acostado aos autos, inclusive da prova testemunhal produzida em Juízo, sendo de rigor a manutenção da sentença de procedência por seus próprios fundamentos legais. No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019. Por fim, no que tange à aplicação da norma prevista no § 11 do artigo 85 do CPC/2015, matéria afetada pelo Tema Repetitivo nº 1.059 do C. STJ, não obstante a atribuição de efeito suspensivo aos processos que a envolvam, entendo ser possível a fixação do montante devido a título de honorários de sucumbência recursal, ficando, todavia, a sua exigibilidade condicionada à futura decisão que será proferida nos recursos representativos de controvérsia pela E. Corte Superior de Justiça, cabendo ao I. Juízo da Execução a sua análise no momento oportuno. Assim, determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, que, in casu, conforme determinado pelo Juízo a quo, será apurado quando da liquidação da sentença (inciso II do §4º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015), ficando a exigibilidade suspensa, consoante já dito acima. Ante o exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, nego provimento à apelação do INSS e, com fulcro no §11 do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. UNIÃO ESTÁVEL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO MAJORADOS.
1. O benefício de pensão por morte está disciplinado nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo requisitos para a sua concessão a qualidade de segurado do de cujus e a comprovação de dependência do pretenso beneficiário.
2. Conjunto probatório suficiente à comprovação da união estável e da dependência econômica da parte autora em relação ao segurado falecido de modo a preencher os requisitos para concessão do benefício.
3. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE n. 870.947, tema de repercussão geral n. 810, em 20.09.2017, Rel. Ministro Luiz Fux. Correção de ofício.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à futura decisão que será proferida nos recursos representativos de controvérsia pela E. Corte Superior de Justiça - Tema Repetitivo nº 1.059 do C. STJ.
5. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS não provida.