APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050665-56.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: SILO MARQUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: CLEUNICE ALBINO CARDOSO - SP197643-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050665-56.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL APELADO: SILO MARQUES DA SILVA Advogado do(a) APELADO: CLEUNICE ALBINO CARDOSO - SP197643-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado nos embargos à execução para determinar a adoção do indexador IPCA-E na correção monetária das diferenças, com juros idênticos aos da caderneta de poupança. Sem condenação em honorários advocatícios por se tratar de adequação aos termos do RE 870947. Aduz o apelante o excesso de execução na conta embargada no tocante à cobrança integral do abono anual de 2010, ao argumento de que já pagou uma das parcelas, quando da cessação do benefício de auxílio-doença em 19/10/2010, conforme comprovante anexo (fls. 12/22). Sustenta ser devida, na correção monetária dos atrasados, a aplicação do critério previsto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, a partir da sua vigência, ou seja, a partir de 07/2009, adotando-se o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR). Requer o provimento do recurso, bem como o acolhimento da conta de liquidação por ele elaborada, em consonância com os critérios acima mencionados. Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Regional. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050665-56.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL APELADO: SILO MARQUES DA SILVA Advogado do(a) APELADO: CLEUNICE ALBINO CARDOSO - SP197643-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, em relação ao abono anual, da análise dos históricos de crédito anexados aos autos (fl. 04, ID 6222376), verifica-se que, na via administrativa, houve o pagamento do décimo-terceiro salário relativo às competências anteriores a 10/2010 no respectivo ano, de modo que as diferenças decorrentes de tal abono devem ser computadas de forma proporcional. No caso em tela, a sentença proferida na ação de conhecimento determinou que, sobre as prestações em atraso, devem ser acrescidos juros moratórios e correção monetária calculados nos termos do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, o que não foi alterado na decisão monocrática prolatada em sede recursal, cujo trânsito em julgado ocorreu em 05/12/2014 (ID 6222409). A execução norteia-se pelo princípio da fidelidade ao título executivo, o que consiste em limitar-se ao cumprimento dos comandos definidos no r. julgado prolatado na ação de conhecimento e acobertado pela coisa julgada. Desta forma, não se admitem execuções que se divorciem dos mandamentos fixados na demanda cognitiva, que têm força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Acerca deste tema, é a jurisprudência: (AGARESP 201402558410, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA: 22/04/2015 ..DTPB:.) É certo que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux, declarou a inconstitucionalidade da TR - Taxa Referencial. Também não se desconhece que, recentemente, o Tribunal Pleno do STF, no julgamento da ADI 5348 (DJ 28.11.2019), por maioria, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, alterado pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que se estabelece a aplicação dos índices da caderneta de poupança como critério de atualização monetária nas condenações da Fazenda Pública (publicação do acórdão no DJE em 28/11/2019, com trânsito em julgado em 09/12/2019). Contudo, o afastamento da tese determinada no r. julgado exequendo - ou seja, a declaração de inexigibilidade do título executivo em decorrência de inconstitucionalidade da norma que amparou os fundamentos da decisão – obedece a regras processuais específicas. O artigo 535 do CPC/15 disciplinou a questão atestando que, para fins de declaração de inexigibilidade do título executivo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha reconhecido a incompatibilidade da lei ou do ato normativo com a Constituição Federal deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda (§7º). Dispôs, ainda, que "se a decisão referida no §5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão." A regra de transição prevista no artigo 1057 do CPC/15 assim estabelece: (...) O disposto no art. 525, §§ 14 e 15, e no art. 535, §§ 7º e 8º aplica-se às decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisões transitadas em julgado anteriormente, aplica-se o disposto no art. 474-L, §1º, e no art. 741, parágrafo único, da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Frise-se, no entanto, que, mesmo antes da alteração legislativa, o Supremo Tribunal Federal já havia consolidado o entendimento de que a superveniência da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma ou a sua incompatibilidade com a Constituição Federal não tem o condão de tornar inexigível o título executivo, relativizando a coisa julgada, sob pena de violar a segurança jurídica. Nesse sentido, destaco o julgamento proferido no Agravo Regimental no RE 592912, de Relatoria do Ministro CELSO DE MELLO, votação unânime, Segunda Turma, julgado em 03/04/2012 e publicado no DJE em 22/11/2012: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - COISA JULGADA EM SENTIDO MATERIAL - INDISCUTIBILIDADE, IMUTABILIDADE E COERCIBILIDADE: ATRIBUTOS ESPECIAIS QUE QUALIFICAM OS EFEITOS RESULTANTES DO COMANDO SENTENCIAL - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL QUE AMPARA E PRESERVA A AUTORIDADE DA COISA JULGADA - EXIGÊNCIA DE CERTEZA E DE SEGURANÇA JURÍDICAS - VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - EFICÁCIA PRECLUSIVA DA "RES JUDICATA" - "TANTUM JUDICATUM QUANTUM DISPUTATUM VEL DISPUTARI DEBEBAT" - CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DE CONTROVÉRSIA JÁ APRECIADA EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, AINDA QUE PROFERIDA EM CONFRONTO COM A JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - A QUESTÃO DO ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. - A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia "extunc" - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, "in abstracto", da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes. - O significado do instituto da coisa julgada material como expressão da própria supremacia do ordenamento constitucional e como elemento inerente à existência do Estado Democrático de Direito. Nessa mesma linha de raciocínio, são também os recentes os julgados do STJ: AgInt no AREsp 1045250/MS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 11/12/2018; EAREsp 409.096/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 24/09/2018; AgRg no REsp 1316709/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 03/02/2017. Ressalte-se que, em julgamento levado a efeito no âmbito no RE 611.503 (Repercussão Geral – Tema 360), o STF fixou tese reputando constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º, eis que buscam harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, agregando ao sistema processual brasileiro, um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, exigindo-se, para tanto, que o julgamento do STF, que declara a norma constitucional ou inconstitucional, tenha sido realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda (RE 611503, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2018, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-053 Divulg 18-03-2019 Public 19-03-2019). No caso em tela, a decisão do STF que primeiro atestou a inconstitucionalidade da TR como índice de atualização monetária (de 20/09/2017, proferida no julgamento do Tema 810), é posterior ao trânsito em julgado do acórdão prolatado na ação de conhecimento ocorrido em 05/12/2014, inexistindo embasamento legal para o descumprimento do título executivo, razão pela qual deve prevalecer a coisa julgada. Logo, assiste razão ao apelante. Em conseqüência, condeno a parte embargada ao pagamento de honorários de advogado ora fixados em 10% do valor atualizado da diferença entre a conta de liquidação por ela apresentada e o cálculo ora acolhido, de acordo com o §2º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015. A exigibilidade do pagamento, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. Ante o exposto, dou provimento à apelação interposta pelo INSS, para reformar a sentença recorrida determinando o prosseguimento da execução pela conta de liquidação apresentada pela citada autarquia, e em conseqüência, condeno a parte embargada ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, observado o disposto no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015, nos termos da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. ABONO ANUAL. PROPORCIONAL. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS ATRASADOS. TAXA REFERENCIAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. FIDELIDADE AO TÍTULO EXECUTIVO. COISA JULGADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA.
1. Em relação ao abono anual, da análise dos históricos de crédito anexados aos autos (fl. 04, ID 6222376), verifica-se que, na via administrativa, houve o pagamento do décimo-terceiro salário relativo às competências anteriores a 10/2010 no respectivo ano, de modo que as diferenças decorrentes de tal abono devem ser computadas de forma proporcional.
2. O título executivo judicial em questão determinou que sobre as prestações em atraso, devem ser acrescidos juros moratórios e correção monetária calculados nos termos do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09.
3. A execução norteia-se pelo princípio da fidelidade ao título executivo, o que consiste em limitar-se ao cumprimento dos comandos definidos no r. julgado prolatado na ação de conhecimento e acobertado pela coisa julgada.
4. Declaração de inconstitucionalidade da TR - Taxa Referencial, no julgamento do RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, alterado pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que se estabelece a aplicação dos índices da caderneta de poupança como critério de atualização monetária nas condenações da Fazenda Pública, no julgamento da ADI 5348 (DJ 28.11.2019, com trânsito em julgado em 09/12/2019).
5. A declaração de inexigibilidade do título executivo em decorrência de inconstitucionalidade da norma que amparou os fundamentos da decisão obedece ao disposto nos artigos 535 e 1057, ambos do CPC/15.
6. Mesmo antes da alteração legislativa, o Supremo Tribunal Federal já havia consolidado o entendimento de que a superveniência da decisão que declara a inconstitucionalidade da norma ou a sua incompatibilidade com a Constituição Federal não tem o condão de tornar inexigível o título executivo, relativizando a coisa julgada, sob pena de violar a segurança jurídica. Precedentes.
7. No caso em tela, a decisão do STF que primeiro atestou a inconstitucionalidade da TR como índice de atualização monetária (de 20/09/2017, proferida no julgamento do Tema 810), é posterior ao trânsito em julgado do acórdão prolatado na ação de conhecimento ocorrido em 05/12/2014, inexistindo embasamento legal para o descumprimento do título executivo, razão pela qual deve prevalecer a coisa julgada.
8. Condenação da parte embargada a arcar com os honorários advocatícios de sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
9. Apelação provida.