APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000397-90.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NILCE GONZALES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000397-90.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: NILCE GONZALES DA SILVA Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente pedido de aposentadoria por idade híbrida, desde a data do requerimento administrativo, com acréscimo dos consectários legais. Houve antecipação da tutela jurídica e dispensa do reexame necessário. Inconformada, a autarquia previdenciária requer, preliminarmente, a anulação da sentença, por ser extra petita. No mérito, alega precipuamente o não preenchimento dos requisitos necessários para a concessão do benefício previdenciário e, subsidiariamente, requer seja fixado como data inicial do benefício a data da citação. Ao final, prequestiona a matéria. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000397-90.2021.4.03.9999 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: NILCE GONZALES DA SILVA Advogado do(a) APELADO: RAFAEL DOS SANTOS FALCAO - MS19863-A V O T O Inicialmente, verifico tratar-se de sentença extra petita. Com efeito, a parte autora requereu expressamente aposentadoria por idade, nos termos do artigo 48, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, com aproveitamento de suas atividades rurais e urbanas. Na petição inicial, afirmou contar mais de 60 (sessenta) anos de idade e que faz jus ao benefício de aposentadoria por idade híbrida, prevista no artigo 48, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.231/1991. Ocorre que o Juízo a quo julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural. A aposentadoria por idade rural é benefício diverso que não poderia ter sido apreciado, simplesmente porque o INSS não pode se defender desse pleito, exsurgindo ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Nessa esteira, a decisão apreciou objeto diverso do pedido e, desse modo, está eivada de nulidade, por infringência ao artigo 492 do CPC. De outra parte, apesar de decretada a nulidade da sentença, aplico ao presente caso o disposto no artigo 1.013, § 3º, II, do CPC e conheço desde logo o pedido. Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade híbrida, prevista no artigo 48, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 11.718/2008, que tem o seguinte teor: “Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95) (...) § 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) § 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)” Consoante se verifica nos dispositivos citados, a Lei n. 11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. Quanto à qualidade de segurado, conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, sua perda não será considerada para a concessão da aposentadoria por idade híbrida, nos termos do artigo 3º, § 1º, da Lei n. 10.666/2003, ou seja, os requisitos legais (carência e idade) não precisam ser preenchidos simultaneamente. Em outras palavras: o implemento da idade depois da perda da qualidade de segurado não obsta o deferimento do benefício, desde que satisfeita a carência exigida a qualquer momento. Sobre o período de carência, o artigo 25, inciso II, da Lei n. 8.213/1991, exige o número mínimo de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, observada a regra transitória disposta em seu artigo 142 para os segurados já inscritos na Previdência Social na época da entrada em vigor dessa lei. Em relação ao tempo rural passível de ser utilizado para completar a carência exigida para a concessão desse benefício, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o Tema Repetitivo n. 1.007, fixou a seguinte tese: “O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.” O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, em 24/9/2020, que não há violação aos preceitos constitucionais e repercussão geral do tema relacionado à aposentadoria híbrida, de modo que permanece o hígida a tese firmada pelo STJ no Tema 1007. Destarte, não subsistem os efeitos da decisão do Superior Tribunal de Justiça que determinara nova suspensão dos processos enquanto a questão aguardava a análise do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a comprovação dessa atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ). Neste caso, o requisito etário restou preenchido em 6/9/2017, quando a parte autora completou 60 (sessenta) anos de idade. A parte autora requer o reconhecimento de período de atividade como trabalhadora rural, em regime de economia familiar, a fim de ser somado às contribuições previdenciárias, como empregada doméstica. Para tanto, juntou documentos em nome do cônjuge, como cópia da certidão de casamento, celebrado em 6/4/1984, na qual ele foi qualificado como “campeiro”; bem como carteira de trabalho – CTPS, com anotação de trabalhos nos períodos de 3/7/1989 a 20/4/1991 e 1º/6/1997 a 18/4/1998 (trabalhador rural), de 1º/10/1991 a 31/3/1992 (campeiro), de 1º/3/1993 a 9/5/1995 (capataz), de 1º/6/1998 a 7/4/2006 (peão de campo) e de 2/5/2014 a 30/6/2016 (praieiro). Outrossim, documentos indicativos de residência rural da autora, como título eleitoral, caderneta de vacinação e notas fiscais do comércio local. Não obstante a prova material e testemunhal, o conjunto probatório conduz à improcedência do pedido inicial. Isso porque os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS e a CTPS demonstram que o cônjuge manteve vínculo como empregado, o que descaracteriza o regime de economia familiar em suas atividades rurícolas, bem como deixam de ser segurados especiais. É importante frisar que ele também possui vínculo empregatícios urbanos, na condição de capataz (de 1º/3/1993 a 9/5/1995) e praieiro (de 2/5/2014 a 30/6/2016). A autora conta com anotações de trabalho urbana em sua CTPS (1984 e entre 1º/3/1993 e 9/5/1995), sempre na condição de empregada doméstica, nas fazendas onde o marido era empregado. Neste passo, é importante lembrar que a condição de empregado rural não se confunde com a de segurado especial. Enquanto essa se caracteriza por alcançar aqueles que retiram da terra os frutos/produtos para sua própria subsistência, aquela envolve todo aquele que trabalha nas lides campesinas em troca de uma retribuição pecuniária, dada pelo empregador. Ou seja, a autora não juntou qualquer documento que lhe aponte como segurada especial, restando isolada a prova oral. Os únicos documentos juntados aos autos, relacionados ao marido da autora, só têm o condão de demonstrar o trabalho rural do cônjuge como empregado na zona rural. Enfim, o conjunto probatório é insuficiente para caracterizar a demandante como segurada especial, já que a atividade da autora se limitava ao cuidado inerente à residência do casal e, ainda que envolvesse plantações domésticas, restou evidenciado que seu labor não era essencial à subsistência familiar, mas mera complementação destinada ao consumo próprio. Assim, porque não cumprido o requisito da carência dos artigos 25, II, da Lei n. 8.213/1991, não é possível a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida. Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. Diante do exposto, dou provimento à apelação, para anular a sentença e, ex vi o artigo 1.013, § 3º, II, do CPC, julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida. Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência concedida. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. NULIDADE. ART. 1.013, §3º, II, DO CPC. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ARTIGO 48, §§ 3º E 4º DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718/2008. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL: CÔMPUTO. QUALIDADE DE SEGURADO. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CUMPRIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA REVOGADA.
- Decreta-se a nulidade da r. sentença por ser extra petita.
- Os períodos de trabalho rural e urbano podem ser somados para obtenção da carência exigida para fins de aposentadoria por idade híbrida, desde que alcançado o requisito etário, nos termos do art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O implemento da idade depois da perda da qualidade de segurado não obsta o deferimento do benefício, desde que satisfeita a carência exigida a qualquer momento. Incidência do § 1º do artigo 3º da Lei n. 10.666/2003.
- No cômputo da carência do benefício híbrido é possível contar o tempo de atividade rural exercida em período remoto e descontínuo, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento de contribuições (Tema Repetitivo n. 1.007 do STJ).
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Conjunto probatório insuficiente à comprovação do período de atividade rural debatido, sendo indevida a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
- Invertida a sucumbência. Condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.