APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209125-90.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: R. D. O. M.
REPRESENTANTE: FRANCIELI DE SOUZA MONCO
Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209125-90.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES APELANTE: R. D. O. M. Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada. Suscita, em preliminar, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, requerendo a complementação da perícia médica, para resposta dos quesitos "de forma clara" e esclarecimentos requeridos nos autos. No mérito, pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à outorga da benesse. Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação. É o relatório.
REPRESENTANTE: FRANCIELI DE SOUZA MONCO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6209125-90.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES APELANTE: R. D. O. M. Advogado do(a) APELANTE: AURIENE VIVALDINI - SP272035-N, APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade. A preliminar não merece prosperar, porquanto não se vislumbra cerceamento de defesa. Embora o magistrado não esteja adstrito às conclusões da prova técnica, ela é essencial em causas como a sob apreço, envolvendo a valoração do grau das restrições sociais suportadas pela parte autora, ao lume de suas condições clínicas. Adite-se que o laudo médico pericial, elaborado por perito de confiança do juízo, contém elementos bastantes para esquadrinhamento do comprometimento social atual da parte autora, figurando desnecessária a complementação da perícia médica. Acrescente-se caber, ao magistrado, no uso de seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova para formular seu convencimento. Cite-se, a respeito, art. 370 do Código de Processo Civil. No mérito, discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada. Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003. No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente evolução na sua conceituação. Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação: "Art. 20 (...) § 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se: I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos." Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas." De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos. No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada, para tanto, "a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade", ex vi do art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, que regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social de que trata a Lei n° 8.742/93, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral, na esteira do precedente da Terceira Seção deste E. Tribunal, in verbis: “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MENOR. DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO. I - As limitações físicas e mentais de que padece o demandante, apontadas pelo próprio expert e pela fisioterapeuta que o acompanha, impõem-lhe significativas restrições às atividades típicas de sua idade (correr, participar de brincadeiras, acompanhar satisfatoriamente a escola), não sendo necessário perquirir quanto à existência ou não de capacidade laborativa, a teor do art. 4º, §2º, do Decreto nº 6.214/2007. (...) V - Embargos Infringentes do INSS a que se nega provimento.” (EI 994950, Relator Desembargador Federal Sergio Nascimento, j. 25/08/2011, e-DJF3 14/09/2011) Ainda, o posicionamento da Nona Turma deste E. Tribunal no mesmo sentido, nos seguintes julgados: AC 0008758-60.2016.4.03.9999, D.E. 24/11/2016; AC 0002545-37.2013.4.03.6121, D.E. 04/11/2016; AC 0007387-51.2012.4.03.6103, D.E. 24/11/2016. Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas". À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323. Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n. 1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar. Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão: “AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015) “PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5- Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014) Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.". Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada percebido pelos referidos idosos. Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos idosos com idade superior a 65 anos. Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP 8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel. Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão. Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº 8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720, em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, todos, também, sob o mesmo teto. SITUAÇÃO DOS AUTOS No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 108426141, realizado em 15/12/2016, considerou o autor, então, com dois anos de idade, portador de síndrome hemofagocítica, desde o nascimento, em 30/03/2014. Esclareceu o perito, a respeito da aludida patologia: "Síndrome hemofagocítica é uma patologia caracterizada por hiperativação do sistema imune, marcada por sinais e sintomas decorrentes de intensa inflamação sistêmica. Essa síndrome está associada a predisposição à imunodeficiência, bem como a presença de ativação imune exacerbada ou de uma resposta imune patológica. O quadro clínico-laboratorial engloba função reduzida ou ausente das células NK, febre, esplenomegalia e/ou hepatomegalia, elevação da ferritina (ou do sCD25 - cadeia alfa do receptor de IL-2), citopenias variadas, redução do fibrinogênio, elevação de triglicérides, figuras de hemofagocitose em biópsia de tecido do sistema retículo-endotelial ou de aspirado/biópsia de medula óssea, além de hepatite e acometimento do sistema nervoso central. Em sua forma primária é uma síndrome predominantemente pediátrica (cuja apresentação congênita é a linfohistiocitose hemofagocítica hereditária), porém pode ser diagnosticada em todas as faixas etárias, até os 70 anos, em sua forma secundária, com ligeiro predomínio no sexo masculino. Etiologicamente, a síndrome hemofagocítica secundária associa-se a algumas patologias, tais como infecções (especialmente virais), malignidades, doenças reumatológicas e imunodeficiências. No caso das malignidades, destacam-se as de origem linfoide T e NK, como o linfoma anaplásico de grandes células e leucemias. Outros tumores hematológicos e tumores sólidos também são mais raramente associados a esta condição. O reconhecimento precoce dessa rara patologia é muito importante, uma vez que está associada a condições de base de alta gravidade, nas quais intervenções terapêuticas precoces são fundamentais para um desfecho clínico favorável." O proponente foi submetido a tratamento quimioterápico, comprovado pelos documentos médicos carreados à petição inicial. Segue em acompanhamento médico contínuo, sem uso de medicamentos. Encontrava-se assintomático, por ocasião da perícia. O perito concluiu que o demandante necessita, apenas, de cuidados próprios para a idade. Não obstante a conclusão do perito médico, nota-se, das explicitações do louvado, que se trata, a hipótese vertente, de patologia rara, associada a condições de base de alta gravidade, a exigir intervenções terapêuticas precoces e de longo prazo, sob pena de desfecho clínico desfavorável. Consta, ainda, da exordial, a alta taxa de mortalidade dos seus portadores – de 50% para a forma primária, como sucede na espécie – com sobrevida, quando não tratada, de, aproximadamente, dois meses. De se lembrar, ainda, que o art. 16, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, estabelece que “a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo”, e, ainda, “a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades”, daí defluindo que a avaliação da deficiência deve ser modulada conforme a qualificação e experiência pessoal, no contexto social em que vive o postulante do amparo assistencial. Nessa trilha, o estudo social coligido ao doc. 108426134, produzido em 07/10/2016, mostra que a família do autor, composta por ele, pelos genitores – o pai, de 40 anos, e a mãe, de 29 – e uma irmã, de quatro anos, residia em zona rural do município de Cosmorama/SP, em um sítio, no qual o genitor, rurícola, laborou entre 01/08/2013 a 08/02/2017, quando o contrato de trabalho foi rescindido sem justa causa. No segundo semestre de 2016, época do estudo social, recebeu a média salarial de R$ 1.543,29, e, em 2017, de R$ 1.186,77, consoante registros do CNIS. Consta registro de novo vínculo laboral deste, também, como rurícola, apenas, entre 11/07/2019 a 27/07/2020, com salário variável. No ano de 2019, recebeu a média de R$ 1.449,86, e, em 2020, de R$ 1.972,74. Vê-se, assim, que a renda per capita, nesse interregno, sequer, alçou a metade do salário mínimo. De se esclarecer que, em 2016, o salário mínimo era de R$ 880,00, em 2017, de R$ 937,00, em 2019, de R$ 998,00; em 2020, até 31/01, de R$ 1.039,00, e, após, de R$ 1.045,00. Comparando-se as despesas reportadas no ano de 2016, constata-se que, somente, ao autor, destinava-se, quando menos, 1/3 (um terço) da renda obtida: dispêndios para deslocamento até o Hospital de Base no município de São José do Rio Preto, onde realiza tratamento médico contínuo (R$ 150,00), fraldas descartáveis (R$ 126,00) e leite especial (R$ 272,00) – despesas que suplantavam, inclusive, os gastos com alimentação da família (R$ 380,00). Conquanto não especificados, há, ainda, gastos com farmácia, à ordem de R$ 150,00, sem olvidar que o genitor do requerente pagava pensão alimentícia a um outro filho, de 17 (dezessete anos). Não se descura que a família conta com veículo, UNO 2005/2006. Contudo, no contexto retratado, tal não se mostra desarrazoado. Deveras, residem na zona rural do município de Cosmorama/SP e o tratamento de saúde do autor é realizado em município diverso. Além disso, conforme relato, o veículo foi "proveniente da ajuda do sogro que fez leilão de uma novilha para arrecadar dinheiro" para sua aquisição, quando da manifestação do quadro patológico do vindicante. Por fim, tal a particularidade do caso, merece transcrição o bem lançado parecer do Ministério Público Federal, quanto aos requisitos exigidos à outorga da benesse: "No presente caso, embora o laudo médico pericial (id. 108426141) não tenha sido tão preciso, uma vez que omite informações relevantes para o juízo da causa, é certo que a doença, reconhecida pelo médico perito, que acomete o apelante é de chamada linfohistiocitose hemofagocítica (CID D761), síndrome hemofagocítica, e é gravíssima e rara. Para se ter um bom quadro da gravidade da patologia, é oportuno, conforme o predito laudo, trazer as informações acerca do tema: Síndrome hemofagocítica Síndrome hemofagocítica é uma patologia caracterizada por hiperativação do sistema imune, marcada por sinais e sintomas decorrentes de intensa inflamação sistêmica. Essa síndrome está associada a predisposição à imunodeficiência, bem como a presença de ativação imune exacerbada ou de uma resposta imune patológica. O quadro clínico-laboratorial engloba função reduzida ou ausente das células NK, febre, esplenomegalia e/ou hepatomegalia, elevação da ferritina (ou do sCD25 - cadeia alfa do receptor de IL-2), citopenias variadas, redução do fibrinogênio, elevação de triglicérides, figuras de hemofagocitose em biópsia de tecido do sistema retículo-endotelial ou de aspirado/biópsia de medula óssea, além de hepatite e acometimento do sistema nervoso central. Em sua forma primária é uma síndrome predominantemente pediátrica (cuja apresentação congênita é a linfohistiocitose hemofagocítica hereditária), porém pode ser diagnosticada em todas as faixas etárias, até os 70 anos, em sua forma secundária, com ligeiro predomínio no sexo masculino. Etiologicamente, a síndrome hemofagocítica secundária associa-se a algumas patologias, tais como infecções (especialmente virais), malignidades, doenças reumatológicas e imunodeficiências. No caso das malignidades, destacam-se as de origem linfoide T e NK, como o linfoma anaplásico de grandes células e leucemias. Outros tumores hematológicos e tumores sólidos também são mais raramente associados a esta condição. O reconhecimento precoce dessa rara patologia é muito importante, uma vez que está associada a condições de base de alta gravidade, nas quais intervenções terapêuticas precoces são fundamentais para um desfecho clínico favorável. A patologia citada requer tratamento consistente em imunossupressão e quimioterapia sistêmicas, como, inclusive, restou comprovado pelo apelante em Id.108426106 – pág. 4. Mesmo que assintomático no momento do exame pericial, a incapacidade do apelante é clara na medida em que fica evidente a sua vulnerabilidade em face dos demais seres humanos, de modo a prejudicar a plena convivência do indivíduo e de sua família. Da mesma forma, apesar de não ter ficado comprovado no laudo que a enfermidade seria curável, em uma simples consulta a internet1, nota-se que se trata de uma patologia de longo prazo, tendo média de sobrevivência ínfima em pacientes que não são sujeitos a tratamento imediato. A patologia do apelante até pode ser controlável e passível de tratamento, mas, pela gravidade da enfermidade, ele está impossibilitado por longo prazo na participação social, sobretudo pela sua vulnerabilidade imunológica. Logo, contata-se a presença do requisito subjetivo e, por consequência, há de se falar em impedimento de participação efetiva na sociedade. (...) O estudo social (id. 108426134) aponta que o apelante reside com o pai, a mãe e a irmã, isto é, o núcleo familiar é composto por quatro pessoas. O núcleo familiar vive no sítio Santa Maria, na zona rural, onde, há 4 anos, o pai do apelante trabalha; a moradia foi cedida pelo empregador do pai. As condições do imóvel são regulares. A renda familiar é oriunda unicamente do salário do pai, no valor de R$ 1.060,00 (mil e sessenta reais), enquanto os gastos essenciais fixos da família são por volta de R$ 900,00 (novecentos reais), as demais despesas de compras vão sendo cumpridas de acordo com as possibilidades do momento. Tendo em vista que a renda familiar per capita se encontra em situação próxima ao parâmetro legal de ¼ do salário mínimo, há que se falar em miserabilidade, isto é, há vulnerabilidade social. Portanto, o requisito objetivo está preenchido." Destarte, os elementos coligidos aos autos autorizam concluir, na situação específica aqui versada, pela existência de comprometimento e restrições sociais para as atividades próprias da idade da parte autora, pelo interregno referido pela lei, de modo que o quadro apresentado ajusta-se ao conceito de pessoa com deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, c/c o art. 4º, inciso II e § 1º, do Decreto nº 6.214/2007, convicção que formo conforme princípio do livre convencimento motivado (art. 371 e 479 do Código de Processo Civil). A par disso, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante da benesse. De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016. Passo à análise dos consectários. Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n. 11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina." Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral. Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º, inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n. 2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas à parte contrária. Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais não cumuláveis, deverão ser integralmente abatidos do débito. Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR SUSCITADA E, NO MÉRITO, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Fixo consectários na forma explicitada, abatidos eventuais valores já recebidos. É como voto.
REPRESENTANTE: FRANCIELI DE SOUZA MONCO
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR. QUESITOS COMPLEMENTARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
- No caso, não ocorreu cerceamento de defesa, vez que o laudo pericial foi elaborado por perito de confiança do juízo, trazendo elementos suficientes para esquadrinhamento do comprometimento social atual da parte autora, ao lume de suas condições clínicas, figurando desnecessária a complementação da perícia médica.
- Cabe ao Magistrado, no uso do seu poder instrutório, avaliar a suficiência da prova para formular seu convencimento.
- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-la suprida pela família.
- No caso de crianças e adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada, para tanto, a existência da deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível com a idade, tornando-se despiciendo o exame da inaptidão laboral. Precedentes.
- Constatadas a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Precedentes.
- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.
- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
- Preliminar rejeitada.
- Apelação da parte autora provida. Sentença reformada para julgar procedente o pedido.