APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006926-73.2007.4.03.6000
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: JOSE LUCIO TEIXEIRA, JURANDIRA MARIA TEIXEIRA
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006926-73.2007.4.03.6000 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: JOSE LUCIO TEIXEIRA, JURANDIRA MARIA TEIXEIRA Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): Trata-se de Embargos de Declaração opostos por José Lúcio Teixeira e outra contra o v. acórdão, assim ementado: “APELAÇÃO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO. FAZENDA DENOMINADA FORTUNA SITUADA DENTRO DOS LIMITES DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BODOQUENA/MS. CRIAÇÃO PELO DECRETO FEDERAL S/N, DE 21/09/2000. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PERÍCIA: CLASSIFICAÇÃO DO SOLO NEOSSOLO LITÓLICO. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Ação de Indenização ajuizada por José Lúcio Teixeira e Jurandira Maria Teixeira contra a União objetivando o recebimento da justa Indenização pela propriedade rural, denominada Fazenda Fortuna, situada dentro dos limites do Parque Nacional da Serra da Bodoquena/MS, criado pelo Decreto Federal sem número, de 21/09/2000, do Presidente da República, incluindo no pagamento o valor da terra nua, benfeitorias, construções, cobertura florestal, matas de preservação permanente, reserva legal, acrescido de juros moratórios, juros compensatórios de 12% ao ano, correção monetária e honorários advocatícios, observando-se o disposto nos Enunciados das Súmulas nºs 12, 56, 67, 69, 70, 114, 119 e 131 todas do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 618 do C. Supremo Tribunal Federal. 2. Sentença de improcedência da Ação. 3. O Parque Nacional da Serra da Bodoquena foi criado pelo Decreto Federal sem número, de 21/09/2000, do Presidente da República, visando proteger as Regiões dos Municípios de Bodoquena, Bonito, Jardim e Porto Murtinho, cuja Serra da Bodoquena está situada no Estado do Mato Grosso do Sul, inserida na chamada Unidade de Conservação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, com área de 270 Km2 de extensão, estendendo de Norte a Sul de Miranda até o Paraguai, contendo corredores ecológicos e também uma enorme biodiversidade de espécies entre a Região Serrana e a Planície Pantaneira. A legislação federal considera o Parque Nacional da Serra da Bodoquena como bem público e de uso comum, portanto, insuscetível de Usucapião, nos termos dos artigos 183, § 3º e 191, § único, do CF, artigo 99, inciso I c/c artigo 102 do CC/2002. 3. Os Parques Nacionais são considerados bens da União, submetidos à inalienabilidade, indisponibilidade e considerados de domínio público, nos termos da Lei nº 9.985/2000 e Decreto n. 84.017/79. Os Autores alegaram na exordial, em breve síntese, que são possuidores do imóvel rural objeto desta lide e não podem exercer atividades de Agropecuária em razão da criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, nos termos do Decreto Federal s/n, de 21/09/2000, e pleiteiam a condenação da União ao pagamento da justa indenização. 4. Na Contestação a União alegou que os Autores, ora Apelantes, não fizeram a prova do domínio sobre a área "sub judice" de 456,0980 ha, e limitaram-se a apresentar apenas o Contrato Particular de Cessão de Direitos de Posse, firmado no dia 26/11/2002 entre José Lúcio Teixeira (na condição de Cedente) e José Lúcio Teixeira (na condição de Cessionário), segundo consta da cópia do Contrato Particular de fls. 66/66-verso. A Réu defendeu também que os próprios Autores reconhecem na exordial, de forma expressa, a existência de conflito possessório entre 456,0980 ha reivindicados e as áreas de 3 (três) imóveis lindeiros (fl. 131), conforme consta da alegação dos Autores em sua petição inicial de fls. 12/13. A Ré acrescentou que ".... nenhum técnico de conhecimento mediano poderia aceitar que uma simples Cessão de Direitos de Posse, com sobreposição de limites, fosse suficiente para demostrar de forma irrefutável o domínio particular sobre as terras de um Parque Nacional localizado na Faixa de Fronteira. Não bastasse a fragilidade da documentação dominical, as peças técnicas (memorial descritivo, Anotação de Responsabilidade Técnica - ART e planilha de cálculos), apresentadas pelo autor não permitem verificar sequer a localização aproximada da área reivindicada e tão pouco adequa-se ao exigido pela Lei 10.267, de 28.08.2001", fl. 132. 5. Sobreveio sentença de improcedência da Ação, condenado a Parte Autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 3º e § 4º, inciso III, do Novo CPC, fls. 419/422. 6. Quanto às preliminares alegadas de nulidade pela inobservância dos pontos controvertidos fixados, a existência de preclusão pro judicato e a ocorrência de cerceamento de defesa em desfavor dos Apelantes. A MM. Juíza Federal assim se pronunciou no despacho saneador: "DESPACHO Trata-se de ação ordinária (ação de desapropriação indireta), pela qual os autores pretendem serem ressarcidos em razão da alegada restrição que foi imposta à propriedade rural da qual alegam ser possuidores, desde o advento da criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, em 21/09/2000. Alegam que, desde a criação do mencionado Parque, estão impedidos de realizarem atividades econômicas, dentre as quais a agropecuária, razão pela qual vem amargando imenso prejuízo econômico. Ademais, aduzem que têm direito a serem ressarcidos no montante das benfeitorias da propriedade rural que possuem. Por sua vez, a UNIÃO alega, preliminarmente, que a petição inicial é inepta, por ausência de prova cabal e atual de propriedade e de individualização e identificação da coisa, além de possuir pedido incerto. Ademais, alega que não poderiam os autores serem possuidores da terra em questão, já que esta se trata de Faixa de Fronteira. Que não provaram os demandantes os aventados prejuízos em razão da criação do Parque da Serra da Bodoquena, e sequer o montante desses prejuízos, já que deram à causa valor genérico de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o que é incabível em pedidos de danos que o contrato de cessão de posse anexo nos autos data de 29/11/2002, posterior, portanto, à criação do Parque que se deu em 21/09/2000, razão pela qual ainda que se prove a posse dos autores sobre a terra em questão, esta é ilegal. Como prejudicial de mérito alega a UNIÃO que o pleito dos autores encontra-se prescrito. Segue argumentando que o IBAMA é que deve figurar no pólo passivo da presente demanda, haja vista o disposto nos arst. 3º e 4º do Decreto que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva da UNIÃO para figurar no presente feito, haja vista que, valendo-se de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, foi a UNIÃO que promoveu a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, o qual é apenas administrado pelo IBAMA, de forma que, eventual procedência da presente ação, deverá ser suportada pela ré. Versando a presente ação sobre direitos reais, e não pessoais como quer fazer crer a ré, a prescrição aplicável ao caso é a vintenária, de forma que não há como dar guarida à alegada prejudicial de mérito aventada pela UNIÃO. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - PERDA DA POSSE - PRESCRIÇÃO - SÚMULA 119/STJ - INCIDÊNCIA - JUROS COMPENSATÓRIOS - OCUPAÇÃO DO IMÓVEL ANTERIOR À VIGÊNCIA DA MP 1.577/97 - 12% AO ANO - JUROS MORATÓRIOS - TERMO INICIAL - ARTIGO 15-B DO DECRETO-LEI N.º 3365/41 - APLICABILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA PROFERIDA APÓS A PUBLICAÇÃO DA MP 1.997-37/2000 - LIMITES ESTABELECIDOS NO ARTIGO 27, 1º, DO DECRETO-LEI N. 3.365/41 - APLICAÇÃO. 1. Ação de indenização por desapropriação indireta prescreve em vinte anos, nos termos do enunciado 119 da Súmula do STJ. 2. Os juros compensatórios são devidos em 12% ao ano, tendo em vista que a ocupação do imóvel deu-se em momento anterior à vigência da MP 1.577/97. 3. O termo inicial dos juros moratórios nas desapropriações indiretas é 1º de janeiro do exercício financeiro seguinte àquele em que o pagamento deveria ser efetuado, conforme determina o artigo 15-B do Decreto-Lei n.º 3.365/41, dispositivo aplicado às desapropriações em curso no momento em que foi editada a MP n.º 1577/97. 4. Os limites estabelecidos no artigo 27, 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/41, aplicam-se às sentenças proferidas após a publicação da MP 1.997-37/2000. 5. Recurso especial parcialmente provido.RESP 200802787593RESP - RECURSO ESPECIAL - 1109025 STJ - SEGUNDA TURMA - Mininistra relatora ELIANA CALMONDJE DATA:24/09/2009 PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. SUCESSÃO. REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. SÚMULA 119/STJ. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O Tribunal de origem, ao concluir que a ora agravante sucedeu a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEE em seus direitos e obrigações, assentou-se no acervo fático-probatório dos autos e nas cláusulas do contrato celebrado. Desse modo, rever tal entendimento é medida que encontra óbice nas Súmulas 5 e 7/STJ. 3. "A Ação de Desapropriação Indireta prescreve em vinte anos" (Súmula 119/STJ). 4. Agravo Regimental não provido.AGA 200801961941 - Segunda Turma - STJRelator Ministro HERMAN BENJAMIN No mais, fixo os seguintes pontos controvertidos: se as terras mencionadas na inicial (as quais alegam serem os autores possuidores) estão localizadas em faixa de fronteira e se estão dentro dos limites estabelecidos pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena, desde quando os autores são possuidores da mencionada propriedade rural, se estão impedidos de exercerem a aventada atividade econômica que faziam antes da criação do aludido Parque da Serra da Bodoquena, e o efetivo dano material suportado pelos autores. Para tanto, defiro a produção de prova pericial a fim de que seja averiguado se a propriedade rural em questão está situada em faixa de fronteira e dentro do limite estabelecido pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Para tanto designo o Engenheiro Agrônomo Carlos José D´Amore com endereço arquivado em Secretaria. Os quesitos do juízo são: 1) as terras mencionadas na inicial (descrito às ff. 66-67) estão situadas em faixa de fronteira? 2) estão situadas dentro do Parque Nacional da Serra da Bodoquena? Parcial ou totalmente? 4) os autores estão impedidos de exercerem atividades sócio econômicas, especialmente a de agropecuária, em sua propriedade? Intimem-se as partes para, em dez dias, formularem quesitos e indicarem assistente técnico. Após, intime-se o perito de sua nomeação, bem como para formular proposta de honorários. Havendo concordância das partes, os autores deverão depositar os honorários periciais, com o que, o perito deverá ser intimado para, em trinta dias, apresentar o laudo pericial. Após, voltem os autos conclusos", fls. 215/218. 7. Em relação aos pontos controvertidos. A Perícia judicial, imprescindível para elucidar as questões postas em litígio, em razão da natureza da lide, está consubstanciada no Laudo elaborado pelo Engenheiro Agrônomo, Carlos Eduardo Roque dos Santos, fls. 321/339. Da análise atenta da prova pericial verifico que o Laudo apresentado mostra-se preciso e conclusivo acerca da prova requerida pelas Partes, inclusive, respondendo às questões (Quesitos) postas em Juízo, de sorte que houve o pleno esclarecimento dos pontos controvertidos necessários para o deslinde da causa. O Laudo destacou que toda a Fazenda Fortuna, localizada a 310 km de Cuiabá, possui solo classificado como Neossolo Litólico, ou seja, impróprio para qualquer atividade pecuária, cuja finalidade primordial é a proteção da fauna e da flora silvestre, conforme destacou o Parquet em seu Parecer de fl. 462-verso. 8. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes o Perito constatou que não local não há possiblidade do exercício atividade econômica ligada à Agropecuária. Por sua vez, os Autores não trouxeram nenhuma prova de que são pecuaristas, por exemplo: fotografias da Fazenda Fortuna, Notas Fiscais diversas quanto ao desenvolvimento das atividades, notas ou recibos de pagamento de fornecedores ou empregados, existência de gado no local, folha de pagamento dos supostos empregados, cópias das declarações do Imposto Territorial Rural ou do Imposto de Renda (pessoa física ou jurídica) para comprovação da atividade econômica e demonstração eventuais prejuízos econômicos. Em relação ao Quesito do Réu 6.3, pergunta 2, o Perito respondeu: "2. À época da criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena os autores da ação estavam exercendo a posse direta e explorando economicamente o imóvel? Perito: Não se pode determinar, pelo que foi verificado a campo, se a época o imóvel era explorado ou não. Pode-se afirmar apenas que a área em questão não apresenta qualquer aptidão para a agricultura ou pecuária, qualquer resquício de benfeitorias estruturais, e que se era explorada, seria muito precariamente e apenas com a criação extensiva de gado", fls. 334/335. 9. Quanto à alegação de cerceamento de defesa. Da leitura atenta dos dois volumes dos autos verifico que os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa foram observados durante processual pelo d. magistrado. No caso, os Apelantes não impugnam de forma precisa em que consiste o cerceamento de defesa. Limitam-se, na verdade, a alegar de cerceamento nulidade da sentença de forma genérica. Nesse sentido: TJSP; Apelação Cível 1026547-15.2014.8.26.0602; Relator (a): Borelli Thomaz; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Sorocaba - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/02/2019; Data de Registro: 27/02/2019. 10. Em relação à alegação de preclusão pro judicato. No caso, a juíza da causa conduziu o processo com o propósito de permitir a produção da prova pericial, fixando os pontos controvertidos na decisão saneadora relevantes para o deslinde da causa. Por outro lado, os Recorrentes não trouxeram nenhuma prova de que exerciam atividade econômica na chamada Fazenda Fortuna antes da limitação administrativa na propriedade, não havendo que se falar em preclusão pro judicato na decisão que saneou o feito e deferiu a realização da prova. Nesse sentido: AgInt no AREsp 508.604/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 27/03/2018. 11. Quanto ao mérito. O Decreto Federal de 21/09/2000 que criou o Parque Nacional da Serra da Bodoquena dispõe acerca da limitação administrativa quanto à construção e edificação, restringindo o direito de uso do solo por ser tratar de área de proteção ambiental. 12. No caso, trata-se de limitação administrativa imposta pelo Decreto Federal de 21/09/2000, sem atingir o direito de propriedade. Por outro lado, os Autores adentraram na posse do imóvel através do Contrato Particular de Cessão de Direitos de Posse firmado pelos Autores em 29/11/2002, fls. 66/66-verso. No ato da aquisição da propriedade (Contrato Particular de Cessão de Direitos de Posse, firmado no dia 26/11/2002) as restrições ambientais já existiam na área "sub judice", portanto, os Apelantes tinham pleno conhecimento das condições que cercavam a propriedade e não comprovaram a existência de atividade econômica na Fazenda Fortuna. Incontroverso que a posse dos Apelantes é posterior à publicação do Decreto Federal sem número de 2000 e os Autores não podem alegar desconhecimento quanto à localização do imóvel. A própria Ré sustentou em sua defesa que não se trata de Ação de Desapropriação Indireta, conforme afirmado na petição inicial pelos Autores, porque em nenhum momento a União praticou ato administrativo de desapossamento. 13. A Desapropriação Indireta ou Apossamento administrativo consiste na afetação da propriedade particular, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório. No caso de apossamento da propriedade para o domínio público, o proprietário poderá ingressar com Ação Judicial objetivando o recebimento de indenização, o que não ocorreu. Com efeito, para que se verifique o direito à indenização, são necessários os seguintes requisitos: a existência de apossamento do bem sem o devido processo legal e a sua afetação para o uso da coletividade, tornando irreversível a situação do imóvel. No caso dos autos, os Apelantes não comprovaram que o imóvel está registrado em seus nomes e também não houve pela União nenhum desapossamento administrativo na propriedade "sub judice". 14. Nesse sentido: EREsp 628.588/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/2008, DJe 09/02/2009, REsp 628.588/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 327, REsp 468.405/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2003, DJ 19/12/2003, p. 328, AgRg no REsp 610.158/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2006, DJ 10/04/2006, p. 130, gRg no REsp 801.591/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 15/05/2009 e TJSP; Apelação 1003248-24.2016.8.26.0348; Relator (a): Jarbas Gomes; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Mauá - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/02/2019; Data de Registro: 05/02/2019. 15. Da perícia judicial. O Laudo elaborado pelo Perito Judicial constatou que os Autores, ora Apelantes, adquiriram os direitos sobre a posse do imóvel "sub judice" (no dia 29/11/2002) após a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. No caso, o Decreto Federal s/n, de 21/09/2000, veiculou uma limitação administrativa, sem atingir o alegado direito de propriedade. Os Autores, ora Apelantes, não comprovaram que são os proprietários, mas apenas que são meros possuidores e também que o imóvel possuía função social, prevista no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, antes da publicação do Decreto Federal s/n de 2000. O trabalho apresentado pelo Perito foi bem fundamentado e elaborado e o resultado final do Laudo Pericial concluiu que "... a área em questão, segundo o novo código florestal, é totalmente enquadrada como de preservação permanente, sendo inapta para qualquer tipo de exploração agropecuária", fl. 338. 16. Quanto ao pedido de pagamento de benfeitorias e da alegação da existência de prejuízos econômicos. O Perito atestou que na Fazenda Fortuna não foram encontradas quaisquer tipos de benfeitorias estruturais e as benfeitorias reprodutivas foram depreciadas pelas condições encontradas, fl. 330. O Perito Judicial, Carlos Eduardo Roque dos Santos, respondeu aos Quesitos formulado pelas Partes o seguinte: "3. Os autores estão impedidos de exercerem atividade sócio econômicas, especialmente a de agropecuária, em sua propriedade? Perito: A área em questão é completamente improdutiva, não apresenta qualquer aptidão agrícola ou pecuária. Toda a propriedade tem seu solo classificado como Neossolo Litólico, apresentado revelo fortemente ondulado, com grandes extensões de afloramentos rochosos, enquadrados na classe de capacidade de uso VIII, ou seja, solos impróprios para qualquer tipo de cultivo agropecuário, prestando-se apenas para a proteção da fauna e flora silvestre, ou turismo ecológico. Portanto, a criação do Parque Nacional da Serra do Bodoquena não impactou diretamente em nenhum aspecto no tangue à produção agropecuária", fls. 331/332. 6. Quais prejuízos suportados pelos autores em suas atividades agropecuárias com a criação do Parque? Demonstrar documentalmente, inclusive com a apresentação do Demonstrativo de Movimento de Gado - ICMS - Guias de Trânsito de Animais dos últimos anos. Perito: Não foram encontrados resquícios de quaisquer atividades desenvolvidas na área e não foram apresentados quaisquer documentos que comprovem a movimentação do gado, portanto não podemos dizer se houve prejuízos nem tampouco quantificá-lo. 7. Qual o valor do imóvel rural particularizado, declarado pelo contribuinte junto à Secretaria da Receita Federal, correspondente ao valor da terra nua para os últimos 5 anos? Se constatados ônus e/ou gravames, relacioná-los. Perito: Não foram encontrados no processo as declarações de ITR - Imposto Territorial dos últimos 5 anos, ou outros documentos que permitam a resposta a esta questão. 8. A exploração de recursos agregados nestas áreas está limitada e condicionada à qual legislação ambiental? Perito: A área dentro do Parque Nacional da Serra da Bodoquena está condicionada ao decreto presidencial que o criou no dia 21 de setembro de 2000, e ao plano de manejo criado recentemente, abril de 2013, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade - ICMbio, ligado diretamente ao Ministério do Meio Ambiente. A área fora do parque está condicionada ao novo código florestal, lei 12.651 de 25 de maio de 2012", fls. 336/337. 17. No caso em tela, ao contrário do alegado pelos Apelantes, trata-se de limitação administrativa e não de apossamento pela União e o pleito de Indenização não subsiste, porque a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena com as limitações administrativas que lhe são inerentes não têm o condão de gerar a obrigação da União de indenizar os possuidores, ora Apelantes, pelos seguintes motivos: a) os Recorrentes não perderam a exclusividade quanto à posse; b) a prova pericial concluiu que os Apelantes não desenvolveram nenhuma atividade econômica no aludido imóvel, portanto, não nunca aferiram lucros para o acolhimento do pedido indenizatório. c) as fotos constantes autos e a prova pericial revelaram que o imóvel encontra-se próxima da Serra da Bodoquena (próximo do Paraguai), cujo solo é considerado Neossolos Litólicos, ou seja, conceituado como ".... são típicos das regiões de relevo mais dissecado ou íngreme. No estado de São Paulo estes solos estão principalmente associados às montanhas e escarpas nas regiões das grandes serras do estado, mas também podem ser encontrados determinados Neossolo Litólico Distrófico fragmentário por condições locais de dissecamento do relevo", segundo o site www.iac.sp.gov; d) trata-se de limitação administrativa imposta pela União, visando preservar a área ambiental de interesse da coletividade e não de apossamento administrativo, conforme alegaram os Recorrentes e e) a declaração do Sr. José Prudente de Lima mencionada nos autos em nenhum momento foi levada em consideração para o deslinde da causa. O Ministério Público Federal destacou em seu Parecer que: ".... o fato de o perito haver colhido o informações com o antigo possuidor da área. Apesar de a conclusão ter sido contrária aos interesses dos Autores, não se verificou a ocorrência de nenhum vício processual", fl. 463-verso. 18. Preliminares rejeitadas. Apelação improvida. Mantida a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, custas e despesas processuais”. Sustentam os Embargantes, em breve síntese, a existência de omissão, porque não houve pronunciamento acerca dos pontos controvertidos e também da preclusão pro judicato. Postulam o provimento do recurso para sanar as omissões apontadas. Sem apresentação de Contrarrazões. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006926-73.2007.4.03.6000 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: JOSE LUCIO TEIXEIRA, JURANDIRA MARIA TEIXEIRA Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): São possíveis embargos de declaração somente se a decisão judicial ostentar pelo menos um dos vícios elencados no artigo 535 do CPC (EDcl no AgRg na Rcl 4855/MG, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 25/04/2011; EDcl no AgRg no REsp 1080227/RS, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJE 30/03/2011; EDcl no AgRg no REsp 1212665/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJe de 28/03/2011; STF: Rcl 3811 MCAgRED, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJE 25/03/2011; AIAgRED 697928, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJE 18/03/2011), sendo incabível o recurso (ainda mais com efeitos infringentes) para: 1) compelir o Juiz ou Tribunal a se debruçar novamente sobre a matéria já decidida, julgando de modo diverso a causa, diante de argumentos "novos" (EDcl no REsp 976021/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJE 02/05/2011; EDcl no AgRg no Ag 807.606/GO, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 15/04/2011), ainda mais quando resta claro que as partes apenas pretendem "o rejulgamento da causa, por não se conformarem com a tese adotada no acórdão" (EDcl no REsp 1219225/MG, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 15/04/2011; EDcl no AgRg no REsp 845184/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJE 21/03/2011; EDcl no MS 14124/DF, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJE 11/02/2011), sendo certo que a "insatisfação" do litigante com o resultado do julgamento não abre ensejo a declaratórios (EDcl no AgRg nos EREsp 884621/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJE 04/05/2011); 2) compelir o órgão julgador a responder a 'questionários' postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão (EDcl no REsp 1098992/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE 05/05/2011; EDcl no AgRg na Rcl 2644/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 03/03/2011); 3) fins meramente infringentes (AI 719801 ED, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, DJe de 04/05/2011; AgRg no REsp 1080227/RS, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJE 07/02/2011). A propósito, já decidiu o STJ que "(...) a obtenção de efeitos infringentes nos aclaratórios somente é possível, excepcionalmente, nos casos em que, reconhecida a existência de um dos defeitos elencados nos incisos do mencionado art. 535, a alteração do julgado seja conseqüência inarredável da correção do referido vício, bem como nas hipóteses de erro material ou equívoco manifesto, que, por si sós, sejam suficientes para a inversão do julgado" (EDcl no AgRg no REsp 453718/MS, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 15/10/2010); 4) resolver "contradição" que não seja "interna" (EDcl no AgRg no REsp 920.437/RS, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 23/02/2011); 5) permitir que a parte "repise" seus próprios argumentos (RE 568749 AgR-ED, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, DJE 10/05/2011); 6) prequestionamento, se o julgado não contém algum dos defeitos do artigo 535 do CPC, pois "(...) necessidade de prequestionamento não se constitui, de per se, em hipótese de cabimento dos embargos de declaração" (AgRg no REsp 909113/RS, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJE 02/05/2011). No caso, é patente o intuito das embargantes de discutir a juridicidade do provimento impugnado, o que deve ocorrer na seara recursal própria, e não pela via dos declaratórios. Cumpre observar que, nos termos do artigo 1025 do Novo Código de Processo Civil, a interposição dos embargos de declaração implica, tacitamente, no pré-questionamento da matéria, sendo desnecessária a sua expressa menção. Os demais argumentos aduzidos nos recursos dos quais foram tirados os presentes embargos de declaração não têm o condão de modificar, nem mesmo em tese, o acórdão combatido, de vez que aqueles de maior relevância à elucidação do julgado foram devidamente apreciados (artigo 1022, parágrafo único, inciso II, do CPC/2015). Saliento que não há de se confundir fundamentação concisa com a ausência dela, não se exigindo do juiz a análise pormenorizada de cada uma das argumentações lançadas pelas partes, podendo ele limitar-se àquelas de relevância ao deslinde da causa, atendendo, assim, ao princípio basilar insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Nesse sentido a Corte Suprema já pacificou o tema, ao apreciar o AI nº 791.292, em sede de repercussão geral, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em julgamento do Plenário em 23.06.2010. Pelo exposto, rejeito os embargos de declaração. É o voto.
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006926-73.2007.4.03.6000
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: JOSE LUCIO TEIXEIRA, JURANDIRA MARIA TEIXEIRA
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
Advogado do(a) APELANTE: MOZART VILELA ANDRADE - MS4737-A
APELADO: UNIAO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
VOTO RETIFICADOR:
Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir quanto ao deslinde da causa.
Cuida-se, na origem, de ação de indenização proposta por José Lúcio Teixeira e por Jurandira Maria Teixeira, por meio da qual pretendiam obter o ressarcimento pela perda de uma área inteira (incluindo o valor da terra nua, as benfeitorias, as construções, a cobertura florestal, as matas de preservação permanente, a reserva legal e os juros compensatórios e moratórios), ocorrida com a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena - PNSB, no Estado do Mato Grosso do Sul, por decreto presidencial editado no ano de 2000.
Em breve síntese, o feito foi processado pelo juízo de primeira instância, inclusive com a realização de prova pericial, quando, então, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido principal de indenização, ao argumento de que os autores não teriam conseguido comprovar a sua propriedade ou posse anterior ao ano de 2000, quando foi criado o PNSB; e, ademais, de que a área que supostamente tinham sob o seu domínio particular não seria própria para a pecuária e para a agricultura, na medida em que contava com o denominado “solo neossolo litólico”, segundo os apontamentos periciais, e, sem qualquer possibilidade de exploração econômica, não haveria como se falar em indenização em favor dos autores em função deste preciso fator.
Houve condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes últimos no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, parágrafos 3º e 4º, inc. III, do Código de Processo Civil de 2015 (ID 112483376, páginas 46-52). Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação em face da mencionada sentença, apresentando uma série de alegações e fundamentos com os quais pretendiam obter a reforma da sentença objurgada.
Aduziram, em apertado resumo, que a juíza de primeira instância não teria fixado corretamente os pontos controvertidos no despacho saneador e que, por via de consequência, a perícia se debruçou sobre pontos incorretos, sobre os quais, aliás, não pendiam maiores controvérsias entre as partes. Por esta razão, entendem os recorrentes que a sentença padeceria de nulidade. Asseveraram, ainda, que a posse exercida sobre o bem, somada a de seus antecessores, alcançava 50 (cinquenta anos) ao tempo do ajuizamento da demanda, e que tal posse se caracteriza por ser mansa, pacífica, de boa-fé e com ânimo de dono, donde haviam adquirido a propriedade do bem e deveriam ser indenizados quando da criação do PNSB. Os recorrentes, dessa forma, postularam (i) a anulação da sentença proferida e o julgamento de procedência do pedido para acolher a pretensão autoral, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de indenização oriunda da desapropriação indireta no valor de R$ 510.846,98, acrescidos de correção monetária, juros moratórios, juros compensatórios e de honorários advocatícios; ou, caso não fosse esse o entendimento, (ii) que se anulasse a sentença e determinasse a remessa dos autos à primeira instância, com a determinação para que se produzam as provas pertinentes e indispensáveis à elucidação dos pontos controvertidos (ID 112483376, páginas 59-73).
Apresentadas as contrarrazões (ID 112483376, páginas 81-86), o recurso de apelação foi distribuído para a relatoria do eminente Desembargador Federal Hélio Nogueira. Sua Excelência levou o apelo a julgamento na sessão realizada em 09 de abril de 2019, ocasião em que votou no sentido de rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento ao recurso, mantida a condenação em honorários advocatícios, momento em que pedi vista dos autos (ID 112483376, páginas 98-116).
O julgamento do apelo prosseguiu na sessão realizada em 29 de outubro de 2019, quando, então, acompanhei o eminente Relator e a Primeira Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento ao recurso, mantida a condenação ao pagamento de honorários, custas e despesas processuais (ID 112483376, páginas 119-129). Ato contínuo, os autores opuseram embargos de declaração em face do mencionado acórdão (ID 126083207, páginas 1-8).
Os aclaratórios foram levados a julgamento na sessão de julgamento realizada em 07 de julho de 2020, votando o eminente Relator no sentido de rejeitá-los, tendo em vista que não vislumbrou nenhum dos vícios a que alude o art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, ocasião em que pedi novamente vista dos autos. Neste momento, ouso divergir do eminente Relator, pelas razões que passo a expor na sequência.
Os presentes embargos de declaração foram opostos na vigência do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe, em seu art. 1.022, sobre as hipóteses de cabimento dos aclaratórios: a existência, na decisão judicial, de obscuridade, contradição, omissão ou ainda erro material a serem sanados pelo Juízo. No caso em comento, malgrado o eminente Relator tenha assentado que não haveria qualquer destes vícios no acórdão, o fato é que o acórdão se ressente sim de uma relevante contradição que, acaso enfrentada, teria o condão de infirmar as conclusões adotadas. Explico-me.
Como relatado acima, a ação originária foi proposta com o fito de se obter indenização pela ocorrência de desapropriação indireta. Os autores buscavam o ressarcimento pela perda de sua propriedade ocorrida com a criação do PNSB. O direito de propriedade dos autores sobre o imóvel objeto do litígio está demonstrado pela documentação que foi acostada aos autos.
O Compromisso Particular de Venda e Compra da área rural foi firmado pelo Sr. José Prudente de Lima (comprador) e pelo Sr. Realino Rodrigues Monteiro (vendedor) em 20 de dezembro de 1992, conforme o ID 112483373, páginas 58-59. Vale registrar, nessa senda, que o então vendedor, o Sr. Realino Rodrigues Monteiro, exercia a posse do imóvel desde o longínquo ano de 1957, segundo informação contida no próprio Compromisso Particular de Venda e Compra, nos seguintes termos:
“PRIMEIRA: Que o Outorgante Promitente Vendedor é possuidor legítimo de um lote de terras pastais e lavradias, com mais ou menos 2.000 (dois mil hectares), situado na zona da Serra da Bodoquena, no município de Bodoquena-MS, limitando: ao Norte, com terras requeridas por José Mangano; ao Sul com terras devolutas; ao Nascente com o Ribeirão Salobrinha; e ao Poente com a Serra da Bodoquena e terras dos índios Cadieus; Que o referido lote de terras foi adquirido do Sr. JANUÁRIO GRISE, e sua mulher, Dª THEREZA LOPES GRISE, conforme ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS, lavrada em 28 de agosto de 1957, no CARTÓRIO DE 3º OFÍCIO de PEDRO PEDRA E FRANCISCO PEDRA no livro nº 36, às folhas 021/022, terras requeridas por compra ao Estado de Mato Grosso, em outubro de 1948, e cuja posse o Cedente justificou no JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DE MIRANDA/MS, conforme sentença prolatada nos autos respectíveis em data de 15 de maio de 1957; Escritura esta, integrando a este contrato com direitos e obrigações nela contidas;”
A mencionada informação contida no Compromisso Particular de Venda e Compra é corroborada pelo Cartório mencionado, consoante se constata do ID 112483373, página 55. Posteriormente, o Sr. José Prudente de Lima firmou Contrato Particular de Cessão de Direitos de Posse com o autor desta demanda, o Sr. José Lúcio Teixeira (ID 112483373, páginas 68-69), o que ocorreu em 29 de novembro de 2002.
Sendo assim, restou comprovado que a área rural indicada na peça exordial do feito contava com a presença de particulares ali desde há muito tempo, havendo títulos translativos do domínio que evidenciam que a propriedade foi, ao final da cadeia dominial, transferida para os autores desta demanda judicial, o que possibilita, ao menos em tese, falar-se em indenização em seu favor, uma vez que tal área não poderia mais ficar sob o seu domínio com a criação e instalação do PNSB.
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o eminente Relator deste recurso de apelação partiram da premissa de que não se poderia falar em direito à indenização em favor dos autores porque a aquisição do imóvel por eles teria ocorrido em 2002, ao passo que o PNSB havia sido criado anteriormente, em 2000. Baseados no fato de que a propriedade e a posse não poderiam ter se iniciado após a criação do Parque, afastaram qualquer possibilidade de se falar em indenização. A verdade, porém, é que a posse de particulares sobre a área rural em referência não se iniciou em 2002, como defendem, mas muito antes disso, nos idos da década de 1950, conforme demonstra a narrada cadeia dominial e de posse do bem.
A posse dos autores não pode ser tomada de forma isolada, mas, ao revés, deve ser conjugada com a posse dos particulares que ali estiveram antes deles para que se possa perceber a existência de seus direitos sobre a área e o cabimento, ao menos de forma abstrata, de indenização pela perda da Fazenda. Existindo a possibilidade em tese de se indenizar os autores, cumpre prosseguir no julgamento para constatar o que ocorreu durante a tramitação da ação judicial, isto é, o que ficou demonstrado como sendo objeto de indenização durante a marcha processual.
É neste momento que percebemos que os problemas narrados pelos apelantes quanto à fixação dos pontos controvertidos realmente ocorreram.
Após a apresentação de defesa pela parte ré, o juízo de primeiro grau emitiu despacho saneador em que rejeitou as preliminares arguidas e fixou os pontos controvertidos, determinando a produção da prova pericial que pudesse esclarecer as questões sobre as quais pairavam dissensos entre as partes. Ao fazê-lo, estas foram as considerações do juízo a quo (ID 112483374, páginas 41-42):
“No mais, fixo os seguintes pontos controvertidos: se as terras mencionadas na inicial (as quais alegam serem os autores possuidores) estão localizadas em faixa de fronteira e se estão dentro dos limites estabelecidos pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena, desde quando os autores são possuidores da mencionada propriedade rural, se estão impedidos de exercerem a aventada atividade econômica que faziam antes da criação do aludido Parque da Serra da Bodoquena, e o efetivo dano material suportado pelos autores.
Para tanto, defiro a produção de prova pericial a fim de que seja averiguado se a propriedade rural em questão está situada em faixa de fronteira e dentro do limite estabelecido pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Para tanto, designo o Engenheiro Agrônomo Carlos José D’Amore com endereço arquivado em secretaria.
Os quesitos do juízo são: 1) as terras mencionadas na inicial (descrito às ff. 66-67) estão situadas em faixa de fronteira? 2) estão situadas dentro do Parque Nacional da Serra da Bodoquena? Parcial ou totalmente? 4) os autores estão impedidos de exercerem atividades sócio econômicas, especialmente a de agropecuária, em sua propriedade?”
Como se percebe, o juízo de primeira instância se preocupou, em essência, com a precisa localização do imóvel objeto do litígio e, ademais, se os autores estariam ou não impedidos de exercerem atividade econômica após a criação do PNSB. Na sua sentença, a magistrada concluiu, após a realização da prova pericial, que não haveria que se falar em indenização em favor dos autores, pois “a mencionada área rural não serve para a atividade agropecuária”, na medida em que seu solo se enquadraria na classificação de “solo neossolo litólico”, segundo os apontamentos periciais (ID 112483376, página 49).
Insta salientar, contudo, que, ao fixar os pontos controvertidos, o juízo de primeira instância não se preocupou em delimitar como ponto a ser comprovado judicialmente se a área rural objeto do litígio contava efetivamente com qualquer forma de exploração econômica antes da criação do PNSB. Tal como transcrito acima, o juízo a quo se limitou a fixar como pontos controvertidos a localização da área rural em referência e a possibilidade ou impossibilidade atual de se explorar economicamente o imóvel, não apresentando como quesito judicial a ser respondido pelo perito, todavia, se o imóvel poderia ter sido explorado economicamente antes da criação do PNSB, o que demonstraria cabalmente a possibilidade de os autores serem indenizados pela desapropriação indireta ocorrida.
Em verdade, o juízo de primeiro grau se limitou a assentar que os autores não fariam jus à pretensa indenização somente porque o bem atualmente não pode ser explorado economicamente, na medida em que atualmente seu solo é classificado como “neossolo litólico”. Linha de intelecção semelhante foi a adotada pelo eminente Relator, quando afirmou que “os recorrentes não trouxeram nenhuma prova de que exerciam atividade econômica na chamada Fazenda Fortuna, antes da limitação administrativa na propriedade, não havendo que se falar em preclusão pro judicato na decisão que saneou o feito e deferiu a realização da prova” (ID 112483376, página 108).
Ora, como poderiam os autores demonstrar que efetivamente exerciam atividade econômica na Fazenda que era de sua propriedade se o próprio juízo de primeiro grau não qualificou a questão como um ponto controvertido da demanda judicial e a perícia, por consequência, não se debruçou sobre o tema como deveria? O que se tem com a tese encampada tanto pelo juízo de primeira instância quanto pelo eminente Relator, em realidade, é, com a devida vênia, uma contradição, pois, de um lado, assentam que a exploração econômica dos autores sobre o imóvel antes da criação do PNSB não seria um fator a ser considerado na perícia judicial, para logo em seguida dizer que os autores não fazem jus à indenização porque não haveria prova alguma de que existia exploração econômica antes da criação do PNSB.
Mais do que isso: tanto o juízo de primeiro grau quanto o eminente Relator concluem que a exploração econômica do bem antes da criação do PNSB não poderia ocorrer apenas porque seu solo não seria atualmente propício para isso, sem perquirir concretamente se o solo sempre foi assim e se poderia ter ocorrido a exploração econômica anterior mesmo à luz desta circunstância (não por meio de pecuária, mas de qualquer outra forma de exploração econômica que poderia ser cogitada), o que se fazia necessário averiguar por ocasião da perícia judicial realizada.
Tomar a situação atual do imóvel apurada em perícia e querer estendê-la para uma realidade anterior, isto é, para todo o histórico do imóvel, não é algo que possa ser feito de modo automático, havendo a necessidade de que a perícia cuide deste aspecto, o qual, contudo, não foi colocado como ponto controvertido da demanda, quando deveria sê-lo. O valor da perícia que se circunscreve ao momento atual, asseverando a existência de solo impróprio à pecuária, sem perscrutar esse histórico de exploração do imóvel, não é tão considerável assim, porque é cediço que a situação de imóveis rurais é dinâmica por excelência, podendo sofrer alterações ao longo do tempo, ainda mais quando se fala de um período amplo, como no caso dos autos.
A propósito, o próprio perito judicial admitiu que não pôde determinar se à época da criação do PNSB o imóvel era explorado economicamente ou não, o que demonstra que sobre a questão ainda pende dúvida (ID 112483375, página 109). Em se verificando a produtividade do imóvel antes da criação do PNSB, a parte autora faria jus à indenização pela expropriação de um imóvel que era de sua titularidade, sobretudo quando levamos em consideração a existência de documentos a comprovar a posse sobre o local desde 1957, somadas a posse dos autores com a de seus antecessores (ID 112483373, páginas 56-59).
Em casos como o presente, em que as questões de fato não foram suficientemente esclarecidas pela perícia judicial, ante a fixação incorreta dos pontos controvertidos na decisão de saneamento do processo, com possível prejuízos aos direitos materiais da parte, cumpre anular a sentença, a fim de garantir a possibilidade de os litigantes se valerem de todos os meios de prova admissíveis para demonstrar o alegado direito, sob pena de se violar o art. 357 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, nesta hipótese, o laudo pericial não atendeu à finalidade de aclarar os pontos realmente controvertidos da demanda judicial, que poderiam atestar a existência ou não de direito à indenização em favor dos autores.
Não bastassem os fundamentos mencionados até aqui, tem-se que os embargos de declaração comportam acolhimento por razões adicionais. Ainda que se admitisse a impossibilidade de o solo da área não ser passível de exploração econômica, conforme os apontamentos da perícia judicial (algo que se coloca em dúvida neste momento, tendo em vista que a perícia não se debruçou adequadamente sobre os pontos realmente controvertidos da demanda, como o histórico de ocupação do imóvel), o proprietário faria jus à indenização pela terra nua, já que ela apresenta um valor econômico próprio. A desconsideração da terra nua como um bem revestido de valor econômico próprio equivale a suprimir importante parcela da indenização a que o proprietário faria jus, sem qualquer motivo prestante para isso, afastando indevidamente a justa indenização preconizada constitucionalmente.
De mais a mais, o proprietário poderia ser indenizado pelo exercício de atividades outras que não dizem respeito à agropecuária. Atividades econômicas potenciais como a mineração, a extração vegetal e outras correlatas poderiam ao menos em tese ser desenvolvidas pelo proprietário da área, e a frustração de uma expectativa quanto a tal exploração econômica, como se sabe, rende ensejo a indenizações, seja na forma de lucros cessantes, seja por intermédio dos juros compensatórios.
Note-se, a esse respeito, que o perito judicial, ao tecer considerações sobre a área em questão, assentou apenas que o solo seria impróprio “para qualquer tipo de cultivo”, nada mencionando quanto a outras potenciais formas de exploração econômica do bem, consoante se constata do ID 112483375, página 101. Além disso, ao responder um quesito do juízo de primeiro grau, o perito judicial expressou que a área “é completamente improdutiva”, não apresentando “qualquer aptidão agrícola ou pecuária” (ID 112483375, página 105), apontamentos que reforçam a constatação no sentido de que sua análise se circunscreveu a estas duas formas de exploração econômica do bem, sem se dirigir a outras formas de utilização do imóvel.
Deste modo, conclui-se que o despacho saneador não fixou como pontos controvertidos outros aspectos que eram importantes para a apuração de uma correta e justa indenização em favor dos autores. Cabia a magistrada de primeiro grau, ao orientar e direcionar o trabalho pericial, estabelecer como pontos controvertidos o valor da terra nua, independentemente da possibilidade ou não de se conferir uma exploração agropecuária a ela, já que a terra nua é revestida de um valor econômico próprio; assim como as potenciais formas alternativas de exploração econômica do bem que não coincidissem com o cultivo da terra e a pecuária, já que não ficou descartada a viabilidade de o imóvel se dedicar a outras formas de utilização.
Ante o exposto, divergindo do eminente Relator, voto por acolher os embargos de declaração opostos para, reconhecendo a contradição existente no acórdão recorrido, conferir-lhes efeitos infringentes, de molde a prover parcialmente o recurso de apelação anteriormente manejado e anular a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, onde deverá ser determinada a realização de novas provas tendentes a verificar se havia ou não exploração econômica da Fazenda antes da criação do PNSB, assim como o valor da terra nua e as potenciais formas alternativas de exploração econômica do bem, tudo conforme a fundamentação supra.
É como voto.
VOTO RETIFICADO:
Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir quanto ao deslinde da causa.
Cuida-se, na origem, de ação de indenização proposta por José Lúcio Teixeira e por Jurandira Maria Teixeira, por meio da qual pretendiam obter o ressarcimento pela perda de uma área inteira (incluindo o valor da terra nua, as benfeitorias, as construções, a cobertura florestal, as matas de preservação permanente, a reserva legal e os juros compensatórios e moratórios), ocorrida com a criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena - PNSB, no Estado do Mato Grosso do Sul, por decreto presidencial editado no ano de 2000.
Em breve síntese, o feito foi processado pelo juízo de primeira instância, inclusive com a realização de prova pericial, quando, então, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido principal de indenização, ao argumento de que os autores não teriam conseguido comprovar a sua propriedade ou posse anterior ao ano de 2000, quando foi criado o PNSB; e, ademais, de que a área que supostamente tinham sob o seu domínio particular não seria própria para a pecuária e para a agricultura, na medida em que contava com o denominado “solo neossolo litólico”, segundo os apontamentos periciais, e, sem qualquer possibilidade de exploração econômica, não haveria como se falar em indenização em favor dos autores em função deste preciso fator.
Houve condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes últimos no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, parágrafos 3º e 4º, inc. III, do Código de Processo Civil de 2015 (ID 112483376, páginas 46-52). Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação em face da mencionada sentença, apresentando uma série de alegações e fundamentos com os quais pretendiam obter a reforma da sentença objurgada.
Aduziram, em apertado resumo, que a juíza de primeira instância não teria fixado corretamente os pontos controvertidos no despacho saneador e que, por via de consequência, a perícia se debruçou sobre pontos incorretos, sobre os quais, aliás, não pendiam maiores controvérsias entre as partes. Por esta razão, entendem os recorrentes que a sentença padeceria de nulidade. Asseveraram, ainda, que a posse exercida sobre o bem, somada a de seus antecessores, alcançava 50 (cinquenta anos) ao tempo do ajuizamento da demanda, e que tal posse se caracteriza por ser mansa, pacífica, de boa-fé e com ânimo de dono, donde haviam adquirido a propriedade do bem e deveriam ser indenizados quando da criação do PNSB. Os recorrentes, dessa forma, postularam (i) a anulação da sentença proferida e o julgamento de procedência do pedido para acolher a pretensão autoral, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de indenização oriunda da desapropriação indireta no valor de R$ 510.846,98, acrescidos de correção monetária, juros moratórios, juros compensatórios e de honorários advocatícios; ou, caso não fosse esse o entendimento, (ii) que se anulasse a sentença e determinasse a remessa dos autos à primeira instância, com a determinação para que se produzam as provas pertinentes e indispensáveis à elucidação dos pontos controvertidos (ID 112483376, páginas 59-73).
Apresentadas as contrarrazões (ID 112483376, páginas 81-86), o recurso de apelação foi distribuído para a relatoria do eminente Desembargador Federal Hélio Nogueira. Sua Excelência levou o apelo a julgamento na sessão realizada em 09 de abril de 2019, ocasião em que votou no sentido de rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento ao recurso, mantida a condenação em honorários advocatícios, momento em que pedi vista dos autos (ID 112483376, páginas 98-116).
O julgamento do apelo prosseguiu na sessão realizada em 29 de outubro de 2019, quando, então, acompanhei o eminente Relator e a Primeira Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento ao recurso, mantida a condenação ao pagamento de honorários, custas e despesas processuais (ID 112483376, páginas 119-129). Ato contínuo, os autores opuseram embargos de declaração em face do mencionado acórdão (ID 126083207, páginas 1-8).
Os aclaratórios foram levados a julgamento na sessão de julgamento realizada em 07 de julho de 2020, votando o eminente Relator no sentido de rejeitá-los, tendo em vista que não vislumbrou nenhum dos vícios a que alude o art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, ocasião em que pedi novamente vista dos autos. Neste momento, ouso divergir do eminente Relator, pelas razões que passo a expor na sequência.
Os presentes embargos de declaração foram opostos na vigência do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe, em seu art. 1.022, sobre as hipóteses de cabimento dos aclaratórios: a existência, na decisão judicial, de obscuridade, contradição, omissão ou ainda erro material a serem sanados pelo Juízo. No caso em comento, malgrado o eminente Relator tenha assentado que não haveria qualquer destes vícios no acórdão, o fato é que o acórdão se ressente sim de uma relevante contradição que, acaso enfrentada, teria o condão de infirmar as conclusões adotadas. Explico-me.
Como relatado acima, a ação originária foi proposta com o fito de se obter indenização pela ocorrência de desapropriação indireta. Os autores buscavam o ressarcimento pela perda de sua propriedade ocorrida com a criação do PNSB. O direito de propriedade dos autores sobre o imóvel objeto do litígio está demonstrado pela documentação que foi acostada aos autos.
O Compromisso Particular de Venda e Compra da área rural foi firmado pelo Sr. José Prudente de Lima (comprador) e pelo Sr. Realino Rodrigues Monteiro (vendedor) em 20 de dezembro de 1992, conforme o ID 112483373, páginas 58-59. Vale registrar, nessa senda, que o então vendedor, o Sr. Realino Rodrigues Monteiro, exercia a posse do imóvel desde o longínquo ano de 1957, segundo informação contida no próprio Compromisso Particular de Venda e Compra, nos seguintes termos:
“PRIMEIRA: Que o Outorgante Promitente Vendedor é possuidor legítimo de um lote de terras pastais e lavradias, com mais ou menos 2.000 (dois mil hectares), situado na zona da Serra da Bodoquena, no município de Bodoquena-MS, limitando: ao Norte, com terras requeridas por José Mangano; ao Sul com terras devolutas; ao Nascente com o Ribeirão Salobrinha; e ao Poente com a Serra da Bodoquena e terras dos índios Cadieus; Que o referido lote de terras foi adquirido do Sr. JANUÁRIO GRISE, e sua mulher, Dª THEREZA LOPES GRISE, conforme ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO DE DIREITOS, lavrada em 28 de agosto de 1957, no CARTÓRIO DE 3º OFÍCIO de PEDRO PEDRA E FRANCISCO PEDRA no livro nº 36, às folhas 021/022, terras requeridas por compra ao Estado de Mato Grosso, em outubro de 1948, e cuja posse o Cedente justificou no JUÍZO DE DIREITO DA COMARCA DE MIRANDA/MS, conforme sentença prolatada nos autos respectíveis em data de 15 de maio de 1957; Escritura esta, integrando a este contrato com direitos e obrigações nela contidas;”
A mencionada informação contida no Compromisso Particular de Venda e Compra é corroborada pelo Cartório mencionado, consoante se constata do ID 112483373, página 55. Posteriormente, o Sr. José Prudente de Lima firmou Contrato Particular de Cessão de Direitos de Posse com o autor desta demanda, o Sr. José Lúcio Teixeira (ID 112483373, páginas 68-69), o que ocorreu em 29 de novembro de 2002.
Sendo assim, restou comprovado que a área rural indicada na peça exordial do feito contava com a presença de particulares ali desde há muito tempo, havendo títulos translativos do domínio que evidenciam que a propriedade foi, ao final da cadeia dominial, transferida para os autores desta demanda judicial, o que possibilita, ao menos em tese, falar-se em indenização em seu favor, uma vez que tal área não poderia mais ficar sob o seu domínio com a criação e instalação do PNSB.
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o eminente Relator deste recurso de apelação partiram da premissa de que não se poderia falar em direito à indenização em favor dos autores porque a aquisição do imóvel por eles teria ocorrido em 2002, ao passo que o PNSB havia sido criado anteriormente, em 2000. Baseados no fato de que a propriedade e a posse não poderiam ter se iniciado após a criação do Parque, afastaram qualquer possibilidade de se falar em indenização. A verdade, porém, é que a posse de particulares sobre a área rural em referência não se iniciou em 2002, como defendem, mas muito antes disso, nos idos da década de 1950, conforme demonstra a narrada cadeia dominial e de posse do bem.
A posse dos autores não pode ser tomada de forma isolada, mas, ao revés, deve ser conjugada com a posse dos particulares que ali estiveram antes deles para que se possa perceber a existência de seus direitos sobre a área e o cabimento, ao menos de forma abstrata, de indenização pela perda da Fazenda. Existindo a possibilidade em tese de se indenizar os autores, cumpre prosseguir no julgamento para constatar o que ocorreu durante a tramitação da ação judicial, isto é, o que ficou demonstrado como sendo objeto de indenização durante a marcha processual.
É neste momento que percebemos que os problemas narrados pelos apelantes quanto à fixação dos pontos controvertidos realmente ocorreram.
Após a apresentação de defesa pela parte ré, o juízo de primeiro grau emitiu despacho saneador em que rejeitou as preliminares arguidas e fixou os pontos controvertidos, determinando a produção da prova pericial que pudesse esclarecer as questões sobre as quais pairavam dissensos entre as partes. Ao fazê-lo, estas foram as considerações do juízo a quo (ID 112483374, páginas 41-42):
“No mais, fixo os seguintes pontos controvertidos: se as terras mencionadas na inicial (as quais alegam serem os autores possuidores) estão localizadas em faixa de fronteira e se estão dentro dos limites estabelecidos pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena, desde quando os autores são possuidores da mencionada propriedade rural, se estão impedidos de exercerem a aventada atividade econômica que faziam antes da criação do aludido Parque da Serra da Bodoquena, e o efetivo dano material suportado pelos autores.
Para tanto, defiro a produção de prova pericial a fim de que seja averiguado se a propriedade rural em questão está situada em faixa de fronteira e dentro do limite estabelecido pelo Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Para tanto, designo o Engenheiro Agrônomo Carlos José D’Amore com endereço arquivado em secretaria.
Os quesitos do juízo são: 1) as terras mencionadas na inicial (descrito às ff. 66-67) estão situadas em faixa de fronteira? 2) estão situadas dentro do Parque Nacional da Serra da Bodoquena? Parcial ou totalmente? 4) os autores estão impedidos de exercerem atividades sócio econômicas, especialmente a de agropecuária, em sua propriedade?”
Como se percebe, o juízo de primeira instância se preocupou, em essência, com a precisa localização do imóvel objeto do litígio e, ademais, se os autores estariam ou não impedidos de exercerem atividade econômica após a criação do PNSB. Na sua sentença, a magistrada concluiu, após a realização da prova pericial, que não haveria que se falar em indenização em favor dos autores, pois “a mencionada área rural não serve para a atividade agropecuária”, na medida em que seu solo se enquadraria na classificação de “solo neossolo litólico”, segundo os apontamentos periciais (ID 112483376, página 49).
Insta salientar, contudo, que, ao fixar os pontos controvertidos, o juízo de primeira instância não se preocupou em delimitar como ponto a ser comprovado judicialmente se a área rural objeto do litígio contava efetivamente com qualquer forma de exploração econômica antes da criação do PNSB. Tal como transcrito acima, o juízo a quo se limitou a fixar como pontos controvertidos a localização da área rural em referência e a possibilidade ou impossibilidade atual de se explorar economicamente o imóvel, não apresentando como quesito judicial a ser respondido pelo perito, todavia, se o imóvel poderia ter sido explorado economicamente antes da criação do PNSB, o que demonstraria cabalmente a possibilidade de os autores serem indenizados pela desapropriação indireta ocorrida.
Em verdade, o juízo de primeiro grau se limitou a assentar que os autores não fariam jus à pretensa indenização somente porque o bem atualmente não pode ser explorado economicamente, na medida em que atualmente seu solo é classificado como “neossolo litólico”. Linha de intelecção semelhante foi a adotada pelo eminente Relator, quando afirmou que “os recorrentes não trouxeram nenhuma prova de que exerciam atividade econômica na chamada Fazenda Fortuna, antes da limitação administrativa na propriedade, não havendo que se falar em preclusão pro judicato na decisão que saneou o feito e deferiu a realização da prova” (ID 112483376, página 108).
Ora, como poderiam os autores demonstrar que efetivamente exerciam atividade econômica na Fazenda que era de sua propriedade se o próprio juízo de primeiro grau não qualificou a questão como um ponto controvertido da demanda judicial e a perícia, por consequência, não se debruçou sobre o tema como deveria? O que se tem com a tese encampada tanto pelo juízo de primeira instância quanto pelo eminente Relator, em realidade, é, com a devida vênia, uma contradição, pois, de um lado, assentam que a exploração econômica dos autores sobre o imóvel antes da criação do PNSB não seria um fator a ser considerado na perícia judicial, para logo em seguida dizer que os autores não fazem jus à indenização porque não haveria prova alguma de que existia exploração econômica antes da criação do PNSB.
Mais do que isso: tanto o juízo de primeiro grau quanto o eminente Relator concluem que a exploração econômica do bem antes da criação do PNSB não poderia ocorrer apenas porque seu solo não seria atualmente propício para isso, sem perquirir concretamente se o solo sempre foi assim e se poderia ter ocorrido a exploração econômica anterior mesmo à luz desta circunstância (não por meio de pecuária, mas de qualquer outra forma de exploração econômica que poderia ser cogitada), o que se fazia necessário averiguar por ocasião da perícia judicial realizada.
Tomar a situação atual do imóvel apurada em perícia e querer estendê-la para uma realidade anterior, isto é, para todo o histórico do imóvel, não é algo que possa ser feito de modo automático, havendo a necessidade de que a perícia cuide deste aspecto, o qual, contudo, não foi colocado como ponto controvertido da demanda, quando deveria sê-lo. O valor da perícia que se circunscreve ao momento atual, asseverando a existência de solo impróprio à pecuária, sem perscrutar esse histórico de exploração do imóvel, não é tão considerável assim, porque é cediço que a situação de imóveis rurais é dinâmica por excelência, podendo sofrer alterações ao longo do tempo, ainda mais quando se fala de um período amplo, como no caso dos autos.
A propósito, o próprio perito judicial admitiu que não pôde determinar se à época da criação do PNSB o imóvel era explorado economicamente ou não, o que demonstra que sobre a questão ainda pende dúvida (ID 112483375, página 109). Em se verificando a produtividade do imóvel antes da criação do PNSB, a parte autora faria jus à indenização pela expropriação de um imóvel que era de sua titularidade, sobretudo quando levamos em consideração a existência de documentos a comprovar a posse sobre o local desde 1957, somadas a posse dos autores com a de seus antecessores (ID 112483373, páginas 56-59).
Em casos como o presente, em que as questões de fato não foram suficientemente esclarecidas pela perícia judicial, ante a fixação incorreta dos pontos controvertidos na decisão de saneamento do processo, com possível prejuízos aos direitos materiais da parte, cumpre anular a sentença, a fim de garantir a possibilidade de os litigantes se valerem de todos os meios de prova admissíveis para demonstrar o alegado direito, sob pena de se violar o art. 357 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, nesta hipótese, o laudo pericial não atendeu à finalidade de aclarar os pontos realmente controvertidos da demanda judicial, que poderiam atestar a existência ou não de direito à indenização em favor dos autores.
Ante o exposto, divergindo do eminente Relator, voto por acolher os embargos de declaração opostos para, reconhecendo a contradição existente no acórdão recorrido, conferir-lhes efeitos infringentes, de molde a prover parcialmente o recurso de apelação anteriormente manejado e anular a sentença recorrida, determinando o retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, onde deverá ser determinada a realização de novas provas tendentes a verificar se havia ou não exploração econômica da Fazenda antes da criação do PNSB, tudo conforme a fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A intenção de rediscutir a matéria e obter novo julgamento pela Turma não encontra nos embargos de declaração a via processual adequada, já que é cabível tal recurso quando na decisão prolatada houver obscuridade, contradição, ou omissão, conforme artigo 535, I e II, do CPC ou, por construção jurisprudencial, erro material, inocorrentes na espécie.
2. Cumpre observar que, nos termos do artigo 1025 do Novo Código de Processo Civil, a interposição dos embargos de declaração implica, tacitamente, no pré-questionamento da matéria, sendo desnecessária a sua expressa menção.
3. Os demais argumentos aduzidos nos recursos dos quais foram tirados os presentes embargos de declaração não têm o condão de modificar, nem mesmo em tese, o acórdão combatido, de vez que aqueles de maior relevância à elucidação do julgado foram devidamente apreciados (artigo 1022, parágrafo único, inciso II, do CPC/2015).
4. Saliento que não há de se confundir fundamentação concisa com a ausência dela, não se exigindo do juiz a análise pormenorizada de cada uma das argumentações lançadas pelas partes, podendo ele limitar-se àquelas de relevância ao deslinde da causa, atendendo, assim, ao princípio basilar insculpido no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Nesse sentido a Corte Suprema já pacificou o tema, ao apreciar o AI nº 791.292, em sede de repercussão geral, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em julgamento do Plenário em 23.06.2010.
5. Embargos de declaração rejeitados.