Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000059-91.2017.4.03.6108

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: VIVIANE DE ARAUJO, LEOMIR VAGNER CANDIDO, PAULA FRANCINE DE ARAUJO

Advogado do(a) APELANTE: DIEGO DA CUNHA GOMES - SP374419-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000059-91.2017.4.03.6108

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: VIVIANE DE ARAUJO, LEOMIR VAGNER CANDIDO, PAULA FRANCINE DE ARAUJO

Advogado do(a) APELANTE: DIEGO DA CUNHA GOMES - SP374419-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedentes os pedidos para rescindir o contrato firmado entre a CEF e a Sra. Viviane de Araújo, além de reintegrar, de forma definitiva, a requerente na posse de prédio residencial na cidade de Lençois Paulista/SP, melhor descrito na matrícula nº 27943 do CRI daquele município, após o trânsito em julgado. Como corolário do acolhimento da rescisão contratual e ante a verossimilhança do quanto alegado na exordial, determinou que a requerida deverá desocupar o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação desta sentença, ficando, pois, a Autora imitida na posse por força da presente decisão. Sem condenação da Ré ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, tendo em vista a assistência judiciária gratuita.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL propôs ação de rescisão contratual com pedido de reintegração de posse, em face de VIVIANE DE ARAÚJO,  LEOMIR VAGNER CANDIDO e PAULA FRANCINE DE ARAUJO. Aduziu que a requerida Viviane (titular do contrato de arrendamento residencial) não está residindo no imóvel financiado pela CAIXA, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, o que gera o vencimento antecipado da dívida, dando ensejo à rescisão unilateral e retomada do imóvel, com a consequente reintegração da posse nos termos dos artigos 1210 e 1212 do Código Civil. Informou que as diligências deram conta de quem reside efetivamente no local são os requeridos Paula e Leomir. Requereu a rescisão do contrato de financiamento, com reintegração do imóvel à propriedade plena do FAR/CAIXA, além da condenação dos requeridos ao pagamento de eventuais perdas e danos causados em função do esbulho praticado, em especial os danos decorrentes de eventuais depredações, que deverão ser constatadas após a desocupação do imóvel.

Citados os requeridos, apenas a ré Viviane contestou. Alegou que jamais deixou de residir no imóvel objeto da presente. Questionou os agentes municipais que fizeram a diligência de verificação. Informou que acolheu sua irmã, cunhado e filho, pois estavam sem moradia no ano de 2015, mas que continuou a residir no referido bem. Aduziu que foi por conta deste acolhimento que o recebimento do AR encaminhado pela CEF foi recebido por Paula (sua irmã). Sustentou que apenas recebeu a missiva no endereço de seus pais porque ela e seu filho permaneciam durante o dia naquela residência, já que a Ré trabalhava no período noturno, conforme pontos anexos à inicial. Argumentou, ainda, que não há cláusula que impeça compartilhar a residência que lhe foi direcionada com qualquer pessoa, insistindo na tese de que nunca abandonou o imóvel. Pediu a extinção do feito por falta de interesse de agir ou, subsidiariamente, a improcedência.

Em razões de apelação, a parte Ré reitera as razões apresentadas em contestação, apontando que sofreu cerceamento de defesa, uma vez que parte dos documentos constantes no processo estavam com status de sigilo, o que lhe prejudicou a defesa.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000059-91.2017.4.03.6108

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: VIVIANE DE ARAUJO, LEOMIR VAGNER CANDIDO, PAULA FRANCINE DE ARAUJO

Advogado do(a) APELANTE: DIEGO DA CUNHA GOMES - SP374419-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

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V O T O

 

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei n. 11.977/09, para melhor regulamentar as operações do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), contratadas no âmbito do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), a Portaria Interministerial n. 477/2013, em seu art. 4º, e, no § 7º, assentou que, uma vez constatado que os imóveis negociados no âmbito do programa habitacional não foram destinados à residência do beneficiário, a instituição financeira oficial federal que houver efetivado a contratação declarará a imediata rescisão do contrato e promoverá a retomada do imóvel, observando a regulamentação do Ministério das Cidades.

No mesmo sentido é Cláusula 9.3 do contrato firmado entre as partes:

9. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA, RESCISÃO DO CONTRATO DE VENDA E COMPRA E RETOMADA DO IMÓVEL:

- A dívida será considerada antecipadamente vencida, nas hipóteses:

a) destinação do imóvel alienado que não para residência do beneficiário e sua família;
(...)
i) descumprimento das obrigações estipuladas em lei ou neste contrato.
(...)

9.3. Nas hipóteses de desvio de finalidade ou transferência indevida a terceiros fica possibilitada à CAIXA a rescisão de pleno direito deste instrumento contratual.

 São regulares as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de financiamento imobiliário com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial e pertencentes as faixas de renda mais baixas do Programa Minha Casa Minha Vida

A ocupação do imóvel por terceiros, seguida da sua não devolução é causa de resolução do contrato por inadimplemento, o que justifica o ajuizamento da ação de reintegração de posse para a retomada do bem. Esta norma tem o intuito de proteger as finalidades sociais do programa que deve observar os parâmetros da legislação e das políticas públicas que o conceberam.

Com efeito, todas as provas apresentadas nos autos levam a crer que a apelante não residia no imóvel. Sua irmã e seu cunhado foram notificados no imóvel, e a própria apelante foi encontrada no endereço de seus pais. A apelante pretende questionar a idoneidade de servidores públicos que atestaram as circunstâncias, bem como os testemunhos colhidos na esfera administrativa.

Ocorre que, além da fé pública dos agentes municipais, a própria apelante não apresenta sequer um comprovante de residência que corrobore suas alegações, e nem indicou testemunhas que pudessem comprovar sua versão dos fatos.

Quanto à alegação de cerceamento de defesa, ainda que a apelante não tenha conseguido acesso a documentos essenciais à sua defesa para oferecer sua contestação, ao elaborar suas razões de apelação, é inconteste que tomou conhecimento dos documentos em questão. Neste caso, ainda que houvesse nulidade da sentença, a causa estaria madura para julgamento por este Tribunal. As razões apresentadas na apelação, no entanto, em nada alteraram o conjunto probatório constante nos autos, nem a conclusão acertada a que chegou o juízo de origem.

Por fim, ainda que a tese da defesa fosse verossímil, ao acolher sua irmã e seu cunhado, a renda familiar dos residentes no imóvel restaria substancialmente alterada, reforçando os indícios de que os réus agiram com o intuito de fraudar os critérios do PMCMV, configurando o desvio de finalidade dos recursos que financiam o programa.

Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL- PAR. LEI Nº 10.188/2001. REINTEGRAÇÃO DE POSSE E RESCISÃO DO CONTRATO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA. CESSÃO OU TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO. VALIDADE.
1. Cuida-se de ação de reintegração de posse ajuizada pela Caixa Econômica Federal-CEF objetivando a retomada de imóvel arrendado pelas regras do Programa de Arrendamento Residencial - PAR em virtude da alienação do imóvel a terceiros.
2. Cinge-se a controvérsia a examinar a validade da cláusula que determina a rescisão do contrato de arrendamento residencial no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR na hipótese de cessão ou transferência de direitos decorrentes da pactuação.
3. São legais as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR, pois encontram amparo na legislação específica que regula a matéria (Lei nº 10.188/2001), bem como se alinham aos princípios e à finalidade que dela se extraem.
4. Recurso especial não provido.
(STJ, RESP 201301464950, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1385292, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJE DATA:28/10/2014)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL VINCULADO AO PAR - PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. INADIMPLEMENTO DO ARRENDATÁRIO. NOTIFICAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE.
1.-
No contrato de arrendamento residencial disciplinado pela Lei 10.188/01, a instituição financeira arrendante poderá, após notificação ou interpelação do arrendatário inadimplente, propor ação de reintegração de posse para reaver o bem, independentemente de posse anterior.
2.- Recurso Especial improvido.
(STJ, RESP 201201218229, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1353892, Terceira Turma, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJE DATA:25/06/2014)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CESSÃO DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. OCUPAÇÃO IRREGULAR. RECUSA NA DESOCUPAÇÃO. ESBULHO CARACTERIZADO. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1, A intimação do defensor dativo do autor deu-se em 14/02/2012. Por sua vez, o protocolo da peça recursal é de 28/02/2012, dentro do prazo de quinze dias outorgado pelo artigo 508 do Código de Processo Civil de 1973.
2. O contrato de arrendamento residencial é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra.
3. A transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato dá ensejo à rescisão contratual, independentemente de aviso ou interpelação.
4. A ocupação do imóvel por terceiros, estranhos à relação contratual, seguida da sua não devolução, converte o arrendamento em esbulho, o que enseja o manejo da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.
5. No caso em exame, foi realizada a notificação pessoal do apelante, visando à desocupação do imóvel por conta da ocupação irregular.
6. O instrumento particular firmado entre o apelante e os arrendatários não é apto a produzir efeitos no mundo jurídico, na medida em que opera a alienação de imóvel de propriedade alheia. A manutenção da posse pelo apelante, por sua vez, contraria cláusula contratual expressa, não podendo ser admitida.
7. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
8. Apelação não provida.
(TRF3, Ap 00109807920084036119, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1861434, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/04/2017)

Ante o exposto, nego provimento à apelação, na forma da fundamentação acima.

É o voto.


Desembargador Federal Wilson Zauhy.

Compulsando melhor os autos, peço vênia ao E. Relator para divergir de seu voto.

A controvérsia dos autos gira em torno do suposto descumprimento do contrato de financiamento firmado entre a CEF e a Ré, ora apelante, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, que acarretou o vencimento antecipado da dívida, e por consequência, na rescisão do contrato.

Compulsando os autos verifico que a CEF embasa a alegação de violação do contrato, na cessão do imóvel a terceiros, o que é vedado pela Cláusula Décima Primeira do contrato.

A apelante, contudo, alega que jamais desocupou o imóvel, mas tão somente acolheu em sua residência sua irmã e genro, o que é, inclusive, permitido pelo contrato firmado com a instituição autora, por se tratar de membros de seu grupo familiar.

Ainda que tais ocupantes não tenham constado na relação de familiares da apelante, entendo que a situação deve ser analisada com certa temperança e razoabilidade, considerando não estar demonstrada a hipótese de alienação, disposição permanente ou mesmo cessão do imóvel à terceiros, ou ainda, que a requerida tenha se ausentado definitivamente.

Sem desprestigiar, ou mesmo violar o objetivo perseguido pelo programa habitacional, evidente que no caso em tela, o cumprimento das cláusulas do contrato não pode prevalecer sobre a função social da propriedade, na medida em que a Apelante encontra-se efetivamente em situação de necessidade.

 

A esse respeito já se pronunciou o Eg. Tribunal Regional da Primeira Região:

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL ARRENDADO NO ÂMBITO DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR). TRANSFERÊNCIA E/OU CESSÃO DO IMÓVEL A TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PROVA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.1. Trata-se de apelação de sentença em que se julgou improcedente pedido de reintegração de posse, referente a imóvel arrendado no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR). 2. Não há prova de que a arrendatária transferira, negociara ou cedera, a qualquer título, a posse do imóvel objeto de contrato celebrado com a Caixa Econômica Federal, no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Conforme prova dos autos, o suposto esbulhador é irmão da arrendatária e não há vedação a que esta resida no imóvel com seus familiares. É necessário ter presente que o conceito de família, já no ordenamento jurídico positivado, não se circunscreve à unidade “pais e filhos” (Lei n. 8.069/90, art. 25, parágrafo único). 3. A CEF insiste na tese de irregularidade, alegando, ainda, que ficou provado que a arrendatária reside em outro município. Ocorre que a ré não deixou de ter domicílio na cidade em que localizado o imóvel arrendado. No outro município, a ré está (ou estava) exercendo cargo de livre nomeação no executivo municipal, não sendo, por isso, razoável exigir que para ali transferisse, em definitivo, seu domicílio. Seus familiares continuaram (continuam) residindo no imóvel arrendado. 4. Nos termos do art. 71 do Código Civil, “se (...) a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternativamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas”. 5. A Caixa sugere que a ré não faria jus ao arrendamento, por conta da condição financeira dos ocupantes do imóvel. No entanto, não há prova de que a renda familiar, cujo importe não se encontra nos autos, seja empeço à manutenção do contrato de arrendamento. Apelação não provida. (AC 2008.36.00.009735-5, relator, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, D.J.07/11/2012).

 

A CEF, por sua vez, comprova apenas que a requerida não se encontrava no imóvel durante as vistorias realizadas, em horário comercial, o que justificaria sua ausência, mas não comprova que o imóvel foi efetivamente cedido a terceiros, ônus que lhe incumbia, nos termos do artigo 373, II, do CPC/15.

Entretanto, não há como se presumir a violação ao contrato em prejuízo da Apelante, que alegou ocupar o imóvel na ocasião do ajuizamento da ação, bem como que está adimplente com todas as parcelas do financiamento e encargos do imóvel, objeto de financiamento habitacional no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida.

Observo, portanto, que a instrução do feito não se mostrou suficiente para reconhecer o direito pretendido pela Caixa, consistente no reconhecimento da violação das cláusulas do contrato e retomada do imóvel.

Reputo necessário, portanto, a realização de prova testemunhal e também a expedição de mandado de constatação, para a averiguação de quais seriam os atuais e efetivos habitantes do imóvel, se houve de fato a cessão do imóvel a terceiros, ou qualquer outra violação das cláusulas do contrato firmado entre as partes. 

Desse modo, tendo em vista a primazia da decisão de mérito e o princípio da instrumentalidade das formas, se faz necessário anular a sentença e determinar o retorno do processo à origem, para a devida instrução probatória, uma vez reconhecido o cerceamento de defesa das partes.

Ante o exposto, divirjo do E. Relator e voto por dar parcial provimento ao recurso de apelação, a fim de reconhecer o cerceamento de defesa das partes, e anular a sentença a fim de que seja realizada a devida instrução do feito, nos termos da fundamentação supra.


E M E N T A

CIVIL. APELAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - PMCMV. FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - FAR. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO SUBSIDIADO. POLÍTICA PÚBLICA HABITACIONAL. VEDAÇÃO À CESSÃO DE DIREITOS OU OCUPAÇÃO IRREGULAR DO IMÓVEL. DESVIO DE FINALIDADE. RENDA FAMILIAR. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei n. 11.977/09, para melhor regulamentar as operações do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), contratadas no âmbito do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), a Portaria Interministerial n. 477/2013, em seu art. 4º, e, no § 7º, assentou que, uma vez constatado que os imóveis negociados no âmbito do programa habitacional não foram destinados à residência do beneficiário, a instituição financeira oficial federal que houver efetivado a contratação declarará a imediata rescisão do contrato e promoverá a retomada do imóvel, observando a regulamentação do Ministério das Cidades. No mesmo sentido é Cláusula 9.3 do contrato firmado entre as partes.
II -  São regulares as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de financiamento imobiliário com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial e pertencentes as faixas de renda mais baixas do Programa Minha Casa Minha Vida. A ocupação do imóvel por terceiros, seguida da sua não devolução é causa de resolução do contrato por inadimplemento, o que justifica o ajuizamento da ação de reintegração de posse para a retomada do bem. Esta norma tem o intuito de proteger as finalidades sociais do programa que deve observar os parâmetros da legislação e das políticas públicas que o conceberam.
III - Com efeito, todas as provas apresentadas nos autos levam a crer que a apelante não residia no imóvel. Sua irmã e seu cunhado foram notificados no imóvel, e a própria apelante foi encontrada no endereço de seus pais. A apelante pretende questionar a idoneidade de servidores públicos que atestaram as circunstâncias, bem como os testemunhos colhidos na esfera administrativa. Ocorre que, além da fé pública dos agentes municipais, a própria apelante não apresenta sequer um comprovante de residência que corrobore suas alegações, e nem indicou testemunhas que pudessem comprovar sua versão dos fatos.
IV - Quanto à alegação de cerceamento de defesa, ainda que a apelante não tenha conseguido acesso a documentos essenciais à sua defesa para oferecer sua contestação, ao elaborar suas razões de apelação, é inconteste que tomou conhecimento dos documentos em questão. Neste caso, ainda que houvesse nulidade da sentença, a causa estaria madura para julgamento por este Tribunal. As razões apresentadas na apelação, no entanto, em nada alteraram o conjunto probatório constante nos autos, nem a conclusão acertada a que chegou o juízo de origem.
V -
Por fim, ainda que a tese da defesa fosse verossímil, ao acolher sua irmã e seu cunhado, a renda familiar dos residentes no imóvel restaria substancialmente alterada, reforçando os indícios de que os réus agiram com o intuito de fraudar os critérios do PMCMV, configurando o desvio de finalidade dos recursos que financiam o programa.
VI - Apelação improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento à apelação, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal relator, acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Helio Nogueira, Cotrim Guimarães e Carlos Francisco; vencido o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, que lhe dava parcial provimento a fim de reconhecer o cerceamento de defesa das partes, e anular a sentença a fim de que fosse realizada a devida instrução do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.