Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA

APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA

 

APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por JOEL GUILHERME DA SILVA em face da sentença ID 143384152 fls. 38 e ID 143384153 fls. 01/15, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia para condenar Joel Guilherme da Silva pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, bem como à inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade.

A reprimenda foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Em sede de razões recursais (ID 143384153 fls. 20/28), o Parquet requereu: a) a condenação do acusado às penas cominadas ao crime do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97; b) a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Por sua vez, em razões recursais (ID 143384783), a defesa de Joel Guilherme pleiteou: a) a fixação da pena-base no patamar mínimo legal, ou, subsidiariamente, seja reduzida à fração de 1/6 (um sexto); b) seja afastada a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor.

Contrarrazões da defesa e da acusação, ID 143384783 e ID 143384786, respectivamente.

O Exmo. Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Meirelles, manifestou-se pelo parcial provimento de ambos os recursos de apelação, para que o acusado seja condenado pelo delito do artigo 183, da Lei nº 9.472/1997, e reduzida a pena-base fixada pela prática do delito de contrabando, devendo, contudo, ser mantida acima do mínimo legal (ID 143465819).

É O RELATÓRIO.

À revisão, nos termos regimentais. 

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA

 

APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Do caso dos autos. JOEL GUILHERME DA SILVA foi denunciado pela prática dos crimes previstos no artigo 334-A, caput, do Código Penal e artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/1997.

Narra a denúncia (ID 143384150 fls. 02/05) que:

"... no dia 20/10/2017, por volta das 20h, no trevo do anel viário do município de Campo Grande/MS, uma equipe de policiais federais flagrou o denunciado JOEL GUILHERME DA SILVA transportando, após importar, mediante promessa de recompensa, grande quantidade de cigarros de origem estrangeira (marca Eight), cuja importação é proibida nos termos da legislação de regência (fls. 01/02). Na mesma ocasião, o denunciado também desenvolveu atividade de comunicação de forma clandestina, através de rádio transmissor instalado em seu caminhão (fls. 61/65).

No local e data acima citados, durante fiscalização de rotina, policiais federais abordaram o caminhão VW/16.170 BT, cor branca, placas AEO-3949, conduzido pelo denunciado. Diante do nervosismo deste, foi lhe determinado que abrisse o baú do caminhão, momento em que a equipe policial constatou uma carga de mudança (fl. 01). Ato contínuo, o veículo foi levado até a Superintendência da Polícia Federal, local em que foram localizadas várias caixas de cigarros dentro do caminhão, atrás da mudança (fl. 01). Questionado, o denunciado disse aos policiais federais que tanto a mudança quanto os cigarros foram carregados na cidade de Maracaju/MS e seriam entregues em Rondonópolis/MT. Pelo transporte, ele receberia a quantia de RS 3.000,00 (três mil reais) (fls. 01/04).

(...)

O Laudo de Perícia Criminal Federal (Merceologia) n. 2058/2017 SETEC/SR/PF/MS, referente aos cigarros apreendidos, atestou tratar-se de cigarros da marca "Eight", de origem paraguaia, sem o devido registro na Agência de Vigilância Sanitária Nacional (Anvisa), e portanto, de importação proibida (fls. 51/55).

Os cigarros foram quantificados pela Receita Federal em 313.500 (trezentos e treze mil e quinhentos) maços de cigarro, e foram avaliados em RS 1.567.500,00 (um milhão, quinhentos e sessenta e sete mil e quinhentos reais) (fl. 60).

O Laudo de Exame Pericial Eletrotécnico (fls. 61/65) constatou que o rádio transceptor móvel instalado no caminhão estava apto para efetuar transmissões, podendo "causar interferência prejudicial em canais de telecomunicação que utilizem as mesmas radiofrequências na área de influência das transmissões envolvidas. Ausente autorização da agência reguladora – Anatel - para uso do rádio (fl. 64). "

A denúncia foi recebida em 25 de maio de 2018 (ID 143384151 fls. 21/22).

Após a instrução processual, foi proferida sentença ID 143384152 fls. 38 e ID 143384153 fls. 01/15, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia para absolver Joel Guilherme da Silva pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 e condená-lo pela prática do crime previsto no art. 334-A, §1º, do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, bem como à inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade. A sentença foi publicada em 30 de outubro de 2019 (ID 143384153 fls. 16).

Não havendo arguições preliminares, passo à análise do mérito recursal.

Artigo 334-A, §1º do Código Penal.

Da materialidade e autoria. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso e restaram devidamente comprovadas nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante (ID 143384147 fls. 03/08), Termo de Apreensão (ID 143384147 fls. 11/12), Laudo Pericial de Merceologia, com indicação da origem estrangeira dos cigarros apreendidos (ID 143384148 fls. 25/29), Termo de Apreensão (ID 143384148 fls. 34), Laudo Pericial de Eletroeletrônicos (ID 143384148 fls. 36/38 e 143384149 fls. 01/02), atestando a integridade e sinais de uso do rádio transceptor, e bem como pelas declarações das testemunhas e interrogatório do acusado, em sede policial (ID 143384147 fls. 05/08) e em juízo (ID 143384152 fls. 13/14 e mídias IDs 143384165/143384168).

Artigo 70 da Lei nº 4.117/62

Entendeu o MM. Juiz a quo pela desclassificação do delito do artigo 183 da Lei n° 9.472/1997 para o do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, e a absolvição do acusado.

A acusação requer o enquadramento da conduta no crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, entendendo ter o acusado desenvolvido atividades de telecomunicação de forma clandestina, sem autorização prévia do Poder Público, justificando, assim, a pena mais grave.

Inicialmente, reputo que a utilização clandestina e eventual de rádio transceptor se amolda ao artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas apenas uma vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, pois não haverá aí um meio de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, que seria punido de modo mais severo pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

Acerca do tema, os seguintes julgados:

"HABEAS CORPUS. PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117/1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. 1. (...) 5. Ambas as Turmas desta já decidiram que ‘a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito da habitualidade’ (HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada." (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08.09.15)

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. (...) CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ART. 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. (...). 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido." (STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 743.364, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.04.16)

 

No caso em tela, não há indícios de habitualidade, por parte do acusado, na utilização do rádio encontrado no veículo, de forma que não se pode imputar a ele o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

Por esta razão, mantenho a atribuição ao fato descrito na denúncia ao artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, conforme definido pelo MM Juiz de 1º grau.

A materialidade do delito restou suficientemente comprovada nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante (ID 143384147 fls. 03/08) e Termo de Apreensão (ID 143384147 fls. 11/12), que confirmaram a existência de rádio transceptor no veículo que o réu conduzia no momento do flagrante; e Laudo Pericial de Eletroeletrônicos (ID 143384148 fls. 36/38 e 143384149 fls. 01/02), atestando a integridade e sinais de uso do rádio transceptor.

Segundo o laudo pericial, o aparelho em questão trata-se de um transceptor móvel AM/FM, marca Cobra, modelo 148 GTL NTL, número de série Q405000958, acompanhado de microfone da mesma marca, com faixa de frequência de operação de 26,96 a 27,41 MHz, que estava configurado para operar na frequência 27,014 MHz, com potência de máxima de 10 W, com capacidade de causar interferência prejudicial em canais de telecomunicação que utilizem a mesma frequência, frequências próximas ou frequências múltiplas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados nestes canais.

Inclusive, a utilização de aparelho de comunicação clandestina em delito de contrabando não é incomum para troca de informações entre os agentes envolvidos, especialmente para comunicação com “batedores”.

No tocante à autoria, apesar da negativa em juízo (ID 143384168), o próprio acusado afirmou, perante a autoridade policial, que fez uso do equipamento, contudo, alega que “tentou usar o radiotransmissor do caminhão, mas ele estava chiando demais e não completava a comunicação” (ID 143384147 fls. 07/08).

Dispõe o tipo penal:

"Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos".

 

Destaco que o crime em questão é de natureza formal, se consumando com o mero risco de dano às telecomunicações, sem a necessidade de prova do prejuízo causado pela utilização do equipamento clandestino. Portanto, basta para caracterização do delito que o aparelho, em condições de funcionamento, esteja instalado no veículo, sendo irrelevante a comprovação do uso pelo acusado.

No presente caso, o laudo pericial (ID 143384148 fls. 36/38 e 143384149 fls. 01/02) é prova contundente de que o rádio transceptor instalado no caminhão conduzido por Joel Guilherme funcionava adequadamente, sendo de rigor sua condenação pela prática do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.

Da dosimetria da pena.

Artigo 334-A, §1º do Código Penal. A pena do acusado restou fixada em 04 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto.

A reprimenda foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa, no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Inconformada, a defesa requer a fixação da pena-base no mínimo legal ou, subsidiariamente, seja a exasperação reduzida à fração de 1/6 (um sexto).

Procedem, em parte, os pleitos defensivos.

O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos de reclusão, com a seguinte fundamentação:

O réu não registra maus antecedentes criminais, conforme folhas de antecedentes e certidões de fls. 70 e 112.

Inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados maus antecedentes, em face do princípio constitucional do estado de inocência, insculpido no art. 5°, LVII, da CF (‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’). Nesse sentido, o plenário do excelso STF firmou entendimento, em sede de repercussão geral (RE 591.054), de que ações penais em curso não servem como maus antecedentes.

A culpabilidade, entendida como intensidade do dolo (STF, RHC n. 116169, j. 18.6.2013, rel. Min. Gilmar Mendes), é elevada, tendo em vista a quantidade de cigarros apreendidos (313.500 maços), avaliados em R$ 1.567.500,00 (fls. 60). Nesse sentido: ‘2. A grande quantidade de maços de cigarro apreendidos justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal.’ (Trecho de ementa do TRF da 3ª Região – 11ª Turma - ACR - 68197 - Rel. Des. Nino Toldo - c-djf3 de 18/08/2017). Nada há sobre a conduta social do réu. Personalidade comum; motivos do crime não desfavorece o réu. As circunstâncias do fato não desfavorecem o réu; consequências extrapenais não foram graves; comportamento da vítima não facilitou ou incentivou a ação do réu.

Atento às diretrizes do art. 59, do CP, acima analisadas fixo a pena-base, para o réu, acima do mínimo legal, previsto no art. 334-A, § 1°, do Código Penal, isto é, em 4 (quatro) anos de reclusão.”

 

De fato, consoante o disposto no artigo 59 do Código Penal, verifica-se a exacerbada culpabilidade do acusado que transportava a vultuosa quantia de 313.500 (trezentos e treze mil e quinhentos) maços de cigarro, o que, certamente, impõe a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

Assim, no presente caso, considerando a expressiva quantidade de cigarros transportados por Joel Guilherme, mantenho a exasperação, contudo, reduzo para ½ a fração de aumento, fixando a pena-base em 03 (três) anos de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria da pena, o MM. Juiz a quo procedeu à compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante prevista no artigo 62, IV, do Código Penal, a qual mantenho.

Na terceira fase, sem causas de aumento ou diminuição de pena, torno a pena-base em definitiva, fixada em 03 (três) anos de reclusão.

Artigo 70 da Lei 4.117/1962.

Na primeira fase de aplicação da pena, analisadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade, o grau de reprovabilidade da conduta, os motivos, circunstâncias e consequências do crime não extrapolam o comum à espécie. O acusado não tem maus antecedentes. Não há nos autos elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade de Joel Guilherme. Não há que se falar em comportamento da vítima.

Deste modo, não havendo motivo para a exasperação e não verificada a existência de dano a terceiro, a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal, em 1 (um) ano de detenção.

Na segunda fase da dosimetria, reconheço a atenuante da confissão espontânea, ainda que parcial, visto que em juízo o acusado admitiu que o rádio transceptor estava instalado no veículo, apesar de negar tê-lo utilizado, contudo, deixo de aplicar a atenuante em razão do disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição ou aumento de pena, torno a pena-base em definitiva, fixada em 01 (um) ano de detenção.

Considerada a prática de ambos os delitos, verifico que o acusado preenche os requisitos do artigo 33, §2º, “c” do Código Penal, restando mantido o regime aberto para o início de cumprimento de pena.

Cumpridos os requisitos do artigo 44 do Código Penal e considerando que o quantum da soma das reprimendas corporais se manteve inalterado em relação ao fixado na r. sentença, de modo a evitar prejuízo ao acusado, mantenho a substituição da forma com fixada pelo Juízo a quo, em uma reprimenda restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Valor mínimo para reparação dos danos causados. A acusação também pleiteia a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Com relação à fixação de valor mínimo para reparação do dano, o juízo a quo consignou que:

REPARAÇÃO DE DANOS

O art. 91, I, do CP, dispõe que a condenação torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. O dano, causado pelo crime, mencionado acima, somente pode ser aquele experimentado pelo interesse juridicamente tutelado pela lei penal, não abrangendo os serviços da Polícia, preventiva ou judiciária, porque a atuação do referido órgão se dá em virtude de determinação legal.

(...)

DANO MORAL COLETIVO

É pacífica a jurisprudência do CSTJ no sentido de que a fixação mínima do dano depende de pedido expresso da acusação ou da parte ofendida na inicial acusatória.

O caso, não houve esse pedido na inicial, de forma que não houve a possibilidade do contraditório.

Não fosse isso, segundo pacífica jurisprudência do STJ, somente se configura o dano moral coletivo quando ocorre grave ofensa à moralidade pública.

(...)

Diante do caso concreto, em que pese a prática de delito, não restou configurado o dano moral coletivo, visto que o fato narrado na denúncia não resultou em "grave ofensa à moralidade pública", mas em ofensa ordinária, própria da definição material de delito, isto é, ofensa a bem jurídico tutelado pela lei penal, sob pena de banalização do conceito.”

 

Não há que se falar na aplicação do artigo 91, I, do Código Penal e do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal ao presente caso.

Em que pese a existência de pedido do Ministério Público Federal formulado na denúncia (“arbitramento do dano mínimo (...), a ser revertido em favor da Polícia Federal, correspondente a R$ 3.000.00”) há que se destacar que, enquanto no crime de descaminho o bem jurídico tutelado é o erário e, ainda sim, a Fazenda Pública detém meios próprios para cobrança de valores sonegados, no crime de contrabando não se verifica nem mesmo consequências patrimoniais à Administração Pública, o que impossibilita aferir qualquer valor mínimo para a reparação do suposto dano.

Ademais, nos casos de contrabando e descaminho, a opção política do legislador foi pela aplicação do perdimento como sanção.

Destaco que, no caso concreto, a mercadoria proibida foi devidamente apreendida e não se constatou a existência de terceiro eventualmente lesado pela conduta delitiva na condição de sujeito passivo secundário.

Neste sentido é o entendimento desta E. Quinta Turma do Tribunal Regional Federal, conforme demonstram os recentes julgados:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO. CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ENTRADA IRREGULAR DE MERCADORIAS. TIPICIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE MANTIDA. CULPABILIDADE NORMAL À ESPÉCIE. MANTIDA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. UTILIZADA A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO. SÚMULAS 545 E 231 DO STJ. REGIME ABERTO MANTIDO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DECRETADA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. DESCABIDOS DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDOS. 1. Afastada a ausência de tipicidade material pretendida pela defesa, uma vez que o crime de contrabando consuma-se independentemente do prejuízo causado ao erário, com o não pagamento do imposto devido na entrada e, independentemente até da apuração fiscal do valor do tributo objeto de sonegação. (...) 3. Descabida a condenação do réu em dano material e moral coletivos, uma vez que as mercadorias proibidas foram devidamente apreendidas e não houve terceiro eventualmente lesado pela conduta delitiva na condição de sujeito passivo secundário, o que afasta a aplicação do artigo 91, I, do CP. 4. Afastada a obrigação de pagar os tributos devidos e não recolhidos pretendida pela acusação por ausência de previsão legal. 5. Recurso da defesa e do Ministério Público Federal desprovidos.” (TRF 3ª Região, 5ª Turma, (TRF 3ª Região, 5ª Turma, Rel. Desembargador Federal Mauricio Kato, V.U., j. 14.09.2020).

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. GRANDE QUANTIDADE DE MAÇOS. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. ATENUANTE. CONFISSÃO. AGRAVANTES. REINCIDÊNCIA. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. ADMISSIBLIDADE. INABILITAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. EXIGIBILIDADE. DANO MORAL COLETIVO. CP, ART. 91, I. CPP, ART. 387, IV. INAPLICABILIDADE. (...) 8. Inaplicabilidade do art. 91, I, do Código Penal e o art. 387, IV, do Código de Processo Penal. Não há prova nos autos de dano material ao Estado e os tributos considerados devidos podem ser objeto de ação de cobrança em via própria. No que diz respeito ao dano moral coletivo, não obstante os argumentos da acusação no sentido de que seria intrínseco à existência do crime, não entrevejo razão ponderável para agregá-lo à condenação, em especial considerando-se a natureza do delito. 9. Homologada a desistência do recurso de apelação de Gilvamar. Negado provimento à apelação de Márcio. Parcialmente provida a apelação ministerial. (TRF 3ª Região, 5ª Turma, Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow, V.U., j. 14.09.2020).

 

Ainda, no presente caso, corroborou esse entendimento o parecer da Procuradoria Regional da República (ID 143465819):

2.2.- O recurso da acusação não merece guarida quanto ao pedido para que seja fixado em favor da União um valor mínimo para reparação de danos causados pelo réu, pois o crime de contrabando não gera consequências patrimoniais diretas àquela vítima, é dizer, ao erário, haja vista que o tipo do art. 334-A do CP não tem como bem jurídico tutelado a tributação de mercadorias.

Com efeito, sobre as condutas típicas do crime de contrabando e aquelas a elas assemelhadas não recaem tributos, pois as mercadorias envolvidas em tais atos são de comercialização proibida em território nacional, sujeitando, sim, à pena de perdimento. O recurso da acusação, quanto a tal tema, é de ser desprovido.”

 

Da inabilitação para dirigir veículo. Pleiteia a defesa seja afastada a pena acessória de inabilitação para dirigir. Sustenta que o apelante é motorista profissional e necessita da habilitação para exercer a sua profissão, para prover seu sustento e de sua família. Alega ainda que o impedimento para o exercício de sua profissão poderá induzi-lo a adotar meios ilícitos de sobrevivência.

Consoante se extrai dos autos, tanto pelos antecedentes de Joel Guilherme quanto pelo seu interrogatório e declarações das testemunhas, em que pese a vultosa quantidade de cigarros transportada, não há elementos que indiquem que utilizava de sua habilitação para dirigir com a finalidade de se dedicar à prática de atividades criminosas com habitualidade.

Ainda, ao que consta dos autos, a única profissão do acusado é a de motorista de caminhão, verificando-se, portanto, ser este labor necessário à sua subsistência.

Neste sentido, revejo meu posicionamento em julgados anteriores e acompanho o entendimento que os Tribunais Superiores vêm solidificando, no sentido de que a inabilitação para dirigir, prevista no artigo 92, III, do Código Penal, não constitui efeito automático da condenação quando o veículo é utilizado como instrumento para a prática do crime, mas sim, que a conveniência da medida deve ser analisada no caso concreto e a necessidade de sua aplicação devidamente  fundamentada.

A aplicação automática do efeito descrito no referido dispositivo legal, de forma indiscriminada, poderia, ao contrário da finalidade do texto legal, que é a de afastar o réu de condição que favoreça a criminalidade, acarretar em verdadeiro obstáculo ao exercício de atividade lícita, tratando-se de medida ainda mais gravosa nos casos em que é fixado o regime aberto para cumprimento de pena ou substituída a reprimenda corporal por restritiva de direitos.

Tendo em vista que o sistema de execução penal visa a reinserção do condenado na sociedade, se torna desproporcional a aplicação de medida que impossibilite o exercício de sua principal atividade laborativa, desde que tal medida não se mostre imprescindível.

Certamente, a comprovada dedicação do condenado à prática de atividades criminosas utilizando como instrumento veículo automotor, seria apta a evidenciar a necessidade da aplicação da medida, contudo, não se trata do caso dos presentes autos.

Neste sentido os recentes julgados:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO. CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ENTRADA IRREGULAR DE MERCADORIAS. TIPICIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE MANTIDA. CULPABILIDADE NORMAL À ESPÉCIE. MANTIDA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. UTILIZADA A SUSTENTAR A CONDENAÇÃO. SÚMULAS 545 E 231 DO STJ. REGIME ABERTO MANTIDO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DECRETADA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. DESCABIDOS DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS POR FALTA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FDEDERAL DESPROVIDOS. (...) 2. Incabível a decretação da pena de inabilitação para dirigir veículo (art. 92, III, do Código Penal), pois conquanto o direito ao trabalho e ao exercício de profissão não sejam absolutos, podendo sofrer restrições legais, entendo que estas devem ser proporcionais e razoáveis, o que ocorrerá somente no caso em que restar comprovado que o agente se vale da sua profissão e/ou da habilitação para dirigir para se dedicar ao crime de forma reiterada. 3. Descabida a condenação do réu em dano material e moral coletivos, uma vez que as mercadorias proibidas foram devidamente apreendidas e não houve terceiro eventualmente lesado pela conduta delitiva na condição de sujeito passivo secundário, o que afasta a aplicação do artigo 91, I, do CP. 4. Afastada a obrigação de pagar os tributos devidos e não recolhidos pretendida pela acusação por ausência de previsão legal. 5. Recurso da defesa e do Ministério Público Federal desprovidos. (TRF3 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR – Autos nº 0001819-62.2018.4.03.6000/MS – 5ª Turma – Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 14.09.2020).

 

PENAL. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. ART. 334-A, I, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CONTRABANDO PARA O DELITO DE RECETAÇÃO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. (...) 6. Os efeitos específicos da condenação, insculpidos no artigo 92 do Código Penal, visam evitar a reiteração na conduta ilícita. A pena de inabilitação para dirigir veículo não pode ser aplicada nas hipóteses em que o agente é motorista profissional, sob pena de vedar-lhe o exercício de atividade lícita, impossibilitar sua reinserção no mercado de trabalho e afetar seu meio de subsistência, tornando-se improfícua à repressão da prática criminosa e inadequada à ressocialização do apenado. 7. Não incide o art. 728-A do Código de Trânsito Brasileiro, que determina a cassação de documento de habilitação ou proibição de obtê-lo pelo prazo de 5 (cinco) anos, uma vez que se trata de medida administrativa, sem reflexos no âmbito penal. Apelação Criminal improvida. (TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR – Autos nº 5002199-31.2019.4.04.7004/PR – 8ª Turma – Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto, j. 05.08.2020).

 

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. MEDICAMENTOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA CONFIRMADA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E SUBSTITUIÇÃO MANTIDAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. MEDIDA INDEFERIDA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. EXECUÇÃO. (...) 7. A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação aplicável aos casos em que o automóvel é utilizado como meio para a prática de crime doloso, devendo perdurar pelo período equivalente ao cumprimento da pena aplicada.  8. Em regra, não deve ser aplicada a inabilitação para dirigir veículo ao réu que exerce a profissão de motorista profissional, como no caso em comento. 9. Demonstrado nos autos que a inabilitação para dirigir já foi afastada em fase recursal em processo anterior sofrido pelo réu e continuada a prática delitiva com a utilização da carteira de habilitação, deve ser aplicada a medida, nos termos do art. 92, III, do Código Penal. (...) (TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR – Autos nº 5011914-40.2018.4.04.7002/PR – 7ª Turma – Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 30.06.2020).

 

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

“A inabilitação para conduzir veículo automotor, enquanto efeito secundário da condenação, foi justificada pelo Juízo processante (...).

O Tribunal a quo, por sua vez, afastou a medida, por considerar que, no caso, não seria conveniente, uma vez que o réu labora como motorista profissional, necessitando de sua CNH para exercer o seu ofício (fl. 238) (...).

Analisando o fundamento do acórdão hostilizado, não vislumbro ilegalidade.

A jurisprudência da Sexta Turma tem orientado que os efeitos descritos no art. 92 do Código Penal não são de aplicação automática, razão pela qual cabe ao Juiz, além de avaliar o preenchimento dos requisitos objetivos, analisar a conveniência da aplicação da medida ao caso concreto:

RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA MEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito, exigindo-se que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 2. As instâncias ordinárias, além de apontarem os requisitos objetivos, fundamentaram a necessidade de aplicação da medida no fato de o recorrente ter feito uso de veículo automotor para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente (o montante dos impostos suprimidos pelo acusado foi de R$ 26.086,96), argumento concreto e idôneo para demonstrar a necessidade de aplicação, no caso concreto, dessa medida. 3. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.511.455/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 5/10/2015)

RECURSO ESPECIAL. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MEDIDA. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito. 2. Além dos requisitos objetivos e por não guardar necessariamente um efeito retributivo (por isso não tem aplicação automática), é exigido, também, que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 3. Na espécie, o Tribunal, além de apontar os requisitos objetivos, fundamentou a necessidade de aplicação da medida no caso concreto no fato de o réu fazer uso do veículo para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente, acrescentando que, devido à elevada quantidade, o transporte deveria ser feito por automóvel, bem como também indicaria uma destinação comercial para o produto ilegal. 4. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.505.722/RS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 6/4/2015)

No mesmo sentido, confira-se: REsp n. 1.509.531/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 5/10/2015.

No caso, o Tribunal a quo, ao cassar a medida prevista no art. 92, III, do Código Penal, não dissentiu da orientação jurisprudencial, na medida em que afastou a medida por considerar inconveniente sua aplicação no caso concreto.

Logo, não há falar em ilegalidade.” (AgRg no AREsp 1.422.535 , Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 16.05.2019) .

 

Assim, não havendo nos autos elementos que indiquem a necessidade e conveniência da medida, tratando-se o acusado de motorista profissional, que faz dessa atividade seu meio de vida, afasto a aplicação da medida prevista no artigo 92, III, do Código Penal.

Ante o exposto, dou parcial provimento aos recursos da acusação e da defesa para condenar Joel Guilherme da Silva pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, reduzir a pena-base fixada para o crime previsto no artigo 334-A, §1º, do Código Penal, reformando as penas do acusado para 03 (três) anos de reclusão e 01 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, mantida a substituição da reprimenda por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como afasto a inabilitação para dirigir veículo automotor.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA DEFESA. CONTRABANDO. ARTIGO 334-A, §1º, INCISO V, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. REFORMA DA REPRIMENDA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. MANTIDA A CAPITULAÇÃO JURÍDICA PARA O CRIME DO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/1962. CONDENAÇÃO. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS. INCABÍVEL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AFASTADA. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS.

 

1. Artigo 334-A, §1º do CP. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso e restaram devidamente comprovadas nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante, Termo de Apreensão, Laudo Pericial de Merceologia, com indicação da origem estrangeira dos cigarros apreendidos, Termo de Apreensão, Laudo Pericial de Eletroeletrônicos, bem como pelas declarações das testemunhas e interrogatório do acusado, em sede policial e em juízo.

2. Artigo 70 da Lei nº 4.117/62. A utilização clandestina e eventual de rádio transceptor se amolda ao artigo 70 da Lei nº 4.117/1962. No presente caso não há indícios de habitualidade na utilização do rádio encontrado no veículo, de forma que não se pode imputar ao acusado a prática do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

3. Crime de natureza formal, se consumando com o mero risco de dano às telecomunicações. Basta para caracterização do delito que o aparelho, em condições de funcionamento, esteja instalado no veículo, sendo irrelevante a comprovação do uso pelo acusado.

4. Dosimetria. Artigo 334-A, §1º do CP. Considerando a expressiva quantidade de cigarros transportados pelo acusado, deve ser mantida a exasperação, contudo, reduzida a fração de aumento. Reforma da reprimenda.

5. Dosimetria. Artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Não havendo motivo para a exasperação e não verificada a existência de dano a terceiro, a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea, contudo, não aplicada em razão do disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.

6. Considerada a prática de ambos os delitos, o acusado preenche os requisitos do artigo 33, §2º, “c” do Código Penal, restando mantido o regime aberto para o início de cumprimento de pena.

7. Cumpridos os requisitos do artigo 44 do Código Penal e considerando que o quantum da soma das reprimendas corporais se manteve inalterado em relação ao fixado na r. sentença, de modo a evitar prejuízo ao acusado, mantenho a substituição da forma com fixada pelo Juízo a quo.

8. No presente caso, não há que se falar na fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados. No crime de contrabando aplica-se o perdimento como sanção. No presente caso não se verificou consequências patrimoniais à Administração Pública ou a terceiro, o que impossibilita aferir qualquer valor mínimo para a reparação do suposto dano.

9. Não restou comprovado nos autos que o acusado se dedique à prática de atividades criminosas utilizando o veículo como instrumento. Não há outros elementos que indiquem a necessidade e conveniência da medida. Tratando-se o acusado de motorista profissional, que faz dessa atividade seu meio de vida, de rigor o afastamento da medida prevista no artigo 92, III, do Código Penal.

10. Recurso da acusação e da defesa parcialmente providos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, dar parcial provimento aos recursos da acusação e da defesa para condenar Joel Guilherme da Silva pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, reduzir a pena-base fixada para o crime previsto no artigo 334-A, §1º, do Código Penal, reformando as penas do acusado para 03 (três) anos de reclusão e 01 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, mantida a substituição da reprimenda por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como afastar a inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.