APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003657-56.2018.4.03.6128
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: VICENTE PERBELINI
Advogados do(a) APELANTE: JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003657-56.2018.4.03.6128 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: VICENTE PERBELINI Advogados do(a) APELANTE: JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Vicente Perbelini contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial para condenar o autor ao pagamento de custas e honorários, fixados no percentual de 10% do valor da causa. A presente ação indenizatória foi proposta por Vicente Perbelini em face da União Federal objetivando a declaração de que os fatos descritos na exordial constituem lesão ou violação a direitos da personalidade e a condenação da requerida ao pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 500.000,00. Narra a inicial que, em razão de política estatal vigente ao tempo dos fatos, o autor foi, abruptamente, separado de seus pais, portadores de hanseníase e internados no Asilo-Colônia de Pirapitingui/SP, na estrada entre Itu e Sorocaba, sendo encaminhado para o Educandário Santa Terezinha, em Capicuíba/SP. Alega que permaneceu internado no aludido Educandário até os 10 anos de idade, e, durante este período, passou por diversas situações de violência e constrangimento, tais como: “apanha muito, sob a alegação de que ‘faziam bagunça’”; “ficava de joelhos, em uma sala escura e com as mãos para cima (o requerente se recorda de ter cerca de seis anos de idade nesta ocasião)”; “após o almoço era ministrado às crianças um medicamento para dormir, para que ficassem quietas”; “as crianças escovavam os dentes com sabão de coco, sendo que o requerente se recorda disto porque sua boca ardia”. Posteriormente, aduz que somente foi morar com o seu pai, juntamente de seu irmão Hermenegildo, quando contava com, aproximadamente, doze anos de idade, ocasião em que passou a frequentar escola e a trabalhar. Sustenta que tais fatos acarretaram a violação a direitos fundamentais da personalidade e dos direitos humanos, pois refletem os desdobramentos da política segregacionista que reduz o valor e desrespeita a dignidade humana. Requer o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado e a condenação da União ao pagamento de danos morais no importe de R$ 500.000,00. Foi deferido o benefício da justiça gratuita (ID 136421516). Instadas as partes a especificarem provas, somente a parte autora protestou pela juntada de documentos e realização de prova oral, pelo que foi deferida pelo juízo a quo (ID 136421529). Regularmente processado o feito, sobreveio sentença (fls. 140/149, ID 89599123), que julgou improcedente o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do CPC/15, concluindo pela ocorrência da prescrição, prevista no Decreto-Lei nº 20.912/32. Ainda, condenou a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, no percentual de 10% do valor da causa, considerado suspensa, por ser beneficiária da Justiça Gratuita. Irresignada, a autora interpôs apelação alegando, preliminarmente, a imprescritibilidade deste tipo de ação, diante da notória violação a direito humanos, consubstanciada no abuso sofrido pelo autor, ora recorrente, pela separação abupta com os pais e o preconceito decorrente da filiação com genitores portadores de hanseníase. No mérito, aduz que restou demonstrado que o Estado brasileiro, ao privar o recorrente do convívio prematuro com os seus pais e familiares e, ao submetê-lo a situações de maus tratos, violou direitos fundamentais da personalidade humana, perfectibilizando hipótese de responsabilidade civil e o dever de indenizar. Pugna pela reforma da sentença para que a recorrida sejam condenadas por danos morais. Com contrarrazões (ID 136421615), subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003657-56.2018.4.03.6128 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: VICENTE PERBELINI Advogados do(a) APELANTE: JEAN DE MELO VAZ - SP408654-A, PAULO CEZAR AZARIAS DE CARVALHO - SP305475-A, THAIS CUNHA TUZI DE OLIVEIRA - SP373898-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A controvérsia trazida à baila diz respeito à configuração da prescrição da pretensão de reparação civil do recorrente pelos danos morais acarretados pela separação abrupta do recorrente de seus genitores, portadores de hanseníase ao tempo dos fatos, e se restou ou não configurada a responsabilidade civil da União. Passo à apreciação da preliminar de ocorrência da prescrição. Inicialmente, cumpre mencionar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32, deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal, previsto no art. 206, §3º, V do CC/02, in verbis: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910/32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8/2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910/32). 2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Nesse sentido, o seguintes precedentes: REsp 1.238.260/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 5.5.2011; REsp 1.217.933/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011; REsp 1.182.973/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.2.2011; REsp 1.066.063/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 17.11.2008; EREsp sim 1.066.063/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22/10/2009). A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho ("Manual de Direito Administrativo", 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529/530) e Leonardo José Carneiro da Cunha ("A Fazenda Pública em Juízo", 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88/90). 3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. 4. O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. Sobre o tema: Rui Stoco ("Tratado de Responsabilidade Civil". Editora Revista dos Tribunais, 7ª Ed. - São Paulo, 2007; págs. 207/208) e Lucas Rocha Furtado ("Curso de Direito Administrativo". Editora Fórum, 2ª Ed. - Belo Horizonte, 2010; pág. 1042). 5. A previsão contida no art. 10 do Decreto 20.910/32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. Nesse sentido: Marçal Justen Filho ("Curso de Direito Administrativo". Editora Saraiva, 5ª Ed. - São Paulo, 2010; págs. 1.296/1.299). 6. Sobre o tema, os recentes julgados desta Corte Superior: AgRg no AREsp 69.696/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 21.8.2012; AgRg nos EREsp 1.200.764/AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 6.6.2012; AgRg no REsp 1.195.013/AP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.5.2012; REsp 1.236.599/RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 131.894/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 26.4.2012; AgRg no AREsp 34.053/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 36.517/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.2.2012; EREsp 1.081.885/RR, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º.2.2011. 7. No caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. 8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1251993/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012) Dito isto, é preciso delimitar o termo a quo para a contagem do prazo prescricional. Como regra geral, o art. 1º do Decreto nº 20.910/32 prescreve como termo inicial de contagem, a data do ato ou fato da qual se originarem, vejamos: “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.” Nessa linha, o mesmo raciocínio é estabelecido pelo legislador civilista, consoante estabelecido na primeira parte do art. 189 do CC/2002: “Art. 189: Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Na espécie, a prescrição começa a ocorrer a partir da data dos fatos, ou seja, no momento da separação entre o recorrente e seus genitores. Porém, por ser menor à época da ruptura dos laços familiares, impõe-se considerar o alcance da maioridade civil para a contagem do lastro prescricional, à luz do art. 198, I do CC/2002, que assim estabelece: “Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;” A propósito, colho os seguintes precedentes: “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHO DE PORTADORA DE HANSENÍASE. INTERNAÇÃO. SEGREGAÇÃO COMPULSÓRIA. DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. -Na hipótese, a autora ajuizou a presente demanda objetivando a condenação da União Federal e do Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de verba indenizatória, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), por danos morais decorrentes da segregação do convívio de sua genitora, em razão das políticas públicas de saúde adotada pelo Estado para o tratamento dos portadores de hanseníase até a década de 1980 -No tocante à alegação de imprescritibilidade do direito pretendido, não assiste razão à apelante, na medida em que, conforme entendimento jurisprudencial consolidado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é imprescritível a ação que se pleiteia indenização por danos materiais e morais decorrentes de violação de direitos fundamentais, ocorridos durante o regime militar, período de supressão das liberdades públicas, situação não vislumbrada na espécie -O termo a quo para ajuizar ação de indenização contra o Estado surge com o nascimento da pretensão (princípio actio nata), tendo início a partir do momento em que o lesado tem ciência da efetiva ou ameaça de lesão ao seu direito tutelado, ou ainda, em hipóteses excepcionais, a data a partir da qual a ação poderia ter sido ajuizada -Como enfatizado no parecer do Ministério Público Federal, "o apelante afirma prejuízo indenizável por ter sido impedido de conviver com sua mãe, internada compulsoriamente. A ilicitude, então, seria a internação da genitora, ocorrida nos idos do ano 82. Forçoso reconhecer que o recorrente, nascido em 17.12.1985, sempre teve plena e inequívoca ciência desta lesão e de sua extensão. Porém, por ser menor à época, impõe-se considerar o alcance da maioridade como marco inicial para a contagem do lustro prescricional que limita o direito de perquirir eventuais prejuízos causados pela 1 ilicitude perpetrada pelo Poder Público (aplicação conjugada dos artigos 169, I, CC/16 e 198, I, CC/2002)"-No caso vertente, considerando o termo a quo para a contagem do prazo a maioridade do autor, ocorrida em dezembro de 2003, e sendo a presente demanda ajuizada em 2018, ou seja, quando consumado o lapso prescricional de cinco anos, previsto no Decreto 20.910/32, afigura-se escorreita a sentença que pronunciou a prescrição e julgou extinto o processo, com resolução do mérito -Precedentes citados -Recurso desprovido, majorando os honorários advocatícios em 1% (um por cento) do valor fixado na sentença, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, restando, entretanto, suspensa a sua exigibilidade, tendo em vista a gratuidade de justiça deferida, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC/15.” (TRF-2 - AC: 00235839420184025107 RJ 0023583-94.2018.4.02.5107, Relator: VERA LÚCIA LIMA, Data de Julgamento: 16/12/2019, 8ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 18/12/2019) “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. HERDEIROS. ISOLAMENTO E INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DOS GENITORES. HANSENÍASE. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32. - Decorridos mais de cinquenta anos desde a maioridade civil do demandante, que reclama danos em razão da internação compulsória de seus pais, entre as décadas de 1940 e 1959, por portarem hanseníase, está prescrita a pretensão.” (TRF-4 - AC: 50013424020194047212 SC 5001342-40.2019.4.04.7212, Relator: RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Data de Julgamento: 03/06/2020, QUARTA TURMA) Dessa forma, considerando a data de nascimento do recorrente em 16/06/1957 (ID 136421497), a maioria do requerente se completou em 17/06/1975; porém, a presente ação somente foi protocolada em 28/09/2018, após o transcurso do prazo quinquenal. Com efeito, o art. 2º do atual CPC/15 (antigo art. do CPC/73) apregoa que o Judiciário só irá agir quando provocado, em observância ao princípio da inércia da jurisdição. Nessa linha, Rudolf Von Ihering, in, “A luta pelo direito”, Ed. Saraiva, 2015, leciona que: “Cabe a qualquer homem um dever para consigo mesmo, o de repelir com todos os meios ao seu alcance qualquer agressão a um direito investido em sua pessoa, pois, com a passividade diante da agressão, estará ele admitindo um momento de ausência de direitos em sua vida. E ninguém há de cooperar para que isto aconteça”. Sendo assim, o Estado não deve intervir para assegurar o direito daquele que, por si mesmo, não pleiteou, ao seu tempo e modo, a tutela jurisdicional pretendida, afigurando-se escorreita a r. sentença que reconheceu a prescrição. Pautado nestas razões, nego provimento à apelação. É COMO VOTO.
Autos n. 5003657-56.2018.4.03.6128
Egrégia Turma,
Discute-se nestes autos, preambularmente, a prescritibilidade ou não das ações de indenização movidas por pessoas que alegam terem sido vítimas de danos morais decorrentes da política pública de isolamento e segregação imposta a acometidos de hanseníase.
O e. relator entende aplicável o prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/1932, enquanto a d. divergência sustenta a imprescritibilidade da ação, por tratar-se de violação a direito fundamental e ao princípio do respeito à dignidade humana.
A questão não é nova e conta com julgados das duas Turmas que integram a C. 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ambas no sentido da prescritibilidade da ação:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AFASTAMENTO PARA TRATAMENTO DE HANSENÍASE. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. CINCO ANOS.
1. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, pacificou o entendimento no sentido de que, nas ações de indenização contra a Fazenda Pública, o prazo prescricional é de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em detrimento do prazo prescricional previsto no Código Civil.
2. Os precedentes a partir dos quais fora firmado entendimento quanto à imprescritibilidade de ações de indenização decorrentes de suposta violação de direitos fundamentais não se adaptam à espécie, porquanto se circunscrevem às hipóteses de perseguição política e atos de tortura contra presos políticos ocorridos durante o regime militar.
3. Considerando-se que o caso dos autos trata de ação ordinária visando à reparação de danos morais derivados do afastamento do genitor da parte autora em virtude da política pública adotada na década de 1980 para o tratamento dos portadores de hanseníase, há que se reconhecer a incidência do art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1686733/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 18/03/2021)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DANO MORAL. FILHO DE PORTADOR DE HANSENÍASE. INTERNAÇÃO E SEGREGAÇÃO COMPULSÓRIA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM TESE DISCUTIDA EM SEDE DE REPETITIVO. TEMA 553. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão acerca da prescrição das pretensões deduzidas em face da Fazenda Pública, em julgamento proferido pela Primeira Seção, no REs 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/1973, no sentido de que, nas ações de indenização contra a Fazenda Pública, o prazo prescricional é de cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932, em detrimento do prazo prescricional previsto no Código Civil (Tema 553).
2. A tese do recurso relacionada à imprescritibilidade de ações de indenização decorrentes de suposta violação de direitos fundamentais não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que se trata de precedente vinculado a atos decorrentes de perseguições políticas ocorridas durante a ditadura militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões. Precedente: AREsp 1662747/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 07/08/2020.
3. A menção ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos nas razões do agravo interno é genérica, sem identificar qual teria sido o dispositivo da referida convenção internacional que teria sido violado pelo Tribunal a quo.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1549327/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020)
Note-se que ambos os acórdãos acima citados tratam especificamente do tipo de demanda formulada nos presentes autos - ação de indenização por danos morais causados em razão de políticas públicas de isolamento e segregação impostas a pessoas acometidas por hanseníase - e concluem pela aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/1932.
Do mesmo modo, os dois julgados mencionados afastam a analogia com as demandas indenizatórias concernentes aos atos de perseguição política praticados durante o regime militar.
Assim, na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanho o voto do e. relator para reconhecer a consumação da prescrição e, desse modo, negar provimento ao recurso. O exame das questões de fundo fica, destarte, prejudicado.
É como voto.
Nelton dos Santos
Desembargador Federal
DES. FED. ANTONIO CEDENHO:
Inicialmente, peço vênia para divergir do Exmo. Relator Des. Fed. Nery Júnior, no tocante ao cabimento de indenização por danos morais.
Segundo consta na inicial, o requerente é filho de portadores de hanseníase e que, por tal condição, foram submetidos à internação compulsória em hospital colônia de isolamento, com consequente abrigamento do autor no Educandário Santa Terezinha, em Capicuíba/SP, conforme comprovam os documentos acostados.
Afirma que o afastamento de seus pais biológicos o privou de seu direito à convivência familiar, de modo que tais laços não puderam ser jamais reconstituídos.
Passo à análise da prescrição.
É amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Verbis:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO PÚBLICO, CUJO AFASTAMENTO FOI MOTIVADO POR PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRISÃO E TORTURA PERPETRADOS DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973.
II - Trata-se, na origem, de ação ordinária proposta por ex-servidor da Assembleia Legislativa do Paraná buscando sua reintegração ao cargo anteriormente ocupado, além dos efeitos financeiros e funcionais, com fundamento no art. 8º do ADCT e na Lei n. 10.559/02, sob a alegação de que seu desligamento ocorreu em razão de perseguição política, perpetrada na época da ditadura militar.
III - A Constituição da República não prevê lapso prescricional ao direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violada durante o período do regime de exceção.
IV - Este Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de ser imprescritível a reparação de danos, material e/ou moral, decorrentes de violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar, período de supressão das liberdades públicas.
V - A 1ª Seção desta Corte, ao julgar EREsp 816.209/RJ, de Relatoria da Ministra Eliana Calmon, afastou expressamente a tese de que a imprescritibilidade, nesse tipo de ação, alcançaria apenas os pleitos por dano moral, invocando exatamente a natureza fundamental do direito protegido para estender a imprescritibilidade também às ações por danos patrimoniais, o que deve ocorrer, do mesmo modo, em relação aos pleitos de reintegração a cargo público.
VI - O retorno ao serviço público, nessa perspectiva, corresponde a reparação intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, porquanto o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano, sem o qual o indivíduo é privado do exercício amplo dos demais direitos constitucionalmente garantidos.
VII - A imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao Autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República.
VIII - Recurso especial provido.
(REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO E PRISÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRECEDENTES.
1. Inicialmente, esclareço que a questão de fato suscitada da tribuna - de que o autor da ação, na verdade, não é anistiado em si (ou seja, ele é herdeiro de anistiado perseguido político) - já estava expressa na decisão ora agravada (fl. 337, e-STJ), que ora transcrevo: "cuida-se, na origem, de Ação Ordinária ajuizada por Morganna Rodrigues Sales e Carlos Marcos Rodrigues Sales contra a União, em que pleiteiam o pagamento de indenização por danos morais por terem sido privados da convivência com o pai, preso e condenado a várias penas, incluindo prisão perpétua, durante o regime militar" (grifei).
2. Em recente julgamento do Agravo Interno no REsp 1.710.240/RS, da relatoria do Ministro Francisco Falcão, ocorrido em 8.5.2018 e publicado no DJe 14.5.2018, a Segunda Turma do STJ reafirmou entendimento de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões.
3. A insurgente reitera, em seus memoriais, as razões do Recurso Especial, não apresentando nenhum argumento novo.
4. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ANISTIADO POLÍTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO N.º 20.910/1932. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. DANOS MORAIS. REVISÃO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Inexistindo, na Corte de origem, efetivo debate acerca da tese jurídica e do conteúdo normativo de artigo de lei veiculado nas razões do recurso especial, resta descumprido o requisito do prequestionamento, conforme dispõe a Súmula 282/STF.
2. Conforme entendimento do STJ, "a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, não se aplica aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, os quais são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época em que os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões" (AgRg no AREsp 302.979/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 5/6/2013).
3. A desconstituição da premissa lançada pelo Tribunal de origem, acerca da caracterização dos danos morais, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático, providência vedada em sede especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015)
Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditatura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.
Isto porque a compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.
É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção.
Ademais, nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.
Assim, afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.
Superada esta questão prejudicial, passa-se à análise do mérito propriamente dito.
O cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar.
No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, sob a seguinte redação:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza a norma do referido artigo:
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. (RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP-00081).
No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filho.
É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníase seria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais.
Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.
Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista.
Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.
Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral.
Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
Inquestionável o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar.
Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.
Observa-se o precedente do C. STJ, no julgamento do Resp. 1.689.641/RS, em caso idêntico ao presente, mantendo o acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. SEGREGAÇÃO, TORTURA FÍSICA E EMOCIONAL - DEMONSTRADOS. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.
1. Comprovada a segregação social dos filhos de pacientes internados compulsoriamente, bem como a prática de tortura física e emocional nos menores, faz jus a indenização por danos morais daí decorrentes, tendo em vista ser fato, agora conhecido, que os locais onde eram colocadas as crianças não propiciavam qualquer cuidado com sua integridade física ou psicológica.
2. Na hipótese, os irmãos além de separados de ambos os pais doentes também foram separados um do outro, sem notícias e contato. Ainda, mesmo depois que o menino foi para casa de parentes por ser o mais velho, a menina permaneceu internada por anos em Educandário, até que pudesse ir para casa de parentes também.
3. Em se tratando de ação que visa à condenação da União ao pagamento de indenização por danos morais em razão dos atos praticados no período das décadas de 1930 a 1980 como política sanitária de controle e prevenção da Hanseníase, deve ser afastado o reconhecimento da prescrição consoante o Decreto nº 20.910/32, haja vista ser ação que visa à salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
4. Acolhida a tese de violação de direitos humanos no caso em concreto, razão pela qual não ocorre a prescrição.
5. Indenização por danos morais mantida em R$ 50.000,00 para cada autor, ante a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Outrossim, verifica-se o precedente desta E. Turma:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FILHOS DE PACIENTES COM HANSENÍASE INTERNADOS COMPULSORIAMENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ABALO PSICOLÓGICO VERIFICADO. PRIVAÇÃO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de condenação da União Federal em indenização por danos morais em favor de filho de pacientes portadores de hanseníase, afastado compulsoriamente de seus pais, em razão da política sanitária da época.
2. Em análise de prescrição, destaca-se ser amplamente aceita nos Tribunais Superiores a tese de imprescritibilidade das pretensões indenizatórias decorrentes de violações a direitos fundamentais ocorridas ao longo do Regime Militar no Brasil. Precedentes: REsp 1565166/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018; AgInt no REsp 1648124/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 23/11/2018;AgRg no AREsp 701.444/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 27/08/2015.
3. Observa-se que, conforme grifamos, essa orientação jurídica não se limita apenas aos casos específicos que remetem à Ditadura Militar no Brasil, mas, uma vez amparada na lógica de que não se pode admitir que o decurso do tempo legitime a violação de um direito fundamental, deve ser estendida a todos os casos que igualmente ofendam nessa intensidade a dignidade da pessoa humana.
4. A compreensão axiológica dos direitos fundamentais não cabe na estreiteza das regras do processo clássico, demandando largueza intelectual que lhes possa reconhecer a máxima efetividade possível.
5. É juridicamente sustentável afirmar, portanto, que a imprescritibilidade dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana, somente será garantida quando assegurar-se também imprescritibilidade dos meios disponíveis a sua proteção.
6. Nos cenários típicos de graves violações perpetradas pelo Estado contra uma coletividade de pessoas, o decurso do tempo atua justamente para que seja possível vislumbrar posteriormente, à luz do distanciamento dos fatos, algumas atrocidades cuja percepção era dificultada pelo contexto histórico vigente à época de seu cometimento.
7. Afasta-se o reconhecimento da ocorrência de prescrição ante o acolhimento da tese de imprescritibilidade da presente demanda.
8. Quanto ao mérito propriamente dito, o cerne da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
9. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
10. No caso dos autos, trata-se de evidente conduta comissiva consubstanciada na separação compulsória entre pais e filho.
11. É certo que a Lei 610/1949 fixou normas para a profilaxia da hanseníase, dentre elas, o tratamento obrigatório mediante isolamento compulsório dos doentes contagiantes. Igualmente, restou estabelecido que todo recém-nascido filho de portadores de hanseníaseseria compulsoriamente e imediatamente afastado da convivência com os pais.
12. Contudo, o mero fato da conduta danosa estar amparada pela legislação vigente à época não é suficiente para excluir a responsabilidade do Estado pela adoção de uma política governamental sanitária desumana.
13. Com o advento da Lei 11.520/2007, a própria União Federal assumiu sua responsabilidade e reconheceu o direito à concessão de pensão especial para as pessoas que foram submetidas à mencionada política sanitária segregacionista. Entretanto, o diploma legal não esgota todas as alternativas de reparação, e nem ampara os familiares das pessoas isoladas, que, especialmente no caso dos filhos, igualmente sofreram as mazelas da segregação, ainda que na condição de internos em educandários.
14. Assim, se o próprio Estado reconhece o direito de pensionamento às pessoas atingidas pela doença, exsurge, como corolário, assegurar-se aos filhos o pagamento de indenizações por dano moral.
15. Acerca do dano moral a doutrina o conceitua como "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral , porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
16. O demandante juntou diversos documentos comprobatórios da internação compulsória de seus pais para tratamento de hanseníase (ID 5345936, 5345937), da separação compulsória após seu nascimento (ID 5345938, 5345939, 5345940), de sua internação no educandário (ID 5345942, 5345943, 5345944) e até da proibição de visita aos seus pais (ID 534546).
17. Inquestionável, portanto, o abalo psicológico daqueles que tiveram sua infância e juventude interrompida por separações traumáticas para viver o sentimento de abandono e a privação do convívio familiar. Casos como o presente caracterizam a típica situação de dano moral in re ipsa, nos quais a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido, capaz de ensejar indenização.
18. Com base no precedente citado, nas particularidade do caso, e na extensão do dano que marcou o autor por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar.
19. Fixa-se a verba honorária em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do atual CPC.
20. Apelação parcialmente provida para condenar a União Federal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002761-40.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 14/06/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/06/2019).
Acerca da fixação do quantum indenizatório, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
Logo, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o STJ tem procurado definir determinados parâmetros, a fim de se alcançar um valor atendendo à dupla função, tal qual, reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.
Nesse sentido é certo que "na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado."(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014).
Com base no precedente citado, nas particularidades do caso, e na extensão do dano que marcou o autor por toda sua vida, fixo indenização por danos morais em R$ 200.000,00, com incidência de correção monetária nos termos da Súmula 362 do STJ, e juros de mora a partir da citação, conforme entendimento do C. STJ para as hipóteses de reparação a violações a direitos fundamentais ocorridas durante o Regime Militar. Verbis:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANO PATRIMONIAL E MORAL EM DECORRÊNCIA DE DESAPARECIMENTO DE PESSOA, POR MOTIVOS POLÍTICOS. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, VALIDADE DOS ATOS INSTITUCIONAIS E AUSÊNCIA DE INTERESSE NO PAGAMENTO DE PENSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ENUNCIADO SUMULAR Nº 211/STJ. PRESCRIÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. LEI 9.140/95. PREVISÃO DE REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS EVENTUALMENTE CAUSADOS À VÍTIMA. DANO MORAL NÃO ABRANGIDO. JUROS MORATÓRIOS. TERMO A QUO. CITAÇÃO . APLICAÇÃO DO VERBETE Nº 54 DA SÚMULA/STJ QUE SE AFASTA DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO RAZOÁVEL.
(...)
5. Embora a Súmula 54/STJ determine a fluência de juros moratórios a partir do evento danoso nos casos de responsabilidade extracontratual, a hipótese dos autos merece tratamento diferenciado em face do reconhecimento legislativo ocorrido com o advento da Lei 9.140/95, que tratou apenas do valor da indenização e não de juros moratórios. Havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95, em se tratando de obrigação ilíquida, os juros moratórios devem fluir a partir da citação .
(...)
7. Recurso Especial interposto pela União parcialmente conhecido e, nessa extensão, PROVIDO apenas para determinar que os juros de mora sejam contados a partir da citação .
(REsp 841.410/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 07/04/2009)
Ante o exposto, divirjo do Exma. Relator Des. Fed. Nery Júnior para dar parcial provimento à apelação, e condenar a União Federal ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 200.000,00.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. FILHO DE PORTADORES DE HANSENÍASE. DANOS MORAIS. ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. TERMO A QUO: MAIORIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APELO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
01. A controvérsia trazida à baila diz respeito à configuração da prescrição da pretensão de reparação civil do recorrente pelos danos morais acarretados pela separação abrupta do recorrente de seus genitores, portadores de hanseníase ao tempo dos fatos, e se restou ou não configurada a responsabilidade civil da União.
02. Inicialmente, cumpre mencionar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32, deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal, previsto no art. 206, §3º, V do CC/02.
03. Como regra geral, o art. 1º do Decreto nº 10.910/32 prescreve como termo inicial de contagem, a data do ato ou fato da qual se originarem. Nessa linha, o mesmo raciocínio é estabelecido pelo legislador civilista, consoante estabelecido na primeira parte do art. 189 do CC/2002.
04. Na espécie, a prescrição começa a ocorrer a partir da data dos fatos, ou seja, no momento da separação entre o recorrente e seus genitores. Porém, por ser menor à época da ruptura dos laços familiares, impõe-se considerar o alcance da maioridade civil para a contagem do lastro prescricional, à luz do art. 198, I do CC/2002.
05. Dessa forma, considerando a data de nascimento do recorrente em 16/06/1957 (ID 136421497), a maioria do requerente se completou em 17/06/1975; porém, a presente ação somente foi protocolada em 28/09/2018, após o transcurso do prazo quinquenal.
06. Sendo assim, o Estado não deve intervir para assegurar o direito daquele que, por si mesmo, não pleiteou, ao seu tempo e modo, a tutela jurisdicional pretendida, afigurando-se escorreita a r. sentença que reconheceu a prescrição.
07. Apelo improvido. Sentença mantida.