Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5665550-89.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JOSIMAR GOMES DE SOUZA

Advogado do(a) APELANTE: ERICA VENDRAME - SP195999-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5665550-89.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JOSIMAR GOMES DE SOUZA

Advogado do(a) APELANTE: ERICA VENDRAME - SP195999-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto por Josimar Gomes de Souza, em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício de prestação continuada.

Pretende que seja reformado o julgado, sustentando, em síntese, a presença dos requisitos à outorga da benesse.

Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a este e. Tribunal.

Convertido o julgamento em diligência, sobreveio realização de novo estudo social, retornando o feito a esta Corte, após vista às partes.

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo provimento da apelação.

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5665550-89.2019.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JOSIMAR GOMES DE SOUZA

Advogado do(a) APELANTE: ERICA VENDRAME - SP195999-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

A teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil, conheço do recurso de apelação, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade.

Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.

Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.

No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente evolução na sua conceituação.

Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:

 

"Art. 20

(...)

§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:

I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."

 

Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:

 

"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."

 

De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.

Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".

À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.

Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n. 1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.

Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.

Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:

 

“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)

 

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5- Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)

 

Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.".

Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada percebido pelos referidos idosos.

Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos idosos com idade superior a 65 anos.

Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP 8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel. Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.

Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº 8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720, em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.

 

SITUAÇÃO DOS AUTOS

 

No caso dos autos, o laudo médico colacionado ao doc. 63232221, realizado em 07/02/2018, finalizado no doc. 63232237, considerou o autor, então, com 43 anos de idade, ensino fundamental até a 6ª série e com "baixa qualificação profissional" (doc. 63232234, pág. 3), portador de gravíssimas lesões no sistema nervoso central, com distúrbios cognitivos, que lhe acarretam invalidez total e definitiva, com necessidade da assistência permanente de terceiros.

O perito consignou que o vindicante apresenta "problemas de ordem genética desde a infância, mas conviveu com os problemas, socialmente estáveis até 1996, quando, após tentativa de suicídio, teve graves lesões encefálicas". O louvado acrescentou que, tecnicamente, as patologias neurológicas originaram-se desde então.

Nesse cenário, a constatação da perícia médica autoriza concluir pela existência de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, por mais de 2 (dois) anos, configurando-se, por conseguinte, quadro de deficiência necessário à concessão do benefício de prestação continuada, nos termos estabelecidos no art. 20, § 10, da Lei nº 8.742/1993.

Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao doc. 63232208, produzido em 04/09/2017, e complementado em 17/09/2018, conforme doc. 63232234.

De acordo com o laudo confeccionado no ano de 2017, o autor residia sozinho, em casa cedida por uma irmã, localizada no município de Piacatu/SP, em bairro dotado de infraestrutura, saneamento básico, pavimentação asfáltica e energia elétrica.

A residência encontrava-se em construção, já com revestimento e pisos. Os móveis e eletrodomésticos, em mal estado de conservação, foram doados por amigos e pela comunidade.

A irmã, àquela altura, residia em São Paulo, mas com intenção de mudar-se para o imóvel em apreço, tão logo do término da construção.

O vindicante não aufere renda. Sobrevivia com a ajuda de amigos, que o auxiliavam com alimentação.

Em 2018, o demandante residia com a genitora, "viúva, idosa, aposentada", com renda de R$ 1.100,00, da qual, deduzida parcela de empréstimo consignado, remanesciam R$ 780,00.

Moravam em imóvel alugado, provido por móveis e eletrodomésticos "de necessidades básicas, em consonância com a renda familiar".

Transcrevo relato da assistente social, quanto ao relacionamento, então, vivenciado:

 

"Apesar de residir com a sua genitora, a Senhora Luzia Gomes Bonfim, viúva, idosa, aposentada, vivencia um relacionamento muito conflituoso com o requerente.

Sofre agressões verbais diariamente e, com relatos reais de vizinhos que, em momentos de fúria, Josimar quebra os utensílios domésticos da casa.

A genitora já pensou em sair da casa, mas consciente das necessidades diárias de cuidados que o filho precisa, devido a seus graves problemas de saúde, que são de necessidades básicas, como preparo das refeições e cuidados pessoais, acaba por insistir no convênio.

O fato de Josimar não possuir condições financeiras para arcar com tal sustento é de grande relevância para a genitora prolongar esse relacionamento interpessoal e violento.

(...)

Senhora Luzia Gomes Bonfim apresenta graves problemas de saúde, que a impossibilitam de realizar os cuidados necessários que o filho necessita, necessitando do auxílio de terceiros, apresentam uma convivência muito conturbada, com conflitos diários, pois Josimar não respeita sua genitora, quebrando muitas vezes os utensílios domésticos da residência."

 

O autor "não possui condições de compreensão de ir ao médico sozinho, sendo acompanhado pelos profissionais do setor da Secretaria de Saúde do município, pois sua genitora apresenta dificuldade de compreensão e entendimentos do processo do tratamento médico e medicamentoso", realizado no Sistema Único de Saúde.

A perita qualificou o domínio "Atividade e Participação", como grave.

No mais, consta que o autor recebia a transferência de R$ 171,00, pelo Programa Renda Cidadã, importância, todavia, desconsiderada da contabilização da renda familiar, por força do Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, c/c o item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81/2003.

Da petição e documentos acostados aos docs. 63232252 a 63232256, haure-se que "o quadro de saúde do Apelante piorou tanto que a genitora já sem forças, pois vinha carregando um fardo pesado demais para ela, deixou a casa por medo das atitudes cada vez mais violentas do filho Apelante e passou a residir com a filha Vânia Cecília Gomes da Silva". Noticia-se, mais, que, em 09/01/2019, o vindicante foi internado, compulsoriamente, para tratamento de dependência química, na Clínica Terapêutica Atitude, custeado com recurso público municipal.

Em 22/07/2019, por ocasião do preenchimento do Cadastro Único, o proponente declarou residir sozinho. Vide doc. 89238001.

Realizado novo estudo social, em 13/11/2019, verifica-se que o autor voltara a morar com a genitora, em imóvel alugado, pelo valor de R$ 350,00. A aposentadoria desta perfazia valor líquido de R$ 800,00, após desconto da parcela de empréstimo.

A perita registrou que o apelante "foi internado em clínicas psiquiátricas por várias vezes, para tratamento". Por fim, atestou que, em razão das vulnerabilidades econômicas vivenciadas, o programa Renda Cidadã efetuava a transferência mensal de R$ 80,00.

Ainda que a renda per capita do autor, nos períodos em que residiu com a genitora, suplante a metade do salário mínimo, visto que, nos termos do art. 4º, inc. VI, do Decreto nº 6.214/2007, para fins de cálculo da renda familiar per capita, deve ser considerada a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família, aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira e vulnerabilidade social tal a justificar a inclusão deste no elenco de beneficiários da prestação buscada.

De se esclarecer, para fins comparativos, que o salário mínimo, no ano de 2017, era de R$ 937,00; em 2018, de R$ 954,00, e, em 2019, de R$ 998,00.

Dessa forma, divisa-se caracterizada conjuntura de miserabilidade.

Assim, restou demonstrada situação de hipossuficiência econômica, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral, a autorizar o implante da benesse.

De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Nesse sentido: APELREEX 00122689420114036139, Nona Turma, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, j. 30/05/2016, e-DJF3 13/06/2016; APELREEX 00331902220114039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, j. 14/03/2016, e-DJF3 31/03/2016.

De se refrisar, contudo, que o autor esteve internado para tratamento em clínica psiquiátrica, por intermédio da área de saúde do município em que reside, inclusive, quanto ao custeio. De acordo com o derradeiro laudo social, tal sucedeu "por várias vezes".

Conquanto a situação de internado não prejudique o direito ao benefício de prestação continuada, conforme dispõe o § 5º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93, desde a sua redação original, certo é que, durante os períodos de internação, o demandante esteve sob os cuidados e manutenção do Poder Público Municipal, descabendo, portanto, na circunstância específica aqui tratada, o recebimento concomitante da prestação assistencial, dado seu caráter personalíssimo e destinado, exclusivamente, a prover a parte autora das necessidades básicas à sua sobrevivência.

Destarte, deverão ser deduzidos, do período abrangido pela condenação, os interregnos em que o autor esteve internado, com custeio pelo Poder Público.

Nesse sentido, o seguinte julgado da Nona Turma deste E. Tribunal, tirado de situação parelha:

 

"CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, CAPUT, DA CR/88, E LEI Nº 8.742/1993. INTERNAÇÕES ININTERRUPTAS, EM TEMPO INTEGRAL. CUIDADOS E MANUTENÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DO AUTOR PELO PODER PÚBLICO. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. - Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-la suprida pela família. - A situação de internado não prejudica o direito ao benefício de prestação continuada. Inteligência do § 5º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93, desde a sua redação original. - In casu, contudo, o vindicante vem passando por ininterruptas internações, em tempo integral, desde o ajuizamento da demanda. - Nesse interregno, o autor esteve sob os cuidados e manutenção do Poder Público Municipal, descabendo, na circunstância específica aqui tratada, o recebimento concomitante da prestação assistencial, dado seu caráter personalíssimo e destinado, exclusivamente, a prover a parte autora das necessidades básicas à sua sobrevivência. - Ademais, não há, nos autos, qualquer comprovação de pagamento, ou mesmo de cobrança de mensalidades pelas instituições que o acolheram, tal como reportado por sua genitora. - Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício. - Apelação da parte autora desprovida." (AC 0005537-35.2017.4.03.9999, Relatora Desembargadora Federal Ana Pezzarini, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2017)

 

Passo à análise dos consectários.

Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n. 11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."

Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.

Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.

Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do art. 85 do Código de Processo Civil, observando-se o disposto nos §§ 3º e 5º desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Está o instituto previdenciário isento do pagamento de custas processuais, consoante o art. 4º, inciso I, da Lei Federal n. 9.289/96, art. 6º, da Lei do Estado de São Paulo n. 11.608/2003 e das Leis do Mato Grosso do Sul, de n. 1.135/91 e 1.936/98, alteradas pelos arts. 1º e 2º, da Lei n. 2.185/2000. Excluem-se da isenção as respectivas despesas processuais, além daquelas devidas à parte contrária.

Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de quaisquer benefícios previdenciários ou assistenciais não cumuláveis, deverão ser integralmente abatidos do débito.

Saliente-se que, nos termos do art. 21, caput, da Lei n. 8.742/93, o benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, concedendo-lhe o benefício de prestação continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Fixo consectários na forma explicitada, abatidos, do período abrangido pela condenação, os interregnos em que o autor esteve internado para tratamento, com custeio pelo Poder Público, bem assim eventuais valores inacumuláveis com a benesse assistencial, por ele já recebidos.

É como voto.

 



E M E N T A

 

 

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO. INTERNAÇÕES NO PERÍODO ABRANGIDO PELA CONDENAÇÃO. CUIDADOS E MANUTENÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DO AUTOR PELO PODER PÚBLICO. DEDUÇÃO.

- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-la suprida pela família.

- Constatadas, pelos laudos periciais, a deficiência e a hipossuficiência econômica, é devido o Benefício de Prestação Continuada, a partir da data de entrada do requerimento administrativo. Precedentes.

- O autor esteve internado para tratamento em clínica psiquiátrica, por intermédio da área de saúde do município em que reside, inclusive, quanto ao custeio.

- Conquanto a situação de internado não prejudique o direito ao benefício de prestação continuada, conforme dispõe o § 5º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93, desde a sua redação original, certo é que, durante os períodos de internação, o demandante esteve sob os cuidados e manutenção do Poder Público Municipal, descabendo, portanto, na circunstância específica aqui tratada, o recebimento concomitante da prestação assistencial, dado seu caráter personalíssimo e destinado, exclusivamente, a prover a parte autora das necessidades básicas à sua sobrevivência.

- Dedução, do período abrangido pela condenação, dos interregnos em que o autor esteve internado para tratamento, com custeio pelo Poder Público.

- Juros de mora, correção monetária e custas processuais fixados na forma explicitada.

- Honorários advocatícios a cargo do INSS em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício (Súmula n. 111 do c. Superior Tribunal de Justiça).

- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.

- Revisão do Benefício de Prestação Continuada a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

- Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente o pedido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.