Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017063-63.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: EDITH DE LOURDES RETAMALES WENCKSTERN

Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA RODRIGUES SANTANA - SP403368-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017063-63.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: EDITH DE LOURDES RETAMALES WENCKSTERN

Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA RODRIGUES SANTANA - SP403368-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se, originariamente, de impetração de habeas data, convertida pelo MM. Juízo de primeiro grau em procedimento de jurisdição voluntária (ID 152158565), no qual a autora pede a retificação de seu sobrenome – de WENHTERNS para WENCKSTERN – no Registro Nacional Migratório (RNM), bem como a correspondente emissão de nova Carteira Nacional de Registro Migratório (CNRM). Juntou documentos emitidos em seu país de origem que comprovam a necessidade da correção. Demonstrou, ainda, que a divergência do sobrenome em seus documentos já lhe obstou o exercício de direitos.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência do pedido (ID 152158566). Dada vista à Advocacia Geral da União (ID 152158565), esta deixou de se pronunciar.

A ação foi julgada procedente (ID 152158568) para “para determinar a retificação do registro nacional de estrangeiro da requerente, fazendo constar seu nome correto de EDITH DE LOURDES RETAMALES WENCKSTERN”, e ordenou a expedição de ofício à Polícia Federal, para que procedesse às devidas retificações.

A União Federal então apelou, arguindo sua ilegitimidade passiva e a incompetência material da Justiça Federal para julgar o caso. Depreende-se, portanto (art. 322, § 2º do CPC), que a apelante pretende ver anulada a sentença, com envio dos autos à Justiça Estadual.

No mérito, a União não se opõe à retificação do registro, nem à expedição de nova CNRM, tal como pleiteadas e deferidas na r. sentença.

Com as contrarrazões (ID 152158583), subiram os autos a esta E. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5017063-63.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: EDITH DE LOURDES RETAMALES WENCKSTERN

Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA RODRIGUES SANTANA - SP403368-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

A Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) trouxe novas regras referentes à imigração e foi regulamentada pelo Decreto nº 9.199/2017, o qual dispõe em seus artigos 75 e 76 o seguinte:

Art. 75. Caberá alteração do Registro Nacional Migratório, por meio de requerimento do imigrante endereçado à Polícia Federal, devidamente instruído com as provas documentais necessárias, nas seguintes hipóteses:

I - casamento;

II - união estável;

III - anulação e nulidade de casamento, divórcio, separação judicial e dissolução de união estável;

IV - aquisição de nacionalidade diversa daquela constante do registro; e

V - perda da nacionalidade constante do registro.

[...]

Art. 76. Ressalvadas as hipóteses previstas no art. 75, as alterações no registro que comportem modificações do nome do imigrante serão feitas somente após decisão judicial.

Conforme disciplinam os dispositivos supracitados, a alteração no registro que comporte modificação do nome do imigrante, caso não se enquadre nas hipóteses elencadas no art. 75, somente poderá ser realizada mediante decisão judicial.

No caso, a alteração pretendida tem razão em equívoco de grafia, de modo que depende de decisão judicial.

A controvérsia, então, cinge-se no interesse ou não da União Federal quanto à retificação do Registro Nacional Migratório, com o consequente reflexo sobre a competência da Justiça Federal para a apreciação do pedido.

Ora, a Lei de Migração estabelece em seu art. 114 que o “Regulamento poderá estabelecer competência para órgãos do Poder Executivo disciplinarem aspectos específicos desta Lei”. É o que fez o Decreto nº 9.199/2017, ao regulamentar a mencionada lei, nos seguintes termos:

Art. 58. Compete à Polícia Federal:

I - organizar, manter e gerir os processos de identificação civil do imigrante;

II- produzir a Carteira de Registro Nacional Migratório; e

III - administrar a base de dados relativa ao Registro Nacional Migratório.

 

Desse modo, o RNM é banco de dados federal, cuja gestão compete à Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, ou seja, pertencente à administração direta da União. Isso já bastaria à configuração do interesse da União, o que atrai a competência da Justiça Federal.

Não bastasse, além desse aspecto formal, é inegável que a matéria é de interesse da União, pois a correção dos dados dos estrangeiros residentes no país e sua identificação civil (art. 19 da Lei de Migração) dizem respeito a competências básicas da União, tais como a representação da República Federativa do Brasil perante os demais Estados nacionais (art. 21, I, da CF) e a defesa nacional (art. 21, III, da CF), o que tem implicações, por exemplo, na efetividade do combate ao tráfico internacional de pessoas e de entorpecentes.

Assim, verificada a competência da Polícia Federal para proceder à retificação do sobrenome da apelada, e demonstrado o interesse da União no feito, não só a União é parte legítima para figurar no polo passivo, como também, por força do art. 109, I, da CF, a competência para o julgamento é da Justiça Federal.

A sentença, portanto, deve ser mantida.

Nesse sentido vem decidindo este E. Tribunal Regional Federal:

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. LEI DE MIGRAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.  ARTIGO 109, I, DA CF.

1. Constando do documento do Registro Nacional de Estrangeiro o nome incompleto do genitor da autora, pretende-se a retificação, conforme certidão de nascimento original, devidamente traduzida.

2. A discussão, na espécie, envolve apenas a alegação da União de que não tem legitimidade passiva nem é competente, pois, a Justiça Federal para o feito, dado que se trataria de matéria de registro civil inserida nas atribuições da Justiça Estadual. 

3. Todavia, não se discute, na espécie, registro civil de pessoa natural, sujeita à competência da Justiça Estadual, mas registro de estrangeiro, realizado no âmbito da Polícia Federal, assim suscitando interesse da União e, pois, a competência da Justiça Federal. Ainda que possam existir pedidos a serem feitos a órgãos distintos, inclusive na esfera da Justiça Estadual, nada se pleiteia, a propósito disto, nestes autos.

4. Sendo da União a incumbência de legislar e prover administrativamente medidas relativas ao controle de ingresso e permanência regular de estrangeiros, o que abrange, pois, a emissão da documentação pertinente, principalmente o registro nacional respectivo, evidente a legitimidade passiva de tal ente político e, por consequência, a competência da Justiça Federal para o trato do assunto. 

5. Não cabe reconhecer, pois, a ilegitimidade passiva da União nem a nulidade da sentença por incompetência da Justiça Federal.

6. Apelação desprovida.

(TRF3, ApCiv 5012027-11.2018.4.03.6100, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, j. 24/11/2020, e-DJF3 01/12/2020.)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. CONFIGURAÇÃO DE INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, NOS TERMOS DO ART. 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Nos termos do art. 76 do Decreto nº 9.199/2017, que regulamentou a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Imigração), ressalvados os casos do art. 75 (aos quais o caso presente não se subsome), “as alterações no registro que comportem modificações do nome do imigrante serão feitas somente após decisão judicial”.

2. O registro do imigrante, nos termos do art.19 da Lei nº 13.445/2017 e art. 62 do Decreto nº 9.199/2017, consiste na identificação civil por dados biográficos e biométricos em sistema próprio da Polícia Federal de todo imigrante detentor de visto temporário ou de autorização de residência e garante o pleno exercício dos atos da vida civil.

3. A identificação civil do imigrante é de competência da Polícia Federal, à qual também caberá expedir a Carteira de Registro Nacional Migratório e administrar a base de dados relativa ao Registro Nacional Migratório (art. 58 do Decreto nº 9.199/2017).

4. É evidente, pois, que a retificação do registro para modificação no nome do imigrante, que deve ser autorizada pelo Poder Judiciário, conforme impõe o art. 76 do Decreto nº 9.199/2017, é de interesse da UNIÃO e, portanto, de competência da Justiça Federal (art. 109, I, da Constituição Federal).

5. Apelação improvida.

(TRF3, ApCiv 5015774-66.2018.4.03.6100, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSON DI SALVO, j. 29/03/2019, Intimação via sistema em 03/04/2019.)

 

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI DE MIGRAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO NACIONAL MIGRATÓRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA E INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109, I, DA CF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO.

1. A alteração no Registro Nacional Migratório que comporte modificação do nome do imigrante, se não configurar uma das hipóteses do art. 75 do Decreto 9.199/2017, que regulamenta a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), somente poderá ser realizada mediante decisão judicial. É o caso da alteração pretendida, que se fundamenta em equívoco de grafia.

2. A controvérsia cinge-se no interesse ou não da União Federal quanto à retificação do Registro Nacional Migratório, com o consequente reflexo sobre a competência da Justiça Federal para a apreciação do pedido.

3. O Decreto nº 9.199/2017 regulamenta a Lei de Migração nos seguintes termos: “Art. 58. Compete à Polícia Federal: I - organizar, manter e gerir os processos de identificação civil do imigrante; II- produzir a Carteira de Registro Nacional Migratório; e III - administrar a base de dados relativa ao Registro Nacional Migratório”.

4. Desse modo, o RNM é banco de dados federal, cuja gestão compete à Polícia Federal, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, ou seja, pertencente à administração direta da União, o que atrai a competência da Justiça Federal.

5. É inegável que a matéria é de interesse da União, pois a correção dos dados dos estrangeiros residentes no país e sua identificação civil (art. 19 da Lei de Migração) dizem respeito a competências básicas da União, tais como a representação da República Federativa do Brasil perante os demais Estados nacionais (art. 21, I, da CF) e a defesa nacional (art. 21, III, da CF), o que tem implicações, por exemplo, na efetividade do combate ao tráfico internacional de pessoas e de entorpecentes.

6. Assim, a União tem legitimidade passiva, e a competência para o julgamento é da Justiça Federal (art. 109, I, da CF).

7. Precedentes deste E. Tribunal (TRF3, ApCiv 5012027-11.2018.4.03.6100, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, j. 24/11/2020, e-DJF3 01/12/2020; TRF3, ApCiv 5015774-66.2018.4.03.6100, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSON DI SALVO, j. 29/03/2019, Intimação via sistema em 03/04/2019.)

8. Apelação a que se nega provimento.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.