Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015496-31.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: XP INVESTIMENTOS CORRETORA DE CAMBIO, TITULOS E VALORES MOBILIARIOS S/A

Advogados do(a) APELANTE: RENAN PRETOLA SILVERIO DE MENDONCA - SP339770, ALEXANDRE LUIZ MORAES DO REGO MONTEIRO - SP281364-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015496-31.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: XP INVESTIMENTOS CORRETORA DE CAMBIO, TITULOS E VALORES MOBILIARIOS S/A

Advogados do(a) APELANTE: RENAN PRETOLA SILVERIO DE MENDONCA - SP339770, ALEXANDRE LUIZ MORAES DO REGO MONTEIRO - SP281364-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença que denegou mandado de segurança impetrado para que fosse afastada a multa aplicada com base no artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, por atraso no envio de “Escrituração Contábil Fiscal” (ECF).

Alegou-se, em suma, que: (1) a multa aplicada, no total de R$ 7.444.439,43 (sete milhões quatrocentos e quarenta e quatro mil quatrocentos e trinta e nove reais e quarenta e três centavos) é inconstitucional, por ser confiscatória, em violação ao direito à propriedade e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; (2) tais princípios constitucionais também são aplicáveis a multas por descumprimento a obrigações acessórias, tendo sido reconhecida a repercussão geral ao RE 640.452; (3) mesmo tendo sido entregues com atraso os arquivos digitais da ECF, não houve cobrança de tributos nem abertura de fiscalização dos períodos envolvidos e ainda há prazo extenso para que as autoridades analisem os dados, de forma que não houve prejuízo; (4) a sanção dissocia-se de qualquer obrigação principal de tributo, correspondendo à aplicação do percentual de 0,25% do lucro líquido por mês de atraso, limitado a 10%, configurando adicional de imposto de renda não permitido pela Constituição; (5) mero atraso em cumprir obrigação acessória, configurando mero dano abstrato ou em potencial, não poderia ter a mesma base de cálculo de tributo, o que pode gerar penalidade superior a 100% do valor devido; (6) deve ser aplicada a penalidade prevista para outras obrigações acessórias federais, conforme artigo 57 da Medida Provisória 2.158-35/2001; (7) a multa do artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977 viola ainda o princípio da moralidade, vez que o cumprimento das obrigações acessórias já demanda enorme dispêndio de recursos; e (8) uma vez que a pluralidade de multas por descumprimento de obrigações acessórias no formato digital gera incerteza quanto à sanção aplicável, deve ser aplicado o artigo 112, IV, CTN, que autoriza interpretação mais favorável ao contribuinte.

Houve contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015496-31.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: XP INVESTIMENTOS CORRETORA DE CAMBIO, TITULOS E VALORES MOBILIARIOS S/A

Advogados do(a) APELANTE: RENAN PRETOLA SILVERIO DE MENDONCA - SP339770, ALEXANDRE LUIZ MORAES DO REGO MONTEIRO - SP281364-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, o descumprimento de obrigação acessória tributária com o atraso na entrega de “Escrituração Contábil Fiscal” constitui infração formal que enseja a aplicação da multa prevista no artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, conforme redação dada pela Lei 12.973/2014, in verbis:

 

“Art. 8º-A.  O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu § 3o, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:

I - equivalente a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), por mês-calendário ou fração, do lucro líquido antes do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no período a que se refere a apuração, limitada a 10% (dez por cento) relativamente às pessoas jurídicas que deixarem de apresentar ou apresentarem em atraso o livro; e

II - 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto.

§ 1o  A multa de que trata o inciso I do caput será limitada em:

I - R$ 100.000,00 (cem mil reais) para as pessoas jurídicas que no ano-calendário anterior tiverem auferido receita bruta total, igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais);

II - R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para as pessoas jurídicas que não se enquadrarem na hipótese de que trata o inciso I deste parágrafo.

§ 2o  A multa de que trata o inciso I do caput será reduzida:

I - em 90% (noventa por cento), quando o livro for apresentado em até 30 (trinta) dias após o prazo;

II - em 75% (setenta e cinco por cento), quando o livro for apresentado em até 60 (sessenta) dias após o prazo;

III - à metade, quando o livro for apresentado depois do prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício; e

IV - em 25% (vinte e cinco por cento), se houver a apresentação do livro no prazo fixado em intimação.

§ 3o  A multa de que trata o inciso II do caput:

I - não será devida se o sujeito passivo corrigir as inexatidões, incorreções ou omissões antes de iniciado qualquer procedimento de ofício; e

II - será reduzida em 50% (cinquenta por cento) se forem corrigidas as inexatidões, incorreções ou omissões no prazo fixado em intimação.

§ 4o  Quando não houver lucro líquido, antes do Imposto de Renda e da Contribuição Social, no período de apuração a que se refere a escrituração, deverá ser utilizado o lucro líquido, antes do Imposto de Renda e da Contribuição Social do último período de apuração informado, atualizado pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic, até o termo final de encerramento do período a que se refere a escrituração.

§ 5o  Sem prejuízo das penalidades previstas neste artigo, aplica-se o disposto no art. 47 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, à pessoa jurídica que não escriturar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o da presente Lei de acordo com as disposições da legislação tributária.”

 

Na espécie, resta incontroverso, pois confirmou o próprio contribuinte, que a entrega de Escrituração Contábil Fiscal de vários períodos (01/01/2016 a 31/08/2016, 01/09/2016 a 31/12/2016, 01/01/2017 a 30/11/2017 e 01/12/2017 a 31/12/2017) ocorreu com atraso, aperfeiçoando a infração. Considerando tais documentos foram entregues, respectivamente, em 31/07/2018, 08/08/2018, 09/08/2018 e 13/08/2018, houve aplicação inicial de multa com a alíquota de 0,25%, depois reduzida, em notificações de lançamento (03.10.43.23.30.30.29, 09.61.13.10.04.80.00, 03.28.24.60.04.80.52 e 06.07.47.62.94.40.24), adotando os parâmetros do artigo 8º-A e § 2º do Decreto-Lei 1.598/1977, conforme redação dada pela Lei 12.973/2014.

A cobrança do acréscimo regularmente previsto em lei, no caso, de 0,25% ao mês ou fração e limitado a 10%, do lucro líquido antes do IRPJ e da CSL, no período a que se refere a apuração, para contribuintes inadimplentes no cumprimento de obrigações segundo prazos e condições em lei previstas, objetiva coibir atraso e ocultação de dados essenciais à promoção da fiscalização sobre tributos, tendo efeito inibitório e sancionatório a ser considerado ante a alegação de caráter abusivo, ou ofensivo a princípios citados, como razoabilidade, devido processo legal, confisco, moralidade, isonomia, liberdade de exercício econômico e direito de propriedade. 

Como se observa da dicção legal, a sanção é modulada pela reprovabilidade da conduta específica (pela mensuração do atraso), segundo o juízo do legislador ordinário, e o valor da sanção sujeita-se tanto a limite percentual do lucro no correspondente período de apuração (caputquanto a teto absoluto de valor, segundo faixas de receita bruta (§ 1º), admitindo-se, ainda, múltiplas hipóteses de redução da sanção (§ 2º). Constata-se, pois, especial enfoque da legislação para fixação de balizas de proporcionalidade e razoabilidade da medida, adaptando-a para cada caso concreto.

Não é capaz de infirmar tal raciocínio a alegação de que a sanção “pode levar ao absurdo de gerar a incidência de alíquota inclusive superior à da CSLL para a maior parte dos contribuintes (9%, na forma do art. 3º, III, da Lei 7.689/8911)” (ID 152807013, f. 12/13). A ilação é perfunctória, referindo cenário em tese (já que não provada a caracterização do evento específico no caso dos autos) e que, de toda a forma, mesmo que hipoteticamente evidenciasse efeito confiscatório, não induziria, por si, a supressão integral da sanção (e sim a limitação em valor inferior). Afora tais pontos, há constatação, liminar, de que a multa apenas atingiria o percentual de 9% do lucro líquido após expressivo atraso de 36 vezes o prazo original de entrega da documentação, como se deriva da estrutura de progressão da sanção prevista no dispositivo supratranscrito, pelo que, também sob tal enfoque, não caberia preconizar aprioristicamente a invalidade jurídica da regra discutida.

Destaca-se que, em caso semelhante, foi firmada conclusão neste sentido, como se observa do teor do RE 606.010, julgado em 25/08/2020, com repercussão geral:

 

RE 606.010, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 13/11/2020: "TRIBUTÁRIO – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – DESCUMPRIMENTO – MULTA – LEI Nº 10.426/2002. Revela-se constitucional a sanção prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 10.426/2002, ante a ausência de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da vedação de tributo com efeito confiscatório."

 

Anote-se que, em tal paradigma, assim como no presente caso, havia ocorrido pagamento do tributo prévio à entrega, com meses em atraso, de informações devidas (DCTF no precedente e ECF na espécie), tendo sido suscitada a violação ao princípio da capacidade contributiva, circunstância que, a teor do julgamento, não obstou a afirmação categórica  pela Suprema Corte de que a norma de lastro da sanção é constitucional.

Constou, com efeito, do voto do relator:

 

“O exame da questão não prescinde da contextualização dos fatos motivadores das autuações fiscais impugnadas. A recorrente, embora recolhendo tempestivamente os tributos, apresentou extemporaneamente as Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF relativas aos quatro trimestres do ano-calendário de 2003 e aos primeiro e quarto trimestres do ano-calendário de 2004, o que resultou em multas de R$ 482.502,50 e R$ 208.795,19. O atraso por competência variou de 4 a 14 meses.

(...)

Diz a recorrente da irrazoabilidade na imposição de penalidade por descumprimento de obrigação acessória tomando por base o montante da obrigação tributária. Ora, embora a definição em percentual possa resultar em quantia elevada, a solução contrária – o estabelecimento de total invariável – pode revelar-se anômala com mais frequência. Suponha-se uma multa de R$ 10.000,00. Para empresas de grande porte, cuja declaração em atraso envolva valor milionário, o quantitativo pecuniário seria irrisório, insuficiente para desestimular a conduta. Para pessoas jurídicas com receita pequena, o número se mostraria exorbitante, ultrapassando o tributo devido. Num exercício de elucubração, poder-se-ia cogitar da criação de escalonamento de valores fixos para determinadas faixas de tributo – no que seriam evitados os inconvenientes daquelas sistemáticas. É inviável exigir do legislador a adoção de tal critério – por sinal, incomum no ordenamento nacional. Entre as escolhas possíveis, é preciso reconhecer, o Legislativo enveredou por caminho que não pode ser tachado de teratológico.

(...)

Alfim, embora verdadeira a assertiva no sentido de desdobrar-se o atraso de um dia na entrega da declaração em pena superior àquela devida por idêntica demora no pagamento do tributo, ao longo do primeiro mês de atraso, considerado o fato de ser o percentual da primeira mensal e o da segunda diário, a multa da mora estará no patamar de 9,9%, enquanto a por atraso na entrega do documento permanecerá em 2%. Tal circunstância demonstra a impossibilidade de aferir a razoabilidade da sanção descrita no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 10.426/2002, a partir de disciplina jurídica de penalidade díspar na finalidade e no regime jurídico."

 

Igualmente, no voto proferido pelo Min. Alexandre de Moraes:

 

"Sendo assim, conforme bem delineado no acórdão recorrido, a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF é importante instrumento à disposição do Fisco Federal para o efetivo controle da adimplência dos contribuintes. A ausência dessa declaração impossibilita analisar se o tributo foi estimado corretamente. Veja-se o que consta no acórdão recorrido (Vol. 3, fls. 184-185):

“É mister atentar que em nosso sistema jurídico tributário, no qual predomina soberanamente a espécie de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, as declarações previstas em lei, entre elas a DCTF, decorrentes da obrigação acessória de informação, ganham papel de extrema importância para a atividade fiscalizatória . […] Por outro lado, tampouco se sustenta a alegação de que o prejuízo ao Fisco é insignificante, uma vez que o tributo foi recolhido tempestivamente.

Como já referido, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação informações, as preenchidas e entregues à Administração Tributária mediante DCTF ou outros tipos de declaração desempenham papel crucial no controle e fiscalização do tributo. Ora, se o sujeito passivo se limita a efetuar o pagamento, mas omite-se em informar a ocorrência do fato gerador, o controle pela Administração fica prejudicado, pois não há base alguma para sequer presumir que o pagamento efetuado guarda alguma correspondência com o valor efetivamente devido e que está conforme com a escrita contábil da empresa”.

(...)

Quanto à utilização do valor do tributo declarado como base de cálculo da multa, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade, haja vista que reflete a capacidade contributiva de cada contribuinte. Caso fosse estabelecido um valor fixo, poderia ser desvirtuada a finalidade da multa, podendo se tornar confiscatória para aqueles de renda menor, bem como irrisória para aqueles com maior capacidade contributiva."

 

Na mesma linha de raciocínio, os seguintes precedentes:

 

REsp 1.471.701, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 01/09/2014: “TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DESCUMPRIMENTO. MULTA. ART. 7º DA LEI N. 10.426/2002. INCIDÊNCIA MÊS A MÊS. PRECEDENTES ANÁLOGOS. 1. Os incisos I e II do art. 7º da Lei 10.426/2002 estipulam multa de 2% ao mês-calendário por atraso no cumprimento de obrigação acessória atinente à entrega de declarações (DIPJ, DCTF, DSPJ ou DIRF). 2. A multa em questão tem caráter extrafiscal, porquanto vinculada ao descumprimento de obrigação acessória (art. 113, § 2º, do CTN), cujo objetivo é a coleta de subsídios para a fiscalização, pois a relevância da obrigação acessória, instituída como o dever de fazer ou não fazer ou de tolerar que se faça, tem o escopo de controlar o adimplemento da obrigação principal, mostrando-se, consequentemente, relevante para a atividade da administração tributária. 3. Os dispositivos legais de regência deixam claro que a entrega da declaração há de ser feita dentro dos prazos estipulados e a multa pelo descumprimento dessa obrigação aplicada a cada mês de atraso na sua apresentação. 4. O critério atende estritamente à finalidade da lei, sem desbordar em excesso, uma vez que está limitada ao percentual de 20% do valor total da exação declarada, limite este que evita a configuração do confisco por meio da multa. 5. Em precedentes análogos vinculados à incidência de multa tendo por base a interpretação do art. 57 da Medida Provisória n. 2.158/2001, que também remete ao termo ‘mês-calendário’ na aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória, o STJ reconhece que a literalidade da lei legitima a incidência ‘mês a mês’ da penalidade, pois não há dúvidas quanto à gradação da penalidade, o que torna inaplicável os preceitos do art. 112 do CTN. Recurso especial provido.”

 

ApCiv 0002235-38.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. ANTONIO CEDENHO, e-DJF3 27/06/2019: "TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. DÉBITO FISCAL. ATRASO NA ENTREGA DE DCTF. CARÁTER CONFISCATÓRIO NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. O não cumprimento da obrigação acessória consistente no atraso da entrega da DCTF acarreta a aplicação de multa nos termos do artigo 7º da Lei nº 10.426/2002, podendo ser imediatamente inscrita em dívida ativa. 2. A configuração da infração perfaz-se com o mero decurso do prazo de entrega. Se o contribuinte apresenta declaração após o prazo legal, tal conduta não elide a aplicação da multa pela infração consumada, já que a intimação, a que se refere a lei, é contemplada como oportunidade para regularizar a situação fiscal antes do procedimento de lançamento de ofício, inclusive para fins de denúncia espontânea, cabendo lembrar o pacífico entendimento de que o artigo 138 do CTN não alcança a multa já consumada pela falta de entrega da DCTF no prazo legal (AEARESP 209.663, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 10/05/2013). 3. Não se pode olvidar que a cobrança do referido acréscimo regularmente previsto em lei, no caso, 2% ao mês, imposto aos contribuintes em atraso com o cumprimento de suas obrigações, não tem caráter confiscatório. Confiscatório é uma qualidade que se atribui a um tributo, não se tratando de adjetivo aplicável aos consectários do débito. 4. No caso, a DCTF em atraso é referente ao período de fevereiro de 2010, sendo que a entrega tempestiva deveria ter sido feita até o 15º dia útil do mês de abril de 2010, no entanto, a declaração foi apresentada apenas em 22/06/2010. Ocorre que a redação do inciso II do artigo 7º da Lei 10.426/2002 menciona que a multa será de 2% ao mês calendário ou fração. Assim, correta a contagem de três meses de incidência da multa, perfazendo o total de 6%. 5. Apelação não provida."

 

ApCiv 08080787020184058300, Des. Fed. CID MARCONI, julgado em 04/06/2020: “TRIBUTÁRIO. MULTA. ATRASO NA ENTREGA DA ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL FISCAL (ECF). POSSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL. 1. Apelação interposta pela Pessoa Jurídica de Direito Privado e Canônico em face de sentença que julgou improcedente a ação ajuizada com o fito de anular o débito referente à multa aplicada em decorrência da entrega com atraso da Escrituração Contábil Fiscal (ECF). 2. A Apelante objetiva seja declarada a ilegalidade do art. 3º, da IN RFB nº 1.422/2013, que estipulou multa pela demora na apresentação de obrigação acessória, sob a alegação de impossibilidade de aplicação de multa com base em Instrução Normativa. 3. A Instrução Normativa sob análise foi expedida com base nos artigos 8º e 8º-A, ambos do Decreto-Lei nºs 1.598/1977. Multa instituída com respaldo legal. 4. Quanto à diminuição do valor da multa, verifica-se que na própria notificação foi dada a possibilidade de diminuição em 50% do valor da multa, seguindo a legislação de regência, em caso de pagamento no vencimento (setembro de 2017) ou redução de 40% para pedidos de parcelamento do débito. Oportunidade não usufruída pela Apelante. 5. Apelação improvida. A título de honorários recursais, fica majorado em 1% o percentual aplicado na sentença, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. mtrr"

 

Embora o paradigma trate da multa calculada sobre o valor do tributo devido, ao passo que na espécie a norma tem como referência o lucro líquido antes do IRPJ e CSL, no período a que se refere a apuração, o artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, na redação dada pela Lei 12.973/2014, adotou percentual de incidência por mês ou fração bem inferior ao do artigo 7º da Lei 10.426/2002 (0,25% em vez de 2%), além de percentual máximo bem inferior ao da norma em cotejo (10%, atingidos após mora de quarenta períodos, em vez de 20%, alcançados em dez frações de atraso), sem considerar a regra de valor máximo em números absolutos (R$ 100.000,00 para pessoas jurídicas que no ano-calendário anterior auferiram receita bruta total igual ou inferior a R$ 3.600.000,00, e R$ 5.000.000,00 para as demais) e diversas hipóteses de redução do valor da multa (por exemplo, redução de 25% do valor devido por meramente apresentar documentação no prazo estabelecido pelo Fisco após instauração de procedimento de ofício), que beneficiam o contribuinte inadimplente com a obrigação tributária acessória.

Por fim, havendo previsão legal específica para  contribuintes que seguem a apuração do lucro real, de que trata o artigo 8º, I, do Decreto-Lei 1.598/1977, não se aplica o artigo 57 da Medida Provisória 2.158-35/2001, sendo inviável, por tal fundamento, cogitar-se da aplicação do artigo 112 do CTN. Tal dispositivo permaneceu pertinente apenas para contribuintes com opção pelo regime do lucro presumido, até a publicação da Lei 13.670/2018, que promoveu modificação da Lei 8.218/1991 e consequentemente, da regulamentação da ECF.

Confira-se, a propósito, a evolução do artigo 6º da IN RFB 1.422/2013 (atualmente revogada pela Instrução Normativa RFB 2004/2021):

 

"Art. 6º A não apresentação da ECF nos prazos fixados no art. 2º, ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.

Art. 6º A não apresentação da ECF pelos contribuintes que apuram o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica pela sistemática do Lucro Real, nos prazos fixados no art. 2º, ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará a aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014.   (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1489, de 13 de agosto de 2014)

Art. 6º A não apresentação da ECF pelos contribuintes que apuram o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica pela sistemática do Lucro Real, nos prazos fixados no art. 3º, ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará a aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 8º-A do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1574, de 24 de julho de 2015)

(...)

§ 2º A não apresentação da ECF pelos contribuintes que apuram o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, por qualquer sistemática que não o Lucro Real, nos prazos fixados no art. 3º, ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará a aplicação, ao infrator, das multas previstas no art. 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.   (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1574, de 24 de julho de 2015)

§ 2º Os contribuintes que apuram o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica por qualquer sistemática que não o Lucro Real que deixarem de apresentar a ECF nos prazos fixados no art. 3º, ou a apresentar com incorreções ou omissões, ficam sujeitos à aplicação das multas previstas no art. 12 da Lei nº 8.218, de 29 de agosto de 1991. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1821, de 30 de julho de 2018)"

 

Não tendo sido fixados honorários advocatícios na origem, em razão da classe processual, não há sucumbência a ser majorada, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. ATRASO NA ENTREGA DE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL FISCAL - ECF. MULTA. ARTIGO 8º-A DO DECRETO-LEI 1.598/1977. CARÁTER NÃO CONFISCATÓRIO. MATÉRIA ANÁLOGA PACIFICADA EM REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 57 DA MP 2.158-35/2001 NÃO APLICÁVEL.

1. O descumprimento de obrigação acessória tributária com o atraso na entrega de “Escrituração Contábil Fiscal” constitui infração formal que enseja aplicação da multa prevista no artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, conforme redação dada pela Lei 12.973/2014.

2. Na espécie, a entrega de Escrituração Contábil Fiscal de vários períodos (01/01/2016 a 31/08/2016, 01/09/2016 a 31/12/2016, 01/01/2017 a 30/11/2017 e 01/12/2017 a 31/12/2017) ocorreu, respectivamente, apenas em 31/07/2018, 08/08/2018, 09/08/2018 e 13/08/2018, aperfeiçoando a infração, ensejando aplicação inicial de multa com a alíquota de 0,25%, depois reduzida, adotando os parâmetros do artigo 8º-A e § 2º do Decreto-Lei 1.598/1977, conforme redação dada pela Lei 12.973/2014.

3. A cobrança do acréscimo regularmente previsto em lei, no caso, de 0,25% ao mês ou fração e limitado a 10%, do lucro líquido antes do IRPJ e CSL, no período a que se refere a apuração, para contribuintes inadimplentes no cumprimento de obrigações segundo prazos e condições em lei previstas, objetiva coibir atraso e ocultação de dados essenciais à promoção da fiscalização sobre tributos, tendo efeito inibitório e sancionatório a ser considerado ante a alegação de caráter abusivo, ou ofensivo a princípios citados, como razoabilidade, devido processo legal, confisco, moralidade, isonomia, liberdade de exercício econômico e direito de propriedade. 

4. Como se observa da dicção legal, a sanção é modulada pela reprovabilidade da conduta específica (pela mensuração do atraso), segundo o juízo do legislador ordinário, e o valor da sanção sujeita-se tanto a limite percentual do lucro no correspondente período de apuração (caput) quanto a teto absoluto de valor, segundo faixas de receita bruta (§ 1º), admitindo-se, ainda, múltiplas hipóteses de redução da sanção (§ 2º). Constata-se, pois, especial enfoque da legislação para fixação de balizas de proporcionalidade e razoabilidade da medida, adaptando-a para cada caso concreto.

5. Em caso análogo, no RE 606.010 (Rel Min. MARCO AURÉLIO, DJe 13/11/2020) adotou-se, em repercussão geral, a tese de que "revela-se constitucional a sanção prevista no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 10.426/2002, ante a ausência de ofensa aos princípios da proporcionalidade e da vedação de tributo com efeito confiscatório". No paradigma, assim como no presente caso, havia ocorrido pagamento do tributo prévio à entrega, em atraso, de informações devidas (DCTF no precedente e ECF na espécie), tendo sido suscitada a violação ao princípio da capacidade contributiva, circunstância que, a teor do julgamento, não obstou a afirmação categórica  pela Suprema Corte de que a norma de lastro da sanção é constitucional.

6. Embora o paradigma trate da multa calculada sobre o valor do tributo devido, ao passo que na espécie a norma tem como referência o lucro líquido antes do IRPJ e CSL, no período a que se refere a apuração, o artigo 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977, na redação dada pela Lei 12.973/2014, adotou percentual de incidência por mês ou fração bem inferior ao do artigo 7º da Lei 10.426/2002 (0,25% em vez de 2%), além de percentual máximo bem inferior ao da norma em cotejo (10%, atingidos após mora de quarenta períodos, em vez de 20%, alcançados em dez frações de atraso), sem considerar a regra de valor máximo em números absolutos (R$ 100.000,00 para pessoas jurídicas que no ano-calendário anterior auferiram receita bruta total igual ou inferior a R$ 3.600.000,00, e R$ 5.000.000,00 para as demais) e diversas hipóteses de redução do valor da multa (por exemplo, redução de 25% do valor devido por meramente apresentar documentação no prazo estabelecido pelo Fisco após instauração de procedimento de ofício), que beneficiam o contribuinte inadimplente com a obrigação tributária acessória. 

7. Havendo previsão legal específica para os contribuintes que seguem apuração do lucro real, de que trata o artigo 8º, I, do Decreto-Lei 1.598/1977, não se aplica o artigo 57 da Medida Provisória 2.158-35/2001, sendo inviável, por tal fundamento, cogitar-se de aplicação do artigo 112 do CTN. 

8. Apelação desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.