APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030356-11.2008.4.03.6100
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: OPEM REPRESENTACAO IMPORTADORA EXPORTADORA E DISTR.LTDA
Advogado do(a) APELANTE: ROBSON PEDRON MATOS - SP177835-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030356-11.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: OPEM REPRESENTACAO IMPORTADORA EXPORTADORA E DISTR.LTDA Advogado do(a) APELANTE: ROBSON PEDRON MATOS - SP177835-A APELADO: UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ordinária intentada por OPEM REPRESENTAÇÃO IMPORTADORA, EXPORTADORA E DISTRIBUIDORA LTDA. em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando o afastamento do controle de preço do medicamento “Colis-Tek” determinado pela CMED, por suposta ofensa à razoabilidade econômica. Alega que o referido órgão deixou de considerar seus custos operacionais, tornando inviável a disponibilidade do produto no mercado interno. A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial. Nas razões de apelação, a autora sustenta preliminar de cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento do pedido de perícia técnica, a qual seria primordial para avaliar as condições reais de mercado para a fixação do preço do medicamento. No mérito, requer a procedência do pedido inicial. Houve apresentação de contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0030356-11.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: OPEM REPRESENTACAO IMPORTADORA EXPORTADORA E DISTR.LTDA Advogado do(a) APELANTE: ROBSON PEDRON MATOS - SP177835-A APELADO: UNIÃO FEDERAL V O T O De início, esclareço que o Código de Processo Civil de 1973 será o diploma processual aplicável ao deslinde da controvérsia, pois a r. sentença foi publicada na vigência do código revogado. Afasto a preliminar de cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de prova pericial. O magistrado, no uso de suas atribuições, deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da prova. Ademais, sendo destinatário natural da prova, o juiz tem o poder de decidir acerca da conveniência e da oportunidade de sua produção, visando obstar a prática de atos inúteis ou protelatórios, desnecessários à solução da causa. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA TESTEMUNHAL. 1. No sistema de persuasão racional adotado pelo Código de Processo Civil nos artigos 130 e 131, em regra, não cabe compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção. Desse modo, não há incompatibilidade entre o art. 400 do CPC, que estabelece ser, via de regra, admissível a prova testemunhal, e o art. 131 do CPC, que garante ao juiz o poder de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. 2. Agravo regimental desprovido." (AgRg no Ag 987507/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 17/12/2010) "PROCESSO CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. JUROS MORATÓRIOS. SÚMULA N. 54/STJ. SUCUMBÊNCIA. SÚMULA N. 326/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. EXCESSIVIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LEI. ART. 70, III, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não há por que falar em violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. Inexiste cerceamento de defesa quando o órgão julgador, verificando que está suficientemente instruído o processo e que é desnecessária a dilação probatória, indefere o pedido de produção de prova testemunhal . (...) 7. Recurso conhecido em parte e provido." (REsp 967644/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/04/2008, DJe 05/05/2008) No caso concreto, a questão é exclusivamente de direito, não sendo necessária a análise de prova técnica para o deslinde da controvérsia. Passo à análise do mérito. A Constituição Federal estipula em seu artigo 173, § 4.º: "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 4.º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros." Neste sentido, os órgãos de controle de preço surgiram para evitar distorções no mercado, a exemplo das elevadas barreiras à entrada de novos concorrentes, em prejuízo dos consumidores. O argumento referente à inconstitucionalidade das medidas, supostamente incompatíveis com o princípio da liberdade econômica não tem pertinência. A validade da Resolução n.º 4/2006 e outras do CEMED foi reconhecida pela jurisprudência. Confira-se: “Constitucional e Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Supremacia do interesse público sobre o privado. Competência normativa conferida à Administração Pública. Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Coeficiente de Adequação de Preço (CAP). Lei nº 10.742/2003. Resolução nº 4/2006. Tutela constitucional do direito à saúde (art. 196 CF). Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. 1. A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está prevista na Lei nº 10.742/03 como órgão técnico necessário à regulação do setor farmacêutico, justificando-se, especialmente, pelas complexidades do mercado de medicamentos. 2. A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-jurídico do exercício do poder regulamentar pela Administração Pública, que deve atuar em consonância com a lei, atendendo à necessidade de regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos. 3. O percentual de desconto obrigatório e linear nas vendas de determinados medicamentos ao Poder Público, chamado Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), opera como fator de ajuste de preços, permitindo, assim, que se chegue ao “Preço Máximo de Venda ao Governo” (PMVG), o que vai ao encontro da reprovação constitucional do aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º, CF/88). 4. A Constituição Federal de 1988 agrega preocupação social aos princípios gerais da atividade econômica, resultando em legítima atuação do Estado na promoção do acesso universal e igualitário à saúde, direito social garantido pelo art. 196 da Constituição Federal, cuja responsabilidade é partilhada pelo Estado e por toda a sociedade. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.” (STF, RMS 28.487, Rel. Min. DIAS TOFFOLI DJe 15.3.2013). “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS. CMED. COEFICIENTE DE ADEQUAÇÃO DE PREÇO (CAP). LEI 10.742/2003. RESOLUÇÃO 4/2006. LEGALIDADE. 1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do MS 12.730/DF, Relatora Ministra Eliana Calmon, decidiu que a Resolução CMED 4/2006, que determinou a aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP) a diversos produtos adquiridos por entes estatais, encontra respaldo na Constituição da República e na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990), atendendo às diretrizes estabelecidas pela Lei 10.742/2003 relativamente à implementação da política de acesso a medicamentos pela população em geral. 2. Mandado de Segurança denegado.” (MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 12915 2007.01.42513-0, HERMAN BENJAMIN, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:28/08/2009 ..DTPB:.) “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. QUESTÕES PROCESSUAIS. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ATIVIDADE ECONÔMICA. CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS. CEMED. COEFICIENTE DE ADEQUAÇÃO DE PREÇO (CAP). LEI 10.742/2003. 1. Legitimidade da associação autora, constituída há mais de ano e devidamente autorizada a agir por decisão da assembléia geral. 2. Inexistência de ofensa ao art. 20 do Código de Ética da OAB a justificar o envio, pelo STJ, de cópia dos autos àquela Autarquia, a quem compete a apuração da infração. 3. A Lei 10.472/2003 definiu as normas de regulação do setor farmacêutico, criando o CEMED - CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS, órgão a quem compete estabelecer critérios de aferição dos preços dos produtos novos, antes de entrarem no mercado, havendo precedente desta Corte dando pela constitucionalidade da delegação de competência normativa (MS 11.706/DF). 4. A Resolução CEMED 04/2006 determinou a aplicação do CAP ao preço de diversos produtos (inclusive de alto custo), impondo limitações nos preços quando adquiridos por entes estatais. 5. Ato impugnado que encontra respaldo na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Saúde - LOS (Lei 8.080/90), atendendo às diretrizes estabelecidas pela Lei 10.742/2003 relativamente à implementação da política de acesso a medicamentos pela população em geral. 6. Segurança denegada.” (MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 12730 2007.00.68561-2, ELIANA CALMON, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJ DATA:03/09/2007 PG:00112 ..DTPB:.) Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal analisando a fundo a questão da competência do órgão (CMED) para estabelecer critérios na fixação de ajustes dos preços, afastou a alegação de violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Confira-se a decisão de lavra do Exmo. Ministro Celso de Mello (RMS n.º 27.418, julgado em 24/11/2014): “Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra decisão que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça e confirmada em sede de embargos de declaração, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 418): 'ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – QUESTÕES PROCESSUAIS – INTERVENÇÃO ESTATAL NA ATIVIDADE ECONÔMICA – CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS – CMED – COEFICIENTE DE ADEQUAÇÃO DE PREÇO (CAP) – LEI 10.742/2003. … Cabe referir, desde logo, que a liberdade de iniciativa sofre restrições legitimadas 'pelo interesse maior da coletividade', razão pela qual não se mostra impregnado de caráter absoluto o postulado da livre iniciativa, cuja eficácia – vale enfatizar – está necessariamente subordinada, em sua condição de princípio geral da atividade econômica, à estrita observância dos vetores definidos no art. 170 da Constituição da República. É por esse motivo – como tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/807-808, Pleno, v.g.) – que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais competentes, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados, como na espécie, os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das franquias individuais e liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa –, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. Na verdade, a regulação estatal da atividade econômica, seja no plano normativo, seja no âmbito administrativo, traduz competência constitucionalmente assegurada ao Poder Público cuja atuação regulatória é justificada e ditada por razões de interesse público, especialmente aquelas que visem a preservar e a efetivar o direito à saúde. … Vê-se, desse modo, que o ato regulatório impugnado nestes autos, ao estabelecer critérios para determinação dos preços dos medicamentos a serem fornecidos ao Poder Público, ainda que represente limitação ao exercício de atividade econômica, encontra suporte legitimador de sua edição nas lições doutrinárias e jurisprudencial referidas, considerado, em especial, o intuito de viabilizar a efetivação de direito fundamental a todos assegurado, no caso, o direito a saúde. Cabe registrar, por oportuno, que o caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe: Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. O sentido de fundamentalidade do direito à saúde (CF, arts. 6º e 196) – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que o ato estatal ora contestado na presente causa torna concreta ação estatal viabilizadora da obrigação constitucional de promoção de ações e prestações de saúde. E, ainda, o Superior Tribunal de Justiça, a respeito da inexistência de ofensa ao princípio da razoabilidade quanto a utilização de valores determinados com base no mercado internacional para a fixação de preços de medicamentos assim se manifestou: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MEDICAMENTOS. FIXAÇÃO DE PREÇOS. DELEGAÇÃO. CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS-CMED. CONSTITUCIONALIDADE. CRITÉRIOS. 1. O artigo 7º da Lei nº 10.724/03 delega expressamente à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos-CMED o estabelecimento dos critérios para a aferição dos preços dos produtos novos que venham a ser incluídos na lista de produtos comercializados pela empresa produtora de medicamentos. 2. Por seu turno, o artigo 4º desse diploma legal estabelece as linhas gerais para a CMED fixar os preços dos medicamentos. Não se vislumbra inconstitucionalidade na delegação à essa Câmara para a fixação dos preços, ante a complexidade da matéria. 3. Impetração contra ato administrativo que estabeleceu preço de medicamento em valor inferior àquele autorizado para concorrente. 4. Critérios do preço, sua composição química do produto e seu enquadramento pela ANVISA. Valores determinados com base no mercado internacional, espanhol, para um deles; italiano e francês, para outro. 5. Inexistência de vulneração aos princípios da isonomia, livre concorrência, razoabilidade e proporcionalidade. 6. Segurança denegada.” (MS 11.706/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2006, DJ 27/11/2006, p. 222 – o destaque não é original) No caso concreto, à época, o medicamento “Colis-Tek” foi classificado na categoria II, nos termos do art. 2.º, inciso II, da Resolução CMED n.º 02/2004, como produto novo: “Art. 1.º. As empresas produtoras de medicamentos deverão informar à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos sempre que pretenderem comercializar produtos novos e novas apresentações. § 1º Consideram-se produtos novos, para efeito do disposto no art. 7º da Lei nº 10.742, de 6 de outubro de 2003, os medicamentos com molécula nova no país. § 2º Consideram-se novas apresentações, para efeito do disposto no art. 7º da Lei nº 10.742, de 2003, todos os medicamentos que não se enquadrem na definição disposta no parágrafo anterior. Art. 2º. Os produtos novos deverão ser classificados nas seguintes Categorias: I - Categoria I: produto novo com molécula que seja objeto de patente no país e que traga ganho para o tratamento em relação aos medicamentos já utilizados para a mesma indicação terapêutica, com a comprovação de um dos seguintes requisitos: a) maior eficácia em relação aos medicamentos existentes para a mesma indicação terapêutica; b) mesma eficácia com diminuição significativa dos efeitos adversos; ou c) mesma eficácia com redução significativa do custo global de tratamento. Parágrafo único. As novas apresentações de produtos classificados nas Categorias I, II e V, que venham a ser lançadas posteriormente no mercado, seguirão, durante o período de cinco anos, a mesma classificação de categoria determinada originalmente. (Redação dada ao parágrafo pela Resolução SE/CMED nº 4, de 15.06.2005, DOU 07.10.2005) II - Categoria II: produtos novos que não se enquadrem na definição do inciso anterior.” Na fixação do preço de fábrica de medicamento novo, a CMED toma por base critérios como custo do tratamento, observando-se o teto de valor praticado nos países relacionados no inciso VII, do parágrafo 2°, do artigo 4°, da mesma resolução n.º 02/2004 (Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia, Portugal e o preço praticado no país de origem do produto, excluídos os impostos incidentes). Desta forma, não houve ilegalidade no ato administrativo que determinou o controle de preço do medicamento ora em discussão. A r. sentença deve ser mantida. Por estes fundamentos, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação. É o meu voto.
Passo a examinar o pleito recursal em causa. E, ao fazê-lo, entendo não assistir razão à parte recorrente.
…
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional autoriza a edição de atos tal como o impugnado nesta sede mandamental. Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República, traduzindo bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tal como o fornecimento de medicamentos, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido: …
Vale referir, ainda, no tocante à alegada violação ao princípio da legalidade, em face da pertinência de que se reveste, fragmento do parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 577/578): 'Conferiu a Lei nº 10.742/03 à CMED a competência para dispor, por meio de regulamento, sobre ‘diretrizes e procedimentos relativos à regulação econômica do mercado de medicamentos’. Atribuiu-lhe, pois, a ampla e irrestrita competência para estabelecer os critérios para fixação e ajuste dos preços de medicamentos, justamente em face ao disposto no inc. I do art. 6º do referido diploma legal. O legislador ordinário, em face ao papel regulatório do Estado sobre o setor farmacêutico, com vistas a evitar abusos do poder econômico, institui a CMED conferindo-lhe atribuição de elaboração técnica de critérios de fixação e ajuste de preços de produtos novos e de novas apresentações, assim como de medicamentos já comercializados, com o fim de coibir o aumento arbitrário dos lucros e estimular a oferta de medicamentos e a competitividade do setor. Eis a razão de o legislador ter conferido, no inc. II do art. 6º da Lei nº 10.742/03, competência ampla e irrestrita para a CMED estabelecer os critérios a serem observados na fixação e ajuste de preços de medicamentos e, no inciso III do mesmo dispositivo ter determinado a atribuição de definir, com clareza, critérios para a fixação de preços, inclusive, dos medicamentos novos e das novas apresentações. Digo inclusive pois dispõe o art. 7º da Lei nº 10.742/03: ‘a partir da publicação desta Lei, os produtos novos e as novas apresentações de medicamentos que venham a ser incluídos na lista de produtos comercializados pela empresa produtora, deverão observar, para fins da definição de preços iniciais, os critérios estabelecidos pela CMED’. Assim, ao determinar a Resolução CMED nº 4, de 2006, o critério técnico para incidência do CAP no percentual de 24,69% sobre o preço inicial de determinados medicamentos (art. 2º) nas vendas destinadas aos entes da administração pública direta e indireta — comercializados ou não — o fez com amparo nas atribuições conferidas à Câmara de Regulação de Mercados de Medicamentos pela Lei nº 10.742/03, não havendo falar em extrapolação do poder regulamentar.'(grifei) Impende observar, por oportuno, que a Resolução ora questionada na presente sede recursal respeitou as situações jurídicas já consolidadas, valendo referir trecho do parecer do Ministério Público Federal, no sentido de que (fls. 587): 'Ressalvou-se, porém, na Resolução CMED nº 4, de 2006, expedida com respaldo na Lei nº 10.742/2003 e Decreto nº 4.766, de 26.06.2003, o direito daqueles que firmaram contratos anteriormente ao seu advento. Dispõe o art. 5º, § 1º, da referida resolução: ‘Os contratos firmados anteriormente à edição desta Resolução continuarão a ser regidos pelas cláusulas neles estabelecidas.’ Assegurou-se o direito adquirido daqueles que contrataram antes do advento do referido ato normativo. Em relação aos não embarcados no referido preceito normativo, não completaram estes o ciclo de formação de seus direitos não sendo legitima a invocação do princípio do direito adquirido em face das alterações legislativas ou normativas decorrentes da Resolução CMED nº 4.'' (grifei) Cumpre observar, neste ponto, que a essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé e pela confiança do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio, como resulta da jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal (RTJ 83/921, Rel. Min. BILAC PINTO – RTJ 119/1170, Rel. p/ o acórdão Min. NÉRI DA SILVEIRA – RTJ 192/620-621, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.). Na realidade, os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a preservar situações administrativas já consolidadas no passado (MS 27.826-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). É importante referir, neste ponto, em face de sua extrema pertinência, a aguda observação de J. J. GOMES CANOTILHO ('Direito Constitucional e Teoria da Constituição', p. 250, 1998, Almedina): 'Estes dois princípios – segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante 'qualquer acto' de 'qualquer poder' – legislativo, executivo e judicial.' (grifei) As lições da doutrina e da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte (MS 28.059/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MS 28.060- -MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.064-MC/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 28.122-MC/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MS 28.123-MC/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MS 28.430-MC/DF, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – MS 29.177-MC/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MS 29.180-MC/PE, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.) revelam-se suficientes ao reconhecimento de que a pretensão ora deduzida nesta sede processual não se reveste do necessário relevo, no que concerne ao tema da segurança jurídica e da proteção da confiança. Impende assinalar, finalmente, considerado o conteúdo da presente decisão, que assiste ao Ministro Relator, no exercício dos poderes processuais de que dispõe, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos a esta Corte, legitimando-se, em consequência, os atos decisórios que nessa condição venha a praticar (RTJ 139/53 – RTJ 168/174-175 – RTJ 187/576): '(...) JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. O Relator, na direção dos processos em curso perante a Suprema Corte, dispõe de competência para, em decisão monocrática, julgar recurso ordinário em mandado de segurança, desde que – sem prejuízo das demais hipóteses previstas no ordenamento positivo (CPC, art. 557) – a pretensão deduzida em sede recursal esteja em confronto com Súmula ou em desacordo com a jurisprudência predominante no Supremo Tribunal Federal.’ (RTJ 185/581-582, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 302.839-AgR/GO, Rel. Min. CARLOS VELLOSO). Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, como razão de decidir, os fundamentos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, o que faço com apoio na técnica da motivação 'per relationem', cuja legitimidade constitucional é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (AI 738.982/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 809.147/ES, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – AI 814.640/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 825.520-AgR- -ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), nego provimento ao presente recurso ordinário, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, o acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça.…"
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CÂMARA DE REGULAÇÃO DO MERCADO DE MEDICAMENTOS. CMED. CONTROLE DE PREÇOS. LEI 10.742/2003. RESOLUÇÕES. LEGALIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Preliminar de cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial: o juiz tem o poder de decidir acerca da conveniência e da oportunidade da produção de prova, visando obstar a prática de atos inúteis ou protelatórios, desnecessários à solução da causa. Jurisprudência do STJ.
- Trata-se de ação ordinária intentada por OPEM REPRESENTAÇÃO IMPORTADORA, EXPORTADORA E DISTRIBUIDORA LTDA. em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando o afastamento do controle de preço do medicamento “Colis-Tek” determinado pela CMED, por suposta ofensa à razoabilidade econômica. Alega que o referido órgão deixou de considerar seus custos operacionais, tornando inviável a disponibilidade do produto no mercado interno.
- A validade da Resolução n.º 4/2006 e outras do CEMED foi reconhecida pela jurisprudência. Precedentes: STF, RMS 28.487, Rel. Min. DIAS TOFFOLI DJe 15.3.2013; MS - MANDADO DE SEGURANÇA - 12915 2007.01.42513-0, HERMAN BENJAMIN, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:28/08/2009).
- O Supremo Tribunal Federal analisando a fundo a questão da competência do órgão (CMED) para estabelecer critérios na fixação de ajustes dos preços, afastou a alegação de violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (RMS n.º 27.418, julgado em 24/11/2014).
- No caso concreto, à época, o medicamento “Colis-Tek” foi classificado na categoria II, nos termos do art. 2.º, inciso II, da Resolução CMED n.º 02/2004, como produto novo.
- Na fixação do preço de fábrica de medicamento novo, a CMED toma por base critérios como custo do tratamento, observando-se o teto de valor praticado nos países relacionados no inciso VII, do parágrafo 2°, do artigo 4°, da mesma resolução n.º 02/2004 (Austrália, Canadá, Espanha, Estados Unidos da América, França, Grécia, Itália, Nova Zelândia, Portugal e o preço praticado no país de origem do produto, excluídos os impostos incidentes).
- Não houve ilegalidade no ato administrativo que determinou o controle de preço do medicamento ora em discussão.
- Preliminar rejeitada. Apelação improvida.