APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5227294-11.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: CICERA SEVERINA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N, IDENE APARECIDA DELA CORT - SP242795-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5227294-11.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: CICERA SEVERINA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N, IDENE APARECIDA DELA CORT - SP242795-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez a trabalhador rural, e pedido subsidiário de benefício assistencial ao portador de deficiência, desde a data do início da incapacidade ou do requerimento administrativo (14/4/2016). O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez, desde a data do requerimento administrativo. O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão. Com contrarrazões, subiram os autos. É o relatório. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5227294-11.2020.4.03.9999 RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA APELANTE: CICERA SEVERINA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: AIALA DELA CORT MENDES - SP261537-N, IDENE APARECIDA DELA CORT - SP242795-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução. DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, quando exigida. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária. Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012). Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor da aposentadoria por invalidez porventura concedida. No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11, inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de forma descontínua, é qualificado como empregado. Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o trabalhador volante. Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado. Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal. Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses. Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal. Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:” "A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário". DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADORA RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO MEDIANTE EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO DO ESPOSO) Para comprovar a sua condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da carência, a autora acostou cópia de comprovante de inscrição no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), da qual se infere o registro de ocupação como produtora de árvores frutíferas e local de domicílio em zona rural, desde 14/4/2016 (Id. 129954573); cópia de CTPS de seu cônjuge, José Erasmo da Silva, em que se registra contrato de trabalho como trabalhador rural e data de admissão em 1.º/3/1998, sem data de saída (Id. 129954575); e comprovante de residência em zona rural (Id. 129954576). É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a profissão exercida pelo companheiro da parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar. Diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente que a mulher labore em auxílio a seu cônjuge ou companheiro, visando ao aumento de renda, para obter melhores condições de sobrevivência. E os elementos documentais juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina no caso dos autos. Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural. A testemunha Terezinha Olindina Egino da Silva alega conhecer a autora há cerca de 18 anos, que mora próximo a ela, que casou recentemente, porém mora com seu esposo, o senhor José, desde que a conhece. Alega ainda que a parte autora trabalhava junto ao seu cônjuge com plantação de horta e banana, criação de galinhas e porcos, em sítio onde residem, de propriedade do sr. José Artur, mas que atualmente não trabalha em virtude das doenças que a afligem (Ids. 141558061, 141558062, 141558063 e 141558064). Ainda, conforme mencionado pelo juízo a quo, “Eloísa da Silva, ouvida como testemunha, informou que conhece a autora há mais de 20 anos, pois moram no mesmo bairro. Afirmou que desde que conhece a autora, ela trabalha junto ao marido na roça plantando mandioca, milho e verdura. Aduziu que tanto a autora quando seu marido trabalham para terceiros e não tem empregados e que nunca os viu trabalhando na área urbana.” (Id. 129954750) Assim, a condição de empregado rural do companheiro permite a extensão dessa condição à autora, que também desenvolvia o labor rural, a fim de contribuir para a subsistência da família, conforme corroboram os depoimentos das testemunhas ouvidas. Destarte, restou comprovada a atividade da requerente como trabalhadora rural no período de carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável, na hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível depreender do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor. O requerimento administrativo foi apresentado em 14/4/2016 (Id. 129954577). No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa. A perícia médica concluiu ser, a apelada, portadora de espondilodiscoartropatia degenerativa lombar, com radiculopatia, doença degenerativa em coluna vertebral, em seus segmentos lombar e sacral, com alteração na posição dos discos cartilaginosos intervertebrais, que comprimem estruturas próximas, principalmente raízes nervosas, causando dores e alterações da sensibilidade e da força (parestesias) em membros inferiores. Informou que a patologia, nesse estágio de comprometimento (com radiculopatia), é incompatível com qualquer trabalho que implique em movimentação constante do tronco e uso de força física. Considerou-a incapacitada para o trabalho de forma temporária “em tese” e definitiva, sem precisar a data de início da incapacidade, porém esclarecendo que “trata-se de doença de evolução lenta, insidiosa - ao longo dos anos” e que “é muito provável que a continuidade do trabalho braçal tenha contribuído para a progressão da doença” (Id. 129954606). A requerente acostou laudo médico relatando transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia (CID-10: M51.1), emitido em 13/4/2016, bem como resultados de ressonância magnética da coluna lombossacra indicando “espondiloartropatia degenerativa lombar; e protrusões discais em L1-L2, L2-L3, L3-L4, L4-L5 e L5-S1”, datados de 26/2/2016 (Id. 129954578). Verifica-se, no laudo pericial, a reticência do sr. Perito ao afirmar que a incapacidade da autora é temporária, em que afirma ser “temporária, em tese” (f. 2, Id. 129954606). Ainda, não obstante sua conclusão, considerando a idade da autora (54 anos), bem como a constatação que está há cerca de duas décadas realizando trabalhos rurais, que demandam esforços físicos, as limitações que as patologias lhe impõem são grandes e restringem, em muito, a possibilidade de continuação de suas atividades, diante da profissão de trabalhadora rural que sempre exerceu. Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de aposentadoria por invalidez, nos termos prolatados na sentença. Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019. Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência. Posto isso, nego provimento à apelação. É o voto. THEREZINHA CAZERTA Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.