Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006721-90.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DIVERSEY BRASIL INDUSTRIA QUIMICA LTDA

Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA SCOPIN CHARNET - SP208989-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006721-90.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DIVERSEY BRASIL INDUSTRIA QUIMICA LTDA

Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA SCOPIN CHARNET - SP208989-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação interposto por “DIVERSEY BRASIL INDÚSTRIA QUÍMICA LTDA.” contra sentença proferida pelo Juízo da 21ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP (ID 136318980), que indeferiu a petição inicial e denegou a segurança, cuja pretensão consiste na obtenção de provimento jurisdicional que assegure à Impetrante o direito à prorrogação do vencimento dos tributos federais e parcelamentos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para o último dia útil do terceiro mês subsequente ao seu vencimento, nos termos da Portaria MF nº 12/2012. Sem condenação em honorários (art. 25, da Lei nº 12.016/2009).

Sustenta a Apelante, em suas razões recursais, o cabimento do mandado de segurança e a inexistência de fundamento a amparar o indeferimento da inicial. No mérito, alega, em síntese, que o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo estadual permitiria a prorrogação do prazo de vencimento dos tributos federais, nos termos da Portaria MF nº 12/2012, independentemente de serem discriminados os Municípios abrangidos. Aduz que a Portaria MF nº 12/2020 permanece válida, vigente e eficaz, a qual outorga expressamente o direito à postergação do pagamento de tributos federais desde que existente Decreto Estadual reconhecendo o estado de calamidade pública. Argumenta que tal condição encontra-se atendida em relação a todo o Estado de São Paulo, por força do Decreto Estadual nº 64.879. Pugna, assim, pelo provimento do recurso, para que seja reformada a sentença recorrida e concedida a segurança (ID 136319333).

Com contrarrazões (ID 136319338), vieram os autos a esta Corte Regional.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso para que seja afastada a extinção do processo sem resolução do mérito, bem como para que o feito retorne ao Juízo de origem (ID 140029003).

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006721-90.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: DIVERSEY BRASIL INDUSTRIA QUIMICA LTDA

Advogado do(a) APELANTE: ANA CAROLINA SCOPIN CHARNET - SP208989-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

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V O T O

 

A matéria devolvida ao exame desta Corte será examinada com base na fundamentação que passo a analisar topicamente.

Admissibilidade da apelação

Tempestivo, recebo o recurso em seus regulares efeitos (art. 1.012, caput, do Código de Processo Civil).

Da inépcia da inicial

Trata-se de mandado de segurança impetrado por “DIVERSEY BRASIL INDÚSTRIA QUÍMICA LTDA.”, cuja pretensão consiste na obtenção de provimento jurisdicional que assegure à Impetrante o direito à prorrogação do vencimento dos tributos federais e parcelamentos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil para o último dia útil do terceiro mês subsequente ao seu vencimento, nos termos da Portaria MF nº 12/2012.

Proferida sentença, foi indeferida a petição inicial, nos termos do art. 485, inc. I, do Código de Processo Civil, e denegada a segurança, na forma do art. 10, da Lei 12.016/2009, sob o entendimento de que o pedido deduzido na exordial mostra-se desprovido de fundamento legal e de que o feito demanda dilação probatória.

O recurso comporta provimento.

Como é cediço, a análise de inépcia da exordial restringe-se ao exame de sua regularidade formal, em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo art. 319, do Código de Processo Civil, bem como à observância das hipóteses previstas pelo art. 330, caput, inc. I e § 1º, do diploma processual civil, in verbis:

Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:

I - for inepta;

(...)

§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV - contiver pedidos incompatíveis entre si

Acerca das circunstâncias hábeis a ensejar a configuração de inépcia da inicial, esclarece a doutrina:

“O parágrafo primeiro do artigo em comentário é o responsável por elencar as situações nas quais a petição inicial será considerar inepta: falta de pedido ou causa de pedir; pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; pedidos incompatíveis entre si.

Somados às partes, o pedido e a causa de pedir compõem os elementos que identificam a ação, sendo exigência expressa do art. 319, III e IV, do Novo CPC a narração na petição inicial da causa de pedir e do pedido.

(...)

O inciso III do § 1º do art. 330 do Novo CPC inclui a elaboração de pedido genérico, quando for exigido o pedido determinado, como nova causa de inépcia da petição inicial.

(...)

A petição inicial deve conter uma ordem lógica entre os argumentos utilizados pelo autor e a conclusão a que chega quando formula seu pedido. Eventual incompatibilidade lógica gera o indeferimento da petição inicial.

(...)

Por fim, a petição inicial não poderá conter pedidos incompatíveis”.

(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 560)

No caso em tela, a partir da análise da exordial (ID 136318972), constata-se que se encontram presentes os requisitos pelo art. 319, do Código de Processo Civil, bem como estão expostos, de forma clara, o pedido e a causa de pedir, verificando-se ordem lógica entre os argumentos expendidos e a conclusão que fundamenta o pedido.

Não há que se falar, portanto, em vício que inviabilize o contraditório ou o julgamento da lide.

Consoante elucida a doutrina, não há inépcia da inicial quando, preenchidos os seus requisitos formais, mostrar-se possível a apreciação do pedido, a defesa do réu e a prestação jurisdicional. Por outro lado, havendo necessidade de esclarecimentos acerca do mérito, a questão deverá ser dirimida em sede de instrução processual:

“Art. 330: 4. ‘Não está obrigado o juiz a reconhecer desde logo a inépcia da petição inicial, se o tema objeto do litígio é dependente de melhor esclarecimento através da produção de provas’ (STJ-4ª t., REsp 3.048, Min. Barros Monteiro, j. 11.9.90m DJU 22.10.90).

Art. 330: 5. É inepta a petição inicial ininteligível (RT 508/205), salvo se, ‘embora singela, permite ao Réu responde-la integralmente’ (RSTJ 77/134), ‘inclusive quanto ao mérito’ (RSTJ 71/363), ou, embora ‘confusa e imprecisa, permite a avaliação do pedido’ (RT 811/249, JTJ 141/37).

(...)

‘Não há se falar em inépcia, se a petição inicial, ainda que não seja primorosa, não contém qualquer dos defeitos elencados no art. 295, § ún., do CPC’ (RT 807/326)”.

(NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 404)

No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial:

PROCESSO CIVIL. PETIÇÃO INICIAL. INÉPCIA AFASTADA. A petição inicial só deve ser indeferida, por inépcia, quando o vício apresenta tal gravidade que impossibilite a defesa do réu, ou a própria prestação jurisdicional. Recurso especial não conhecido.

(REsp 193.100/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, T3 - Terceira Turma, DJ 04.02.2002 p. 345) – g.n.

AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS. INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. DOCUMENTO NOVO. SOLUÇÃO PRO MISERO. CERTIDÃO DE CASAMENTO. 2ª VIA JUNTADA POSTERIORMENTE. CONTRADITÓRIO ATENDIDO. PEDIDO PROCEDENTE.

1. Tendo a autora indicado expressamente os dispositivos legais que a decisão rescindenda teria violado, podendo os fatos e fundamentos do seu pedido serem extraídos da leitura da peça inicial, deve ser afastada a preliminar de inépcia da petição aduzida pelo INSS.

(...)

(STJ, AR 3385/PR, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, S3 - Terceira Seção, DJe 09/09/2008) – g.n.

Ressalta-se, ainda, que, em observância ao princípio da primazia do mérito (art. 4º, do Código de Processo Civil), a atividade jurisdicional deve se nortear pelo primado da apreciação e julgamento do mérito, visando, sempre que possível, a uma prestação satisfativa dos direitos discutidos em juízo.

Por fim, cumpre anotar que a análise das condições ao recebimento da inicial deve ser realizada em abstrato, assumindo-se, em princípio, como verdadeiras as assertivas do demandante expendidas na inicial. Isso porque o direito de ação não se confunde com a titularidade do direito material reclamado, de modo que a análise da exordial deve ser feita em abstrato (in status assertionis), com base nas afirmações deduzidas pelo demandante. A cognição profunda acerca do direito material subjacente deverá ser reservada ao exame do mérito.

Tal entendimento consubstancia a adoção da teoria da asserção, a qual é amplamente acolhida pela jurisprudência. Confira-se:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONDIÇÕES DA AÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. STATUS ASSERTIONES. JULGAMENTO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE.

(...)

3. Sempre que a relação existente entre as condições da ação e o direito material for estreita ao ponto da verificação da presença daquelas exigir a análise deste, haverá exame de mérito.

4. Sob o prisma da teoria da asserção, se o juiz realizar cognição profunda sobre as alegações contidas na petição, após esgotados os meios probatórios, terá, na verdade, proferido juízo sobre o mérito da questão.

5. Negado provimento ao recurso especial.

(REsp 1.125.128/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, T3 - Terceira Turma, DJe 18/09/2012) – g.n.

No que tange à adequação da via eleita, verifica-se que, no caso, o deslinde do feito demanda, exclusivamente, análise de matéria de direito, que prescinde de dilação probatória, mostrando-se adequada, portanto, a veiculação da pretensão em sede de mandado de segurança.

Do imediato julgamento do mérito

O art. 1.013, § 3º, inc. I, do Código de Processo Civil, disciplina as hipóteses em que o tribunal deve decidir desde logo o mérito, quando o processo estiver em condições de imediato julgamento (teoria da causa madura).

No caso, inobstante se trate de hipótese de reforma de sentença proferida com fundamento no art. 485, do diploma processual civil, o processo não se encontra em condições de julgamento imediato, porquanto a autoridade impetrada sequer foi notificada a prestar informações nos autos, havendo o feito sido extinto liminarmente, mediante o indeferimento da inicial, razão pela qual impõe-se o retorno dos autos ao Juízo a quo.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular prosseguimento do feito.

É o voto.



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO DE APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA.  SUSPENSÃO DO PAGAMENTO E PRORROGAÇÃO DO VENCIMENTO DOS TRIBUTOS FEDERAIS. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. MORATÓRIA. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL AFASTADA. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.

1. A análise de inépcia da exordial restringe-se ao exame de sua regularidade formal, em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo art. 319, do Código de Processo Civil, bem como à observância das hipóteses previstas pelo art. 330, caput, inc. I e § 1º, do diploma processual civil.

2. Encontram-se presentes, no caso, os requisitos pelo art. 319, do Código de Processo Civil, bem como estão expostos, de forma clara, o pedido e a causa de pedir, verificando-se ordem lógica entre os argumentos expendidos e a conclusão que fundamenta o pedido. Não há que se falar, portanto, em vício que inviabilize o contraditório ou o julgamento da lide. Precedentes.

3. Em observância ao princípio da primazia do mérito (art. 4º, do Código de Processo Civil), a atividade jurisdicional deve se nortear pelo primado da apreciação e julgamento do mérito, visando, sempre que possível, a uma prestação satisfativa dos direitos discutidos em juízo.

4. O processo não se encontra em condições de julgamento imediato, porquanto a autoridade impetrada sequer foi notificada a prestar informações nos autos, havendo o feito sido extinto liminarmente, mediante o indeferimento da inicial, razão pela qual impõe-se o retorno dos autos ao Juízo a quo.

5. No que tange à adequação da via eleita, verifica-se que o deslinde do feito demanda, exclusivamente, análise de matéria de direito, que prescinde de dilação probatória, mostrando-se adequada, portanto, a veiculação da pretensão em sede de mandado de segurança.

6. Dado provimento ao recurso de apelação para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular prosseguimento do feito.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.