Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5355908-34.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: JOSE APARECIDO BOTASSIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE APARECIDO BOTASSIN

Advogado do(a) APELADO: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N

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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5355908-34.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: JOSE APARECIDO BOTASSIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE APARECIDO BOTASSIN

Advogado do(a) APELADO: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de atividades rural e especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

A sentença acolheu em parte o pedido para:

"A) reconhecer que o autor exerceu atividades especiais nos períodos compreendidos entre 20/10/1983 a 13/01/1987 e 25/05/1987 a 30/06/1989, 01/08/1989 a 12/12/1991; 05/05/1992 a 04/12/1993; 04/05/1998 a 13/11/1998; 04/04/2000 a 29/10/2001; 04/02/2002 a 30/10/2002; 23/01/2003 a 31/10/2003; 02/02/2004 a 18/11/2004; 01/02/2005 a 03/11/2005; 01/02/2006 a 17/11/2006; 22/01/2007 a 28/11/2007; 04/02/2008 a 01/12/2008; 24/04/2009 a 13/12/2009; 23/03/2010 a 05/11/2010; 21/03/2011 a 10/10/2011; 23/01/2012 a 13/11/2012 e 21/01/2013 a 14/11/2013; B) condenar a autarquia a conceder à parte autora o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, caso a medida preconizada no item “A” implique na existência de tempo suficiente ao benefício pleiteado, a partir do requerimento administrativo do benefício. Nesse caso, constatado o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, à vista da necessidade de subsistência da parte requerente, bem como do caráter alimentar do benefício, defiro a antecipação dos efeitos da tutela e determino a implantação do benefício no prazo de 45 dias. C) condenar o INSS ao pagamento das prestações vencidas, acrescidas de correção monetária pelo IPCA-E e de juros moratórios aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, conforme decisão relativa ao Tema 810, do E. STF. Por consequência, julgo resolvido o mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. À vista da sucumbência, arcará o INSS com o pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor total da condenação, calculados sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como interpretada nos Embargos de Divergência n. 195.520 - SP (3ª; Seção, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 22.09.99, DJU de 18.10.99, p. 207)".

Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual aduz, em síntese, a impossibilidade dos enquadramentos efetuados na condição de rurícola, porque a perícia indireta não pode se sobrepor ao conteúdo dos formulários patronais. Por cautela, pugnou por alteração no termo inicial dos efeitos financeiros e na correção monetária. Prequestionou, a final, a matéria para fins recursais.

A parte autora também recorreu, postulando o reconhecimento do trabalho agrícola executado entre 12/8/1977 e 3/5/1998, cuja soma aos demais períodos lhe garante a aposentadoria em foco.

Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5355908-34.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: JOSE APARECIDO BOTASSIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: ESTEVAN TOSO FERRAZ - SP230862-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOSE APARECIDO BOTASSIN

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V O T O

 

Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.

Passo à análise das questões trazidas a julgamento.

Do tempo de serviço rural

Segundo o artigo 55 e respectivos parágrafos da Lei n. 8.213/1991:

"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."

Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:

"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."

Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula n. 149.

Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, in DJ 19/12/2002)

No julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC/73, o Superior Tribunal de Justiça, examinando a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.

Ademais, consoante entendimento desta Nona Turma e do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade (STJ, AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ 9/9/2008).

Busca a parte autora o reconhecimento do labor rural entre 1977 e 1998.

No caso, há início de prova material presente na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do autor, na qual todos os vínculos empregatícios anotados,  que abarcam períodos intercalados entre 1982 e o ajuizamento da ação (2018), são relacionados a atividades campesinas (serviços braçais em estabelecimento agrícola, rurícola, trabalhador rural, cortador de cana, tratorista).

Por sua vez, os testemunhos, colhidos sob o crivo do contraditório, corroboraram o mourejo asseverado, sobretudo ao afirmarem a atividade agrícola do autor desde tenra idade.

Contudo, cumpre salientar que o possível trabalho rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação previdenciária em comento (24/7/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo demonstrado o labor rural, sem anotação em CTPS, nos interstícios de 12/8/1977 a 31/5/1982, de 16/6/1982 a 21/7/1982, de 4/5/1983 a 19/10/1983, de 14/1/1987 a 24/5/1987 e de 1º/7/1989 a 31/7/1989, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).

Do enquadramento de período especial

Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:

"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."

Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.

Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.

Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.

Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.

Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.

Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.

Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.

Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).

Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.

Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC/73, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).

Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).

Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.

Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.

Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.

Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.

No caso, em relação aos intervalos enquadrados, de 20/10/1983 a 13/1/1987 e de 25/5/1987 a 30/6/1989, depreende-se dos documentos coligidos aos autos (CTPS, CNIS, PPP), o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma (proferido nos autos n. 5062336-76.2018.4.03.9999), em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.

Sobre o tema, reporto-me a elucidativo artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.

Assim, afigura-se possível o enquadramento especial dessa atividade, seja em razão da extrema penosidade da função seja em razão da sujeição a agentes insalutíferos carcinogênicos.

No que concerne aos lapsos de 1º/8/1989 a 12/12/1991, de 5/5/1992 a 4/12/1993, de 4/5/1998 a 13/11/1998, de 4/4/2000 a 29/10/2001, de 4/2/2002 a 30/10/2002; 23/1/2003 a 31/10/2003; 2/2/2004 a 18/11/2004; 1º/2/2005 a 3/11/2005, de 1º/2/2006 a 17/11/2006, de 22/1/2007 a 28/11/2007, de 4/2/2008 a 1º/12/2008, de 24/4/2009 a 13/12/2009, de 23/3/2010 a 5/11/2010, de 21/3/2011 a 10/10/2011, de 23/1/2012 a 13/11/2012 e de 21/1/2013 a 14/11/2013, constato a presença de CTPS, formulários patronais e laudo pericial, produzido no curso da ação, asseverando o exercício das funções penosas de “tratorista” e "operador de máquina agrícola", com exposição habitual a ruídos acima dos limites de tolerância, fato que permite o reconhecimento da natureza especial, à luz dos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.

Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.

Em suma, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades acima referidas, cujos lapsos devem ser somados aos demais períodos incontroversos.

Da aposentadoria por tempo de contribuição

Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:

"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher."

Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:

"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do masculino."

Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.

Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer tempo, pleitear o benefício.

No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".

No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.

Ademais, patente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho, até o requerimento administrativo, confere à parte autora mais de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).

Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.

De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na citação, momento em que a autarquia teve ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.

Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade primária.

Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.

Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo.

Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.

A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.

Confira-se o seguinte trecho do voto:

“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário, devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim, para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”

Não obstante o entendimento acima sufragado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001, ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):

“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)

No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020; AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.

Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do benefício na data do requerimento administrativo (DER 27/1/2017).

Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal.

Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE n. 870.947).

Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.

Em razão da sucumbência, condeno o INSS a arcar com os honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e verbete da Súmula n. 111 do STJ.

Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (artigo 85, § 4º, II, do CPC).

Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

Os valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.

Diante do exposto, nego provimento ao apelo do INSS e dou provimento ao recurso da parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer o labor rural exercido de forma descontínua em relação aos interstícios de 12/8/1977 a 31/5/1982, de 16/6/1982 a 21/7/1982, de 4/5/1983 a 19/10/1983, de 14/1/1987 a 24/5/1987 e de 1º/7/1989 a 31/7/1989, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca; (ii) determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral na DER (27/1/2017); (iii) discriminar os consectários.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. ATIVIDADE RURAL SEM REGISTRO EM CTPS. PRESENÇA DE PROVA MATERIAL. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. CORTADOR DE CANA. AGROPECUÁRIA. TRATORISTA. RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. PPP. LAUDO PERICIAL. REQUISITOS ATENDIDOS NA DER. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA.

- À comprovação da atividade rural exige-se início de prova material corroborado por robusta prova testemunhal.

- É possível o reconhecimento do tempo rural comprovado desde os 12 (doze) anos de idade. Precedentes.

- O possível trabalho rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da legislação previdenciária em comento (24/7/1991), tem sua aplicação restrita aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural alegado.

- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.

- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.

- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).

- Depreende-se dos documentos coligidos aos autos (CTPS, CNIS, PPP), o exercício das funções de trabalhador rural no setor sucroalcooleiro (plantio, carpa, queima e colheita de cana-de-açúcar), atividade que comporta o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmado nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos.

- Nas funções de tratorista, os formulários patronais e laudo pericial indicam sujeição, habitual e permanente, a ruído acima dos limites de tolerância, autorizando o enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.

- Presente o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de trabalho confere à parte autora mais de 35 anos na DER, consoante compreensão jurisprudencial.

- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n. 870.947).

- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.

- Em razão da sucumbência, deve o INSS arcar com os honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já computada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e verbete da Súmula n. 111 do STJ.

- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.

- Apelação do INSS desprovida.

- Apelação da parte autora provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.