Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5332408-36.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: MARLI FERREIRA DIAS

Advogado do(a) APELANTE: SIMONE DA SILVEIRA - SP350899-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5332408-36.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: MARLI FERREIRA DIAS

Advogado do(a) APELANTE: SIMONE DA SILVEIRA - SP350899-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal Convocada Leila Paiva (Relatora):

Trata-se de apelação interposta por MARLI FERREIRA DIAS  contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos em ação proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença desde a cessação. Sem custas e honorários advocatícios ante a concessão dos benefícios da justiça gratuita (ID143337675).

Em suas razões recursais (ID143337684) requer a reforma da sentença para que lhe seja restabelecido o benefício de auxílio-doença.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5332408-36.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: MARLI FERREIRA DIAS

Advogado do(a) APELANTE: SIMONE DA SILVEIRA - SP350899-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal Convocada Leila Paiva (Relatora):

 

DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA

A cobertura da contingência invalidez/incapacidade permanente é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II - Da Seguridade Social, no artigo 201, inciso I, da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, in verbis:

 

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)”

 

Com efeito, a Reforma da Previdência de 2019 (EC nº 103/2019) modificou a denominação da invalidez para incapacidade permanente.

A Lei nº 8.213, de 24/07/1991, que estabelece o Plano de Benefícios da Previdência Social (PBPS), disciplina em seus artigos 42, caput, e 59, caput, as condições à concessão de benefícios por incapacidade, in verbis:

 

“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.”

 

“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.”

 

aposentadoria por invalidez, nos termos do artigo 42 do PBPS, é o benefício destinado ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.

auxílio-doença é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos, por motivo de doença ou em razão de acidente de qualquer natureza (artigos 59 a 63 da Lei de Benefícios).

Desse modo, o evento determinante para a concessão desses benefícios consiste na incapacidade para o trabalho.

Na hipótese de incapacidade temporária, ainda que de forma total e permanente, será cabível a concessão de auxílio-doença, o qual posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (caso sobrevenha incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se for extinta a incapacidade temporária e o segurado permanecer com sequela permanente que enseje a redução da sua capacidade laboral) ou cessado (quando ocorrer a cura do segurado).

São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência e a incapacidade laborativa.

1. O primeiro, consiste na qualidade de segurado, consoante o art. 15 da LBPS. É cediço que mantém a qualidade de segurado aquele que, ainda que esteja sem recolher as contribuições, preserve todos os seus direitos perante a Previdência Social, durante um período variável, ao qual a doutrina denominou "período de graça", de acordo com o tipo de segurado e a sua situação, conforme dispõe o art. 15 da Lei de Benefícios, in verbis:

 

“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;  (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.” 

 

Releva observar que o § 1º do art. 15 da Lei nº 8.213/1991 prorroga o período de graça por 24 meses àqueles que contribuíram por mais de 120 meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

Ademais, restando comprovado o desemprego do segurado, mediante registro perante o órgão próprio do Ministério de Trabalho ou da Previdência Social, os períodos do inciso II ou do § 1º do art. 15 da Lei de Benefícios serão acrescidos de mais 12 meses (art. 15, § 2°, da Lei n. 8.213/1991).

É evidente que a situação de desemprego deve ser comprovada, pela inscrição perante o Ministério do Trabalho (artigo 15, § 2º, da Lei n. 8.213/1991), ou por qualquer outro meio probatório (v.g., prova documental, testemunhal, indiciária etc.).

Importa esclarecer que, consoante o disposto no § 4º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, c/c o art. 14 do Decreto nº 3.048/99 (que aprova o Regulamento da Previdência Social – RPS), com a redação dada pelo Decreto nº 4.032/2001, a perda da qualidade de segurado ocorrerá no 16º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo estabelecido no art. 30, inciso II, da Lei nº 8.212/1991 para recolhimento da contribuição, ensejando, por conseguinte, a caducidade do direito pretendido, exceto na hipótese do § 1º do art. 102 da Lei nº 8.213/91, isto é, quando restar comprovado que a impossibilidade econômica de continuar a contribuir foi decorrente da incapacidade laborativa.

Frise-se que com o decurso do período de graça, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado apenas serão computadas para efeitos de carência após o recolhimento pelo segurado, a partir da nova filiação ao RGPS, conforme o caso, de, ao menos, 1/3 (um terço) do número de contribuições necessárias para o cumprimento da carência exigida para benefícios por incapacidade, ou seja, quatro contribuições (durante a vigência do art. 24, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91) ou metade deste número de contribuições (de acordo com o art. 27-A da Lei de Benefícios, incluído pela Lei nº 13.457/2017).

2. O segundo requisito diz respeito à carência de 12 (doze) contribuições mensais, consoante o disposto no art. 25 da Lei nº 8.213/1991, a saber:

 

“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

 I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”

 

No entanto, independe de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, assim como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das doenças elencadas no art. 151 da Lei de Benefícios, que dispõe:

 

“Art. 151.  Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)”

 

3. O terceiro requisito consiste na incapacidade para o trabalho de modo permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e na incapacidade temporária, por mais de 15 dias consecutivos (auxílio-doença).

Anote-se que para a concessão de benefícios por incapacidade é preciso a demonstração de que, ao tempo da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto se a incapacidade sobrevier em decorrência de progressão ou agravamento da doença ou da lesão.   

Estabelecem os artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, in verbis:

 

“Art. 42. (...)

§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.”

 

“Art. 59. (...)

§ 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)”

 

Logo, a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao RGPS não configura óbice à concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade decorrer de progressão ou agravamento da moléstia, ex vi do art. 42, § 2º, da Lei de Benefícios.

Na hipótese de ser reconhecida a incapacidade somente parcial para o trabalho, o magistrado deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença. Ademais, pode conceder auxílio-acidente, nos moldes do artigo 86 da Lei nº 8.213/1991, se a incapacidade parcial decorre de acidente de trabalho ou de qualquer natureza, ou ainda, de doença profissional ou do trabalho (art. 20, incisos I e II, da Lei de Benefícios).

A existência de incapacidade, total ou parcial, é reconhecida mediante realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, consoante o Código de Processo Civil. No entanto, o magistrado não está adstrito unicamente às conclusões periciais, podendo valer-se de outros elementos constantes dos autos para formar a sua convicção, tais como questões pessoais, sociais e profissionais.

Confira-se alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que dizem respeito a esse tema:

Súmula 47 da TNU: "Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez".

Súmula 53 da TNU: "Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social".

Súmula 77 da TNU: "O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual".

O art. 43, §1º, da Lei nº 8.213/1991 preceitua que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

Acrescente-se que em hipóteses específicas, quando demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa (grande invalidez), é possível, com supedâneo no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) ao valor da aposentadoria por invalidez.

 

DO CASO CONCRETO

No caso dos autos, a ação foi ajuizada visando a concessão da aposentadoria por invalidez ou do auxílio-doença.

Verifica-se que o principal requisito para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez não se encontra presente na espécie, na medida em que não resta comprovada a total e permanente incapacidade laborativa.

O laudo apresentado, em 19/09/2019, por sua vez, considerou a autora, nascida em 29/11/1977, cozinheira, parcial e temporariamente incapacitada em decorrência de Hérnia abdominal não especificada - CID 10: K46 (ID143337654).

 

“2. Doença, lesão ou deficiência diagnosticada por ocasião da perícia (com CID);

Resp.: CID 10: K46 - Hérnia abdominal não especificada.

 

O perito fixou a data de início da incapacidade em julho/2017.

Em resposta aos quesitos afirmou que a doença apresentada pela segurada é geradora de incapacidade parcial, temporária e multiprofissional. Referiu, ademais, a possibilidade de recuperação dentro de prazo previsível (cirurgia).

Vejamos:

 

Conclusão:

Devido idade e grau de enfermidade apresentada,a pericianda deve evitar esforço físico de médio e alta intensidade, até a data do procedimentos cirúrgico de herniorrafia.

Data do início da doença: julho de 2017.

Data do início da incapacidade: julho de 2017.

Portanto a perícia identificou incapacidade parcial e temporária para atividade laboral (multiprofissional/até realização da herniorrafia). A perícia não identificou incapacidade para realização de qualquer atividade habitual diária.”

 

É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 436 do CPC/1973 e do artigo 479 do CPC/2015. Contudo, no caso em tela, não foram acostados aos autos elementos com o condão de infirmar as conclusões do expert, razão pela qual há que se prestigiar a conclusão da prova técnico-pericial quanto à existência da incapacidade parcial e temporária apresentada pela parte autora.

Verifica-se que os demais requisitos para a concessão do benefício – qualidade de segurado e período de carência - também restam cumpridos. Ficou demonstrado nos autos que a autora estava em gozo de auxílio-doença (30/06/2017 a 05/04/2019).

Por conseguinte, considerando que a incapacidade ora constatada teve início em 2017 é devido o restabelecimento do auxílio-doença na data de sua cessação indevida, ocorrida em 06/04/2019, na medida em que o conjunto probatório dos autos permite concluir que a incapacidade laborativa advém desde então.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL. DATA DA CESSAÇÃO INDEVIDA DO AUXÍLIO-DOENÇA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "o termo inicial da concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez é o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, no caso de ausência de prévia postulação administrativa. Incidência da Súmula 83/STJ." (AgRg no AgRg no AREsp 813.589/MS, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 22/3/2016) 2. Agravo interno não provido.”

(AgInt no AREsp 915.208/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 19/12/2016) (grifei)

 

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. TERMO INICIAL NA DATA DA CESSAÇÃO INDEVIDA.

O benefício de auxílio-doença cessado indevidamente tem como termo inicial a data da cessação indevida, pois não constitui novo benefício, mas o restabelecimento de uma relação erroneamente interrompida.

Recurso especial a que se nega provimento.”

(REsp 704.004/SC, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2005, DJ 17/09/2007, p. 365) (grifei)

 

Por fim, cumpre analisar, in casu, a duração do auxílio-doença concedido, em face ao disposto nos §§ 8º e 9º do art. 60 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.457/2017. 

Observa-se que o perito atrelou a recuperação da capacidade laboral à realização de procedimento cirúrgico.

Desse modo, a ausência de informação, no presente feito, sobre o agendamento do procedimento cirúrgico, bem como diante da facultatividade de submissão à cirurgia, nos termos da parte final do caput do art. 101 da Lei nº 8.213/1991, mister fixar como termo de cessação do benefício o período de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação deste acórdão.

Esse período mínimo decorre da situação gerada pela pandemia da Covid-19, que dificulta o acesso a tratamento cirúrgico, bem como a fim de que a parte autora não seja surpreendida com a cessação súbita do benefício, sem oportunidade de possibilitar o pedido de sua prorrogação na eventualidade de manutenção dos males aqui observados. 

Quanto à possibilidade de percepção simultânea entre o benefício por incapacidade ora concedido e os proventos advindos do exercício de eventual atividade laborativa, devem ser observados os ditames estabelecidos pelo C. Superior Tribunal de Justiça no âmbito dos Recursos Especiais nº 1.786.590/SP e nº 1.788.700/SP, alçados ao regime de julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.013):

 

“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente

 

Passo à análise dos consectários.

 

Custas e despesas processuais

O INSS, como autarquia federal, é isento do pagamento de custas na Justiça Federal, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/1996. 

Da mesma forma, em face do disposto no artigo 1º, § 1º, da referida lei, combinado com o estabelecido pelo artigo 6º da Lei Estadual paulista nº 11.608, de 2003, também está isento nas lides aforadas perante a Justiça Estadual de São Paulo no exercício da competência delegada. 

Quanto às demandas aforadas no Estado de Mato Grosso do Sul, a isenção prevista nas Leis Estaduais sul-mato-grossenses nºs 1.135/91 e 1.936/98 foi revogada pela Lei Estadual nº 3.779/09 (art. 24, §§ 1º e 2º), razão pela qual cabe ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais naquele Estado.

Caberá à parte vencida arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC. 

 

Consectários legais

Aplica-se aos débitos previdenciários a súmula 148 do C.STJ: "Os débitos relativos a benefício previdenciário, vencidos e cobrados em juízo após a vigência da Lei nº 6.899/81, devem ser corrigidos monetariamente na forma prevista nesse diploma legal”. (Terceira Seção, j. 07/12/1995)

Da mesma forma, incide a súmula 8 deste E. Tribunal: “Em se tratando de matéria previdenciária, incide a correção monetária a partir do vencimento de cada prestação do benefício, procedendo-se à atualização em consonância com os índices legalmente estabelecidos, tendo em vista o período compreendido entre o mês em que deveria ter sido pago, e o mês do referido pagamento".

a) Juros de mora

A incidência de juros de mora deve observar a norma do artigo 240 do CPC de 2015, correspondente ao artigo 219 do CPC de 1973, de modo que são devidos a partir da citação, à ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02; após, à razão de 1% ao mês, por força do art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), de acordo com a remuneração das cadernetas de poupança, conforme determinado na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).

b) Correção monetária

Há incidência de correção monetária na forma da Lei n. 6.899, de 08/04/1981 e da legislação superveniente, conforme preconizado pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante os precedentes do C. STF no julgamento do RE n. 870.947 (Tema 810), bem como do C. STJ no julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905).

c) Honorários advocatícios

Fixo os honorários em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC/2015.

Os honorários advocatícios, conforme a Súmula 111 do C. STJ, incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; porém, tendo em vista que a pretensão do requerente apenas foi deferida nesta sede recursal, a condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente decisão.

 

Tutela Provisória

Tratando-se de prestação de natureza alimentar, concedo a antecipação da tutela para a imediata implantação dos benefícios, com fundamento nos artigos art. 300 c/c art. 497 do CPC/2015. Determino a remessa desta decisão à Autoridade Administrativa, por meio eletrônico, para cumprimento da ordem judicial no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária. 

Comunique-se.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, dou provimento à apelação.

É como voto. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA.  RESTABELECIMENTO. TUTELA PROVISÓRIA.

1. Constituem requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: (I) a qualidade de segurado; (II) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida; e (III) a incapacidade para o trabalho de modo permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e a incapacidade temporária, por mais de 15 dias consecutivos (auxílio-doença), assim como a demonstração de que, ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), o segurado não apresentava a alegada doença ou lesão, salvo na hipótese de progressão ou agravamento destas.

2. A existência de incapacidade, total ou parcial, é reconhecida mediante realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, consoante o Código de Processo Civil. No entanto, o magistrado não está adstrito unicamente às conclusões periciais, podendo valer-se de outros elementos constantes dos autos para formar a sua convicção, tais como questões pessoais, sociais e profissionais.

3. No caso concreto, a perícia médica judicial constatou a incapacidade laborativa parcial e temporária da segurada, desde a cessação do auxílio-doença anteriormente concedido, com possibilidade de recuperação dentro de prazo previsível.

4. Nesse panorama, preenchidos os demais requisitos legais, é devido o restabelecimento do auxílio-doença desde a cessação indevida. 

5. Quanto à DCB, a ausência de informação sobre o agendamento do procedimento cirúrgico, bem como diante da facultatividade de submissão à cirurgia, nos termos da parte final do caput do art. 101 da Lei nº 8.213/1991, mister fixar como termo de cessação do benefício o período de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação deste acórdão, a fim de que a parte autora não seja surpreendida com a cessação imediata do benefício sem possibilitá-la solicitar sua prorrogação na eventualidade de manutenção dos males aqui observados. 

6. Esse período mínimo decorre da situação gerada pela pandemia da Covid-19, que dificulta o acesso a tratamento cirúrgico, bem como a fim de que a parte autora não seja surpreendida com a cessação súbita do benefício, sem oportunidade de possibilitar o pedido de sua prorrogação na eventualidade de manutenção dos males aqui observados. 

7. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.