APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020497-34.2009.4.03.6100
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO
Advogado do(a) APELADO: LUIZ DUARTE DE OLIVEIRA - SP88631-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020497-34.2009.4.03.6100 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELADO: LUIZ DUARTE DE OLIVEIRA - SP88631-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Trata-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela UNIÃO FEDERAL nos autos destas duas ações civis públicas reunidas por conexão (nº 0020497-34.2009.403.610 e nº 0018915-62.2010.403.6100). A ação civil pública 0020497-34.2009.403.6100 foi ajuizada pelo Parquet Federal contra os ora recorrentes e também contra o Estado de São Paulo, objetivando, em suma, provimento judicial que condene a União a promover a inclusão de insulinas análogas e dos insumos necessários para a sua aplicação, na lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS, e que condene os réus, de forma solidária, à publicação da sentença definitiva a ser proferida neste feito nos jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo um deles domingo; pleiteia-se, ainda, a confirmação do pedido de tutela antecipada, no sentido de que os réus sejam condenados a fornecer a todos os pacientes usuários do Sistema Único de Saúde - SUS portadores de diabetes mellitus tipos 1 e 2, em especial os pacientes Thiago Floriano Piplógo Maycom André Ventura dos Santos, Alan Gabriel de Azevedo, Mariana Nascimento Galindo, Rodrigo de Souza Lopes e Amauri César Froner, o amplo e irrestrito acesso aos serviços médicos necessários, com seu integral e efetivo tratamento e, notadamente, o fornecimento das insulinas análogas de que necessitam - Glargina (Lantus), Determir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid), e dos insumos necessários para suas aplicações, em regime de gratuidade, comprovada a necessidade mediante prescrição médica. O pedido de tutela antecipada foi, inicialmente, desacolhido. Interposto agravo de instrumento, este C. Tribunal determinou a produção de prova pericial e nova apreciação do pleito de urgência. Cumprida tal decisão com a elaboração e juntada de laudo pericial, o MM. Juízo a quo novamente indeferiu a tutela provisória. Oferecido outro agravo de instrumento, esta E. Corte Regional deferiu parcialmente a antecipação da tutela recursal, a fim de determinar o fornecimento dos insumos e medicamentos necessários aos pacientes Thiago Floriano Piologo, Maycom André Ventura dos Santos, Alan Gabriel de Azevedo, Mariana Nascimento Galindo, Rodrigo de Souza Lopes e Amauri César Froner (fls. 1613/1615). A ação civil pública 0018915-62.2010.403.6100, por sua vez, também promovida pelo MPF, tem por escopo obter provimento judicial que determine sejam disponibilizadas no Sistema Único de Saúde - SUS, gratuitamente, agulhas de 5 (cinco) milímetros de comprimento e canetas aplicadoras de insulina, bem como a insulina Glargina, para todas as crianças e adolescentes que não tenham condições de adquiri-las, e que delas necessitam para a garantia de suas vidas e saúde. O pedido de tutela antecipada foi deferido, o que cassado mediante concessão de efeito suspensivo e posterior provimento de agravo de instrumento manejado contra tal decisão (fls. 320/322, 324/327, 704/705 e 709/709-v). A r. sentença (vol. 12, fls. 2.354/2.390), após instrução probatória, jugou o feito na seguinte conformidade: a) parcialmente procedentes os pedidos formulados na ACP 0020497-34.2009.403.610, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil de 2015, no sentido de determinar que os réus forneçam, gratuitamente, a Thiago Floriano Piologo, Maycom André Ventura dos Santos, Alan Gabriel de Azevedo, Mariana Nascimento Galindo, Rodrigo Souza Lopes e Amauri César Froner os medicamentos e insumos necessários ao tratamento de sua doença, conforme prescrição médica, na quantidade e periodicidade indicada individualmente, de forma contínua, regular e ininterrupta, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), confirmando-se, assim, a antecipação de tutela concedida, às fls. 1613/1614, por este C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em sede de Agravo de Instrumento; b) improcedentes os pedidos deduzidos na ACP 0018915-62.2010.403.6100, extinguindo a demanda com resolução de mérito, nos moldes no art. 485, I, do CPC/2015. Apelação do MPF, pela qual, preliminarmente, reiterou os termos do agravo retido interposto às fls. 2.291/2.295 em face da decisão que indeferiu produção de outras provas por ele requeridas e encerrou a instrução processual. Quanto ao mérito, alegou, em suma, que a r. sentença não observou integralmente os preceitos normativos e constitucionais sobre o tema em baila, precipuamente no que diz respeito ao direito de devido e amplo acesso ao serviço público de saúde e aos medicamentos necessários ao tratamento das patologias indicadas e à conservação da dignidade das pessoas envolvidas. Postulou, assim, a reforma parcial da r. sentença, para o fim de condenar: i) a União a promover a inclusão de insulinas análogas e dos insumos necessários para sua aplicação na lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS; ii) a União e o Estado de São Paulo, de forma solidária, a publicar a sentença definitiva nos jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo um deles domingo; e c) a União e o Estado de São Paulo a fornecer, solidariamente, a todos os pacientes usuários do SUS com diabetes mellitus tipos 1 e 2 o amplo e irrestrito acesso aos serviços médicos necessários, com seu integral e efetivo tratamento, e, notadamente, o fornecimento das insulinas análogas de que necessitam - Glargina (Lantus), Detemir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid) - e dos insumos necessários para suas aplicações, em regime de gratuidade, se comprovada a necessidade mediante prescrição médica (id. 113831450, fls. 2.396/2.406-v). Apelação da UNIÃO, requerendo, em síntese, a reforma parcial da r. sentença, especificamente no que diz respeito à concessão de insulina análoga aos substituídos elencados na inicial, condenando-se a parte autora nas verbas de sucumbência (id. 113831450, fls. 2.419/2.432). Contrarrazões oferecidas pela UNIÃO (id. 113831450, fls. 2.408/2.418), pelo MPF (fls. 2.438/2.448) e pelo Estado de São Paulo (fls. 2.454/2.471). Sobreveio a remessa dos autos a esta E. Corte Regional. O Ministério Público Federal com atribuição nesta instância ofereceu parecer, assim ementado (id. 113831451, fls. 2.554/2.581): “DIREITO À SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS (INSULINAS ANÁLOGAS) E INSUMOS, BEM COMO INCLUSÂO DOS MESMOS NA LISTA DE MEDICAMENTOS DO SUS. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, PARA GARANTIR O FORNECIMENTO APENAS AOS PACIENTES EXPRESSAMENTE REFERIDOS NA INICIAL, NEGANDO A INCLUSÃO NA LISTA DO SUS E O FORNECIMENTO GENÉRICO A TODAS AS DEMAIS PESSOAS QUE SE ENCONTREM NA MESMA SITUAÇÃO. APELAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA UNIÃO FEDERAL. A incorporação de insulinas análogas ao SUS é medida com amparo no sistema normativo constitucional e legal, que consagra os princípios da igualdade, universalidade e integralidade. A reserva do possível não pode atingir o mínimo existencial e o núcleo essencial do direito à saúde. Há pessoas que realmente necessitam das insulinas análogas, como, por exemplo, aquelas com diabetes mellitus que já tenham frito uso das insulinas comuns e não obtiveram resultados satisfatórios, mantendo níveis glicêmicos instáveis com risco de hipoglicemia grave, ou que tenham alergia às insulinas comuns. A Procuradoria Regional da República manifesta-se: 1) Pelo conhecimento e provimento do agravo retido de fls. 2.291/2.295, anulando-se a sentença para que a instrução processual seja reaberta; 2) ou preferencialmente, mediante a aplicação do art. 282, § 2°, do NCPC, pelo não conhecimento do apelo da União Federal, e, na improvável hipótese contrária, pelo seu desprovimento, bem como pelo: 2.1) provimento integral do apelo do Ministério Público Federal, para o fim de condenar: a) União a promover a inclusão de insulinas análogas e dos insumos necessários para sua aplicação na lista de medicamentos disponibilizados pelo SUS; b) a União e o Estado de São Paulo, de forma solidária, a publicar a sentença definitiva nos jornais de maior circulação em âmbito nacional, estadual e local, em três dias alternados, sendo um deles domingo; e c) a União e o Estado de São Paulo a fornecer, solidariamente e em regime de gratuidade, as insulinas análogas Glargina (Lantus), Detemir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid) e os insumos necessários para suas aplicações, a todos os pacientes usuários do SUS com diabetes mellitus tipos 1 e 2 que, mediante prescrição médica, comprovem necessitar das mesmas, a exemplo daqueles que são alérgicos às insulinas regulares ou que já fizeram uso das mesmas e ainda assim continuaram com índices glicêmicos instáveis com risco de hipoglicemia grave, mediante prescrição médica; ou 2.2) Subsidiariamente, na improvável hipótese de não ser dado provimento integral na forma acima requerida no item 2.1, requer o provimento parcial do apelo ministerial, acrescentando-se apenas a exigência de que a prescrição do medicamento seja subscrita por médico do SUS”. Pela decisão às fls. 2.598, foi determinado o sobrestamento do feito, em razão de decisum proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 1.657.156, ordenando seja suspensa a tramitação dos processos que versem sobre a obrigatoriedade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria 2.982/2009 do Ministério da Saúde (programa de Medicamentos Excepcionais). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020497-34.2009.4.03.6100 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. DIVA MALERBI APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELADO: LUIZ DUARTE DE OLIVEIRA - SP88631-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O "EMENTA: APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO LISTADOS PELO SUS. POSSIBILIDADE AOS QUE INDIVIDUALMENTE COMPROVARAM NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DE NECESSIDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO GENERALIZADA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Por aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65, a parcela da sentença que não acolheu integralmente os pedidos formulados nestas ações civis públicas está sujeita a remessa necessária, consoante pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1220667/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe: 30/06/2017). 2. Desnecessárias as provas descritas pelo Ministério Público Federal em agravo retido, uma vez que esta demanda, além de instruída com substanciosa prova documental, conta com dois laudos periciais elaborados por especialistas na controvérsia. 3. Pelas duas ações civis públicas reunidas por conexão, objetiva o MPF, em suma, o fornecimento de medicamentos análogos atualmente não disponibilizados pelo SUS – notadamente Glargina (Lantus), Determir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid) e os insumos correspondentes - necessários ao tratamento de pacientes acometidos de diabetes mellitus tipos 1 e 2, tanto às pessoas nominalmente especificadas na inicial como também para todos os pacientes em geral que deles necessitem pelo sistema público. 4. A sentença acolheu parcialmente os pedidos iniciais, para determinar que os réus forneçam, gratuitamente às pessoas listadas nas ações, os medicamentos e insumos supracitados, julgando, por outro lado, improcedente o pleito para que tais fármacos ingressem na atual política pública de tratamento da diabetes melittus. 4. Com efeito, os relatórios e estudos anexados aos autos sobre tal questão, mormente os que antecederam a definição da política pública do SUS acerca do tratamento da diabetes mellitus, assim como a prova pericial produzida na fase instrutória, concluíram que os tratamentos atualmente disponibilizados pelo sistema público não possuem desvantagens em relação ao ora postulado pelo MPF. 5. A prova documental e pericial coligida registrou, também, que conquanto não haja exista justificativa que ampare o pleito de acesso universal aos fármacos indicados pelo MPF, em detrimento ou em complementariedade aos já disponibilizados pelo SUS, mostra-se recomendável que as pessoas listadas nesta ação continuem a recebê-los, tendo em vista a excepcionalidade de seus casos. 6. Ademais, há fato novo a ser considerado, uma vez que, com a superveniência do decidido pelo E. STJ no RE 1.657.156/RJ, sob a sistemática dos repetitivos, resta sedimentada a obrigatoriedade de que a administração forneça medicamentos não listados em ato normativo do SUS, se demonstradas, além da hipossuficiência do interessado, a efetiva imprescindibilidade do remédio (mediante prescrição médica) e o respectivo registro na ANVISA, o que, essencialmente, coincide com a postulação formulada pelo MPF nestes autos. 7. Nega-se provimento ao agravo retido do MPF e às apelações interpostas pelo Parquet e pela União". A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se das irresignações. Da remessa necessária Registra-se, inicialmente, que por aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), a parcela da sentença que não acolheu integralmente os pedidos formulados nestas ações civis públicas está sujeita a remessa necessária, consoante pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1220667/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe: 30/06/2017). Do agravo retido Preenchidos os requisitos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, vigente quando da prolação da interlocutória ora recorrida, passa-se à análise do agravo retido interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL às fls. 2.291/2.295. Referido agravo, por sinal, tem por objetivo reformar decisão que encerrou a instrução processual e negou a produção de outras provas requeridas pelo MPF, assim redigida (fls. 2.275/2.276): "[...] as perícias necessárias à elucidação dos falos já foram realizadas por força de determinação do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de forma que outras provas nos moldes requeridos pelas partes desborda, em muito, o objeto da presente lide, na medida que as eventuais discussões ingressariam no âmbito das pesquisas científicas destinadas a descobrir quais os melhores caminhos para a cura ou, pelo menos, para minimizar a moléstia que aflige os representados. Além disso, não se afigura necessário ouvir o Senhor Perito Médico, que já expôs detalhadamente a utilização da medicação, não apontando nenhum impeditivo médico para a sua prescrição até porque, a eventual discussão sobre o estado da ciência sobre a matéria demandaria que este Juízo nomeasse outro perito médico com a finalidade de auxiliar na condução da discussão, se esta alcançar a tecnicidade que os questionamentos biológicos/científicos impõem. Deste modo, indefiro a designação de audiência de instrução, requerida pelo Ministério Público Federal e pelo Estado de São Paulo ". O Parquet Federal, todavia, insiste pela necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento, para fins de oitiva de três pacientes e de Cláudia Regina Filatro (presidente da ONG Pró-Crianças e jovens Diabéticos), bem como que o médico Lucas Vilhena de Moraes, perito autor do laudo pericial já anexado aos autos, seja intimado para prestar esclarecimentos nessa audiência, sendo requerido, ainda, a expedição de oficio à Sociedade Brasileira de Diabetes para fins de indicação de um médico que possa prestar esclarecimentos, na mesma audiência, sobre a diabetes mellitus tipos 1 e 2 e as questões versadas nos autos. Em que pese o sustentado, não assiste razão ao agravante. Ressalta-se que o indeferimento de realização de prova não configura, por si só, cerceamento do direito de defesa ou de ação, e nem tampouco violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mormente havendo nos autos elementos suficientes para o julgamento da demanda. Assim, a questão do deferimento de uma determinada prova depende de avaliação do magistrado, prevendo o artigo 370, parágrafo único, do CPC/2015, a possibilidade de indeferimento das diligências inócuas e protelatórias. É dizer: cabe ao juiz, a quem compete a direção do processo, decidir sobre a conveniência ou não de uma prova, eis que é o respectivo destinatário. A presente ação civil pública, a seu turno, para além de substanciosa prova documental anexada pelas partes, já conta com dois laudos periciais elaborados na fase instrutória, o primeiro de lavra do professor titular de endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina) Dr. Antonio Roberto Chacra (fls. 1.545) e o segundo confeccionado pelo médico Dr. Lucas Vilhena de Moraes (fls. 2.176/2.187), tendo ambas as perícias tratado de forma específica sobre os fármacos indicados pelo MPF e os respectivos efeitos e eficácia, tanto em relação aos substituídos nesta demanda como no tratamento geral da diabetes mellitus tipos 1 e 2. A bem ver, a insatisfação com os referidos laudos não está, propriamente, em suposta deficiência ou incompletude, mas sim, nas correspondentes conclusões, que não harmonizam integralmente com as teses formuladas pelo Parquet ao longo desta ação civil pública, o que, por si só, não justifica o alargamento da atividade probatória e nem tampouco ampara tese de nulidade por cerceamento do direito de ação. Por esses motivos, nega-se provimento ao agravo retido. Do mérito das ações civis públicas Pelas duas ações civis públicas reunidas por conexão, objetiva o MPF, em suma, o fornecimento de medicamentos análogos atualmente não disponibilizados pelo SUS – notadamente Glargina (Lantus), Determir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid) e os insumos correspondentes - necessários ao tratamento de pacientes hipossuficientes acometidos dediabetes mellitus tipos 1 e 2, tanto às pessoas nominalmente especificadas na inicial como também para todos os pacientes em geral que, mediante prescrição médica, deles necessitem pelo sistema público. Há que se fazer o devido enquadramento das duas situações expostas nos autos. O MPF, ao pretender a concessão do medicamento aos pacientes nominalmente apontados, age em defesa de direito individual indisponível, para o que está devidamente legitimado, consoante decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça no Resp 1.682.836, sob o rito dos recursos repetitivos, onde firmada a seguinte tese: "O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)" (Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 30/4/2018) Todavia, ao pleitear e extensão da condenação do fornecimento dos remédios análogos a todos os portadores de diabetes melittus que possuam específica prescrição médica, o Parquet atua em defesa de direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (art. 81, III, da Lei 8078/90). Já em relação à matéria de fundo tratada na demanda, a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.657.156/RJ, representativo de controvérsia (art. 1.036 do CPC/2015, Tema 106), firmou entendimento no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento." Outrossim, o C. STJ, ao modular os efeitos do referido julgamento, pois vinculativo (art. 927, inciso III, do CPC/2015), decidiu que "os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do presente julgamento." (trecho do acórdão publicado no DJe de 04.05.2018); e que, tratando-se de ação distribuída antes de 05/04/2018, não são exigíveis os requisitos estipulados no REsp 1.657.156/RJ. No caso, cuida-se de demandas ajuizadas antes de 05/04/2018, versando sobre medicamentos registrados na ANVISA mas não incorporados ao SUS, referentes a tratamento de diabetes mellitus tipos 1 e 2, inexistindo submissão, portanto, ao que decidido no RE 1.657.156/RJ. A propósito, o E. Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no sentido de que "apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. " (ARE 870174, Rel. Min. Roberto Barroso, p. em 20/03/2015). In casu, portanto, se mostrava imperiosa a comprovação que os fármacos indicados pela parte autora são essenciais para o tratamento da patologia a eles relacionada, de forma a se impor que passem a ser disponibilizados pelo SUS de forma geral. Em que pese o sustentado pelo MPF, a presente demanda restou instruída com parecer técnico confeccionado pela então Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, informando que os medicamentos pleiteados não se encontram padronizados pelo Ministério da Saúde. Referido parecer apontou, ainda, que comparadas as insulinas glargina e detemir, pleiteadas nesta ação, e a disponibilizada pelo SUS (NPH), constatou-se que apresentam “perfil de eficácia e segurança comparável", bem como que "as evidências disponíveis não permitem identificar nenhuma vantagem da insulina glargina e a determir frente à insulina NPH em relação à eficácia, segurança e comodidade" e que “as insulinas análogas lispro e asparte exibiram apenas um benefício mínimo para a maioria dos pacientes diabéticos, em comparação à insulina humana regular" (fls. 1442/1.443). Foi anexado aos autos, ainda, Formulário Terapêutico Nacional, cujos estudos concluíram que, após levantamento de pesquisas mundiais sobre as insulinas, até 2008, não há evidências de redução total da mortalidade e morbidade (complicações) com o uso de insulinas análogas em comparação às insulinas convencionais (fls. 1.452/1.454). Tal conclusão, por sinal, é condizente com as alegações do Estado de São Paulo, no sentido de que as insulinas análogas têm indicação terapêutica, porém restrita, com vistas a atender situações em que o paciente, comprovadamente, por meio de monitoramento constante da glicemia e restrição dietética, não consegue controlar os níveis glicêmicos mediante o emprego das insulinas humanas convencionais (NPH e Regular, fls. 1.454). O Estado de São Paulo defende, mais, que disponibiliza pela via administrativa própria para os pacientes que necessitam de dispensação os remédios não contemplados na padronização do SUS, desde que demonstrado tecnicamente, por prescrição médica, que as terapias já postas à disposição não se mostram úteis ou eficazes (fls. 1.455). Nesse esteira, é de se ter presente, também, que, em decisão prolatada no Agravo de Instrumento 2009.03.00.036472-2/SP, a E. Relatora que me antecedeu deferiu parcialmente efeito ativo, determinando a reapreciação do indeferimento da tutela antecipada após a realização, por perito especialista médico, de avaliação acerca da “eficácia dos medicamentos em si e diante do estado clínico dos pacientes”. Foi nomeado como perito, assim, o Dr. Antonio Roberto Chacra, titular da disciplina de endocrinologia da UNIFESP, que apresentou laudo às fls. 1.541, cuja conclusão foi assim resumida na r. sentença (fls. 2.382): “[...] Em seu parecer (cuja reprodução de alguns fragmentos se faz necessária), o profissional esclarece que "as insulinas fornecidas pelo SUS atualmente são de excelente qualidade (insulina humana NPH e insulina humana regular)"; que "a maioria dos pacientes podem ser tratados com estas insulinas, desde que bem orientados por especialistas (..)"; que "os análogos da insulina somente devem ser utilizados em pacientes que apresentem diabetes extremamente instável com risco de hipoglicemias graves"; que "cada caso deve ser individualizado, analisando-se o benefício do eventual uso destes análogos"; que não se vê "nenhuma justificativa para extensão destas medicações (análogos) para toda população de pacientes com diabetes"; que, "no Centro de Diabetes da UNIFESP, a percentagem e pacientes em uso de análogos é pequena"; e que "a grande maioria, se forem adequadamente tratados, podem atingir as metas consideradas de bom controle com o uso das insulinas humanas já fornecidas pelo SUS". (destaquei) [...]” O art. 7º, VII, da Lei 8.080/90, dispõe que as ações e serviços públicos de saúde são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição da República, obedecendo, entre o mais, o preceito da utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática. Possível concluir, assim, que levado esse específico tema à discussão administrativa e técnico-científica, que obrigatoriamente antecede a definição dos procedimentos a serem adotados pelo SUS, foram indicadas outras substâncias que deveriam ser disponibilizadas para o tratamento da diabetes mellitus, sendo ainda definido, com segurança, que as insulinas fornecidas pelo SUS e as pleiteadas no presente feito possuem eficácia similar, e que, em alguns casos, o uso de insulinas análogas propicia reações outras que podem não ser vantajosas. Não há, portanto, seguros demonstrativos de que os fármacos indicados pelo Parquet propiciam, de forma generalizada, relevante vantagem ao tratamento da patologia ora sob discussão, de modo a amparar, por imposição judicial, revisão e alteração da política pública de fornecimento de medicamentos já integrantes de lista do SUS. Com efeito, a intervenção judicial para o fornecimento de medicamentos não disponibilizados diretamente pelo poder público deve pautar-se pela cautela e pela aferição de absoluta necessidade, uma vez que tem o potencial de interferir em situações sensíveis, como o princípio da independência e separação dos poderes e questões orçamentárias. Todavia, e assim como explicado na r. sentença, outra solução é de ser dada aos pacientes Thiago Floriano Piplógo Maycom, André Ventura dos Santos, Alan Gabriel de Azevedo, Mariana Nascimento Galindo, Rodrigo de Souza Lopes e Amauri César Froner, substituídos processuais, uma vez que todos os relatórios médicos, bem como os laudos periciais, atestam que eles efetivamente necessitam do uso das substâncias análogas para o tratamento da diabetes mellitus. Ademais, há fato novo a ser considerado, uma vez que, com a superveniência do decidido no RE 1.657.156/RJ, resta sedimentada a obrigatoriedade de que a administração forneça medicamentos não listados em ato normativo do SUS, se demonstradas, além da hipossuficiência do interessado, a efetiva imprescindibilidade do remédio (mediante prescrição médica) e o respectivo registro na ANVISA, o que, essencialmente, coincide com a postulação formulada pelo MPF nestes autos. Impõe-se, portanto, a manutenção da r. sentença, também pelos respectivos e apropriados fundamentos. Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo retido interposto pelo MPF e às apelações apresentadas pelo Parquet e pela União. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO LISTADOS PELO SUS. POSSIBILIDADE AOS QUE INDIVIDUALMENTE COMPROVARAM NECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DE NECESSIDADE DE DISPONIBILIZAÇÃO GENERALIZADA. SENTENÇA MANTIDA.
1. Por aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65, a parcela da sentença que não acolheu integralmente os pedidos formulados nestas ações civis públicas está sujeita a remessa necessária, consoante pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1220667/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe: 30/06/2017).
2. Desnecessárias as provas descritas pelo Ministério Público Federal em agravo retido, uma vez que esta demanda, além de instruída com substanciosa prova documental, conta com dois laudos periciais elaborados por especialistas na controvérsia.
3. Pelas duas ações civis públicas reunidas por conexão, objetiva o MPF, em suma, o fornecimento de medicamentos análogos atualmente não disponibilizados pelo SUS – notadamente Glargina (Lantus), Determir (Levemir), Lispro (Humalog) ou Aspart (Novorapid) e os insumos correspondentes - necessários ao tratamento de pacientes acometidos de diabetes mellitus tipos 1 e 2, tanto às pessoas nominalmente especificadas na inicial como também para todos os pacientes em geral que deles necessitem pelo sistema público.
4. A sentença acolheu parcialmente os pedidos iniciais, para determinar que os réus forneçam, gratuitamente às pessoas listadas nas ações, os medicamentos e insumos supracitados, julgando, por outro lado, improcedente o pleito para que tais fármacos ingressem na atual política pública de tratamento da diabetes melittus.
4. Com efeito, os relatórios e estudos anexados aos autos sobre tal questão, mormente os que antecederam a definição da política pública do SUS acerca do tratamento da diabetes mellitus, assim como a prova pericial produzida na fase instrutória, concluíram que os tratamentos atualmente disponibilizados pelo sistema público não possuem desvantagens em relação ao ora postulado pelo MPF.
5. A prova documental e pericial coligida registrou, também, que conquanto não haja exista justificativa que ampare o pleito de acesso universal aos fármacos indicados pelo MPF, em detrimento ou em complementariedade aos já disponibilizados pelo SUS, mostra-se recomendável que as pessoas listadas nesta ação continuem a recebê-los, tendo em vista a excepcionalidade de seus casos.
6. Ademais, há fato novo a ser considerado, uma vez que, com a superveniência do decidido pelo E. STJ no RE 1.657.156/RJ, sob a sistemática dos repetitivos, resta sedimentada a obrigatoriedade de que a administração forneça medicamentos não listados em ato normativo do SUS, se demonstradas, além da hipossuficiência do interessado, a efetiva imprescindibilidade do remédio (mediante prescrição médica) e o respectivo registro na ANVISA, o que, essencialmente, coincide com a postulação formulada pelo MPF nestes autos.
7. Nega-se provimento ao agravo retido do MPF e às apelações interpostas pelo Parquet e pela União.