APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000605-87.2011.4.03.6127
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: PAULO SERGIO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GALANTE - SP229123-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000605-87.2011.4.03.6127 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: PAULO SERGIO DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GALANTE - SP229123-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de apelação interposta pela defesa de PAULO SÉRGIO DOS SANTOS contra a r. sentença (id. 152487100- pp. 130/138), por meio da qual o ora apelante restou condenado à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa fixados no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto nos artigos 168-A, § 1º, inciso I, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade e uma pena de prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos, ambas a serem especificadas pelo Juízo da Execução Penal. Narrou a denúncia (id. 152487100- pp. 3/7): "PAULO SÉRGIO DOS SANTOS, na condição de responsável pela administração da pessoa jurídica "Santos & Santos Conservação Ltda." (CNPJ nº 03.555.933/0001-33), [...] deixou de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas à Previdência Social descontadas de pagamentos efetuados aos segurados empregados da empresa, referentes às competências de abril de 2004, março a maio de 2006, novembro de 2006 e décimo terceiro salário de 2006, bem como as contribuições destinadas à Previdência Social descontadas de pagamentos efetuados a contribuinte individual (a saber: pagamentos ao sócio administrador da pessoa jurídica, a título de pro labore), referente às competências de maio de 2004 a março de 2005, de maio a outubro de 2005, agosto e outubro de 2006 e de abril a junho de 2007, ficando incurso, por vinte e oito vezes, nas penas do art. 168-A, §1º, do Código Penal, seis vezes em concurso material (art. 69 do mesmo Codex) e doze em continuidade delitiva (artigo 71)." Segundo a acusação, tais fatos foram apurados em processo administrativo fiscal que redundou na lavratura do Auto de Infração nº 37.223.776-2. Consta, ainda, que o crédito tributário foi definitivamente constituído na esfera administrativa em 13 de novembro de 2009, com a adesão da contribuinte ao parcelamento previsto na Lei nº 11.941/09, e que o parcelamento foi rescindido em 05/02/2015. A denúncia foi recebida por meio da decisão id. 152487100 - pp. 12/14, publicada em 27/03/2018. Processado o feito, sobreveio a r. sentença condenatória, publicada em 15/04/2019. Em suas razões de recurso, a defesa aduziu, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, requereu a absolvição do acusado por ausência de dolo. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa, causa excludente da culpabilidade, ou pela aplicação do princípio da insignificância ou, ainda, pelo perdão judicial (id. 152487100- pp. 148/174). Contrarrazões de recurso apresentadas pelo órgão ministerial oficiante em primeiro grau (id. 152487101 - pp. 7/14), pela manutenção da sentença. Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (parecer de id. 152487101 - pp. 17/31). Por meio de decisão monocrática, de ofício, declarei extinta a punibilidade do réu, pela prescrição, e julguei prejudicada a apelação defensiva (id. 152487101 – pp. 33/38). Referida decisão, agravada pelo órgão acusatório, foi mantida por esta E. Décima Primeira Turma, em sessão de julgamento realizada no dia 06/09/2019 (id. 152487101 – pp. 56/63). Contra o acórdão, o Ministério Público Federal interpôs Recurso Especial, autuado perante o C. STJ sob o nº 1.862.864/SP e distribuído à Relatoria do Min. Reynaldo Soares da Fonseca, que, por meio da decisão monocrática datada de 28/01/2021, deu provimento ao recurso especial: “para reconhecer a ofensa ao art. 168-A do Código Penal, desconstituindo o acórdão recorrido, com determinação do retorno dos autos à origem, para novo exame do recurso da parte, levando-se em consideração a natureza material do crime de apropriação indébita previdenciária.” Em 12/03/2021, vieram-me conclusos os autos para novo julgamento. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000605-87.2011.4.03.6127 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: PAULO SERGIO DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GALANTE - SP229123-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo interposto e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte. PRESCRIÇÃO No caso concreto, o C. Superior Tribunal de Justiça determinou o retorno do presente feito a esta Corte, “para novo exame do recurso da parte, levando-se em consideração a natureza material do crime de apropriação indébita previdenciária.” No caso concreto dos crimes materiais contra ordem tributária, o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal somente se inicia quando da constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do entendimento cristalizado pelo C. Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 24. Ressalte-se que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a aplicação da Súmula Vinculante nº 24 a fatos ocorridos antes da sua edição (enunciado publicado no DJE 11/12/2009) não viola o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, porque não se trata de alteração legislativa, mas de consolidação de entendimento jurisprudencial desde há muito aplicado. Sobre o tema, confira-se: "AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRELIMINAR. PRESCRIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 115 DO CP. IMPROCEDÊNCIA. RÉU QUE COMPLETOU 70 ANOS APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 115 DO CP. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STF. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 111, I, E 116, I, DO CP. PRESCRIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24. PRECEDENTES DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. SUPOSTA INIDONEIDADE NA FUNDAMENTAÇÃO EMPREGADA NA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. IMPROCEDÊNCIA. MONTANTE SONEGADO. IDONEIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. SUPOSTA ILEGALIDADE PELO FATO DE QUE TAL CIRCUNSTÂNCIA NÃO TERIA CONSTADO DA DENÚNCIA. INADMISSIBILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. SUPOSTA INIDONEIDADE NA FUNDAMENTAÇÃO EMPREGADA NA VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. INADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO. SUPOSTO ERRO MATERIAL NAS RAZÕES DA APELAÇÃO. QUESTÃO QUE NÃO SUSCITADA PERANTE A CORTE A QUO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. DESCABIMENTO. SUPOSTA DESPROPORCIONALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. DOSIMETRIA QUE NÃO SEGUE CRITÉRIO MATEMÁTICO. Agravo regimental improvido." (STJ, 6ª Turma, AgRg no AREsp 1143513 / SP, Relator(a) Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 21/05/2018); "PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME TRIBUTÁRIO. DELITO SOCIETÁRIO. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO DAS CONDUTAS INDIVIDUALIZADAS. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXCEPCIONALIDADE. JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DECISÃO QUE RECEBEU A PEÇA ACUSATÓRIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO EXAURIENTE. ALEGADAS NULIDADES. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE 24. RECURSO DESPROVIDO. [...] 4. No caso em exame, a exordial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve as condutas atribuídas aos recorrentes, consubstanciadas na falta de recolhimento de ICMS, por terem deixado de emitir notas fiscais de entrada de materiais tributados, causando prejuízo aos cofres públicos no montante de R$ 721.003,80. 5. Hipótese em que a peça acusatória permite a deflagração da ação penal, uma vez que narrou fato típico, antijurídico e culpável, com a devida acuidade, suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e o rol de testemunhas, viabilizando a aplicação da lei penal pelo órgão julgador e o exercício da ampla defesa e do contraditório pela defesa. 6. A decisão que recebe a denúncia (CPP, art. 396) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (CPP, art. 397) não demandam motivação profunda ou exauriente, considerando a natureza interlocutória de tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito, que somente poderá ser proferido após o desfecho da instrução criminal, com a devida observância das regras processuais e das garantias da ampla defesa e do contraditório. 7. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief), o que não se verifica na espécie. 8. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido logo após a aprovação da Súmula Vinculante 24, reconheceu se tratar de "mera consolidação da jurisprudência da Corte, que, há muito, tem entendido que a consumação do crime tipificado no art. 1o da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição." (HC n. 85.051/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 1°/7/2005). 9. Recurso desprovido." (STJ, 5ª Turma, RHC 85177 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 25/04/2018). Nessa linha, ainda, os precedentes do Supremo Tribunal Federal: ARE 964.206, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia; o ARE 709.719-ED, Rel. Min. Luiz Fux e o ARE 897.714-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 14/09/2015, assim ementado: "Segundo agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Processual Penal. Sonegação de contribuição previdenciária. Continuidade delitiva. Condenação. 3. Ausência de repercussão geral (Tema 660). 4. Prescrição retroativa. 4.1. A tese ventilada no extraordinário não foi discutida no acórdão contestado. Incidência das súmulas 282 e 356. 4.2. Inocorrência de aplicação regressiva in malam partem da Súmula Vinculante 24. Consolidação da jurisprudência do STF que, há muito, tem entendido que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição (HC n. 85.051/MG, rel. min. Carlos Velloso). 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento." Delineadas tais premissas, tem-se que a constituição definitiva do crédito tributário objeto do delito descrito na denúncia ocorreu em 13/11/2009 e, considerando que não houve interposição de recurso pela acusação, é possível calcular o prazo prescricional com base na pena concretamente aplicada ao réu, na hipótese, 2 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, excluído o aumento pela continuidade delitiva (art. 119 do Código Penal e Súmula nº 497 do STF). Além disso, a prescrição foi suspensa por adesão da contribuinte a programa de parcelamento, entre 13/11/2009 (Id 152487098 – p. 82) e 26/04/2014 (Id. 152487099 – p. 44). Assim, o prazo prescricional incidente na hipótese é de 04 (quatro) anos, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal, que não foi superado entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia (descontado o período de suspensão), nem entre o recebimento da denúncia (27/03/2018) e a data da publicação da sentença condenatória (15/04/2019), tampouco desde este último marco interruptivo até a presente data. Portanto, não há que se falar, no caso concreto, em ocorrência da extinção de punibilidade pelo esgotamento do prazo prescricional, permanecendo hígida a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia. Inépcia da denúncia Na seara preliminar, a defesa de PAULO SERGIO DOS SANTOS aduz que a denúncia é inepta por não haver caracterização do elemento subjetivo do tipo. Afirma que o crime imputado ao acusado somente se aperfeiçoa quando há dolo específico do agente, o que não estaria caracterizado nos autos. Afirma que a prova nos autos demonstra a dificuldade financeira da pessoa jurídica contribuinte ao tempo dos fatos e a impossibilidade dos recolhimentos, o que caracterizaria inexigibilidade de conduta diversa. A preliminar não comporta acolhida. A narrativa contida na exordial acusatória evidencia a ocorrência de fato típico e a acusação encontra suporte probatório no procedimento administrativo fiscal acostado aos autos, no mais, a implicação do acusado nos fatos é clara, pois a ele são atribuídos os poderes de gestão da empresa contribuinte e, nessa condição, a prática do crime de apropriação indébita previdenciária descrito na denúncia. Além disso, a questão da prova do dolo e da eventual inexigibilidade de conduta diversa é matéria que demanda incursão no conjunto probatório e, portanto, será apreciada a seguir, com a análise do mérito do recurso. Demonstrados, pois, indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, não há que se falar em inépcia da denúncia, falta de justa causa ou em nulidade da ação penal, eis que a denúncia preencheu satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do agente e a classificação do crime, bem como permitiu ao réu o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal. Materialidade objetiva A materialidade objetiva dos crimes narrados na denúncia, além de incontroversa, vem robustamente demonstrada nos autos, especialmente pelos seguintes documentos (numeração de páginas do id. 152487098): - representação fiscal para fins penais – pp. 7/8; - auto de infração DEBCAD nº 37.223.776-2 e correspondentes demonstrativos de apuração – pp. 9/34; - Relatório do Auto de Infração e anexos – pp. 35/48; - folha de pagamento da pessoa jurídica – pp. 49/52. Tais documentos comprovam que, nas competências de abril de 2004, março a maio de 2006, novembro de 2006 e décimo terceiro salário de 2006, as contribuições previdenciárias descontadas dos pagamentos efetuados aos segurados empregados da "Santos & Santos Conservação Ltda." (CNPJ nº 03.555.933/0001-33)" não foram repassados à Previdência Social nos prazos legalmente assinalados. Comprovam, ainda, que as contribuições descontadas da remuneração paga pela mencionada empresa para contribuinte individual (pro labore) nas competências de maio de 2004 a março de 2005, de maio a outubro de 2005, agosto e outubro de 2006 e de abril a junho de 2007 não foram repassadas ao INSS no prazo legal. Referidas omissões redundaram na apropriação indevida de um total de R$7.805,07 em contribuições previdenciárias descontadas pela empresa pagadora, os quais, acrescidos de juros e multa, somavam R$18.264,67, ao tempo do lançamento (22/12/2009). Prosseguindo, tem-se que os delitos de apropriação indébita previdenciária ocorreram ao longo de diversas competências entre 04/2004 e 06/2007 e a identidade de lugar, tempo e modo de execução dos crimes permite concluir que foram praticados em continuidade delitiva, nos moldes do art. 71 do Código Penal. Da inaplicabilidade do princípio da insignificância Como é cediço, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, de sorte que a sua atuação só será aceitável em casos de violação relevante de bens jurídicos tutelados pelo Estado. Nesse diapasão, o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, de sorte que a subsunção do fato à norma penal não se assente apenas num juízo lógico-formal de mera adequação típica do fato à norma incriminadora, mas sim num juízo mais profundo a respeito do conteúdo material do tipo, a fim de que a incidência do direito penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade, afastando, por conseguinte, a tipicidade penal nas hipóteses de delitos de violação mínima que ensejam resultado diminuto (de minimis non curat praetor). Dessa forma, o princípio da insignificância, como corolário do princípio da pequenez ofensiva inserto no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto. O bem jurídico tutelado pela norma incriminadora da apropriação indébita previdenciária é a subsistência financeira da Previdência Social. Dessa maneira, não se verifica o requisito da reduzida reprovabilidade da conduta típica atribuída ao acusado, considerando o prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social e a nítida lesão a bem jurídico supraindividual. Inviável, portanto, o reconhecimento da atipicidade material nos casos do crime do art. 168-A do Código Penal. Sobre o tema, colaciono os seguintes precedentes: "Habeas corpus. 2. Apropriação indébita previdenciária. Princípio da insignificância. Não aplicabilidade. Valor superior ao fixado no art. 1º, I, da Lei 9.441/97. Alto grau de reprovabilidade da conduta. 3. Constrangimento ilegal não caracterizado. 4. Ordem denegada." (STF, 2ª Turma, HC 107.331, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28/05/2013); "HABEAS CORPUS. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NÃO REPASSE À PREVIDÊNCIA SOCIAL DO VALOR DE R$ 7.767,59 (SETE MIL SETECENTOS E SESSENTA E SETE REAIS E CINQUENTA E NOVE CENTAVOS). INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E OFENSA AO BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO. ORDEM DENEGADA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal, tornando atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 4. Não repassar à Previdência Social R$ 7.767,59 (sete mil, setecentos e sessenta e sete reais e cinquenta e nove centavos), além de ser reprovável, não é minimamente ofensivo. 5. Habeas corpus denegado." (STF, 1ª Turma, HC 110.124, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 14/02/2012); “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NA REVISÃO CRIMINAL. NÃO ENQUADRAMENTO NAS HIPÓTESES LEGAIS. DELITOS DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. BEM JURÍDICO SUPRAINDIVIDUAL. PORTARIAS N.S 75 E 130 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. IRRETROATIVIDADE PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - O caso em questão não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 621, do CPP, pois a revisão criminal não pode ser utilizada para que a parte, a qualquer tempo, busque novamente rediscutir questões de mérito, por mera irresignação quanto ao provimento jurisdicional obtido. II - Inaplicável o princípio da insignificância aos delitos de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, do Código Penal) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, do Código Penal) consoante entendimento assentado do. col. Supremo Tribunal Federal que conferiu caráter supraindividual ao bem jurídico tutelado, haja vista visarem proteger a subsistência financeira da Previdência Social. Precedentes. III - As Portarias n.s 75 e 130, do Ministério da Fazenda não podem afetar fatos pretéritos à sua edição para fins de reconhecimento da insignificância do delito, por não deterem natureza penal, sob pena de atrelar a mensuração do prejuízo causado pela conduta criminosa à momento posterior à sua própria consumação. Agravo regimental desprovido.” (STJ, Terceira Seção, AgRg na RvCr 4881 / RJ, Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109), Data do Julgamento 22/05/2019 Data da Publicação/Fonte DJe 28/05/2019). Além disso, mesmo que o total das contribuições apropriadas em diversas competências compreendidas entre abril de 2004 e junho de 2007, excluídos juros e multa, seja inferior ao patamar de R$10.000,00 (previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002), é certo que a aplicabilidade do princípio da insignificância depende da demonstração de outros requisitos, não apenas do valor dos tributos objeto de apropriação. Neste particular, forte na jurisprudência da Suprema Corte, reputo inaplicável o princípio da insignificância quando, apesar do valor do tributo iludido, permanece o réu na prática delitiva com habitualidade. Acerca do tema: "HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA . INAPLICABILIDADE. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS. ORDEM DENEGADA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância , o patamar previsto no art. 20 da Lei n.º 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Embora, na espécie, o descaminho tenha envolvido elisão de tributos federais em quantia inferior a R$ 20.000,00, a existência de registros criminais pretéritos obsta, por si só, a aplicação do princípio da insignificância , consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (HC 109.739/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951/RS, Rel. Min. Dias Toffoli , DJe 27.02.2012; HC 108.696/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 1 07.674/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora. 4. Ordem denegada." - grifei (STF, 1ª Turma, HC 120.438, Rel. Min. Rosa Weber, j. 11.02.2014); “PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II - Contudo, os autos dão conta da existência de 6 (seis) registros criminais pretéritos da prática do delito de descaminho, a demonstrar a reiteração delitiva do paciente. III - Os fatos narrados demonstram a necessidade da tutela penal em função da maior reprovabilidade da conduta do agente. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. III - Ordem denegada. (HC 136769/PR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 18/10/2016, DJe 07/11/2016) (g.n.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FURTO. ARTIGO 155 DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, 'D' E 'I'. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. ORGANICIDADE DO DIREITO. INAPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PELA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumácia na prática delitiva. Precedentes: HC 123.199-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 13/03/2017, HC 115.672, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 21/05/2013, HC nº 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 12/05/2016, ARE nº 849.776-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 12/3/2015, HC nº 120.662, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 21/8/2014, HC nº 120.438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 12/03/2014, HC nº 118.686, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 04/12/2013, HC nº 112.597, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 10/12/2012. 4. In casu, inexiste excepcionalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem, porquanto, o valor subtraído (R$ 520,00) não é o único critério a ser examinado para fins de aplicação do princípio da insignificância. In casu, não se mostra presente o reduzido grau de reprovabilidade no comportamento do agente, máxime em razão da habitualidade delitiva revelada. 5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas "d" e "i", da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 6. O habeas corpus não pode ser manejado como sucedâneo de recurso revisão criminal. 7. Agravo regimental desprovido.” (STF. HC 141540AgR/SC. Primeira Turma. Ministro Luiz Fux. Julgamento 02/05/2017). É o que se verifica na hipótese dos autos, porquanto o acusado já foi definitivamente condenado pela prática de crime contra a ordem tributária (processo n. 0001357-20.2015.4.03.6127). Além disso, os crimes apurados nesta ação penal foram praticados ao longo de mais de três anos consecutivos. A reiteração delitiva demonstra o alto grau de reprovabilidade da conduta e, por conseguinte, impede a aplicação do princípio da insignificância. AUTORIA E DOLO A autoria não foi questionada no apelo. O réu era, ao tempo dos fatos, sócio amplamente majoritário da pessoa jurídica (com 94% das cotas) e o único com poderes de gestão (conforme cláusula nona do contrato social – id. 152487098 – pp. 53/56). Além disso, tanto em seu interrogatório policial (id. 152487099 – p. 72), quanto em juízo (id. 152487112), o réu confirmou que administrava a pessoa jurídica isoladamente. Tal versão foi ratificada, na fase policial, pela esposa do réu, sócia minoritária da empresa ao tempo dos fatos (id. 152487099 – p. 73). Em seu interrogatório judicial, o réu confessou integralmente os fatos. Disse que fundou a empresa e que sempre foi o único responsável por sua gestão, sendo que sua esposa constava do contrato social com 1% das cotas, apenas para fins legais, sem poderes de administração de fato. Afirmou que a empresa atuava no ramo de manutenção de estradas e que tinha cerca de 120 (cento e vinte) funcionários na época. Narrou que passou por uma grave situação financeira e que optou por priorizar o pagamento dos salários e não dispensar nenhum funcionário. Disse que não fez o repasse das contribuições devidas, por impossibilidade financeira, e que chegou a parcelar a dívida tributária, mas não houve condição de arcar com os pagamentos. Acrescentou, em resposta aos questionamentos formulados pela i. magistrada a quo, que não possui bens, apenas o imóvel que onde reside. Por fim, o apelante pede sua absolvição com fundamento na atipicidade da conduta por ausência de dolo específico em relação ao delito de apropriação indébita previdenciária. Sem razão, contudo. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, é dispensável o especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim, o elemento subjetivo animador da conduta típica descrita no art. 168-A, CP, é o dolo genérico, consistente na intenção de não efetuar os repasses ao INSS no prazo legalmente fixado. A propósito, confira-se: "AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA DECISÃO AGRAVADA. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. PRESCRIÇÃO: IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA. PRECEDENTES. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os Agravantes têm o dever de impugnar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não provimento do agravo regimental. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária não é necessário um fim específico, ou seja, o animus rem sibi habendi, bastando para nesta incidir a vontade livre e consciente de não recolher as importâncias descontadas dos salários dos empregados da empresa pela qual responde o agente. 3. As pretensões de exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito são questões controversas e somente podem ser analisadas e decididas nas instâncias ordinárias, próprias para a verificação das alegações dos Agravantes, pois demandam exame acurado do acervo probatório, o que não é admitido não via estreita do habeas corpus. Precedentes. 4. Ao se aplicarem as causas de interrupção previstas no art. 117 do Código Penal, fixadas pelas instâncias antecedentes para o fim de cálculo de eventual prescrição, não se comprova a extinção da punibilidade dos Agravantes. 5. Agravo Regimental não provido." (STF, Segunda Turma, AgR HC 122.766/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe- 223 DIVULG 12-11-2014 PUBLIC 13-11-2014); "AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO MATERIAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO AO CO-RÉU DETENTOR DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE AO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DA CO-RÉ . INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, TOTALIZANDO 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS EM ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. DESCABIMENTO. [...] 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, basta a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim como ocorre quanto ao delito de apropriação indébita previdenciária, o elemento subjetivo animador da conduta típica do crime de sonegação de contribuição previdenciária é o dolo genérico, consistente na intenção de concretizar a evasão tributária. [...]" (STF, Pleno, AP 516, Relator(a) Min. AYRES BRITTO, j. 27.09.2010); "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. 1. O posicionamento consolidado no âmbito da Terceira Seção deste Tribunal Superior, é no sentido de que o tipo penal do artigo 168-A do Código Penal constitui crime omissivo próprio, que se consuma com o não recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, inexigindo, portanto, dolo específico. [...] 2. Agravo regimental a que se nega provimento." (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.315.984/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe 23/02/2016); "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A, C/C O 71 DO CP. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DO INSS. REQUERIMENTO NA FASE DO ART. 499 DO CPP. DESNECESSIDADE AFIRMADA PELO MAGISTRADO. SÚMULA 7/STJ. AUTORIA E MATERIALIDADE. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. DOLO ESPECÍFICO. INEXIGÊNCIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. EXPRESSIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO PÚBLICO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 7. Em crimes de sonegação fiscal e de apropriação indébita de contribuição previdenciária, este Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação no sentido de que sua comprovação prescinde de dolo específico sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos. 8. Já decidiu esta Corte que, no crime de apropriação indébita, o montante apropriado, quando expressivo, como no caso concreto, é motivo idôneo para o aumento da pena-base a título de consequências do delito. 9. O valor mencionado pelo acórdão (R$ 134.104,76) não corresponde a todo o montante do débito, mas apenas a competência de um mês, o que é suficiente para verificar que os valores devidos, considerando que a conduta foi praticada por 99 vezes, alcança quantum consideravelmente significativo. 10. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AGARESP 493.584, Relator(a) Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJE DATA:08/06/2016 ..DTPB:). Dito isso, está suficientemente demonstrado o dolo do acusado, considerando que o réu optou por não repassar aos cofres da Previdência Social as contribuições descontadas dos empregados, ainda que alegue em sua defesa que isso ocorreu a fim de priorizar o pagamento dos salários. Passo, portanto, a analisar a alegação de inexigibilidade de conduta diversa. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA A defesa alega, em síntese, que à época em que os delitos de apropriação indébita previdenciária foram praticados, a empresa passava por sérias dificuldades financeiras, o que teria impossibilitado o repasse no período fiscalizado, a saber, de 2004 a 2007. Em seu interrogatório judicial, o réu afirmou que tinha contratos de manutenção de rodovias que não foram pagos regularmente, o que gerou uma série de dívidas com fornecedores e empregados e impediu a quitação dos tributos devidos. Acrescentou que os encargos cobrados por atraso nos pagamentos tornaram as dívidas impagáveis, especialmente em razão da necessidade de contratação de empréstimos bancários (com juros altos) e, após alguns anos de crise, as atividades da empresa foram integralmente paralisadas. Disse que tentou sanar as dívidas com a Receita Federal, tendo inclusive alienado bens para pagamento dos tributos que não puderam ser parcelados. Alegou, por fim, que não houve condições financeiras de quitar o parcelamento tributário, que acabou sendo rescindido. A versão defensiva, conquanto plausível, não veio acompanhada de nenhuma prova que a corrobore. Assim, ainda que aplicável, em tese, a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa para o crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP), tem-se que os elementos juntados aos autos não demonstram, com a necessária robustez, a absoluta impossibilidade de promoção dos repasses à Previdência Social. Senão vejamos. Não se olvida que a existência de dificuldades financeiras enfrentadas pela pessoa jurídica pode, em determinados casos, configurar causa de exclusão da ilicitude, por estado de necessidade, como entendem alguns, ou em causa de exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, como entendem outros. Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a absoluta impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. Não é o que se verifica na hipótese. Competia à defesa o ônus de comprovar, não apenas as dificuldades econômicas da sociedade empresária autuada, mas a verdadeira impossibilidade de promover o repasse das contribuições previdenciárias descontadas dos segurados empregados e dos contribuintes individuais, o que não ocorreu. Não há qualquer demonstração no sentido de que houve adequação do modo produtivo, redução de gastos e do quadro de funcionários ou apresentação de balanços patrimoniais com dados de faturamento, despesas, lucros, etc., sendo certo que a excludente de culpabilidade alegada não pode ser levianamente reconhecida, sob pena de chancela ao comportamento criminoso em detrimento dos empresários que promovem os recolhimentos tributários regularmente. Ressalte-se que não há prova sequer de déficit na contabilidade, quanto menos da necessária intransponibilidade dos percalços e, principalmente, do esgotamento de todas as alternativas possíveis, antes do sacrifício imposto à Previdência Social e à ordem tributária. Em suma, não ficaram demonstradas as circunstâncias de adversidade econômica invencível para a entidade, por razões alheias à gestão do acusado. Aliás, importa destacar que a defesa não arrolou testemunhas, não juntou aos autos balancetes do período, não comprovou que sofreu execuções de fornecedores nem ações trabalhistas. Não demonstrou, do mesmo modo, os atrasos nos pagamentos por parte dos contratantes da pessoa jurídica, situação que, segundo o réu, teria desencadeado o processo de crise financeira, agudizado pelos encargos moratórios incidentes sobre as diversas obrigações da empresa. Não há, portanto, demonstração da impossibilidade financeira insuperável alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal. Neste sentido: "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA NA FORMA CONTINUADA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. MAJORAÇÃO DA PENA. VIABILIDADE. REAPRECIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1- No tocante à caracterização do crime de apropriação indébita, o Tribunal a quo entendeu estar caracterizada a materialidade do delito, consubstanciada na prova material dos descontos e do não-recolhimento da contribuição previdenciária dos empregados da empresa, bem como a autoria delitiva, em razão dos testemunhos e das provas documentais acostadas aos autos. 2- Quanto à configuração de inexigibilidade de conduta diversa, a Corte estadual entendeu que só afasta a condenação a existência de prova robusta acerca da absoluta impossibilidade de efetuar os recolhimentos, não bastando a existência de meras dificuldades, sendo que, nesse caso, a prova técnica, oral e documental, não autoriza o acolhimento de qualquer tese exculpatória do recorrente, tendo em conta que este não trouxe aos autos nenhum elemento de prova corroborasse a sua alegação. 3 - Modificar tais premissas, necessitaria de revolvimento de matéria fática. 4- Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO." (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1367353 / SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 25/11/2013). Destarte, comprovados o dolo, a autoria e a materialidade delitiva e não estando demonstrada exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, de rigor a manutenção da condenação do acusado PAULO SERGIO DOS SANTOS pela prática do crime do art. 168-A, §1º, I, do Código Penal, c.c. o art. 71, do mesmo Diploma Legal. Perdão judicial A defesa requer a concessão do perdão judicial. Dispõe o artigo 168-A, § 3º, inciso II, do Código Penal que: “§ 3 o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.” No caso dos autos, consoante já assinalado, o valor das contribuições devidas, incluídos os acessórios, somava R$18.264,67, ao tempo do lançamento (22/12/2009), que superava o patamar de R$10.000,00 (dez mil reais) então estabelecido para dispensa de ajuizamento de execução fiscal, nos termos do art. 20, da Lei nº 10.522/2002, com a redação vigente ao tempo dos fatos. Rejeito, assim, o pedido de concessão do perdão judicial, porque descumprido o requisito objetivo fixado na lei para deferimento da benesse. DOSIMETRIA 1ª FASE A pena-base foi fixada no mínimo legal, o que resta mantido, inclusive por ausência de recurso da acusação. 2ª FASE Na segunda etapa da dosimetria penal, incide apenas a atenuante da confissão espontânea. Contudo, a pena nessa fase não pode ser fixada abaixo do mínimo legal (Súmula nº 231 do C. STJ), razão pela qual fica mantida em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 3ª FASE Não há causas de aumento ou de diminuição. Continuidade delitiva Por fim, os crimes de sonegação foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução em dois anos consecutivos, restando configurada a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, conforme reconhecido na sentença de primeiro grau. Nos termos da jurisprudência desta E. Corte, igualmente aplicável ao caso dos autos, o aumento pela continuidade delitiva, deve ser aplicado nos seguintes patamares: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento. Sobre o tema, cito os seguintes precedentes deste Regional: 11ª Turma, ACR 0011528-83.2013.403.6134/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E. 06/11/2018; 11ª Turma, ACR 0002048-83.2009.403.6114/SP, Rel. p/ Acórdão Nino Toldo, D.E. 22/08/2018; 1ª Turma, ACR 0006378-79.2007.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 17/11/2015; 2ª Turma, ACR 1105101-64.1998.4.03.6109, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, e-DJF3: 27/06/2013. No entanto, como o aumento foi fixado em primeiro grau em 1/6 (um sexto) e não há recurso acusatório, descabe revisar a pena em prejuízo do acusado, sob pena de incorrer em reformatio in pejus. Mantenho, assim, as penas definitivas em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Regime inicial Mantenho o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, em razão da quantidade de pena aplicada e porque não há circunstâncias judiciais desfavoráveis. Substituição da pena privativa de liberdade Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e uma pena de prestação pecuniária. A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Ademais, não se deve olvidar que, nos termos do §1º do art. 45 do Código Penal: "A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários." Assim, inclusive porque não houve impugnação da defesa, mantenho a pena de prestação pecuniária em 05 (cinco) salários mínimos, valor que se mostra adequado à finalidade da pena, considerando os parâmetros acima expostos. DISPOSITIVO Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo defensivo. É o voto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A, I, CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA. DOLO GENÉRICO COMPROVADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS DA DEFESA. PERDÃO JUDICIAL INCABÍVEL. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO.
1 - Demonstrados indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, não há que se falar em inépcia da denúncia, falta de justa causa ou em nulidade da ação penal, eis que a denúncia preencheu satisfatoriamente os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, contendo a exposição do fato criminoso, suas circunstâncias, a qualificação do agente e a classificação do crime, bem como permitiu ao réu o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.
2 – Materialidade e autoria incontroversas.
3 - O bem jurídico tutelado pela norma incriminadora da apropriação indébita previdenciária é a subsistência financeira da Previdência Social. Dessa maneira, não se verifica o requisito da reduzida reprovabilidade da conduta típica atribuída ao acusado, considerando o prejuízo à arrecadação já deficitária da Previdência Social e a nítida lesão a bem jurídico supraindividual. Inviável, portanto, o reconhecimento da atipicidade material nos casos do crime do art. 168-A do Código Penal. Afastado o princípio da insignificância. Precedentes.
3.1 - A reiteração delitiva demonstra o alto grau de reprovabilidade da conduta e, por conseguinte, impede a aplicação do princípio da insignificância.
4 - A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, para a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, é dispensável o especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim, o elemento subjetivo animador da conduta típica descrita no art. 168-A, CP, é o dolo genérico, consistente na intenção de não efetuar os repasses ao INSS no prazo legalmente fixado. Dolo suficientemente demonstrado, pois o réu optou por não repassar aos cofres da Previdência Social as contribuições descontadas dos empregados, ainda que alegue em sua defesa que isso ocorreu a fim de priorizar o pagamento dos salários.
5 - Ainda que aplicável, em tese, a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa para o crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP), tem-se que os elementos juntados aos autos não demonstram, com a necessária robustez, a absoluta impossibilidade de promoção dos repasses à Previdência Social.
6 – Rejeitado o pedido de concessão do perdão judicial (art. 168-A, § 3º, inciso II, do Código Penal) porque descumprido o requisito objetivo fixado na lei para deferimento da benesse (valor do crédito tributário que superava o patamar fixado para dispensa de execução fiscal).
7- Apelo defensivo desprovido.