APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008657-96.2019.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MARCELINO MAYTA FERNANDEZ
APELADO: MARCELINO MAYTA FERNANDEZ, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008657-96.2019.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MARCELINO MAYTA FERNANDEZ APELADO: MARCELINO MAYTA FERNANDEZ, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de recursos de Apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos réus MARCELINO MAYTA FERNANDES (boliviano e nascido aos 01.01.1981) e CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA (boliviano e nascido aos 20.09.1991), contra a r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Bruno Cezar Cunha Teixeira (3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande/MS) (ID 129874728) que, julgando PROCEDENTE o pedido formulado na Ação Penal Pública Incondicionada, CONDENOU cada um dos réus à pena corporal de 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial SEMIABERTO, bem como ao pagamento de 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006. Consta de denúncia, em síntese, que (ID 129873324 – fl. 08): Conforme restou apurado, na data e local acima, durante fiscalização de rotina, policiais rodoviários federais abordaram o caminhão Renault, placas bolivianas 4998BZX, conduzido pelo denunciado MARCELINO, tendo como passageiro o codenunciado CARLOS. Diante do nervosismo excessivo dos denunciados, os policiais vistoriaram o caminhão, momento em que localizaram um compartimento oculto no interior da cabine, o qual era ativado por meio de comandos eletrônicos. No interior do compartimento, foram localizados 121 tabletes de substância denominada “cocaína” e 21 tabletes de substância identificada como pasta-base de cocaína. A materialidade e a autoria do delito encontram-se comprovadas pelo Auto de Prisão em Flagrante; pelo Auto de Apresentação e Apreensão n. 368/2019; pelo Laudo Preliminar de Constatação n. 1741/2019/2019 e pelos depoimentos das testemunhas. A transnacionalidade, causa de aumento de pena do delito de tráfico de drogas e circunstância atrativa da competência federal, restou comprovada pela própria nacionalidade dos denunciados, pela origem do veículo, pela localidade da apreensão e pela natureza e quantidade de drogas apreendidas. (...) Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou MARCELINO MAYTA FERNANDEZ e CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA como incursos nas sanções do artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006. A r. denúncia foi recebida em 10.10.2019 (ID 129873325). A r. sentença foi proferida em 27.11.2019 (ID 129874728). Irresignado, em parte, com o teor da r. sentença monocrática, o Ministério Público Federal interpôs recurso de Apelação, cujas razões de inconformismo foram apresentadas sob o ID 129874782, pleiteando, em síntese: a) a exasperação das penas-base; b) o decote das atenuantes genéricas da confissão espontânea, sob o argumento de que os réus não assumiram a responsabilidade pela prática do narcotráfico. Ademais, afirma o parquet haver incompatibilidade entre a prisão em flagrante e a assunção de responsabilidade dos réus. Subsidiariamente, pede a fixação da fração de redução em apenas 1/12 (um doze avos); c) a majoração do quantum relacionado à causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas; d) o decote da causa de redução de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas e; d) a fixação de regime mais gravoso como forma inicial do resgate prisional. Também irresignada, em parte, com o teor da r. sentença monocrática, a Defensoria Pública da União interpôs, em favor de CARLOS HUGO, recurso de Apelação, cujas razões de inconformismo foram apresentadas sob o ID 129874794, pleiteando, em síntese: a) a exasperação do quantum relacionado à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas; b) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; c) a redução da pena de multa e; d) a justiça gratuita. Também irresignada, em parte, com o teor da r. sentença monocrática, a defesa constituída por MARCELINO interpôs recurso de Apelação, cujas razões de inconformismo foram apresentadas sob o ID 129874796, pleiteando, em síntese: a) a revogação da prisão preventiva; b) a absolvição do réu; c) de uma maneira geral, a redução da pena; d) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e; e) a justiça gratuita. Contrarrazões de Apelação pela defesa do réu CARLOS HUGO (ID 129874795), do réu MARCELINO (ID 129874797) e pelo Ministério Público Federal (ID 129874800). A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos apelos defensivos e provimento parcial do recurso da acusação para: a) exasperar a pena-base; b) afastar a atenuante da confissão espontânea; c) diminuir o quantum fixado em razão da causa de aumento prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006; d) aumentar a pena de multa e; e) aplicar o regime fechado para início de cumprimento de pena (ID 130358312). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008657-96.2019.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MARCELINO MAYTA FERNANDEZ APELADO: MARCELINO MAYTA FERNANDEZ, CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: DA IMPUTAÇÃO Consta de denúncia, em síntese, que (ID 129873324 – fl. 08): Conforme restou apurado, na data e local acima, durante fiscalização de rotina, policiais rodoviários federais abordaram o caminhão Renault, placas bolivianas 4998BZX, conduzido pelo denunciado MARCELINO, tendo como passageiro o codenunciado CARLOS. Diante do nervosismo excessivo dos denunciados, os policiais vistoriaram o caminhão, momento em que localizaram um compartimento oculto no interior da cabine, o qual era ativado por meio de comandos eletrônicos. No interior do compartimento, foram localizados 121 tabletes de substância denominada “cocaína” e 21 tabletes de substância identificada como pasta-base de cocaína. A materialidade e a autoria do delito encontram-se comprovadas pelo Auto de Prisão em Flagrante; pelo Auto de Apresentação e Apreensão n. 368/2019; pelo Laudo Preliminar de Constatação n. 1741/2019/2019 e pelos depoimentos das testemunhas. A transnacionalidade, causa de aumento de pena do delito de tráfico de drogas e circunstância atrativa da competência federal, restou comprovada pela própria nacionalidade dos denunciados, pela origem do veículo, pela localidade da apreensão e pela natureza e quantidade de drogas apreendidas. (...) Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou MARCELINO MAYTA FERNANDEZ e CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA como incursos nas sanções do artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006. DA QUESTÃO DE FUNDO DA MATERIALIDADE DELITIVA Embora não tenha sido objeto de insurgência das partes, a materialidade delitiva relacionada ao delito de tráfico transnacional de drogas restou comprovada nos autos em análise, conforme se infere da r. sentença monocrática (ID 142712818 – fl. 100): 17. A materialidade do delito de tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) ficou suficientemente comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (ID 22988637, pgs. 12/13); Laudo Preliminar de Constatação (ID 22988637, pgs. 25/26) e, em especial, pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) de ID 24179739 (pgs. 71/74), sobre amostras da substância apreendida nos autos, atestando tratar-se de substância de cocaína na forma de sal cloridrato. Logo, a acusada comprovadamente transportava 146.700 gramas (cento e quarenta e seis quilos e setecentos gramas) do mencionado entorpecente (v. auto de apresentação e apreensão). 18. Além disso, a prova da materialidade decorre do auto de prisão em flagrante (ID 22988637, pgs. 4/11), bem como dos depoimentos colhidos durante a instrução. 19. A substância entorpecente identificada, cocaína, é de uso proscrito no Brasil, conforme Portaria SVS/MS nº 344/1988 e atualizações. Neste ponto, necessário observar que a referida quantidade e forma de acondicionamento são próprias do tráfico de entorpecentes; sendo inequívoca, portanto, a materialidade do delito. 20. Certa a materialidade, passo ao exame da autoria, verifico ser ela induvidosa. Desse modo, os mencionados trabalhos técnicos, aliados aos depoimentos das testemunhas ouvidas nas etapas perquisitiva-antejudicial e em juízo, comprovam a materialidade delitiva relacionada aos delitos em comento. DAS AUTORIAS DELITIVAS RÉU CARLOS HUGO Em primeiro lugar, ressalte-se que não houve impugnação quanto à autoria atribuída ao corréu CARLOS HUGO, pelo que incontroversa. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal Regional Federal. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do recorrente CARLOS HUGO, aliás, como não poderia deixar de ocorrer, ante o enorme arcabouço fático-probatório constante destes autos em seu desfavor. A propósito, cite-se, apenas a título exemplificativo, que o corréu CARLOS HUGO confirmou ter visto seu tio D. Félix, em conjunto com terceiras pessoas, abastecendo o compartimento secreto do caminhão, de modo que suspeitou estar levando drogas ao Brasil, caracterizando-se, ao menos, o denominado dolo eventual. As testemunhas de acusação ouvidas em pretório, policiais rodoviários federais, destacaram que o corréu CARLOS HUGO tentou evitar que a cabine do caminhão, onde estava instalado o compartimento secreto com drogas, fosse inspecionada. Tais circunstâncias, ainda que de forma resumida, comprovam a autoria relacionada ao corréu CARLOS HUGO, cuja responsabilidade criminal não foi objeto de seu recurso de Apelação. O recurso de Apelação manejado pela defesa de CARLOS HUGO devolveu ao conhecimento deste E. Tribunal Regional Federal apenas questões relativas aos consectários da condenação, que serão analisadas ao final (item dosimetria da pena). RÉU MARCELINO - ABSOLVIÇÃO Passa-se à análise da autoria relacionada ao réu MARCELINO. A defesa do réu MARCELINO recorre afirmando, em síntese, que os elementos de persuasão racional colacionados no bojo do caderno processual não são fortes e suficientes para a edição de um édito de natureza condenatória, na justa medida em que o apelante não detinha o conhecimento de que o caminhão estava abastecido com drogas. Em outras palavras, a defesa técnica afirma que não restou provado o elemento subjetivo do tipo penal, vale dizer, o dolo do agente, consubstanciado na vontade consciente em realizar o denominado narcotráfico transnacional. É o caso de reformar-se a r. sentença penal monocrática para absolver o réu MARCELINO das imputações formuladas na r. denúncia. Os elementos probatórios produzidos no curso da etapa instrutória são frágeis e deles não se extrai a segurança necessária que se deve haver para a edição de um édito de natureza condenatória. Em outras palavras, do teor dos testemunhos e do interrogatório do increpado, produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não é possível deduzir que o réu detinha ciência acerca da existência de substâncias psicotrópicas escondidas no caminhão. E, em se tratando de condenação penal, não se pode aceitar nada menos do que a absoluta e convicta certeza da autoria do delito, notadamente ao considerarmos a existência do princípio in dubio pro reo vigente em nosso ordenamento jurídico. Com efeito, interrogado perante o E. Juízo a quo (ID 129874720), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o réu MARCELINO afirmou inicialmente que reside em Cochabamba/BO e exerce a profissão de Choffer, aferindo renda aproximada de 3.500 bolivianos por mês. Estudou até o 3º ano do Ensino Médio. Nunca foi preso ou processado anteriormente. Possui quatro filhos, dois deles com cinco anos de idade (gêmeos), outra menina de sete anos e outro menino de dezessete anos. Trabalhava para Don Félix Quinteros, em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia), que é tio do corréu CARLOS HUGO. Conheceu D. Félix em um grupo de cargas pesadas criado no WhatsApp, sendo certo que ele é o dono do caminhão apreendido. Reiterou que não guarda relação pessoal com o passageiro do caminhão, o corréu CARLOS HUGO. Foi contratado por D. Félix para fazer dois transportes de cargas (duas viagens ao Brasil), sendo certo que seu sobrinho CARLOS HUGO foi junto, na condição de passageiro, para auxiliá-lo com a rota até São Paulo/SP e com a língua portuguesa. Ressaltou que não teria condições de vir ao nosso país sozinho, sem o auxílio do corréu. Na primeira viagem que fizeram, partiram de Santa Cruz de La Sierra/BO com destino a Piracicaba/SP, onde deixaram uma carga de ferro. Chegaram sábado à noite em Piracicaba/SP e dormiram na empresa. No domingo, foram escoltados por um amigo de CARLOS HUGO até a cidade de São Paulo/SP, onde estacionaram o caminhão em outra empresa. Quis deixar o caminhão trancado, mas CARLOS HUGO disse não haver necessidade, convencendo-o de que nada seria roubado. Ficou hospedado em um alojamento, sozinho. Iniciaram a viagem de regresso para a Bolívia com outra carga, desta vez, de pintura (tinta em pó), e, em Corumbá/MS, permaneceu sete dias na fronteira, mais precisamente na alfândega, sendo certo que CARLOS HUGO prosseguiu para Santa Cruz de La Sierra/BO, sozinho, de ônibus. Em Santa Cruz, descarregou a carga de pintura, e, imediatamente depois, carregou o caminhão com outra carga, de sucata, para ir ao Brasil novamente. Desta vez, entretanto, não queria mais voltar ao Brasil, pois queria ficar com a sua família em Cochabamba/BO. Além do mais, CARLOS HUGO ficava com o controle do dinheiro e dava apenas um prato de comida a ele por dia. D. Félix, então, propôs-lhe um aumento de salário e acertou que retornaria sozinho ao Brasil, sendo certo que receberia dinheiro extra para os gastos da viagem. Antes de partir, deixou o caminhão com CARLOS HUGO, que lhe foi devolvido carregado. Veio até Corumbá/MS sozinho, permaneceu na alfândega por alguns dias (lado brasileiro da fronteira), quando, então, foi surpreendido por CARLOS HUGO, que disse que seu tio D. Félix o havia mandado para acompanhá-lo na viagem até Piracicaba/SP. Não tinha outro jeito, senão aceitar a companhia de CARLOS HUGO, sobretudo porque não fala a língua portuguesa e o corréu já conhecia a rota. Indagado pelo magistrado sobre qual a necessidade de que CARLOS HUGO o acompanhasse na viagem, já que veio outra vez ao Brasil (primeira viagem) e sabia a rota, o réu respondeu que já era noite e a carga tinha que chegar no dia seguinte, por isso, acabou cedendo, sendo certo que o corréu seria útil para o auxiliar com a língua portuguesa. Sentiu-se, de certo modo, intimidado por CARLOS HUGO. Quando foi parado pelos policiais, não sabia da existência da droga no caminhão, tampouco do compartimento secreto. Disse que não ficou nervoso quando da abordagem policial, sendo certo que levaram CARLOS HUGO para trás do caminhão, e, por isso, foi atrás dele para saber a razão da abordagem policial, já que não falava português. Por isso, os policiais tiveram a impressão de que ambos estavam cochichando, mas sua intenção era apenas a de obter informações com CARLOS HUGO sobre o que estava acontecendo, reiterando, novamente, que não fala bem o português. Começou a chorar quando encontraram a droga e disseram que seria preso. Foi CARLOS HUGO quem auxiliou os policiais a abrir o compartimento. Um dos policiais disse para que ficasse tranquilo, pois não seria preso, já que aparentemente não tinha envolvimento com o crime. Indagado pelo magistrado se desconfiou da existência da droga, já que é um motorista experiente e tem conhecimento da rota de drogas entre Bolívia e Brasil, disse que não desconfiou, já que é apenas motorista de ônibus (e não de caminhão), ou seja, não é experiente em transporte de cargas com caminhão. Indagado pelo órgão do Ministério Público Federal, o réu disse que encontrou o emprego no grupo de WhatsApp, e afirmou que só fez estas duas viagens ao Brasil. Com efeito, do interrogatório do réu extrai-se que ele foi contratado por D. Félix e seu sobrinho, o corréu CARLOS HUGO, para trazer cargas em caminhão de propriedade do primeiro ao nosso país. Narra que, em duas oportunidades distintas, o caminhão ficou sem sua vigilância, a saber, na primeira viagem, quando CARLOS HUGO insistiu que deixasse o caminhão aberto, provavelmente para que a quadrilha subjacente descarregasse as drogas já trazidas da Bolívia, e, outrossim, na segunda viagem, quando entregou o veículo em confiança a D. Félix e CARLOS HUGO, para que fosse abastecido com a carga (sucata) a ser transportada para o Brasil. Assim, não se pode descartar a ideia de que, nesses dois momentos, houve o descarregamento e o abastecimento do veículo com drogas, sem que o réu tivesse ciência. Assim, da análise de seu interrogatório, percebe-se que MARCELINO não detinha o conhecimento sobre a existência das drogas no veículo. Assistindo atentamente à gravação da Audiência de Instrução, Debates e Julgamento, percebe-se que o réu não caiu em qualquer contradição no curso de sua oratória, mesmo tratando-se de pessoa simples e que mal expressa a língua portuguesa. Como bem reiterou o magistrado sentenciante, convém que se diga de antanho que, aparentemente, era pessoa de boa intenção (...). Portanto, ao que tudo indica, ele foi contratado por D. Félix e CARLOS HUGO apenas para servir de motorista nas duas viagens que realizou ao Brasil, sem que lhe fosse noticiado pelos contratantes que o caminhão estaria abastecido com substâncias psicoativas. Nota-se que, na segunda viagem, CARLOS HUGO foi sorrateiro em fazer com que MARCELINO ultrapassasse sozinho a fronteira do país e passasse pela alfândega, locais em que as chances de apreensão do entorpecente são maiores. Na alfândega, após a fiscalização rodoviária, surpreendeu o réu MARCELINO com a sua presença, e a este apenas coube aceitar a sua companhia, já que o caminhão pertencia a seu tio. Além disso, MARCELINO não falava a língua portuguesa com fluência. Ficou, pois, o réu MARCELINO, sem reação, já que não mandaria o sobrinho do seu patrão, dono do caminhão, de volta para a casa. Ainda que se argumente que o réu MARCELINO era motorista profissional, e, portanto, deveria ter ciência de que a rota realizada é comumente conhecida como do tráfico de cocaína, não se deve deixar de anotar que ele não exerce a profissão de caminhoneiro propriamente dita, já que é motorista de ônibus coletivo na Bolívia, sendo certo que nunca fez outras viagens ao Brasil em sua vida. Assim, afasta-se o denominado dolo eventual. As asserções de MARCELINO foram reiteradas pelo corréu CARLOS HUGO. Interrogado perante o E. Juízo Monocrático (ID 129874717), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o corréu CARLOS HUGO confirmou que MARCELINO "não teve culpa", pois não foi por ele avisado sobre o compartimento eletrônico disposto no caminhão, utilizado por seu tio para ocultar a droga. Acrescentou, ainda, que MARCELINO não esboçou reação de nervosismo perante as autoridades policiais que apreenderam o entorpecente, mesmo porque, não tinha conhecimento da existência das drogas no veículo. Portanto, a asserção do corréu CARLOS HUGO está em consonância com a versão defensiva esposada por MARCELINO, no sentido de que este último não detinha o conhecimento acerca da existência de entorpecentes no caminhão. A prova testemunhal, por sua vez, não sustenta a versão de que o réu MARCELINO sabia, ou deveria saber, estar o caminhão carregado com drogas. Senão, vejamos. A testemunha de acusação Ariel Zatorre Farias, policial rodoviário federal ouvido em juízo (ID 129874715), sob o crivo do contraditório, asseverou, em síntese, que, na data dos fatos, exercia suas atividades laborativas no Posto Guaicurus, oportunidade em que abordou a carreta que provinha da Bolívia, sendo certo que os ocupantes apresentaram certo nervosismo, conversando baixo entre si, o que o levou a inspecionar o veículo. Em inspeção, os policiais componentes da guarnição verificaram um compartimento oculto sobre o para-brisa do caminhão, acionado por comandos eletrônicos, que, ao ser aberto, estava preenchido com drogas. Ambos os réus afirmaram que trabalhavam com o dono da carreta, D. Félix. MARCELINO disse ao policial que não sabia da existência da droga no local. Já o réu CARLOS disse que, em Santa Cruz, viu seu tio Félix, juntamente com terceiras pessoas, preencher aquele compartimento do caminhão, mas não sabia que se tratavam de substâncias entorpecentes. A narrativa foi corroborada pelo policial rodoviário federal Maurício de Castro Ferreira, que, regularmente inquirido acerca dos fatos em juízo (ID 129874716), afirmou exercer suas funções laborativas de fiscalização da estrada, oportunidade em que, abordou o caminhão no posto Guaicurus, ora dirigido por MARCELINO, tendo CARLOS HUGO na condição de passageiro. O caminhão provinha de Santa Cruz de La Sierra/BO. Ambos ficaram incomodados durante a inspeção, sendo certo que CARLOS tentou, a todo o tempo, evitar que a estrutura da cabine fosse danificada e a droga encontrada. Os réus negaram conhecimento da droga. MARCELINO disse que na primeira viagem que fez, deixou o caminhão com terceiros para ser descarregado, retirando-o no dia seguinte. CARLOS afirmou que tinha visto terceiros preencherem o mocó eletrônico. As asserções dos policiais rodoviários federais, ouvidos como testemunhas de acusação em juízo, vão ao encontro da versão esposada pelo réu MARCELINO, no sentido de que ele não sabia acerca da existência das drogas na parte superior da cabine. Pelo relato dos policiais, quem detinha este conhecimento era CARLOS HUGO, que tentou, a todo o tempo, evitar a fiscalização naquela região, inclusive pedindo aos policiais que não mexessem no compartimento eletrônico, sob pena de quebrá-lo. No que se refere ao nervosismo apresentado pelos réus, os policiais disseram que ambos cochicharam entre si, o que foi justificado por MARCELINO em seu interrogatório judicial, que disse ter perguntado ao corréu CARLOS HUGO o que estava acontecendo, já que não falava o português. Ademais, os policiais disseram que ambos demonstraram nervosismo na ocasião da abordagem, mas ressalvaram que não se recordam dos fatos da maneira exata como ocorreram, haja vista a similitude entre ocorrências quejandas, ao passo que ambos os réus, de maneira uníssona, afirmaram que MARCELINO não ficou nervoso durante a abordagem, já que não detinha o conhecimento acerca da existência das drogas no caminhão. Desse modo, a prova, pelo que se tem, não permite a condenação do réu MARCELINO pelo delito de tráfico transnacional de drogas. As asserções dos réus são claras no sentido de que ele não sabia da existência de drogas no compartimento secreto do caminhão. O dolo eventual, invocado pela r. sentença monocrática como fundamento para a condenação, de igual sorte, não restou caracterizado, já que o réu era incipiente nesse tipo de viagem e não exercia a profissão de motorista de caminhão, de modo que não lhe era previsível supor que estariam levando entorpecentes. Note-se que, a todo tempo, CARLOS HUGO assumiu o controle da situação, evitando que o réu MARCELINO tivesse contato visual com a carga e descarga da droga. Ressalto que não se desconhece o contexto probatório indiciário que pesa em desfavor do réu MARCELINO, porém, considero de maior relevo a certeza, que deve pairar sobre a decisão do julgador ao condená-lo. A prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de autoria não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal. Dessa maneira, embora não haja prova contundente da inocência do réu, não existe nos autos outros elementos probatórios aptos a corroborar a tese acusatória, havendo assim uma insuficiência de provas para impor uma condenação, põe-se em dúvida a participação dele na prática delitiva, imperando-se a aplicação do princípio in dubio pro reo. A doutrina é firme a respeito da certeza na convicção do julgador ao emitir decreto condenatório. Confira-se sobre o assunto, os comentários de Guilherme de Souza Nucci ao artigo 386 do Código de Processo Penal (in "Código de Processo Penal Comentado", 15ª Edição, ano 2016, Editora Revista dos Tribunais, pág. 857): "Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu - in dubio pro reu. Se o Juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, sem poder indica-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. Logicamente, neste caso, há possibilidade de se propor ação indenizatória na esfera cível." Nesse mesmo sentido, a jurisprudência desta Egrégia Corte: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. MOEDA FALSA, ARTIGO 289, §1º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO MANTIDA A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O réu foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 289, §1º, do Código Penal. 3. Materialidade demonstrada. 4. Autoria delitiva não comprovada. Prova testemunhal não trouxe quaisquer elementos. Ainda que inverossímeis e contraditórias as versões apresentadas pelo réu, tanto em sede policial quanto em juízo, e que as circunstâncias do delito e os inúmeros registros criminais em nome do réu, inclusive com condenação já transitada em julgado pela prática do delito de estelionato, a indicar a personalidade inclinada ao cometimento de delitos, fato é que não foram produzidas, em juízo, vale dizer, sob o crivo do contraditório, provas suficientes a comprovar que o denunciado dolosamente praticou a conduta descrita no artigo 289, §1º do Código Penal. Aplicação do princípio do in dubio pro reo, eis que a incerteza favorece o acusado e o édito condenatório não pode ser lastreado em probabilidades ou meros indícios. 5. Mantida a absolvição. 6. Apelação a que se nega provimento. (ACR 00091051620044036119, DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2011 PÁGINA: 195 ..FONTE_REPUBLICACAO) Portanto, os elementos de persuasão racional coletados no bojo do caderno processual são insuficientes para embasar o guerreado édito condenatório, no que se relaciona ao réu MARCELINO, de modo que se dá provimento ao recurso de sua defesa constituída para reformar-se a r. sentença penal condenatória e absolvê-lo das imputações formuladas na r. denúncia. DOSIMETRIA DA PENA Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS RÉU CARLOS HUGO Primeira Fase Na primeira fase relacionada à dosimetria da pena, o insigne magistrado sentenciante considerou deletérias as circunstâncias do crime, tendo em vista a natureza e grande quantidade de drogas apreendidas (146.700G de Cocaína). Em decorrência, exasperou a pena-base, fixando-a em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa. O Ministério Público Federal pede a exasperação da pena-base. De fato, a natureza da substância ou do produto, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, deve ser considerada para exasperação da pena-base. Nesse sentido colaciono julgado do Supremo Tribunal Federal: Habeas corpus. Penal e Processual Penal. tráfico transnacional de drogas . Artigo 33, caput; c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006. Pena-base. Majoração. Valoração negativa da natureza e da quantidade da droga. Admissibilidade. Vetores a serem considerados na dosimetria, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Pretendida aplicação do art. 33, § 4º, da Lei de drogas . Impossibilidade de utilização do habeas corpus para revolver o contexto fático-probatório e glosar os elementos de prova em que se amparou a instância ordinária para afastar essa causa de diminuição de pena. Precedentes. Regime inicial fechado. Imposição, na sentença, com fundamento exclusivamente no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Manutenção do regime prisional mais gravoso pelo Tribunal Regional Federal, em recurso exclusivo da defesa, com base nas circunstâncias do crime. Utilização de fundamentos inovadores. Reformatio in pejus caracterizada. Ratificação desse entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça, com outros fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. Ilegalidade flagrante. Ordem parcialmente concedida, para determinar ao juízo das execuções criminais que fixe, de forma fundamentada, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, e do art. 42 da Lei nº 11.343/06, o regime inicial condizente de cumprimento da pena. A natureza e a quantidade de droga apreendida justificam, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06, a majoração da pena-base, ainda que as demais circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao agente. Precedentes. (...) 6. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida, para determinar ao juízo das execuções criminais competente que fixe, de forma fundamentada, nos termos do art. 42 da Lei de drogas e do art. 33, § 3º, do Código Penal, o regime inicial condizente para o cumprimento da pena. (STF - HC 125781 / SP - Relator: Min. DIAS TOFFOLI - Segunda Turma - Dje 27-04-2015). Ressalta-se que a Cocaína é uma substância com alto poder destrutivo, que produz sérios danos à saúde, tais como dependência física e psicológica, que leva facilmente ao vício e até a morte. A cocaína é capaz de produzir nefastos efeitos na saúde do usuário e, consequentemente, ter um forte impacto na saúde pública de qualquer Estado. Os danos causados são muito maiores que os danos causados por outras substâncias entorpecentes, como a maconha ou o lança-perfume. Por isso, a conduta praticada pelo réu revestiu-se de especial gravidade. Ademais, o indivíduo que aceita transportar substância entorpecente de um país para outro, tendo-a recebido de um terceiro, assume o risco de transportar qualquer quantidade e em qualquer grau de pureza, motivo pelo qual tais circunstâncias também devem ser consideradas para majoração da pena-base. Considerando-se os patamares usados por esta E. Turma em casos semelhantes, verifica-se que a gravidade do delito permite a exasperação da pena em patamar superior àquele estabelecido pela r. sentença monocrática. Assim, dá-se provimento ao recurso ministerial para exaspera-se a reprimenda corporal inicial para 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 1.000 (mil) dias-multa. Segunda fase Na segunda fase do cálculo, o magistrado sentenciante reconheceu a atenuante genérica da confissão espontânea e reduziu a pena no patamar de 1/6 (um sexto). O parquet federal pede o decote da aludida atenuante genérica. Malgrado os esforços do órgão do Ministério Público Federal, é o caso de manter-se a atenuante genérica da confissão espontânea. Embora o réu CARLOS HUGO não tenha admitido que sabia acerca da existência de drogas no compartimento secreto do caminhão, ele confirmou que visualizou o exato momento em que o seu tio preenchia o local com algum objeto, desconfiando que poderia ser entorpecentes. Ademais, ele narrou com precisão a maneira como se deu as viagens internacionais, tecendo detalhes sobre a rota desenvolvida, a entrada no país e, outrossim, esclareceu que o corréu MARCELINO não detinha o conhecimento da prática do crime, já que sequer sabia sobre o compartimento secreto no caminhão. Ressalte-se o teor da súmula nº. 545 do STJ no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP. No presente caso, tem-se que a confissão do réu foi utilizada como fundamento para a convicção do magistrado sentenciante, que se pautou em seus relatos para entender a trajetória da droga e individualizar a autoria delitiva, sendo devido o reconhecimento da referida atenuante genérica. Por fim, o fato de ter sido preso em flagrante não macula por si só a aplicação da atenuante da confissão espontânea, uma vez que, além de facilitar a apuração dos fatos, a assunção de responsabilidade pelo crime, por aquele que tem a seu favor o direito constitucional a não se auto incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social, de suas consequências e de um desejo de colaborar com a Justiça, devendo ser devidamente recompensada. Nesse sentido, julgados abaixo transcritos: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, ALÍNEAS 'B' E 'D' DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.008/2014). GRANDE QUANTIDADE DE CIGARROS. ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. AUMENTO DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA . INCIDÊNCIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A sentença recorrida condenou ADI PEDRO MIERRO pelo cometimento da conduta descrita no artigo 334, §1º, alíneas 'b' e 'd' do Código Penal (redação anterior à Lei 13.008/2014), à pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão em regime aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) penas restritivas de direitos, a saber: (i) prestação pecuniária a ser revertida para entidade filantrópica definida pelo juízo das execuções penais, no valor correspondente à metade da fiança prestada, e (ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal substituída, a ser cumprida em entidade pública ou privada, a ser designada pelo juízo das execuções penais, em audiência admonitória, em regime de oito horas semanais. O apelo insurge-se quanto à dosimetria da pena. (...) 5. Atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida. a súmula 545 do E. STJ determina que, 'quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal'. Mesmo em caso de autuação em flagrante delito a confissão espontânea do réu utilizada como argumento da sentença e meio de convicção do magistrado deve servir para fins de circunstância atenuante. Isso porque, o ato de confessar, de um lado revela o desejo do acusado em colaborar com a Justiça e, por outro, facilita a apuração dos fatos dos autos. Mesmo em caso de flagrante delito, certas potenciais dúvidas acerca dos fatos podem ser sanadas mediante a confissão do réu. Precedentes. Ausentes causas de aumento ou diminuição da pena, fixação no patamar de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão em regime aberto (§2º e §3º do artigo 33 do Código Penal). (...) 8. Execução provisória da pena. Independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação (STF, HC 126.292). 9. Apelação parcialmente provida. (g.n.) (Ap. 00063543320114036112, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, 11ª Turma, v.u., e-DJF3: 20.04.2018) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334, §1º, ALÍNEA B, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REFORMADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA . APLICÁVEL. AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 62, INC. IV. DO CÓDIGO PENAL. INAPLICÁVEL. RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO EM PARTE. 1. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso e restaram devidamente comprovadas nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante Delito, Auto de Apresentação e Apreensão, ofício da Receita Federal e Laudos Periciais, assim como oitivas das testemunhas e do próprio recorrido. 2. Dosimetria da pena. Pena-base reformada. Conforme bem fundamentado pelo Juízo a quo, as circunstâncias do crime recomendam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, porém reputo diminuto o acréscimo, considerando a grande quantidade de cigarros apreendidos, qual seja, 395.000 (trezentos e noventa e cinco mil) maços. 3. Não há que se aplicar a agravante prevista no art. 62 IV, do Código Penal, relativa à prática do delito em virtude de pagamento ou promessa de recompensa, pois a obtenção de lucro ou vantagem já se encontra implícita no tipo penal referente ao contrabando, de sorte que sua aplicação implicaria em bis in idem. 4. O acusado faz jus à incidência da atenuante da confissão , pois, a despeito de ter sido preso em flagrante , confessou a autoria dos fatos a si imputados. 4. Pena definitiva fixada em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão. 5. Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade mantido no aberto, nos termos do art. 33, §2º, do Código Penal. 6. Pena privativa de liberdade substituída, nos termos do art. 44, do Código penal, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no valor fixado na r. sentença, qual seja, 12 (doze) parcelas de R$ 100,00 (cem reais) cada. 7. Recurso provido em parte (Ap. 00001860820124036006, Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, 5ª Turma, v.u., e-DJF3: 28.09.2017) No mais, a doutrina pátria e a jurisprudência desta E. Corte afirmam que redução da pena na fração de 1/6 (um sexto) é mais razoável e proporcional. Assim leciona Guilherme de Souza Nucci: sempre sustentamos e aplicamos o abrandamento de um sexto, que nos parece justo (Código Penal Comentado, 17ª ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 522). Mantida a agravante genérica da confissão espontânea no patamar de 1/6 (um sexto), bem como considerando-se o recálculo da pena neste v. Acórdão, fixa-se a pena intermediária do réu em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 833 (oitocentos e trinta e três) dias-multa. Terceira fase Na terceira fase da dosimetria, o magistrado reconheceu a majorante do artigo 40, inciso I, da Lei Federal nº 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), em razão da transnacionalidade do delito, bem como aplicou o redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, na razão de 1/3 (um terço). O Ministério Público Federal pede seja majorada a fração correspondente à causa de aumento de pena (art. 40, I) para 1/3 (um terço), assim como decotada a causa especial de diminuição de pena (art. 33, § 4º). Já a defesa de CARLOS HUGO pede a exasperação do quantum relacionado à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas Causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso I, da Lei Federal nº 11.343/2006. De início, ressalta-se que a transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória durante a instrução processual, na justa medida em que os réus afirmaram, em juízo, que provinham com o caminhão da Bolívia e tinham como destinação final a cidade de São Paulo/SP. Ademais, o réu CARLOS HUGO afirmou categoricamente que viu o seu tio carregar o compartimento secreto do veículo em solo boliviano. Assim, no caso dos autos, as circunstâncias demonstram haver elementos sólidos não só no sentido de que o entorpecente proveio do exterior (Bolívia), mas também, de que há um vínculo fático entre a internalização e o posterior transporte da droga para distribuição. Logo, aplicada com acerto a causa de aumento da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei Federal nº 11.343/2006. O quantum de aumento da pena no patamar de 1/6 (um sexto) foi corretamente adotado pelo magistrado sentenciante, uma vez que presente tão somente uma causa de aumento. Os patamares superiores devem ser reservados para as situações fáticas em que mais de uma causa de aumento seja concomitante ou nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. Nesse sentido, já se pronunciou por reiteradas vezes esta E. Corte: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33 C.C. ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/06. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE DA DROGA. FUNÇÃO PREPONDERANTE NA FIXAÇÃO DA REPRIMENDA NO CRIME DE TRÁFICO. ART. 42, DA LEI 11.343/06. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CAUSA DE AUMENTO DO INC. I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06. MERA DISTÂNCIA ENTRE PAÍSES. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: FIXAÇÃO NO PATAMAR MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA: FECHADO. 1. Comprovadas nos autos a materialidade, a autoria e o dolo do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei 11.343/06, praticado pelo réu, preso em flagrante na saída do município de Iguatemi/MS, sentido Eldorado/MS, transportando, ocultadas no veículo Toyota Corolla LE, placas LVF 2327, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 46.290g (quarenta e seis mil, duzentos e noventa gramas) da substância entorpecente Canabis Sativa Lineu, conhecida como "maconha", proveniente do Paraguai. Condenação mantida. 2. Na individualização da pena dos crimes de tráfico, deve-se considerar os critérios do art. 59 do CP e, preponderantemente, os descritos no art. 42 Lei 11.343/06. Não se pode considerar desfavorável a culpabilidade do acusado simplesmente pelo fato de ter percorrido grande distância com intenção de praticar a ação durante todo o trajeto, uma vez que inerente ao próprio tipo penal de tráfico internacional de drogas. Ao contrário do que afirmado pelo Juízo a quo, não há nos autos elementos suficientes para se aferir acerca da personalidade do réu. No que se refere aos motivos do crime (lucro fácil), relacionam-se a uma característica inerente ao próprio tipo penal de tráfico, razão pela qual não se justifica a elevação da pena-base. Porém, o réu não merece a fixação da pena-base no mínimo legal. Embora a "maconha" não possa ser considerada tão maléfica quanto as demais drogas que são usualmente traficadas (cocaína, crack, ecstasy, anfetamina, heroína, LSD, etc), a quantidade apreendida nestes autos é elevada, ainda mais quando comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes, o que, por si só, justifica a exasperação da pena-base acima do mínimo legal. Pena-base reduzida. 3. Transnacionalidade do tráfico comprovada. A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. Redução, ex officio, da causa de aumento de pena do inc. I, do art. 40, da lei de drogas, para o percentual de 1/6 (um sexto). 4. Razoável e suficiente, em termos de repressão e prevenção penal, a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, no patamar mínimo legal (um sexto). Impossibilidade de fixação no patamar máximo, que é reservado aos casos de tráfico eventual para usuários de pequenas quantidades de droga, nos casos em que também forem totalmente favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal e art. 42, da Lei nº 11.343/06. 5. Para determinar o regime inicial de cumprimento da pena, o magistrado deve se valer, além do quantum de pena imposta (art. 33, §2º, CP), dos critérios previstos no artigo 59, do Código Penal, conforme exegese do artigo 33, §3º, do mesmo codex. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, as circunstâncias judiciais para fixação da pena-base incluem, ainda, a natureza e a quantidade da droga, nos termos do artigo 42, da Lei nº 11.343/2006. No caso concreto, em que pese o disposto no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, a fixação de regime mais brando para o início do cumprimento da pena mostra-se absolutamente insuficiente para a prevenção e a repreensão do crime, em razão da quantidade da droga (46.290g). 6. Apelação da defesa a que se nega provimento. Recurso da acusação provido. (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 45762 - 0000007-11.2011.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 25/11/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/12/2014- destaque nosso) REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. ART. 42 DA LEI Nº 11.343/2006. CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA DO § 4º, ART. 33, DA LEI 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. TRANSNACIONALIDADE. QUANTUM DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO. REVISÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1 - Revisão criminal com o objetivo de desconstituir condenação pela prática do delito tipificado no art. 33, caput, c.c. art. 40, inc. I, da Lei nº 11.343/2006. 2 - Pena-base. A jurisprudência é tranquila em admitir o incremento da pena-base, com fundamento na quantidade e natureza da substância entorpecente, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. Precedentes. 3 - Não merece prosperar a alegação de que todas as circunstâncias do art. 59 do CP são favoráveis ao acusado e, portanto, a pena-base deveria ser estabelecida no mínimo legal, pois isto constituiria em negativa de vigência ao art. 42 da Lei nº 11.343/2006 que expressamente determina que "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente." 4 - O fato de as demais circunstâncias judiciais não serem desfavoráveis não autoriza a redução da pena-base, uma vez que não há compensação de circunstâncias na primeira fase da dosimetria da pena. 5 - Causa de redução de pena. Art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. O preenchimento de todos os requisitos previstos no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/2006 é indispensável para a aplicação da benesse, sendo que o grau de redução observará as circunstâncias do caso concreto. 6 - As circunstâncias do caso concreto expressas no acórdão justificam suficientemente o grau de redução aplicado, não merecendo acolhida a tese de que, por preencher todos os requisitos legais, faria o revisionando jus à redução em seu grau máximo. 7 - Causa de aumento da transnacionalidade do tráfico. Esta Primeira Seção tem posicionamento firme no sentido de que a distância a ser percorrida pelo transportador da droga não justifica a majoração do quantum da referida causa de aumento. 8 - O grau de majoração deve ser apurado de acordo com a quantidade de causas de aumento presentes no caso concreto, conforme jurisprudência desta Primeira Seção. 9 - Pena reduzida. 10 - Revisão criminal conhecida e julgada parcialmente procedente. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1017 - 0026063-86.2013.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 01/10/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2015- destaque nosso). Assim, aplicado o patamar de 1/6 (um sexto), a pena deve ser fixada em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 972 (novecentos e setenta e dois) dias-multa. Causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de drogas Não é cabível a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Isso porque, tal dispositivo prevê a redução de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) na pena, para o agente que for primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa. A despeito de o réu CARLOS HUGO não possuir antecedentes criminais, denota-se, do contexto fático, indícios de que a contribuição do apelante para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não se deu de forma ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz, já que era a segunda viagem dele para o Brasil, de modo a evidenciar que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa. Note-se, ainda, que o réu transportava quantidade vultosa de drogas (mais de 146Kg de Cocaína), sendo certo que foram realizadas modificações na estrutura do caminhão de sua família para armazenar os psicotrópicos, com expressivo investimento financeiro por parte da organização criminosa subjacente, o que demonstra um vínculo entre eles. Ademais, o vínculo do réu CARLOS HUGO com organizações criminosas subajacentes está patente ao verificar-se que ele designado para supervisionar a entrega da droga ao destino final (São Paulo), vigiando o motorista e orientando-o acerca da trajetória a ser desenvolvida, permanecendo o tempo todo no controle da situação, inclusive, controle financeiro. Com efeito, tais circunstâncias, bem como o modus operandi utilizado (destacando-se a ocultação da droga de modo elaborado e o alto valor da droga transportada), afastam a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Importante ressaltar que, para o afastamento da causa de diminuição em comento, não se exige a comprovação da habitualidade presente na figura típica do art. 35 da Lei nº 11.343/2006. Bastam elementos que indiquem vínculo mínimo com a organização criminosa e que sua participação no narcotráfico não ocorreu de maneira eventual e específica, como é o caso das chamadas "mulas", contratadas de forma absolutamente ocasional e pontual para realizar o transporte de droga. Destaque-se, ademais, que os fins econômicos demonstram a existência de uma atividade ou de uma organização criminosa necessariamente subjacente, o que tem o condão de excluir a incidência do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, apesar da primariedade e dos bons antecedentes do réu. Diferente seria a hipótese daquele que transporta drogas para entregar a terceiros por questões divorciadas de qualquer sentido econômico, situação que, em tese, ensejaria a aplicação da causa de diminuição em questão. Com esteio nesses fundamentos, dá-se provimento ao recurso ministerial para afastar a aplicação do redutor guerreado. Em decorrência, a pena permanece em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 972 (novecentos e setenta e dois) dias-multa. DA PENA DE MULTA O número de dias-multa deve atender os critérios de proporcionalidade à pena privativa de liberdade, ao passo que o valor de cada dia-multa deve ser fixado dependendo da situação econômica do condenado. No caso concreto, a condição econômica do réu foi devidamente levada em consideração para a fixação dos dias-multa no mínimo legal, nos termos do art. 43 da Lei n. 11.343/2006. O valor do dia-multa foi fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do crime, diante da ausência de informações concretas acerca da situação econômica do acusado, o que deve ser mantido. DA PENA DEFINITIVA A pena definitiva de CARLOS HUGO restou fixada em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 972 (novecentos e setenta e dois) dias-multa DO REGIME INICIAL O magistrado sentenciante estabeleceu o regime semiaberto como forma inicial do resgate prisional, uma vez que a reprimenda estabelecida na r. sentença foi menor que oito anos de reclusão. Primeiramente, relevante salientar que a obrigatoriedade do regime inicial fechado aos sentenciados por crimes hediondos e equiparados não mais subsiste, diante da declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 111840, em 27 de junho de 2012. Desta forma, para determinação do regime inicial, deve-se observar o artigo 33, parágrafos 2º e 3º, do Código Penal, e do artigo 59 do mesmo Codex, de forma que a fixação do regime inicial adeque-se às circunstâncias do caso concreto. Ressalte-se que, especificamente quanto ao delito de tráfico ilícito de drogas, também se considerará a natureza e quantidade de entorpecentes como fundamentação idônea para a fixação do regime inicial para cumprimento de pena, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006. Nesse sentido: PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. FUNDAMENTAÇÃO VINCULADA. VEDAÇÃO LEGAL CONTIDA NO ART. 2º, § 1º, DA LEI N. 8.072/90, NA REDAÇÃO DADA PELO LEI N. 11.464/2007. INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Embora possa haver nos autos elementos concretos que justifiquem a imposição de regime mais gravoso, sabe-se que para cada uma das fases de dosimetria das penas, bem como para a fixação do regime prisional, a fundamentação deverá ser vinculada aos motivos declinados pelo julgador. 2. Declarada a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º da Lei n. 8.072/90, que determinava a obrigatoriedade de imposição de regime inicial fechado aos condenados por crimes hediondos ou equiparados, a fixação do regime inicial deve observar os critérios do art. 33, §§ 2º e 3º do Código Penal e do art. 42 da Lei n. 11.343/06, aos condenados por tráfico de drogas. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1512607/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 03/04/2018- destaque nosso) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. DESCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAJORAÇÃO. QUANTIDADE E NATUREZA DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE. ART. 42 DA LEI N. 11.343/06. INCIDÊNCIA DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. HIPÓTESE DIVERSA DAQUELA TRATADA NO ARE N. 666.334/RG (REPERCUSSÃO GERAL), DO STF. REGIME FECHADO. POSSIBILIDADE. QUANTIDADE, VARIEDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 5. O STF, no julgamento do HC n. 111.840/ES, declarou inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/07, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados. Assim, o regime prisional deverá ser fixado em obediência ao que dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, e art. 59, ambos do Código Penal - CP. In casu, a quantidade, variedade e natureza da droga apreendida, utilizadas na terceira fase da dosimetria para afastar a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, justificam a fixação do regime prisional mais gravoso. Precedentes. 6. Considerando a pena aplicada, no patamar superior a 4 anos, inviável a aplicação da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ante o não preenchimento dos requisitos do art. 44, I, do CP. Habeas corpus não conhecido. (HC 425.688/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018- destaque nosso) In casu, tem-se que a pena privativa de liberdade foi fixada em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e, sendo o réu primário, ensejaria, via de regra, a fixação no regime inicial fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. Analisando as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei nº 11.343/2006, verifica-se que, no caso concreto, as circunstâncias do crime são anormais à espécie examinada, levando-se em consideração a grande quantidade e qualidade da droga apreendida (mais de 146Kg de Cocaína), razão pela qual fora exasperada de forma considerável a pena-base. Diante disso, imperiosa a fixação do regime inicial FECHADO. A detração de que trata o artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 12.736/2012, não influencia no regime, já que o réu foi preso em 07.10.2019 e a r. sentença publicada em 27.11.2019, de modo que a pena remanescente, descontado o período entre a data da prisão e a prolação do édito condenatório, continua a superar 08 (oito) anos de reclusão. SUBSTITUIÇÃO DA PENA Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto ausentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA As defesas dos réus pleiteiam a concessão dos benefícios da justiça gratuita, por não disporem eles de recursos para arcar com o pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado, sem prejuízo do seu sustento. Com relação ao pagamento das custas processuais, esta decorre do comando normativo inserto no artigo 804 do Código de Processo Penal, sendo devida mesmo ao acusado que seja beneficiário da assistência judiciária gratuita. Ainda assim, eventual impossibilidade de adimplemento das custas processuais pode ser requerida no Juízo da Execução Criminal (Ap. 0000051-59.2013.8.18.0040, 2ª C. Esp. Crim, Rel. Joaquim Dias de Santana Filho, Julg. 27.04.2015, v.u.), de modo que nada impede que, oportunamente, o Juízo das Execuções Criminais, observando a insuficiência de recursos do apenado, proceda à suspensão da exigibilidade das custas processuais, pelo período máximo de cinco anos ou enquanto sua situação financeira não lhe permitir arcar com este pagamento. Nesse sentido, há precedente do Superior Tribunal de Justiça: AgInt no REsp 1637275/RJ, Min. Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em 06 de dezembro de 2016. NO CASO DOS AUTOS, inexistem elementos que infirmam a hipossuficiência dos réus e, portanto, suas declarações de hipossuficiência devem ser suficientes para a concessão do benefício. Dessa forma, devida a concessão da assistência judiciária gratuita aos réus. ACORDOS SOBRE TRANSFERÊNCIA DE PESSOAS CONDENADAS Registre-se que existe a possibilidade de o condenado pleitear, após o trânsito em julgado da sentença, perante o Ministério de Justiça, a eventual possibilidade de que o cumprimento de sua pena se dê em seu país de origem, com base nos termos Acordo Bilateral entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Bolívia, celebrado em La Paz, em 26 de julho de 1999, e incorporado ao ordenamento jurídico pelo Decreto nº 6.128/2007. DEVOLUÇÃO DE PASSAPORTE Nos termos do artigo 1º, § 2º, da Resolução CNJ nº 162/2013, após a realização das perícias pertinentes, a autoridade judiciária deverá encaminhar o passaporte do preso estrangeiro à respectiva missão diplomática ou, na sua falta, ao Ministério das Relações Exteriores, no prazo máximo de cinco dias. Sendo assim, o passaporte do Apelante CARLOS HUGO, acaso acostado nos autos, deverá ser desentranhado e encaminhado para o consulado da Bolívia, que tomará as providências cabíveis. DO DIREITO DE RESPONDER EM LIBERDADE No que se refere ao pleito defensivo para que o réu CARLOS HUGO possa recorrer em liberdade, verifico que este não merece prosperar, uma vez que sua prisão preventiva foi devidamente fundamentada pelo r. juízo a quo e seguem presentes as condições que ensejaram sua decretação. Ademais, tendo o acusado permanecido em custódia cautelar durante toda a instrução probatória, e mantidos os fundamentos de sua segregação provisória, mostrar-se-ia um contrassenso, após sua condenação em segunda instância, a concessão de seu direito de aguardar em liberdade. Nesse sentido já se manifestou reiteradamente o Supremo Tribunal Federal, in verbis: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PERICULOSIDADE DO AGENTE. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA CUSTÓDIA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I - A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a preservação da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do paciente, verificada pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Precedentes. II - Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que, permanecendo os fundamentos da custódia cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação. Precedentes. III - Ordem denegada (HC n. 138.120, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 16.12.2016). DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação de CARLOS HUGO QUINTERO PEREIRA, apenas para conceder-lhe os benefícios da justiça gratuita, nos termos especificados, bem como DAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação de MARCELINO MAYTA FERNANDEZ, para reformar a r. sentença e ABSOLVÊ-LO da imputação formulada na r. denúncia, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, assim como DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal, para exasperar a pena-base, decotar a causa especial de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, e alterar o regime de cumprimento de pena ao mais gravoso, tudo relacionado ao corréu CARLOS HUGO, fixando-se, por conseguinte, a pena total e definitiva de CARLOS HUGO em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser inicialmente cumprida no regime FECHADO, e pagamento de 972 (novecentos e setenta e dois) dias-multa, fixados cada um destes em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. É o voto. Expeça-se Alvará de Soltura Clausulado em favor do réu MARCELINO MAYTA FERNANDES. Comunique-se o e. Juízo das Execuções Criminais. Oficie-se o Ministério da Justiça. Comunique-se o consulado da Bolívia.
E M E N T A
DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE DELITIVA INCONTROVERSA. AUTORIA DELITIVA EM RELAÇÃO AO CORRÉU CARLOS HUGO INCONTROVERSA. AUTORIA DELITIVA EM RELAÇÃO AO CORRÉU MARCELINO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. ELEMENTOS DE PERSUASÃO RACIONAL, COLACIONADOS NO CURSO DA ETAPA INSTRUTÓRIA, INSUFICIENTES PARA A EDIÇÃO DE UM ÉDITO DE NATUREZA CONDENATÓRIA. DOSIMETRIA DA PENA. RÉU CARLOS HUGO. PRIMEIRA FASE. PENA-BASE. PATAMARES UTILIZADOS POR ESTA E. TURMA JULGADORA QUE AUTORIZAM A EXASPERAÇÃO. SEGUNDA FASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO). TERCEIRA FASE. TRANSNACIONALIDADE. FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO). BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS. NÃO CABIMENTO. REGIME INICIAL FECHADO. DETRAÇÃO QUE NÃO EXERCE INFLUÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE.
- Questão de fundo. Autoria delitiva. Réu CARLOS HUGO. Ressalte-se que não houve impugnação quanto à autoria atribuída ao corréu CARLOS HUGO, pelo que incontroversa. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal Regional Federal. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do recorrente CARLOS HUGO, aliás, como não poderia deixar de ocorrer, ante o enorme arcabouço fático-probatório constante destes autos em seu desfavor.
- Autoria delitiva. Réu MARCELINO. Absolvição. Elementos probatórios produzidos no curso da etapa instrutória são frágeis e deles não se extrai a segurança necessária que se deve haver para a edição de um édito de natureza condenatória. Em outras palavras, do teor dos testemunhos e do interrogatório do increpado, produzidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não é possível deduzir que o réu detinha ciência acerca da existência de substâncias psicotrópicas escondidas no caminhão.
- Em se tratando de condenação penal, não se pode aceitar nada menos do que a absoluta e convicta certeza da autoria do delito, notadamente ao considerarmos a existência do princípio in dubio pro reo vigente em nosso ordenamento jurídico.
- Do interrogatório do réu MARCELINO extrai-se que ele foi contratado por D. Félix e seu sobrinho, o corréu CARLOS HUGO, para trazer cargas em caminhão de propriedade do primeiro ao nosso país. Narra que, em duas oportunidades distintas, o caminhão ficou sem sua vigilância, a saber, na primeira viagem, quando CARLOS HUGO insistiu que deixasse o caminhão aberto, provavelmente para que a quadrilha subjacente descarregasse as drogas já trazidas da Bolívia, e, outrossim, na segunda viagem, quando entregou o veículo em confiança a D. Félix e CARLOS HUGO, para que fosse abastecido com a carga (sucata) a ser transportada para o Brasil. Assim, não se pode descartar a ideia de que, nesses dois momentos, houve o descarregamento e o abastecimento do veículo com drogas, sem que o réu tivesse ciência.
- Da análise de seu interrogatório, percebe-se que MARCELINO não detinha o conhecimento sobre a existência das drogas no veículo. Assistindo atentamente à gravação da Audiência de Instrução, Debates e Julgamento, percebe-se que o réu não caiu em qualquer contradição no curso de sua oratória, mesmo tratando-se de pessoa simples e que mal expressa a língua portuguesa. Como bem reiterou o magistrado sentenciante, convém que se diga de antanho que, aparentemente, era pessoa de boa intenção (...).
- Ao que tudo indica, ele foi contratado por D. Félix e CARLOS HUGO apenas para servir de motorista nas duas viagens que realizou ao Brasil, sem que lhe fosse noticiado pelos contratantes que o caminhão estaria abastecido com substâncias psicoativas. Nota-se que, na segunda viagem, CARLOS HUGO foi sorrateiro em fazer com que MARCELINO ultrapassasse sozinho a fronteira do país e passasse pela alfândega, locais em que as chances de apreensão do entorpecente são maiores. Na alfândega, após a fiscalização rodoviária, surpreendeu o réu MARCELINO com a sua presença, e a este apenas coube aceitar a sua companhia, já que o caminhão pertencia a seu tio. Além disso, MARCELINO não falava a língua portuguesa com fluência. Ficou, pois, o réu MARCELINO, sem reação, já que não mandaria o filho do seu patrão, dono do caminhão, de volta para a casa.
- Ainda que se argumente que o réu MARCELINO era motorista profissional, e, portanto, deveria ter ciência de que a rota realizada é comumente conhecida como do tráfico de cocaína, não se deve deixar de anotar que ele não exerce a profissão de caminhoneiro propriamente dita, já que é motorista de ônibus coletivo na Bolívia, sendo certo que nunca fez outras viagens ao Brasil em sua vida. Assim, afasta-se o denominado dolo eventual.
- Não se desconhece o contexto probatório indiciário que pesa em desfavor do réu MARCELINO, porém, considero de maior relevo a certeza, que deve pairar sobre a decisão do julgador ao condená-lo. A prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de autoria não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal. Dessa maneira, embora não haja prova contundente da inocência do réu, não existe nos autos outros elementos probatórios aptos a corroborar a tese acusatória, havendo assim uma insuficiência de provas para impor uma condenação, põe-se em dúvida a participação dele na prática delitiva, imperando-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.
- Dosimetria da pena. Réu CARLOS HUGO. Primeira fase. Considerando-se os patamares usados por esta E. Turma em casos semelhantes, verifica-se que a gravidade do delito permite a exasperação da pena em patamar superior àquele estabelecido pela r. sentença monocrática. Assim, dá-se provimento ao recurso ministerial para exaspera-se a reprimenda corporal inicial para 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 1.000 (mil) dias-multa.
- Segunda fase. É o caso de manter-se a atenuante genérica da confissão espontânea. Embora o réu CARLOS HUGO não tenha admitido que sabia acerca da existência de drogas no compartimento secreto do caminhão, ele confirmou que visualizou o exato momento em que o seu tio preenchia o local com algum objeto, desconfiando que poderia ser entorpecentes. Ademais, ele narrou com precisão a maneira como se deu as viagens internacionais, tecendo detalhes sobre a rota desenvolvida, a entrada no país e, outrossim, esclareceu que o corréu MARCELINO não detinha o conhecimento da prática do crime, já que sequer sabia sobre o compartimento secreto no caminhão.
- O fato de ter sido preso em flagrante não macula por si só a aplicação da atenuante da confissão espontânea, uma vez que, além de facilitar a apuração dos fatos, a assunção de responsabilidade pelo crime, por aquele que tem a seu favor o direito constitucional a não se auto incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social, de suas consequências e de um desejo de colaborar com a Justiça, devendo ser devidamente recompensada.
- A doutrina pátria e a jurisprudência desta E. Corte afirmam que redução da pena na fração de 1/6 (um sexto) é mais razoável e proporcional. Assim leciona Guilherme de Souza Nucci: sempre sustentamos e aplicamos o abrandamento de um sexto, que nos parece justo (Código Penal Comentado, 17ª ed. rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 522).
- Mantida a agravante genérica da confissão espontânea no patamar de 1/6 (um sexto), bem como considerando-se o recálculo da pena neste v. Acórdão, fixa-se a pena intermediária do réu em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 833 (oitocentos e trinta e três) dias-multa.
- Terceira fase. A transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória durante a instrução processual, na justa medida em que os réus afirmaram, em juízo, que provinham com o caminhão da Bolívia e tinham como destinação final a cidade de São Paulo/SP. Ademais, o réu CARLOS HUGO afirmou categoricamente que viu o seu tio carregar o compartimento secreto do veículo em solo boliviano.
- O quantum de aumento da pena no patamar de 1/6 (um sexto) foi corretamente adotado pelo magistrado sentenciante, uma vez que presente tão somente uma causa de aumento. Os patamares superiores devem ser reservados para as situações fáticas em que mais de uma causa de aumento seja concomitante ou nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior.
- Aplicado o patamar de 1/6 (um sexto), a pena deve ser fixada em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 972 (novecentos e setenta e dois) dias-multa.
- Não é cabível a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Isso porque, tal dispositivo prevê a redução de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) na pena, para o agente que for primário, possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa.
- A despeito de o réu CARLOS HUGO não possuir antecedentes criminais, denota-se, do contexto fático, indícios de que a contribuição do apelante para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não se deu de forma ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz, já que era a segunda viagem dele para o Brasil, de modo a evidenciar que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
- Note-se, ainda, que o réu transportava quantidade vultosa de drogas (mais de 146Kg de Cocaína), sendo certo que foram realizadas modificações na estrutura do caminhão de sua família para armazenar os psicotrópicos, com expressivo investimento financeiro por parte da organização criminosa subjacente, o que demonstra um vínculo entre eles.
- Ademais, o vínculo do réu CARLOS HUGO com organizações criminosas subajcentes está patente ao verificar-se que ele designado para supervisionar a entrega da droga ao destino final (São Paulo), vigiando o motorista e orientando-o acerca da trajetória a ser desenvolvida, permanecendo o tempo todo no controle da situação, inclusive, controle financeiro.
- Com efeito, tais circunstâncias, bem como o modus operandi utilizado (destacando-se a ocultação da droga de modo elaborado e o alto valor da droga transportada), afastam a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
- Regime inicial. In casu, tem-se que a pena privativa de liberdade foi fixada em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e, sendo o réu primário, ensejaria, via de regra, a fixação no regime inicial fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. Analisando as circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei nº 11.343/2006, verifica-se que, no caso concreto, as circunstâncias do crime são anormais à espécie examinada, levando-se em consideração a grande quantidade e qualidade da droga apreendida (mais de 146Kg de Cocaína), razão pela qual fora exasperada de forma considerável a pena-base. Diante disso, imperiosa a fixação do regime inicial FECHADO.
- A detração de que trata o artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 12.736/2012, não influencia no regime, já que o réu foi preso em 07.10.2019 e a r. sentença publicada em 27.11.2019, de modo que a pena remanescente, descontado o período entre a data da prisão e a prolação do édito condenatório, continua a superar 08 (oito) anos de reclusão.
- Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto ausentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal.
- Inexistem elementos que infirmam a hipossuficiência dos réus e, portanto, suas declarações de hipossuficiência devem ser suficientes para a concessão do benefício.