APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001645-93.2019.4.03.6141
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
APELANTE: FUNDACAO DO ABC
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO LUIZ BEVENUTO - SP194269-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001645-93.2019.4.03.6141 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: FUNDACAO DO ABC Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO LUIZ BEVENUTO - SP194269-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): Trata-se de Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença que julgou procedente pedido determinar de desbloqueio do CNPJ da autora para fins de concessão de seguro desemprego de empregados celetistas da FUNDAÇÃO DO ABC e a condenou ao pagamento de honorários advocatícios à autora, nos termos seguintes:
(...)Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para determinar à União o desbloqueio do CNPJ da Fundação do ABC para fim de concessão de seguro desemprego para seus empregados, quando preenchido os requisitos legais, dispensando-se a necessidade de realização de concurso público na sua contratação nos termos da fundamentação expendida, salvo se por outro motivo o CNPJ estiver bloqueado. Fixo o prazo de 30 dias para a efetivação da medida, sob pena de incidência de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).
Condeno a ré (União), por conseguinte, ao pagamento de honorários advocatícios à autora, no montante correspondente a 10% sobre o valor dado à causa, devidamente atualizado.
Custas ex lege.(...)
Em razões recursais (ID 96730052), a parte ré sustenta:
- ilegitimidade ativa, posto a invocação direito personalíssimo do trabalhador, concessão de seguro-desemprego, suscetível ao exame individualizado pela Administração Pública;
- falta de interesse de agir por inexistir decisão administrativa definitiva a cercear o alegado direito dos ex-empregados da parte autora que realizaram pedido administrativo do seguro-desemprego, cabendo a cada um dos interessados, individualmente, veicular recurso administrativo para análise do órgão do MET;
- o bloqueio do CNPJ lastreia-se no Parecer da CONJUR MTE N° 507/06 e na Circular do MTE n° 46 de 29/09/15 da CGSAP, tendo em vista que os trabalhadores desligados da Administração Pública Direta, bem aqueles da Administração Indireta, neste último caso sendo exigido o ingresso por meio de concurso público, não terão direito ao benefício do seguro-desemprego;
- trata-se, portanto, de conduta legal e precavida da administração, de analisar, caso a caso, cada um dos pedidos formulados que se coaduna com a constituição (artigo 37, II e § 2º).
Com as contrarrazões (ID 96370055), subiram os autos a este E. Tribunal Regional.
Manifestaram-se as partes sobre o descumprimento da determinação de desbloqueio do CNPJ no prazo estabelecido na sentença (ID 139943135 e ID 151996557).
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001645-93.2019.4.03.6141 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA APELANTE: FUNDACAO DO ABC Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO LUIZ BEVENUTO - SP194269-A APELADO: UNIAO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): (...) Preliminar de ilegitimidade ativa ad causam A autora busca como pedido imediato o desbloqueio de seu CNPJ e apenas como causa de pedir a liberação do seguro desemprego de seus ex-empregados. Trata-se, portanto, de pedido feito em causa própria e não em nome de terceiro. Desse modo, não há se falar em substituição processual, porquanto não há pedido feito em nome de terceiro, não sendo o caso de aplicação do art. 18 do novo Código de Processo Civil. Rejeito. Preliminar de falta de interesse de agir A UNIÃO alegou falta de interesse de agir, uma vez que seria necessário primeiro a interposição de recurso administrativo pelos interessados, antes de buscarem o seguro desemprego em sede jurisdicional. De início, consigno que não se trata de requisito para o exercício do direito de ação a prévia interposição de recurso administrativo, razão pela qual tal fundamento não prospera. Ademais, esta preliminar adentra ao próprio mérito da causa que será objeto de análise adiante. Rejeito. MÉRITO Antes de adentrar ao caso em análise, necessárias algumas considerações sobre o regime jurídico das organizações sociais. As organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público e que, por preencherem os requisitos da Lei 9.637/98, são classificadas de organização social. Interessante observar que essa classificação é feita pelo próprio poder público de maneira discricionária, por questões de conveniência e oportunidade. Suas áreas de atuação são os serviços públicos não exclusivos do Estados, tais como ensino, pesquisa, tecnologia, meio ambiente, cultura e saúde. Mas, para que realizem tais serviços, é preciso que, por meio de um contrato de gestão com o Poder Público, seja formada uma parceria delimitando-se as atribuições, responsabilidades e obrigações de cada uma das partes envolvidas. Contudo, mesmo após ser firmado esse contrato a Organização Social continua sendo apenas uma entidade para estatal, não componente da Administração Pública e, consequentemente, sem a necessidade de se submeter ao regime jurídico de direito público de maneira integral. Isso significa que para a contratação de seus funcionários não é necessária a realização de concurso público, assim como também está dispensada da realização de licitação para a contratação com terceiros. Nesse mesmo sentido foi a decisão do Eg. Supremo Tribunal Federal na ADI 1923. No caso em análise, destaca-se que é fato incontroverso, confessado pela UNIÃO em sede de contestação, que o CNPJ da autora foi bloqueado tendo em vista que os trabalhadores desligados da Administração Pública Direta e Indireta, contratados sem concurso público não terão direito ao benefício do seguro-desemprego. Contudo, conforme exposto acima, a Organização Social mesmo após firmar Contrato de Gestão com o Poder Público não se submete integralmente ao regime jurídico da Administração Pública, sendo dispensada a realização de concurso público para a contratação de seus empregados. Dessa forma, é plenamente possível que, quando dispensados, seus empregados usufruam do seguro desemprego uma vez preenchidos os requisitos legais, salvo se por outro motivo o CNPJ estiver bloqueado.(...) Como bem pontou o magistrado sentenciante, a parte autora pleiteou o desbloqueio do CNPJ como pedido imediato, tendo como causa de pedir o óbice imposto aos seus ex-funcionários à concessão de seguro-desemprego, contratados sob regime celetista diante do bloqueio indevido, ao fundamento de que possui a autora natureza jurídica de direito privado. Entendo, porém, que tal situação é inabitual, posto que a causa de pedir fática utilizada na inicial não indica uma lesão direta ao direito da parte autora, mas reflexa do direito de terceiros, na hipótese, de ex-funcionários. Por outro lado, não se pode olvidar que o pedido de desbloqueio do CNPJ da FUNDAÇÃO perante o Ministério do Trabalho e Emprego somente poderia ser por ela formulado, fundamentado na sua natureza jurídica, mediante o bloqueio indevido que considero aqui, a causa de pedir. Diante, disso, não há como afastar a legitimidade da parte autora. Compulsando os autos, verifica-se, conforme estatuto juntado em ID 96729764, que o regime de contratação de pessoal da autora é regido pela legislação trabalhista (CLT), assim como que a contratação de pessoal para execução dos serviços vinculados ao contrato de gestão do HOSPITAL Irmã Dulce firmado com o Município de Praia Grande estava sob responsabilidade direta da FUNDAÇÃO ABC. Entretanto, ainda que o regime de contratação seja celetista, há de se verificar a natureza jurídica da parte autora. Como se observa do estatuto supracitado, a fundação em questão teve sua criação autorizada pela Lei Municipal n. 2.695 de 24.05.1967, com recursos financeiros oriundos de dotações públicas e privadas, dirigida a um fim específico, do que se infere a qualidade de fundação pública de direito privado. Neste contexto, embora regulada pelo regime jurídico privado e havendo sujeição dos empregados ao regime celetista, não estaria afasta a exigência da realização de concurso público (art. 37, II, da CF). Porém, verifica-se que FUNDAÇÃO ABC foi qualificada como Organização Social como se infere do termo de homologação juntado em ID 96729772, a mesma qualificação observada no SISCBAS – Sistema de Gerenciamento de informações de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social na Área de Saúde em ID 96729771. Em consulta ao sitio do STF foi possível obter a informação, nos autos A G .REG. NOS EMB .DECL. NA RECLAMAÇÃO 32.689, pela FUNDAÇÃO ABC ajuizada, de que a mesma obteve qualificação Organização Social pela Secretaria da Saúde e do Governo e Gestão Estratégica do Estado de São Paulo, mediante o Processo SS-2.865-200 na forma estabelecida pela Lei 9.637/1998. Aliás, a Corte Superior confirmou que na qualidade de Organização Social não seria exigível da parte autora a realização de concurso, confira-se: Agravo regimental nos embargos de declaração na reclamação. 2. Direito Administrativo. 3. Alegação de afronta ao que decidido na ADI 1.923. Configuração. 4. Fundação ABC. Qualificação como organização social conferida pelo Poder Público. Inexigibilidade de concurso. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental não provido. Oportuna a colação da ementa da ADI 1923: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TERCEIRO SETOR. MARCO LEGAL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. LEI Nº 9.637/98 E NOVA REDAÇÃO, CONFERIDA PELA LEI Nº 9.648/98, AO ART. 24, XXIV, DA LEI Nº 8.666/93. MOLDURA CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E SOCIAL. SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS. SAÚDE (ART. 199, CAPUT), EDUCAÇÃO (ART. 209, CAPUT), CULTURA (ART. 215), DESPORTO E LAZER (ART. 217), CIÊNCIA E TECNOLOGIA (ART. 218) E MEIO AMBIENTE (ART. 225). ATIVIDADES CUJA TITULARIDADE É COMPARTILHADA ENTRE O PODER PÚBLICO E A SOCIEDADE. DISCIPLINA DE INSTRUMENTO DE COLABORAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA. INTERVENÇÃO INDIRETA. ATIVIDADE DE FOMENTO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AOS DEVERES ESTATAIS DE AGIR. MARGEM DE CONFORMAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDA AOS AGENTES POLÍTICOS DEMOCRATICAMENTE ELEITOS. PRINCÍPIOS DA CONSENSUALIDADE E DA PARTICIPAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 175, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO. EXTINÇÃO PONTUAL DE ENTIDADES PÚBLICAS QUE APENAS CONCRETIZA O NOVO MODELO. INDIFERENÇA DO FATOR TEMPORAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DEVER CONSTITUCIONAL DE LICITAÇÃO (CF, ART. 37, XXI). PROCEDIMENTO DE QUALIFICAÇÃO QUE CONFIGURA HIPÓTESE DE CREDENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA QUE DEVE SER SUBMETIDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PUBLICIDADE, MORALIDADE, EFICIÊNCIA E IMPESSOALIDADE, À LUZ DE CRITÉRIOS OBJETIVOS (CF, ART. 37, CAPUT). INEXISTÊNCIA DE PERMISSIVO À ARBITRARIEDADE. CONTRATO DE GESTÃO. NATUREZA DE CONVÊNIO. CELEBRAÇÃO NECESSARIAMENTE SUBMETIDA A PROCEDIMENTO OBJETIVO E IMPESSOAL. CONSTITUCIONALIDADE DA DISPENSA DE LICITAÇÃO INSTITUÍDA PELA NOVA REDAÇÃO DO ART. 24, XXIV, DA LEI DE LICITAÇÕES E PELO ART. 12, §3º, DA LEI Nº 9.637/98. FUNÇÃO REGULATÓRIA DA LICITAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA PUBLICIDADE, DA EFICIÊNCIA E DA MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO PARA OS CONTRATOS CELEBRADOS PELAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COM TERCEIROS. OBSERVÂNCIA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CF, ART. 37, CAPUT). REGULAMENTO PRÓPRIO PARA CONTRATAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE DEVER DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE, ATRAVÉS DE PROCEDIMENTO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CEDIDOS. PRESERVAÇÃO DO REGIME REMUNERATÓRIO DA ORIGEM. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PARA O PAGAMENTO DE VERBAS, POR ENTIDADE PRIVADA, A SERVIDORES. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 37, X, E 169, §1º, DA CONSTITUIÇÃO. CONTROLES PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRESERVAÇÃO DO ÂMBITO CONSTITUCIONALMENTE DEFINIDO PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO (CF, ARTS. 70, 71, 74 E 127 E SEGUINTES). INTERFERÊNCIA ESTATAL EM ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES PRIVADAS (CF, ART. 5º, XVII E XVIII). CONDICIONAMENTO À ADESÃO VOLUNTÁRIA DA ENTIDADE PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME AOS DIPLOMAS IMPUGNADOS. 1. A atuação da Corte Constitucional não pode traduzir forma de engessamento e de cristalização de um determinado modelo pré-concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente assegurados, as maiorias políticas prevalecentes no jogo democrático pluralista possam pôr em prática seus projetos de governo, moldando o perfil e o instrumental do poder público conforme a vontade coletiva. 2. Os setores de saúde (CF, art. 199, caput), educação (CF, art. 209, caput), cultura (CF, art. 215), desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e tecnologia (CF, art. 218) e meio ambiente (CF, art. 225) configuram serviços públicos sociais, em relação aos quais a Constituição, ao mencionar que “são deveres do Estado e da Sociedade” e que são “livres à iniciativa privada”, permite a atuação, por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a delegação pelo poder público, de forma que não incide, in casu, o art. 175, caput, da Constituição. 3. A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada por intervenção direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que os particulares executem atividades de interesses públicos através da regulação, com coercitividade, ou através do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a comportamentos voluntários. 4. Em qualquer caso, o cumprimento efetivo dos deveres constitucionais de atuação estará, invariavelmente, submetido ao que a doutrina contemporânea denomina de controle da Administração Pública sob o ângulo do resultado (Diogo de Figueiredo Moreira Neto). 5. O marco legal das Organizações Sociais inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais, entendida tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos particulares, cujo desempenho em atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em observância aos princípios da consensualidade e da participação na Administração Pública. 6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação. 7. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado. 8. Os arts. 18 a 22 da Lei nº 9.637/98 apenas concentram a decisão política, que poderia ser validamente feita no futuro, de afastar a atuação de entidades públicas através da intervenção direta para privilegiar a escolha pela busca dos mesmos fins através da indução e do fomento de atores privados, razão pela qual a extinção das entidades mencionadas nos dispositivos não afronta a Constituição, dada a irrelevância do fator tempo na opção pelo modelo de fomento – se simultaneamente ou após a edição da Lei. 9. O procedimento de qualificação de entidades, na sistemática da Lei, consiste em etapa inicial e embrionária, pelo deferimento do título jurídico de “organização social”, para que Poder Público e particular colaborem na realização de um interesse comum, não se fazendo presente a contraposição de interesses, com feição comutativa e com intuito lucrativo, que consiste no núcleo conceitual da figura do contrato administrativo, o que torna inaplicável o dever constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI). 10. A atribuição de título jurídico de legitimação da entidade através da qualificação configura hipótese de credenciamento, no qual não incide a licitação pela própria natureza jurídica do ato, que não é contrato, e pela inexistência de qualquer competição, já que todos os interessados podem alcançar o mesmo objetivo, de modo includente, e não excludente. 11. A previsão de competência discricionária no art. 2º, II, da Lei nº 9.637/98 no que pertine à qualificação tem de ser interpretada sob o influxo da principiologia constitucional, em especial dos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). É de se ter por vedada, assim, qualquer forma de arbitrariedade, de modo que o indeferimento do requerimento de qualificação, além de pautado pela publicidade, transparência e motivação, deve observar critérios objetivos fixados em ato regulamentar expedido em obediência ao art. 20 da Lei nº 9.637/98, concretizando de forma homogênea as diretrizes contidas nos inc. I a III do dispositivo. 12. A figura do contrato de gestão configura hipótese de convênio, por consubstanciar a conjugação de esforços com plena harmonia entre as posições subjetivas, que buscam um negócio verdadeiramente associativo, e não comutativo, para o atingimento de um objetivo comum aos interessados: a realização de serviços de saúde, educação, cultura, desporto e lazer, meio ambiente e ciência e tecnologia, razão pela qual se encontram fora do âmbito de incidência do art. 37, XXI, da CF. 13. Diante, porém, de um cenário de escassez de bens, recursos e servidores públicos, no qual o contrato de gestão firmado com uma entidade privada termina por excluir, por consequência, a mesma pretensão veiculada pelos demais particulares em idêntica situação, todos almejando a posição subjetiva de parceiro privado, impõe-se que o Poder Público conduza a celebração do contrato de gestão por um procedimento público impessoal e pautado por critérios objetivos, por força da incidência direta dos princípios constitucionais da impessoalidade, da publicidade e da eficiência na Administração Pública (CF, art. 37, caput). 14. As dispensas de licitação instituídas no art. 24, XXIV, da Lei nº 8.666/93 e no art. 12, §3º, da Lei nº 9.637/98 têm a finalidade que a doutrina contemporânea denomina de função regulatória da licitação, através da qual a licitação passa a ser também vista como mecanismo de indução de determinadas práticas sociais benéficas, fomentando a atuação de organizações sociais que já ostentem, à época da contratação, o título de qualificação, e que por isso sejam reconhecidamente colaboradoras do Poder Público no desempenho dos deveres constitucionais no campo dos serviços sociais. O afastamento do certame licitatório não exime, porém, o administrador público da observância dos princípios constitucionais, de modo que a contratação direta deve observar critérios objetivos e impessoais, com publicidade de forma a permitir o acesso a todos os interessados. 15. As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com terceiros, ao dever de licitar, o que consistiria em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nº 9.637/98, art. 4º, VIII), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos. 16. Os empregados das Organizações Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados, por isso que sua remuneração não deve ter base em lei (CF, art. 37, X), mas nos contratos de trabalho firmados consensualmente. Por identidade de razões, também não se aplica às Organizações Sociais a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), mas a seleção de pessoal, da mesma forma como a contratação de obras e serviços, deve ser posta em prática através de um procedimento objetivo e impessoal. 17. Inexiste violação aos direitos dos servidores públicos cedidos às organizações sociais, na medida em que preservado o paradigma com o cargo de origem, sendo desnecessária a previsão em lei para que verbas de natureza privada sejam pagas pelas organizações sociais, sob pena de afronta à própria lógica de eficiência e de flexibilidade que inspiraram a criação do novo modelo. 18. O âmbito constitucionalmente definido para o controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas da União (CF, arts. 70, 71 e 74) e pelo Ministério Público (CF, arts. 127 e seguintes) não é de qualquer forma restringido pelo art. 4º, caput, da Lei nº 9.637/98, porquanto dirigido à estruturação interna da organização social, e pelo art. 10 do mesmo diploma, na medida em que trata apenas do dever de representação dos responsáveis pela fiscalização, sem mitigar a atuação de ofício dos órgãos constitucionais. 19. A previsão de percentual de representantes do poder público no Conselho de Administração das organizações sociais não encerra violação ao art. 5º, XVII e XVIII, da Constituição Federal, uma vez que dependente, para concretizar-se, de adesão voluntária das entidades privadas às regras do marco legal do Terceiro Setor. 20. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido é julgado parcialmente procedente, para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV, da Lei nº 8666/93, incluído pela Lei nº 9.648/98, para que: (i) o procedimento de qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº 9.637/98; (ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF; (iii) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, §3º) sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF; (iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; (v) a seleção de pessoal pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e (vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas. Neste contexto, não se justifica o bloqueio do CNPJ da parte autora sob o código CNPJ/CEI bloqueado; Código 69 - Órgão Público - Art. 37/CF no Sistema do Seguro Desemprego. Por conseguinte, insubsistente a alegação de falta de interesse de agir. Por fim, anoto que não efetivado o desbloqueio no prazo determinado pelo magistrado sentenciante, deve incidir a multa no período de descumprimento. Desta feita irretorquível a sentença de primeira instância. Encargos da sucumbência Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência este regramento. Mantida a decisão em grau recursal, impõe-se a majoração dos honorários a serem pagos pela parte vencida por incidência do disposto no §11º do artigo 85 do NCPC. Assim, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, acresço 1% ao percentual fixado em primeira instância. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação. É voto. Anoto, por primeiro que embora o MM Juiz não tenha expressamente consignado no dispositivo da sentença a expressão “defiro a tutela de urgência”, a imposição de prazo e multa para a efetivação da medida de desbloqueio é explícita quanto a tal medida.
Deste modo, tempestiva a apelação, dela conheço e a recebo no seu efeito devolutivo.
A parte autora, FUNDAÇÃO ABC, ajuizou a presente demanda a fim de obter provimento jurisdicional no sentido de que fosse determinado o desbloqueio do seu CNPJ para fins de concessão de seguro desemprego de seus empregados celetistas, ao argumento de que como trabalhadores contratados por Organização Social não necessitam ter sua admissão condicionada a realização de concurso público ou que a UNIÃO se abstivesse de negar a concessão do seguro desemprego aos seus empregados, sob argumento de que estes devem ser admitidos através de concurso público sob pena de pagamento de multa diária.
Consta da inicial que com o término do contrato de gestão firmado com o Município de Praia Grande para atividades de assistência médica, ensino e pesquisa técnica à serem desenvolvidas no HOSPITAL MUNICIPAL IRMÃ DULCE, em 01.02.2019, foi obrigada a encerrar os contratos de trabalho em relação ao referido contrato de gestão. Relata que chegou a seu conhecimento que estaria sendo negada a liberação do seguro desemprego aos seus ex-funcionários ao argumento de que a contratação não havia sido realizada por meio de concurso público, nos termos seguintes:
(...) Conforme RFB, trata-se de Fundação Pública de Direito Privado Municipal, a contratação de funcionários deve ser feito na forma do artigo 37, inciso II da Constituição de 1988. Enviar ao setor de Recurso nº do edital de RESULTADO FINAL, o emprego e a classificação no certame. Se a contratação não se deu dessa forma, o segurado NÃO terá.(...)
Além disso, referiu que seu CNPJ estaria bloqueado no sistema de seguro desemprego por tratar-se de “empresa pública e seus empregados tendo sua admissão condicionada aos requisitos do art. 37 da Constituição Federal”.
Argumentou, porém, que os seus empregados não estariam obrigados a realização de concurso público, não podendo haver óbice ao direito ao seguro desemprego negados, uma vez que possui natureza de pessoa jurídica de direito privado, instituição filantrópica sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social de Saúde, e que realiza a contratação de seus colaboradores sob o regime celetista.
O MM Juiz sentenciante afastou a preliminar de legitimidade ativa e julgou procedente o pedido ao fundamento de que as organizações sociais, como a autora, não se submetem de maneira integral ao regime jurídico de direito público, sendo desnecessária a realização de concurso público para contratação de empregados, o que tornaria possível, quando dispensados, que usufruíssem do seguro desemprego, salvo se por outro motivo o CNPJ estiver bloqueado. Cumpre a transcrição da r. sentença:
(Rcl 32689 ED-AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 05-02-2020 PUBLIC 06-02-2020)
(ADI 1923, Relator(a): AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-254 DIVULG 16-12-2015 PUBLIC 17-12-2015)
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. BLOQUEIO DE CNPJ NO SISTEMA SEGURO-DESEMPREGO. LEGITIMIDADE. ORGANIZAÇÃO SOCIAL. NÃO EXIGÊNCIA DE CONCURSO PUBLICO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Apelação interposta pela UNIÃO contra sentença que julgou procedente pedido para determinar de desbloqueio do CNPJ da autora para fins de concessão de seguro desemprego de empregados celetistas da FUNDAÇÃO DO ABC e a condenou ao pagamento de honorários advocatícios à autora.
2. Consta da inicial que com o término do contrato de gestão firmado com o Município de Praia Grande para atividades de assistência médica, ensino e pesquisa técnica à serem desenvolvidas no HOSPITAL MUNICIPAL IRMÃ DULCE, em 01.02.2019, foi obrigada a encerrar os contratos de trabalho em relação ao referido contrato de gestão. Relata que chegou a seu conhecimento que estaria sendo negada a liberação do seguro desemprego aos seus ex-funcionários ao argumento de que a contratação não havia sido realizada por meio de concurso público. O CNPJ estaria bloqueado no sistema de seguro desemprego por tratar-se de “empresa pública e seus empregados tendo sua admissão condicionada aos requisitos do art. 37 da Constituição Federal”.
3. Argumentou, a parte autora, que os seus empregados não estariam obrigados a realização de concurso público, não podendo haver óbice ao direito ao seguro desemprego negados, uma vez que possui natureza de pessoa jurídica de direito privado, instituição filantrópica sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social de Saúde, e que realiza a contratação de seus colaboradores sob o regime celetista.
4. A parte autora pleiteou o desbloqueio do CNPJ como pedido imediato, tendo como causa de pedir o óbice imposto aos seus ex-funcionários à concessão de seguro-desemprego, contratados sob regime celetista, diante do bloqueio indevido, ao fundamento de que possui a autora natureza jurídica de direito privado.
5. Conforme estatuto juntado, observa-se que o regime de contratação de pessoal da autora é regido pela legislação trabalhista (CLT), assim como que a contratação de pessoal para execução dos serviços vinculados ao contrato de gestão do HOSPITAL Irmã Dulce firmado com o Município de Praia Grande estava sob responsabilidade direta da FUNDAÇÃO ABC.
6. A FUNDAÇÃO ABC foi qualificada como Organização Social como se infere do termo de homologação juntado em ID 96729772, a mesma qualificação observada no SISCBAS – Sistema de Gerenciamento de informações de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social na Área de Saúde em ID 96729771.
7. Em consulta ao sitio do STF foi possível obter a informação, nos autos A G .REG. NOS EMB .DECL. NA RECLAMAÇÃO 32.689, pela FUNDAÇÃO ABC ajuizada, de que a mesma obteve qualificação Organização Social pela Secretaria da Saúde e do Governo e Gestão Estratégica do Estado de São Paulo, mediante o Processo SS-2.865-200 na forma estabelecida pela Lei 9.637/1998. Aliás, a Corte Superior confirmou que na qualidade de Organização Social não seria exigível da parte autora a realização de concurso, em conformidade com o quanto decidido na ADI 1923.
8. Neste contexto, não se justifica o bloqueio do CNPJ da parte autora sob o código CNPJ/CEI bloqueado; Código 69 - Órgão Público - Art. 37/CF no Sistema do Seguro Desemprego. Sentença mantida.
9. Apelo não provido.