Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005410-75.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELADO: PALMIRA SARRA CUNHA

Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005410-75.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: PALMIRA SARRA CUNHA

Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por PALMIRA SARRA CUNHA, objetivando o reconhecimento da inexigibilidade do débito administrativo.

 

A r. sentença, prolatada em 19/04/2018, julgou procedente o pedido deduzido na inicial, a fim de reconhecer a inexigibilidade do débito administrativo, e condenou o INSS no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.

 

Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, ao fundamento de que a boa-fé do segurado ou o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, por si só, não tornam irrepetíveis os valores recebidos indevidamente pelo beneficiária.

 

Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005410-75.2018.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

APELADO: PALMIRA SARRA CUNHA

Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício assistencial, na seara administrativa.

 

O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:

 

"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."

 

Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

 

A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

 

Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:

 

"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

(...)

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)"

 

Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

 

Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

 

Do caso concreto.

 

Compulsando os autos, verifica-se que a autora usufruiu do benefício assistencial de prestação continuada, durante o interregno de 16/03/2011 a 31/10/2015. Todavia, por determinação do Tribunal de Contas da União, foram reavaliadas as condições que ensejaram a concessão do amparo social ao cônjuge da demandante e, consequentemente, o próprio benefício assistencial de prestação continuada recebido por esta última. Isso ocorreu porque a autora começou a efetuar recolhimentos previdenciários, como contribuinte individual - empresária, a partir de 01/10/2011, de forma recorrente (ID 6697139 - p. 44). Por conseguinte, passou-se a cobrar a restituição das parcelas por ela recebidas entre 01/10/2011 e 31/10/2015, atualizadas até novembro de 2015, no valor de R$ 38.956,74 (trinta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis reais e setenta e quatro centavos) (ID 6697139 - p. 46).

 

A irregularidade na fruição do benefício restou fortemente evidenciada pela prova documental anexada aos autos.

 

Segundo a declaração de composição do núcleo familiar preenchida pelo marido da autora, junto ao INSS, para fins de fruição do amparo social, o casal não teria qualquer atividade ocupacional e a única fonte de renda da autora adviria dos proventos do benefício assistencial de prestação continuada por ela recebido (ID 6697139 - p. 28/29).

 

Tal documento destoa por completo das demais provas apresentadas no curso da instrução.

 

Realmente, foram apresentados inúmeros contratos de locação de imóvel, e seus correspondentes aditivos, firmados pela autora e seu cônjuge, no período de 2009 a 2016. É interessante observar que em todas essas convenções, a demandante e seu marido se qualificam como "comerciante" (ID 6697139 - p. 64/85). Mais notório ainda são as características do imóvel descritas no laudo de vistoria. É uma casa sobrado de dois andares, composta de mais de oito cômodos - duas suítes com varandas, sala, cozinha, duas dispensas, banheiro social, lavanderia, além de quintal e garagem (ID 6697139 - p. 86/89).

 

No mais, as sucessivas declarações de imposto de renda em nome da autora, relativas aos anos de 2010 a 2015, revelam uma modificação da situação patrimonial, no mínimo, curiosa. Na IRPF de 2010, a autora se qualificou como "profissional liberal", com ocupação principal "bancário, economiária, escriturário, secretário, assistente e auxiliar administrativo" (ID 6697139 - p. 98), contudo, no ano seguinte, em 2011, ela já se identificou como "proprietário de empresa ou de firma individual ou empregador titular", descrevendo sua ocupação principal como "dirigente, presidente e diretor de empresa industrial, comercial ou prestadora de serviços" (ID 6697139 - p. 105). Essa situação foi alterada no interregno de 2012 a 2015, na qual ela passou a se identificar como "aposentada" (ID 6697139 - p. 111, 117, 123 e 130),

 

Por outro lado, constata-se uma grande modificação na composição dos bens e direitos enumerados nas referidas declarações de imposto de renda. Durante os anos 2010 e 2011, os rendimentos da autora advieram majoritariamente da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 98 e 105), além disso, ela era proprietária de um lote de terras de 349,5 metros quadrados situado na Avenida Boiadeira, n. 4225, Jardim Morumbi, cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul (ID 6697139 - p. 101 e 108), e adquiriu participação societária, em 2011, na empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 108). Entre os anos de 2012 e 2013, os rendimentos da autora advieram quase que exclusivamente dos proventos do benefício assistencial por ela recebido (NB 5452566046) e o patrimônio declarado na relação de bens e direitos praticamente desapareceu, destacando-se de relevante apenas o aumento expressivo de participação no capital social da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 113/114 e 119/120).

 

No ano de 2014, a autora passou a receber rendimentos de pessoa física, no valor mensal de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Além disso, começaram a ser relacionadas na declaração de bens aplicações financeiras em caderneta de poupança e fundo de ações do Bradesco, tendo ainda sido constatada redução expressiva da participação da autora no capital social da COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (6697139 - p. 125). Curiosamente, não houve menção aos proventos do benefício assistencial de prestação continuada na IRPF de 2014.

 

Por derradeiro, na declaração de imposto de renda de 2015, a autora voltou a declarar os proventos do amparo social ao idoso como sua principal fonte de rendimento (ID 6697139 - p. 131), liquidando todas as aplicações financeiras declaradas no ano anterior.

 

Outro fato curioso é que a autora e seu marido serviram de avalistas da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME, da qual ela viria a ter relevante participação societária posteriormente, para a obtenção de crédito de R$ 20.502,72 (vinte mil, quinhentos e dois reais e setenta e dois centavos) junto ao Banco Bradesco, em 06 de abril de 2011 (ID 6697140 - p. 24/28).

 

Ora, é um contrassenso admitir que instituição bancária sabidamente pautada por critérios conservadores na concessão de crédito iria assumir o risco de cobrar, em caso de inadimplência da micro empresa, o saldo remanescente, com parcelas mensais no valor de R$ 2.121,63 (dois mil, cento e vinte e um reais e sessenta e três centavos), de dois idosos que, segundo as declarações por estes últimos prestadas ao INSS, não detinham qualquer fonte de renda além dos proventos de amparo social recebidos por cada um, no valor de R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais) à época.

 

Foram ainda anexados aos autos o contrato social da empresa da família e suas sucessivas alterações. Do contrato social, datado de 17 de dezembro de 2004, é possível concluir que o filho da demandante, Sr. Douglas Sarra da Cunha, e aparentemente outro familiar, o Sr. Fábio Augusto Sarra da Cunha, foram os sócios que deram origem à empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA, com sede localizada na Rua Jonatas Ubiratan Alves, n. 972, Jardim Redentora, na cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul, investindo inicialmente a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada um (ID 6697140 - p. 54/58).

 

Em 18/08/2006, o sócio Fábio Augusto Sarra da Cunha vendeu a totalidade de quotas à demandante, para que ela ingressasse no quadro societário, com idêntica participação no capital social que detinha o sócio remanescente e seu filho, Douglas (ID 6697140 - 62/64). Na alteração do contrato social realizada em 23 de junho de 2008, os sócios da entidade fizeram, entre outras coisas, o registro de substantivo aporte numerário na empresa, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada um, o que triplicou o capital social da entidade, passando este a atingir a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (ID 6697140 - p. 66/70).

 

Entretanto, em 28 de outubro de 2010, às vésperas de formular seu requerimento administrativo do amparo social ao idoso, a autora alienou ao seu filho Douglas 14.700 (catorze mil e setecentas) das 15.000 (quinze mil) quotas que detinha da sociedade empresária COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME, registrando tal modificação em nova alteração do contrato social (ID 6697140 - p. 72/76).

 

Na última alteração do contrato social da COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME que, repise-se, tinha a autora e seu filho como únicos sócios, há o registro da abertura de uma outra filial, localizada na Rua Dois de Janeiro, n. 2.408, Chácara Boa Vista, na mesma cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul, bem como de aporte substantivo no capital social da entidade, elevando-o a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), repartido em 148.500 (cento e quarenta e oito mil e quinhentas) quotas para Douglas e outras 1.500 (mil e quinhentas) para a autora.

 

É evidente que a situação patrimonial da família, durante o período em que a autora estava usufruindo do benefício assistencial de prestação continuada, de 2011 a 2015, era totalmente incompatível com a situação de insuficiência de recursos que enseja o deferimento da referida prestação assistencial, que visa assegurar o mínimo existencial. Realmente, a autora realizou condutas impensáveis para o destinatário de tal ajuda humanitária estatal: continuou morando em imóvel com apreciável grau de conforto, realizou aplicações financeiras - o que revela que a quantia recebida excedia suas necessidades, daí a possibilidade de poupar parcela dos proventos - e, inclusive, passou a utilizar os recursos do benefício assistencial não para assegurar a própria subsistência, mas sim para realizar recolhimentos previdenciários, como contribuinte individual, a fim de, nas palavras de sua advogada declaradas por ocasião da defesa em sede administrativa, "futuramente ter o benefício de aposentadoria por idade" (ID 6697139 - p, 51).

 

Enquanto o capital social da empresa da família ia sendo progressivamente acrescido, com o cuidado de subscrever a maior parte das quotas do capital social em nome do filho Douglas, o patrimônio constante na declaração de imposto de renda ia sendo reduzido, a fim de obscurecer a real condição financeira da demandante. Realmente, ao longo dos anos, foi possível à família acumular uma quantia tal, que chegaram a abrir nova filial da empresa na mesma cidade, em 2015.

 

Por óbvio, nenhuma destas informações foi prestada no formulário de composição familiar preenchido por ocasião da concessão do benefício à autora e a seu marido.

 

Diante deste contexto fático, onde a ocultação de patrimônio por ocasião da concessão do benefício é cristalina, inviável o acolhimento do pleito de inexigibilidade do débito, razão pela qual merece reforma a sentença de 1º grau de jurisdição.  

 

Não se pode falar em erro administrativo quando o próprio interessado adota comportamento malicioso, omitindo ou distorcendo dados e, consequentemente, impossibilitando a Autarquia Previdenciária de ter pleno conhecimento dos fatos para aferir se subsistem as condições que ensejaram a concessão do benefício, como ocorreu no caso dos autos. 

 

Ademais, é pouco crível que a ré ocultou inocentemente do INSS esta realidade patrimonial, ora confessada, por ocasião da concessão do amparo social ao idoso, pois nem mesmo pessoas humildes se confundem quanto a sua condição financeira desta forma, de modo que a invocação da ignorância como justificativa para tal conduta se mostra frágil.

 

A propósito, é relevante destacar que a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob a justificativa de desconhecê-la, nos termos do artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657/42).

 

Por outro lado, não se está a falar de pessoa incapaz ou inimputável, de modo que a remissão a sua inocência ou ignorância não pode ser aceita juridicamente como justificativa para excluir sua responsabilidade pela reparação do ato ilícito praticado, por ausência de previsão legal neste sentido. 

 

Ora, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento por ela de benefício assistencial indevido por quase cinco anos.

 

Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de benefício assistencial, no período de 01/10/2011 a 31/10/2015, é medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil.   

 

Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional firmados em casos análogos:

 

"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A BOA-FÉ. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.

- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.

- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação. Ajuizada a ação em 23.11.2015 e findo o processo administrativo em 2011, não há que se falar em prescrição.

- Consta dos autos do processo administrativo que, em auditoria, o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS identificou indício de irregularidade na concessão e manutenção do benefício de auxílio-doença que consistiu na inserção de vínculo falso no CNIS que possibilitou o reconhecimento da qualidade de segurado para a concessão indevida.

- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

- Oportunizada administrativamente a demonstração dos vínculos excedentes, quedou-se a requerida inerte.

- O Relatório Conclusivo Individual contido no processo administrativo de cobrança é claro ao apontar que a concessão do benefício somente foi possível considerando-se os vínculos de trabalho inexistentes, que foram irregularmente inseridos no sistema somente para concessão do benefício.

- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, por meio do cotejo das provas coligidas aos autos, restou amplamente comprovada a má-fé do requerido.

- Presentes os pressupostos à condenação da requerida ao ressarcimento do dano advindo do recebimento indevido de benefício em razão de fraude, porquanto comprovados o dano e o nexo causal, a conduta ilícita e dolosa e elidida a presunção juris tantum de boa-fé.

- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.

- Apelação da ré desprovida.”

(TRF 3ª Região, 9ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009330-02.2018.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/09/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/09/2019)

 

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RENDA MENSAL VITALÍCIA. PAGAMENTO INDEVIDO. DECLARAÇÃO FALSA. REVISÃO ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. ARTIGOS 884 DO CÓDIGO CIVIL E 115, II, DA LBPS. CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DESCONTO DE 30% POSSÍVEL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

- No caso, a parte autora percebeu renda mensal vitalícia indevidamente, desde 08/6/1995 (carta de concessão à f. 26). Isso porque já recebia pensão por morte desde 05/8/1982 (NB 21/070.260.812-2) e declarou ao INSS não possuir qualquer renda. Ela declarou que "não possuo bens, não recebo pensão e nenhum tipo de aposentadoria" (f. 40). Trata-se de declaração ideologicamente falsa, que gerou efeitos jurídicos assaz relevantes.

- Em revisão administrativa, o INSS considerou ilegal a percepção do benefício assistencial por ultrapassar, muito, a renda familiar per capita prevista no § 3º, do artigo 20 da LOAS. Assim, o INSS passou a efetuar a cobrança de R$ 113.324,18 (f. 41), a título de pagamento indevido, passando a efetuar descontos de 30% na renda mensal ad pensão por morte.

- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsista.

- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.

- O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".

- O princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.

- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e da boa-fé do segurado.

- No caso, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil).

- Por fim, não há possibilidade de reconhecimento da prescrição no presente caso. Conquanto matéria de ordem pública, não há pedido nesse sentido, o seu reconhecimento implicando violação da regra do artigo 264, § único, do CPC/73. Inviável, assim, a alteração do pedido (limitado à redução dos descontos de 30% para 5%) em sede recursal.

- Quanto à regra do artigo 46, § 1º, da Lei nº 8112/91, não se pode aplicá-la nas relações previdenciárias do Regime Geral, por ausência de lacunas, haja vista trazer a Lei nº 8.213/91 regra própria em seu artigo 115 e §§.

- Agravo legal desprovido."

(TRF 3ª Região, NONA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142041 - 0007899-57.2014.4.03.6105, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018 )

                                                        

Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de reconhecimento de inexigibilidade do débito administrativo.

 

 Invertido o ônus sucumbencial, condeno a autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE. OCULTAÇÃO POR OCASIÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. NÃO  CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE  O DANO AO ERÁRIO E A CONDUTA DA DEMANDADA. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO DO ATO ILÍCITO. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.

2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.

4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.

5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.

6 - Compulsando os autos, verifica-se que a autora usufruiu do benefício assistencial de prestação continuada, durante o interregno de 16/03/2011 a 31/10/2015. Todavia, por determinação do Tribunal de Contas da União, foram reavaliadas as condições que ensejaram a concessão do amparo social ao cônjuge da demandante e, consequentemente, o próprio benefício assistencial de prestação continuada recebido por esta última. Isso ocorreu porque a autora começou a efetuar recolhimentos previdenciários, como contribuinte individual - empresária, a partir de 01/10/2011, de forma recorrente (ID 6697139 - p. 44). Por conseguinte, passou-se a cobrar a restituição das parcelas por ela recebidas entre 01/10/2011 e 31/10/2015, atualizadas até novembro de 2015, no valor de R$ 38.956,74 (trinta e oito mil, novecentos e cinquenta e seis reais e setenta e quatro centavos) (ID 6697139 - p. 46).

7 - A irregularidade na fruição do benefício restou fortemente evidenciada pela prova documental anexada aos autos.

8 - Segundo a declaração de composição do núcleo familiar preenchida pelo marido da autora, junto ao INSS, para fins de fruição do amparo social, o casal não teria qualquer atividade ocupacional e a única fonte de renda da autora adviria dos proventos do benefício assistencial de prestação continuada por ela recebido (ID 6697139 - p. 28/29).

9 - Tal documento destoa por completo das demais provas apresentadas no curso da instrução.

10 - Realmente, foram apresentados inúmeros contratos de locação de imóvel, e seus correspondentes aditivos, firmados pela autora e seu cônjuge, no período de 2009 a 2016. É interessante observar que em todas essas convenções, a demandante e seu marido se qualificam como "comerciante" (ID 6697139 - p. 64/85). Mais notório ainda são as características do imóvel descritas no laudo de vistoria. É uma casa sobrado de dois andares, composta de mais de oito cômodos - duas suítes com varandas, sala, cozinha, duas dispensas, banheiro social, lavanderia, além de quintal e garagem (ID 6697139 - p. 86/89).

11 - No mais, as sucessivas declarações de imposto de renda em nome da autora, relativas aos anos de 2010 a 2015, revelam uma modificação da situação patrimonial, no mínimo, curiosa. Na IRPF de 2010, a autora se qualificou como "profissional liberal", com ocupação principal "bancário, economiária, escriturário, secretário, assistente e auxiliar administrativo" (ID 6697139 - p. 98), contudo, no ano seguinte, em 2011, ela já se identificou como "proprietário de empresa ou de firma individual ou empregador titular", descrevendo sua ocupação principal como "dirigente, presidente e diretor de empresa industrial, comercial ou prestadora de serviços" (ID 6697139 - p. 105). Essa situação foi alterada no interregno de 2012 a 2015, na qual ela passou a se identificar como "aposentada" (ID 6697139 - p. 111, 117, 123 e 130),

12 - Por outro lado, constata-se uma grande modificação na composição dos bens e direitos enumerados nas referidas declarações de imposto de renda. Durante os anos 2010 e 2011, os rendimentos da autora advieram majoritariamente da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 98 e 105), além disso, ela era proprietária de um lote de terras de 349,5 metros quadrados situado na Avenida Boiadeira, n. 4225, Jardim Morumbi, cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul (ID 6697139 - p. 101 e 108), e adquiriu participação societária, em 2011, na empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 108). Entre os anos de 2012 e 2013, os rendimentos da autora advieram quase que exclusivamente dos proventos do benefício assistencial por ela recebido (NB 5452566046) e o patrimônio declarado na relação de bens e direitos praticamente desapareceu, destacando-se de relevante apenas o aumento expressivo de participação no capital social da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (ID 6697139 - p. 113/114 e 119/120).

13 - No ano de 2014, a autora passou a receber rendimentos de pessoa física, no valor mensal de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Além disso, começaram a ser relacionadas na declaração de bens aplicações financeiras em caderneta de poupança e fundo de ações do Bradesco, tendo ainda sido constatada redução expressiva da participação da autora no capital social da COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME (6697139 - p. 125). Curiosamente, não houve menção aos proventos do benefício assistencial de prestação continuada na IRPF de 2014.

14 - Por derradeiro, na declaração de imposto de renda de 2015, a autora voltou a declarar os proventos do amparo social ao idoso como sua principal fonte de rendimento (ID 6697139 - p. 131), liquidando todas as aplicações financeiras declaradas no ano anterior.

15 - Outro fato curioso é que a autora e seu marido serviram de avalistas da empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME, da qual ela viria a ter relevante participação societária posteriormente, para a obtenção de crédito de R$ 20.502,72 (vinte mil, quinhentos e dois reais e setenta e dois centavos) junto ao Banco Bradesco, em 06 de abril de 2011 (ID 6697140 - p. 24/28).

16 - Ora, é um contrassenso admitir que instituição bancária sabidamente pautada por critérios conservadores na concessão de crédito iria assumir o risco de cobrar, em caso de inadimplência da micro empresa, o saldo remanescente, com parcelas mensais no valor de R$ 2.121,63 (dois mil, cento e vinte e um reais e sessenta e três centavos), de dois idosos que, segundo as declarações por estes últimos prestadas ao INSS, não detinham qualquer fonte de renda além dos proventos de amparo social recebidos por cada um, no valor de R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais) à época.

17 - Foram ainda anexados aos autos o contrato social da empresa da família e suas sucessivas alterações. Do contrato social, datado de 17 de dezembro de 2004, é possível concluir que o filho da demandante, Sr. Douglas Sarra da Cunha, e aparentemente outro familiar, o Sr. Fábio Augusto Sarra da Cunha, foram os sócios que deram origem à empresa COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA, com sede localizada na Rua Jonatas Ubiratan Alves, n. 972, Jardim Redentora, na cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul, investindo inicialmente a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada um (ID 6697140 - p. 54/58).

18 - Em 18/08/2006, o sócio Fábio Augusto Sarra da Cunha vendeu a totalidade de quotas à demandante, para que ela ingressasse no quadro societário, com idêntica participação no capital social que detinha o sócio remanescente e seu filho, Douglas (ID 6697140 - 62/64). Na alteração do contrato social realizada em 23 de junho de 2008, os sócios da entidade fizeram, entre outras coisas, o registro de substantivo aporte numerário na empresa, na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada um, o que triplicou o capital social da entidade, passando este a atingir a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (ID 6697140 - p. 66/70).

19 - Entretanto, em 28 de outubro de 2010, às vésperas de formular seu requerimento administrativo do amparo social ao idoso, a autora alienou ao seu filho Douglas 14.700 (catorze mil e setecentas) das 15.000 (quinze mil) quotas que detinha da sociedade empresária COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME, registrando tal modificação em nova alteração do contrato social (ID 6697140 - p. 72/76).

20 - Na última alteração do contrato social da COMÉRCIO DE SUCATAS CUNHA LTDA ME que, repise-se, tinha a autora e seu filho como únicos sócios, há o registro da abertura de uma outra filial, localizada na Rua Dois de Janeiro, n. 2.408, Chácara Boa Vista, na mesma cidade de Aparecida do Taboado - Mato Grosso do Sul, bem como de aporte substantivo no capital social da entidade, elevando-o a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), repartido em 148.500 (cento e quarenta e oito mil e quinhentas) quotas para Douglas e outras 1.500 (mil e quinhentas) para a autora.

21 - É evidente que a situação patrimonial da família, durante o período em que a autora estava usufruindo do benefício assistencial de prestação continuada, de 2011 a 2015, era totalmente incompatível com a situação de insuficiência de recursos que enseja o deferimento da referida prestação assistencial, que visa assegurar o mínimo existencial. Realmente, a autora realizou condutas impensáveis para o destinatário de tal ajuda humanitária estatal: continuou morando em imóvel com apreciável grau de conforto, realizou aplicações financeiras - o que revela que a quantia recebida excedia suas necessidades, daí a possibilidade de poupar parcela dos proventos - e, inclusive, passou a utilizar os recursos do benefício assistencial não para assegurar a própria subsistência, mas sim para realizar recolhimentos previdenciários, como contribuinte individual, a fim de, nas palavras de sua advogada declaradas por ocasião da defesa em sede administrativa, "futuramente ter o benefício de aposentadoria por idade" (ID 6697139 - p, 51).

22 - Enquanto o capital social da empresa da família ia sendo progressivamente acrescido, com o cuidado de subscrever a maior parte das quotas do capital social em nome do filho Douglas, o patrimônio constante na declaração de imposto de renda ia sendo reduzido, a fim de obscurecer a real condição financeira da demandante. Realmente, ao longo dos anos, foi possível à família acumular uma quantia tal, que chegaram a abrir nova filial da empresa na mesma cidade, em 2015.

23 - Por óbvio, nenhuma destas informações foi prestada no formulário de composição familiar preenchido por ocasião da concessão do benefício à autora e a seu marido.

24 - Diante deste contexto fático, onde a ocultação de patrimônio por ocasião da concessão do benefício é cristalina, inviável o acolhimento do pleito de inexigibilidade do débito, razão pela qual merece reforma a sentença de 1º grau de jurisdição. 

25 - Não se pode falar em erro administrativo quando o próprio interessado adota comportamento malicioso, omitindo ou distorcendo dados e, consequentemente, impossibilitando a Autarquia Previdenciária de ter pleno conhecimento dos fatos para aferir se subsistem as condições que ensejaram a concessão do benefício, como ocorreu no caso dos autos. 

26 - Ademais, é pouco crível que a ré ocultou inocentemente do INSS esta realidade patrimonial, ora confessada, por ocasião da concessão do amparo social ao idoso, pois nem mesmo pessoas humildes se confundem quanto a sua condição financeira desta forma, de modo que a invocação da ignorância como justificativa para tal conduta se mostra frágil.

27 - A propósito, é relevante destacar que a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob a justificativa de desconhecê-la, nos termos do artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n. 4.657/42).

28 - Por outro lado, não se está a falar de pessoa incapaz ou inimputável, de modo que a remissão a sua inocência ou ignorância não pode ser aceita juridicamente como justificativa para excluir sua responsabilidade pela reparação do ato ilícito praticado, por ausência de previsão legal neste sentido. 

29 - Por fim, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento por ela de benefício assistencial indevido por quase cinco anos.

30 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de benefício assistencial, no período de 01/10/2011 a 31/10/2015, é medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.  

31 - Invertido o ônus sucumbencial, condena-se a autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.

32 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de reconhecimento de inexigibilidade do débito administrativo, condenando a autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.