AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002771-40.2020.4.03.0000
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
AGRAVANTE: IGREJA PENTECOSTAL DEUS E AMOR
Advogado do(a) AGRAVANTE: ALEXANDRE LESSMANN BUTTAZZI - SP154191
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002771-40.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO AGRAVANTE: IGREJA PENTECOSTAL DEUS E AMOR Advogado do(a) AGRAVANTE: ALEXANDRE LESSMANN BUTTAZZI - SP154191 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR): Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão que, em ação civil pública destinada a apurar eventual irregularidade na exploração de serviços de radiodifusão, deferiu antecipação de tutela para “suspender o contrato firmado entre a Rádio Clube de Tupã Ltda e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, alusivo à transferência integral da execução do serviço de radiodifusão outorgado, sob pena de aplicação de multa ou adoção de outras medidas atípicas para fins de cumprir a ordem judicial” (ID 26246999, na origem). IGREJA PENTECOSTAL DEUS É AMOR, ora agravante, alega que a tutela liminar deferida, ao suspender o contrato firmado com a corré RÁDIO CLUBE DE TUPÃ, interfere na livre iniciativa econômica das partes e na separação dos poderes, pois acaba por se imiscuir em função fiscalizatória exclusiva do Poder Executivo, violando princípios constitucionais (CF, arts. 2º e 170). Sustenta que a decisão não apresenta embasamento jurídico no sentido de que a cessão de horário radiofônico para transmissão de programa religioso produzido por terceiro seria proibida pela legislação. Aduz, ainda, ausência de dano causado ao Erário, acabando-se por suspender, na prática, avença que vigeu por quase cinco anos e que se encerraria em maio de 2020. Diante da ausência dos pressupostos, verossimilhança e perigo de dano, que autorizariam a tutela de urgência concedida, requer a sua revogação, com o provimento do presente agravo de instrumento. Contrarrazões (ID 128512747). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5002771-40.2020.4.03.0000 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO AGRAVANTE: IGREJA PENTECOSTAL DEUS E AMOR Advogado do(a) AGRAVANTE: ALEXANDRE LESSMANN BUTTAZZI - SP154191 AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO (RELATOR): A r. decisão sintetizou os fatos (ID 26246999, na origem): “Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face de Rádio Clube de Tupã Ltda, Luciana Gomes Ferreira e Igreja Pentecostal Deus é Amor. Narra o MPF na inicial: Instaurou-se perante a Procuradoria da República em Marília o Inquérito Civil nº 1.34.007.000392/2017-60 (doc. 1), com o objetivo de apurar a existência de irregularidades na administração da emissora da rádio da empresa Rádio Clube de Tupã Ltda., em especial, a existência de arrendamento da empresa para a Igreja Pentecostal Deus é Amor, com a consequente transferência de execução dos serviços de radiodifusão que lhe foram outorgados pela União. Através do ofício n° 48739/2017/SEI-MCTIC (doc. 2), o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações encaminhou a Nota Informativa n° 3777/2017-SEI-MCTIC informando que a rádio está autorizada a operar na faixa de frequência AM 1320 KHz, cujo nome atual é Rádio Clube de Tupã Ltda., e que a outorga a ela foi concedida anteriormente à publicação da atual Constituição Federal, por meio do Decreto n° 43.809, de 28 de maio de 1958. Informou, ainda, que a transferência ou alteração social é possível desde que cumprida algumas exigências legais. Por meio do ofício n° 194/2017/SEI/GR01F13/GR01-SFIANATEL, a ANATEL informa que após diligências fiscalizatórias na rádio em questão, não foram encontradas irregularidades técnicas. Entretanto, a ANATEL constatou que a empresa Rádio Clube de Tupã Ltda. possuidora da outorga do Poder Público cedeu 24 (vinte e quatro) horas de sua programação à Igreja Pentecostal Deus é Amor, por meio de contrato de cessão, bem como constatou que a rádio veicula com denominação fantasia não autorizada “Rádio Deus é Amor”, havendo indícios de um possível arrendamento da entidade para a referida igreja (doc. 3). Entre os documentos juntados aos autos pela ANATEL, encontra-se cópia do Contrato de Cessão de Horário de Veiculação de Programa Radiofônico, firmado pelas partes no ano de 2015, com vigência de 60 (sessenta) meses, por meio do qual a empresa Rádio Clube de Tupã Ltda. cede 24 (vinte e quatro) horas de sua programação à Igreja Pentecostal Deus é Amor, pela cifra total de R$ 520.320,00 (quinhentos e vinte mil, trezentos e vinte reais) (doc. 4). Assim, as informações prestadas pela ANATEL e os documentos juntados demonstraram que a empresa Rádio Clube de Tupã Ltda. não presta pessoalmente o serviço de radiodifusão sonora, transferindo ilegalmente a execução do serviço à Igreja Pentecostal Deus é Amor. Sob o argumento de que afronta o ordenamento jurídico a transferência da execução do serviço de radiodifusão por meio de arrendamento, no caso, com cessão de 24 horas de programação, pois a outorga pública é intuitu personae, somente deferida mediante prévio procedimento licitatório, formula do MPF o seguinte pedido em caráter liminar: (i) a suspensão da execução do serviço de radiodifusão sonora da ré Rádio Clube de Tupã Ltda . ; (ii) e que a União abstenha-se de conceder novas outorgas de serviço de radiodifusão aos réus. Intimada a se manifestar previamente, disse a União que o pedido de liminar requerido pelo MPF esgota, por completo, o objeto da ação, não sendo aceitável processualmente à luz do art. 1059 do CPC e § 3º do art. 1º da Lei 8.437/92. Disse, ainda, que, em relação ao contrato entabulado pelos réus, há procedimento de apuração de infração instaurado, ainda não concluído, razão pela qual careceria o MPF de interesse processual. Decido. Conforme se tira do Inquérito Civil instaurado pelo MPF, a ANATEL realizou diligências fiscalizatórias nas instalações da emissora Rádio Clube de Tupã Ltda, outorgada para exploração do Serviço de Radiodifusão em Ondas Médias, na frequência de 1320 KHz, na cidade de Tupã/SP, quando localizou e apreendeu por cópia Instrumento Particular de Contrato de Cessão de Horário de Veiculação de Programa Radiofônico, firmado entre a referida empresa, representada por sua sócia administradora, Luciana Gomes Ferreira, e a Igreja Pentecostal Deus é Amor. Segundo o referido contrato, a Rádio Clube de Tupã Ltda cedeu à Igreja Pentecostal Deus é Amor 24 horas diárias, de segunda a domingo, de sua programação para transmissão de programação radiofônica de caráter religioso, pelo valor mensal de R$ 8.672,00 (reajustável a cada doze meses pelo IGPM), vencível no dia 10 de cada mês, a partir de julho de 2015, estendendo-se até 31 de maio de 2020. Portanto, resta suficientemente demonstrado que a Rádio Clube de Tupã Ltda transferiu à Igreja Pentecostal Deus é Amor a integral execução do serviço de radiodifusão outorgado por meio do aludido contrato, sem anuência do poder concedente. Considerando que o contrato de cessão integral da execução do serviço de radiodifusão consubstancia afronta à concessão outorgada, cuja prestação deve ser intuitu personae, transferível somente mediante prévio processo licitatório, há verossimilhança nas alegações trazidas pelo MPF. E desse entendimento jurídico - da ilicitude da cessão aventada - não se distancia a União Federal segundo o seguinte trecho de sua prévia manifestação: Assim, quando os serviços públicos são concedidos ou permitidos à iniciativa privada, o que se transfere é a execução do serviço e não sua titularidade, que permanece com o Estado. Aos particulares, atribui-se a incumbência de prestar o serviço adequadamente, intuitu personae, de maneira a atender o interesse público, nas condições determinadas pelo Estado. O Código Brasileiro de Telecomunicações admite, segundo o disposto no artigo 124, a comercialização de tempo de programação, que consiste na relação contratual estabelecida entre concessionário/permissionário de radiodifusão e terceiro, da qual decorre a obrigação de veicular os conteúdos determinados por este. Da celebração desses contratos decorre que uma parcela do horário da programação das emissoras será destinada à transmissão de programas comercializados com terceiros e por eles estabelecidos, havendo limite de tempo de programação comercializável. No caso concreto, o contrato entabulado entre as corrés implica na assunção da totalidade do tempo de programação pela arrendatária, por prazo determinado, com certa manutenção da gestão administrativa pelo titular da outorga que cuidaria das relações trabalhistas da empresa e dos equipamentos, atuando também como representante perante o Poder Público, conforme se depreende da Cláusula 3ª, incisos X e XIII do instrumento particular de cessão. Assim, evidencia-se tratar de arrendamento de horários, chamado de venda de espaços na grade programática, que se distingue da transferência direta da outorga. Entretanto, tal delimitação da conduta somente deve dar-se após análise do caso concreto. Configurado o arrendamento, serão aplicadas as sanções condizentes com a tipificação empreendida pelo poder concedente, titular do serviço em questão, e a quem incumbe a análise de irregularidade perpetrada pela outorgada. A propósito da manifestação da União, tenho que a sua mora no caso está caracterizada. É que, mesmo informada pela ANATEL em 2017 a respeito do arrendamento da outorga entabulada entre a Rádio Clube de Tupã Ltda e a Igreja Pentecostal Deus é Amo, ainda não deliberou conclusivamente a respeito, como as suas recentes informações indicam. E esse não fazer da União revela a necessidade na tutela de urgência rogada pelo MPF em caráter liminar. Assim, presentes os pressupostos, a tutela de urgência deve ser deferida, ainda que em menor extensão. De fato, o MPF requer, em caráter liminar, a imediata suspensão da execução do serviço de radiodifusão sonora da ré Rádio Clube de Tupã Ltda. Entretanto, tenho que se trata de medida drástica, desproporcional nesta fase de cognição sumária da pretensão. Bem por isso, até mesmo para não esgotar o objeto da ação, tenho que a suspensão deve recair sobre o ato tido por ilícito, ou seja, o contrato de cessão da programação. Desta feita, DEFIRO EM PARTE O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, a fim de suspender o contrato firmado entre a Rádio Clube de Tupã Ltda e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, alusivo à transferência integral da execução do serviço de radiodifusão outorgado, sob pena de aplicação de multa ou adoção de outras medidas atípicas para fins de cumprir a ordem judicial. Fixo prazo de 72 horas – partir da ciência da presente decisão por gestor da empresa - para a suspensão do contrato de transferência da execução do serviço de radiodifusão. Com isso, a Rádio Clube de Tupã Ltda deve retomar a execução do serviço de radiodifusão outorgado. Cumpra-se com urgência, expedindo-se o necessário. Citem-se e intimem-se os réus para resposta. Intimem-se”. A Constituição: Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. § 1º. O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a contar do recebimento da mensagem. § 2.º A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal. § 3º. O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores. § 4º. O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial. § 5º O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras de rádio e de quinze para as de televisão. A Lei Federal nº. 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações): Art. 32. Os serviços de radiodifusão, nos quais se compreendem os de televisão, serão executados diretamente pela União ou através de concessão, autorização ou permissão. Art. 33. Os serviços de telecomunicações, não executados diretamente pela União, poderão ser explorados por concessão, autorização ou permissão, observadas as disposições desta Lei. Art. 35. As concessões e autorizações não têm caráter de exclusividade, e se restringem, quando envolvem a utilização de radiofreqüência, ao respectivo uso sem limitação do direito, que assiste à União, de executar, diretamente, serviço idêntico. Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas: (...) b) as alterações contratuais ou estatutárias deverão ser encaminhadas ao órgão competente do Poder Executivo, no prazo de sessenta dias a contar da realização do ato, acompanhadas de todos os documentos que comprovam atendimento à legislação em vigor, nos termos regulamentares; c) a transferência da concessão ou permissão de uma pessoa jurídica para outra depende, para sua validade, de prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo;, Art. 66. Antes de decidir da aplicação de qualquer das penalidades previstas, o CONTEL notificará a interessada para exercer o direito de defesa, dentro do prazo de 5 (cinco) dias, contados do recebimento da notificação. O Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, aprovado através do Decreto nº. 52.795/63: Art 5º. Para os efeitos dêste Regulamento, os têrmos que figuram a seguir tem os significados definidos após cada um deles: 1) Autorização - É o ato pelo qual o Poder Público competente concede ou permite a pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, a faculdade de executar e explorar, em seu nome ou por conta própria, serviços de telecomunicações, durante um determinado prazo. 2) Certificado de licença - É o documento expedido pelo Contel, que habilita as concessionárias e permissionárias a iniciar a execução de serviços de radiodifusão. 3) Concessão - É a autorização outorgada pelo poder competente a entidades executoras de serviços de radiodifusão sonora de caráter nacional ou regional e de televisão. (...) 21) Permissão - é a autorização outorgada pelo poder competente a entidades par a execução de serviço de radiodifusão de caráter local. 22) Radiodifusão - é o serviço de telecomunicações que permite a transmissão de sons (radiodifusão sonora) ou a transmissão de sons e imagens (televisão), destinada a ser direta e livremente recebida pelo público. A outorga de serviços de radiodifusão é procedimento complexo que conta com a participação dos Poderes Executivo e Legislativo. A verificação judicial, portanto, deve se ater à análise da legalidade, sob pena de invadir esfera de atuação dos demais Poderes. Pois bem. O artigo 38, itens “b” e “c”, da Lei Federal nº. 4.117/62, é claro em vedar alterações societárias e transferências de concessão. Não veda, contudo, a negociação do conteúdo do serviço (ou seja, a transmissão). Assim, a princípio, nos termos da legislação aplicável, a alteração de conteúdo do serviço não afeta a concessão em si. Apenas a autoridade responsável poderia entender em sentido diverso, em análise meritória. No caso concreto, há prova de que o órgão público responsável pela fiscalização foi notificado da alteração do conteúdo do serviço de radiodifusão, sem que tenha determinado punição administrativa. Importante anotar que a ausência de punição não significa omissão administrativa. Significa que, intimada a tempo e modo, a autoridade responsável não aplicou punição imediata. Nesse quadro, e considerando que a autoridade administrativa estava ciente dos fatos, não é razoável determinar a suspensão do serviço de radiodifusão, em análise liminar. A aparente discordância com o conteúdo do serviço, ou seja, com a transmissão, é questão de mérito cuja análise parece competir à autoridade administrativa. Por tais fundamentos, dou provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO. NEGOCIAÇÃO DO CONTEÚDO. AUTORIDADE RESPONSÁVEL. CIÊNCIA DOS FATOS. ANÁLISE LIMINAR. RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO SERVIÇO.
1. A outorga de serviços de radiodifusão é procedimento complexo que conta com a participação dos Poderes Executivo e Legislativo.
2. A verificação judicial, portanto, deve se ater à análise da legalidade, sob pena de invadir esfera de atuação dos demais Poderes.
3. O artigo 38, itens “b” e “c”, da Lei Federal nº. 4.117/62, é claro em vedar alterações societárias e transferências de concessão. Não veda, contudo, a negociação do conteúdo do serviço (ou seja, a transmissão).
4. Assim, a princípio, nos termos da legislação aplicável, a alteração de conteúdo do serviço não afeta a concessão em si. Apenas a autoridade responsável poderia entender em sentido diverso, em análise meritória.
5. No caso concreto, há prova de que o órgão público responsável pela fiscalização foi notificado da alteração do conteúdo do serviço de radiodifusão, sem que tenha determinado punição administrativa.
6. Importante anotar que a ausência de punição não significa omissão administrativa. Significa que, intimada a tempo e modo, a autoridade responsável não aplicou punição imediata.
7. Nesse quadro, e considerando que a autoridade administrativa estava ciente dos fatos, não é razoável determinar a suspensão do serviço de radiodifusão, em análise liminar.
8. A aparente discordância com o conteúdo do serviço, ou seja, com a transmissão, é questão de mérito cuja análise parece competir à autoridade administrativa.
9. Agravo de instrumento provido.