Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012338-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: JORGE DA PAZ COSTA

Advogados do(a) APELANTE: DMITRI MONTANAR FRANCO - SP159117-A, PAULO GIL DE SOUZA CONFORTIN - SP155669-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012338-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: JORGE DA PAZ COSTA

Advogados do(a) APELANTE: DMITRI MONTANAR FRANCO - SP159117-A, PAULO GIL DE SOUZA CONFORTIN - SP155669-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ou AUXÍLIO-DOENÇA, com fundamento na ausência de incapacidade laborativa, condenando a parte autora ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, suspensa a execução, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora:

- cerceamento de defesa, eis que o laudo pericial foi produzido por médico não especialista;

- estar incapacitada total e permanentemente para sua atividade habitual, fazendo jus à concessão do benefício pleiteado, até porque preencheu os demais requisitos legais.

Requer a anulação da sentença ou a sua reforma, para que seja concedido o benefício pleiteado.

Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.

É O RELATÓRIO.

 

 


 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012338-84.2018.4.03.6105

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: JORGE DA PAZ COSTA

Advogados do(a) APELANTE: DMITRI MONTANAR FRANCO - SP159117-A, PAULO GIL DE SOUZA CONFORTIN - SP155669-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Em razão de sua regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.

Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).

No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.

Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.

Assim, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.

No caso dos autos, o exame médico, realizado em 28/06/2019 pelo perito oficial, especialista em Ortopedia e Traumatologia, constatou que a parte autora, motorista, idade atual de 61 anos, não está incapacitada para o exercício de atividade laboral, como se vê do laudo oficial constante do ID155315409:

"Não caracterizada situação de incapacidade laborativa." (pág. 19)

Ocorre que a parte autora, na inicial, afirma ser portadora de doença psiquiátrica, tendo acostado, aos autos, relatório médico (ID155315312), que atesta estar em acompanhamento psiquiátrico.

E, determinada a realização da perícia por especialista em Ortopedia, a parte autora requereu expressamente a realização de exame pericial também por especialista em Psiquiatria (ID155315329), pedido reiterado no ID155315392.

Por outro lado, intimada a se manifestar sobre o laudo pericial, a parte autora requereu expressamente que fosse examinada por perito especialista em Psiquiatria (ID15515413), tendo acostado, aos autos, documento médico, contemporâneo à perícia judicial, atestando que ela está em tratamento e não tem condições de exercer a sua atividade laboral (ID155315402).

Ora, nos termos do artigo 465 do Código de Processo Civil de 2015, sob a égide do qual se realizou o laudo pericial questionado pela parte autora, a perícia precisa ser, necessariamente, efetuada por médico especializado no objeto da perícia.

Vale a leitura da nota "9" referente ao referido artigo 465 do Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, dos ilustres juristas Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (São Paulo: RT, 2016. pág. 1179):

"9. Perícia médica. Deve ser levada a efeito por quem tenha inscrição regular no CRM. Não basta a qualidade de médico para a realização de perícia que exija conhecimentos de especialista. É necessário indicar qual o ramo de atividade em que se insere o objeto da perícia, bem como se o profissional escolhido pelo juiz se enquadra dentre os que se valem de conhecimento especial sobre o tema."

Com efeito, o laudo médico pericial juntado aos autos não se mostrou suficiente para auxiliar esta Relatora na convicção dos fatos alegados, havendo necessidade de realização de uma nova perícia, para que a doença psiquiátrica apontada pela parte autora nas suas peças seja investigada e as dúvidas a respeito da incapacidade dirimidas.

E, ao julgar o feito, sem propiciar a realização de perícia complementar, conforme requerido pela parta autora, o Juízo "a quo" vulnerou o princípio da ampla defesa, insculpido no artigo 5º da Constituição Federal, que diz:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado desta Egrégia Corte Regional:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INCOMPLETO. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA.

- Pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.

- O laudo, elaborado por especialista em psiquiatria, atesta que a parte autora apresenta depressão de grau leve, sem incapacidade para o trabalho. Entretanto, é portador de esclerose múltipla, que pode ser incapacitante, devendo ser avaliado por neurologista.

- Da análise dos autos, observa-se que o requerente alegou, na petição inicial, ter sido diagnosticado com diversas patologias, entre elas a esclerose múltipla.

- Não houve, portanto, análise quanto à doença alegada pelo autor e lastreada em documentação acostada aos autos. Observo que, embora o perito judicial narre as moléstias descritas pelo autor na exordial, analisou apenas as patologias psiquiátricas e concluiu que o requerente deve ser avaliado por especialista em neurologia.

- Desta forma, resta claro que o laudo médico apresentado se mostrou insuficiente para atender aos propósitos da realização da perícia médica judicial, que tem por objetivo auxiliar o juiz na formação de seu convencimento acerca dos fatos alegados.

- Assim, faz-se necessária a execução de um novo laudo pericial, para esclarecimento do possível diagnóstico das enfermidades relatadas na inicial, com análise de documentos complementares, se o caso, dirimindo-se quaisquer dúvidas quando à incapacidade ou não do autor para o labor, para que, em conformidade com as provas materiais carreadas aos autos, possa ser analisada a concessão ou não do benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.

- Apelação parcialmente provida. Sentença anulada.

(AC nº 0030588-48.2017.4.03.9999, 8ª Turma, Desembargadora Federal Tania Marangoni, DE 12/12/2017)

Desse modo, o julgamento da lide, sem a realização de perícia complementar, requerida pela parte autora de forma expressa e justificada, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa.

Cabe lembrar, nesse sentido, anotação jurisprudencial dos ilustres Theotônio Negrão et alii, em seu Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (São Paulo, Saraiva, 2016, nota "6" ao artigo 370 do CPC/2015, pág. 441):

"O indeferimento de realização de provas, possibilidade oferecida pelo art. 130 do CPC, não está ao livre arbítrio do juiz, devendo ocorrer apenas, e de forma motivada, quando forem dispensáveis e de caráter meramente protelatório" (STJ-1ª T., REsp 637.547, Min. José Delgado, j. 10.8.04, DJU 13.9.04).

O julgamento antecipado da lide deve acontecer quando evidenciada a desnecessidade de produção de prova; de outro modo, caracterizado fica o cerceamento de defesa" (RSTJ 48/405).

"Se a pretensão do autor depende da produção da prova requerida, esta não lhe pode ser negada, nem reduzido o âmbito de seu pedido com um julgamento antecipado, sob pena de configurar-se uma situação de autêntica denegação de Justiça" (RSTJ 21/416). No mesmo sentido: RJM 189/95 (AP 1.0027.07.134463-7/001).

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo, para desconstituir a sentença, caracterizado o cerceamento de defesa, e determinar o retorno dos autos à Vara de origem, para que se dê prosseguimento ao feito, com a realização de perícia complementar por médico especialista em Psiquiatria, abrangendo análise técnica e pormenorizada de todos os pontos controvertidos, e a prolação de nova sentença.

É COMO VOTO.    

/gabiv/asato



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA - PERÍCIA POR MÉDICO ESPECIALISTA EM PSIQUIATRIA: NECESSIDADE - APELO PROVIDO - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.

1. Em razão de sua regularidade formal, o recurso foi recebido, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.

2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).

3. Para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.

4. No caso dos autos, o exame médico, realizado em 28/06/2019 pelo perito oficial, especialista em Ortopedia e Traumatologia, constatou que a parte autora, motorista, idade atual de 61 anos, não está incapacitada para o exercício de atividade laboral, como se vê do laudo oficial.

5. A parte autora, na inicial, afirma ser portadora de doença psiquiátrica, tendo acostado, aos autos, relatório médico (ID155315312), que atesta estar em acompanhamento psiquiátrico. E, determinada a realização da perícia por especialista em Ortopedia, a parte autora requereu expressamente a realização de exame pericial também por especialista em Psiquiatria. Por outro lado, intimada a se manifestar sobre o laudo pericial, a parte autora requereu expressamente que fosse examinada por perito especialista em Psiquiatria, tendo acostado, aos autos, documento médico, contemporâneo à perícia judicial, atestando que ela está em tratamento e não tem condições de exercer a sua atividade laboral.

6. Nos termos do artigo 465 do Código de Processo Civil de 2015, sob a égide do qual se realizou o laudo pericial questionado pela parte autora, a perícia precisa ser, necessariamente, efetuada por médico especializado no objeto da perícia.

7. O laudo médico pericial juntado aos autos não se mostrou suficiente para auxiliar esta Relatora na convicção dos fatos alegados, havendo necessidade de realização de perícia complementar, para que as doenças apontadas pela parte autora nas suas peças sejam investigadas e as dúvidas a respeito da incapacidade dirimidas.

8. O julgamento da lide, sem a realização de perícia complementar, requerida pela parte autora de forma expressa e justificada, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88).

9. Apelo provido. Sentença desconstituída.

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  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo, para desconstituir a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.