Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016846-25.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO EST S PAULO, SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA - SELURB, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A, VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A
Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A, VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO EST S PAULO, SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA - SELURB

Advogados do(a) APELADO: VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A, ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A
Advogados do(a) APELADO: VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A, ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016846-25.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

APELANTE: SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO EST S PAULO, SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA - SELURB, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A, VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A
Advogados do(a) APELANTE: ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A, VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO EST S PAULO, SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA - SELURB

Advogados do(a) APELADO: VERA LUCIA DOS SANTOS MENEZES - SP75566-A, ANA PAULA BALHES CAODAGLIO - SP140111-A
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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que julgou procedente pedido formulado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB e Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR, para eximir os associados das entidades da exigência de exame toxicológico na admissão e desligamento de motorista profissional, nos limites dos Municípios que compõem a 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, condenando a União ao pagamento de despesas processuais e de honorários de advogado, arbitrados em 10% do valor da causa.

 

Decidiu o Juízo de Origem que o exame toxicológico previsto pela Lei nº 13.103/2015 e regulamentado pela Portaria nº 945/2017 do Ministério do Trabalho fere os princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, discriminando os condutores das categorias C, D e E pela simples carteira de habilitação e não pela forma de condução, trazendo mais custo financeiro para as empresas do país, quando o aumento da fiscalização já reduziria os acidentes rodoviários, e limitando o número de laboratórios credenciados ao teste, em prejuízo da livre concorrência e da correlata redução dos preços.

 

A União, em razões de apelação, sustenta que os estudos feitos até o momento, inclusive internacionais, indicam o grande consumo de substâncias psicotrópicas pelos motoristas profissionais, a relação de causalidade com a maioria dos acidentes rodoviários e a eficácia do exame toxicológico de larga janela de detecção na prevenção do uso de drogas, em complemento às medidas de fiscalização do trânsito.

 

Argumenta que, com a previsão de exame toxicológico para o exercício de atividade de transporte de pessoas e de cargas, cabe ao Ministério do Trabalho e não ao CONTRAN adaptar a exigência à relação de emprego, impondo o teste para todos os motoristas profissionais, independentemente da categoria. Alega que a medida foi feita através da Portaria nº 945/2017.

 

Afirma que o exame toxicológico constitui ônus do empregador, enquanto requisito de aptidão física e mental do trabalho, o número de laboratórios credenciados garante o regime concorrencial, com diversos postos de coleta pelo país e sem prejuízo de novos credenciamentos, e o resultado do laudo é cercado de todas as cautelas necessárias para a preservação da intimidade do trabalhador.

 

O Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB e o Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo, em razões de apelação, sustentam que a eficácia da sentença não poderia ter ficado restrita à circunscrição dos Municípios integrantes da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo. Explicam que possuem base territorial no Estado de São Paulo e em todo o Brasil, de modo que todas as empresas por eles representadas devem se eximir do exame toxicológico na admissão e desligamento de motorista profissional.

 

Acrescentam que, se a ação é proposta no foro da Capital de Estado, a sentença deve ter abrangência regional e nacional, em atenção, inclusive, à natureza federal dos órgãos do Poder Judiciário da União.

 

Reafirmam a inexigibilidade do exame toxicológico, sob o fundamento de que cabe ao CONTRAN e não ao Ministério do Trabalho regulamentar o teste para o exercício da atividade de transporte rodoviário, o que torna ilegal a Portaria 945/2017, a intimidade do trabalhador é violada e o laudo traz mais um custo para as empresas do Brasil.

 

Ponderam que a imposição do exame toxicológico confere um tratamento discriminatório ao motorista profissional, não significa maiores garantias de prevenção de acidentes e se aplica apenas à atividade de transporte rodoviário de passageiros e cargas. Esclarecem que as categorias profissionais diferenciadas, em que o transporte não é atividade preponderante, como o serviço de limpeza pública e de manejo de resíduos sólidos, estão excluídas; o veto ao artigo 1º, parágrafo único, III e IV, da Lei nº 12.619/2012 representa prova da inaplicabilidade.

 

A União apresentou contrarrazões à apelação dos sindicatos e os sindicatos, à da União.

 

É o relatório.          

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016846-25.2017.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. ANTONIO CEDENHO

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APELADO: UNIÃO FEDERAL, SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA NO EST S PAULO, SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS DE LIMPEZA URBANA - SELURB

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V O T O

 

 

Primeiramente, deve incidir a remessa oficial. A sentença foi proferida contra a União, em causa que não pode ser dimensionada, a ponto de se verificar montante inferior ao teto de mil salários-mínimos. Na ausência de certeza e liquidez do valor, impõe-se a revisão da decisão que contrariou a Fazenda Pública (artigo 496, §3º, I, do CPC e Súmula nº 490 do STJ).

 

Os fundamentos adotados pelo Juízo de Origem para a inexigibilidade do exame toxicológico e que coincidem com parte da causa de pedir da petição inicial não procedem. Segundo precedentes da Terceira Turma deste Tribunal (ApCiv 5014240-87.2018.4.03.6100, Relator Antônio Cedenho, DJ 05/02/2020, e AI 0019268-59.2016.4.03.0000, Relator Antônio Cedenho, DJ 20/09/2017), a exigência de exame toxicológico na admissão e desligamento de motorista profissional não viola os princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.

 

Os condutores das categorias C, D e E que realizam transporte rodoviário de passageiros e de cargas exercem a atividade em condições bem hostis, cujo enfrentamento, como indicam as estatísticas dos órgãos e entidades de trânsito, tem sido feito com o consumo de substâncias psicotrópicas. Longas jornadas, estrutura precária das rodovias, conduta noturna, via de alta velocidade, sedentarismo, remuneração proporcional ao volume transportado são fatores que tornam extenuante a atividade, estimulando o motorista profissional a usar drogas para a viabilidade do trabalho.

 

O emprego de substâncias estupefacientes na condução de veículos automotores tem sido responsável por grande parte dos acidentes nas rodovias do país, pondo em risco a incolumidade física do trabalhador e dos outros usuários. As estatísticas oficiais confirmam as fatalidades associadas à direção de ônibus, caminhões e objetos similares sob efeito de drogas.

 

O Estado naturalmente deve reagir à insegurança das rodovias, mediante a concepção e implementação de política pública voltada à melhoria das condições de trabalho do motorista profissional e ao equilíbrio do trânsito (artigos 7º, XXII, 22, I e XI, e 23, XII, da CF). O exame toxicológico se situa justamente nessa proposta: objetiva inibir o consumo de substâncias psicotrópicas através de fiscalização em momentos estratégicos da atividade profissional – renovação de carteira de habilitação e relação de emprego -, com a retirada de circulação de motoristas que persistam no consumo de drogas e a oferta de serviços de atendimento no SUS ou de responsabilidade do próprio empregador.

 

Trata-se de dever condizente com o alto grau de periculosidade da atividade e com a literatura médica internacional, que tem considerado eficaz o exame toxicológico na prevenção do consumo de drogas, atribuindo-lhe papel não exclusivo, mas apenas complementar às medidas de fiscalização. Nessas circunstâncias, não se pode cogitar de violação dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade pelo artigo 6º da Lei nº 13.103/2015, artigo 168, §6º, da CLT e Portaria MTPS nº 116/2015.

 

A decretação de invalidade do exame, num ambiente de aceitação relativa da política, se mostra, inclusive, indevida. Isso porque o Poder Judiciário faria censura do mérito da opção legislativa e executiva, reputando-a inapropriada ao interesse público, o que transgrediria a separação dos poderes e daria ao ativismo judicial status de governabilidade (artigos 2º e 60, §4º, III, da CF). O exame toxicológico tem base científica e precedente em outros países, de modo que não se trata de mecanismo proscrito ou de eficácia mínima, mas de ferramenta com embasamento suficiente para eximir de sindicância judicial a escolha dos Poderes Legislativo e Executivo.

 

A mesma ponderação se aplica ao encargo financeiro e ao preço do exame, que são variáveis da política pública insuscetíveis de censura pelo Poder Judiciário, sob pena de invasão do mérito da opção legislativa e executiva e das atribuições dos órgãos e entidades de defesa da concorrência.

 

De qualquer forma, não há espaço para a sindicância judicial, seja porque cabe ao empregador custear a medicina e segurança do trabalho, que passaram a incorporar o exame toxicológico (artigo 168 da CLT), seja porque o DENATRAN tem ampliado o credenciamento dos laboratórios, em nível que propicia maior competitividade dos preços e o atendimento das normas de concorrência, sob fiscalização do CADE.

 

Portanto, a inexigibilidade do exame toxicológico não poderia ocorrer pelos fundamentos da sentença.

 

Ela deve vir, porém, do outro fundamento da petição inicial dos sindicatos, correspondente à presença de categoria profissional diferenciada e cuja devolução ao Tribunal na apelação é garantida pelo artigo 1.013, §2º, do CPC.

 

A Lei nº 13.103/2015 prevê como motorista profissional o condutor de veículos automotores cuja profissão seja o transporte rodoviário de passageiros ou de cargas (artigo 1º, parágrafo único). O regime fixado tem por alvo a profissão de motorista exercida na categoria econômica de transporte rodoviário. A atividade desempenhada em outra categoria econômica está excluída da regulamentação e, por conseguinte, da exigência de exame toxicológico por ocasião da admissão ou desligamento de empresa.

 

A exclusão não decorre apenas de interpretação literal da norma jurídica, mas também de uma interpretação sistemática e teleológica, com conotação histórica. Isso porque a Lei nº 13.103/2015 sucedeu a Lei nº 12.619/2012, cujo projeto incluía na categoria de motorista profissional o transporte executado por motoristas como categoria diferenciada que, de modo geral, atuassem nas diversas atividades ou categorias econômicas (artigo 1º, parágrafo único, III e IV). O Presidente da República vetou na época essa parte da proposição legislativa, invocando possibilidade de interferência de representação sindical e restringindo, assim, o objeto da regulamentação à profissão de motorista exercida no transporte rodoviário de passageiros e cargas.

 

A transcrição da mensagem da Presidência da República é esclarecedora:

 
Incisos III e IV do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.619/2012

“III - transporte executado por motoristas como categoria diferenciada que, de modo geral, atuem nas diversas atividades ou categorias econômicas;”

“IV - operadores de trator de roda, de esteira ou misto ou equipamento automotor e/ou destinado à movimentação de cargas que atuem nas diversas atividades ou categorias econômicas.”

Razão dos vetos

“Da forma como redigida, a proposta causaria interferências na representação sindical de trabalhadores no exercício de atividades distintas daquelas que são objeto do Projeto de Lei.”

 

Embora a lei vetada tenha sido revogada pela Lei nº 13.103/2015 (artigo 21), a vontade dos órgãos participantes do processo legislativo, inclusive do Parlamento através da ausência de derrubada do veto, não pode ser ignorada; na verdade, ela se faz presente na lei posterior que limitou a ocupação de motorista profissional ao transporte rodoviário de passageiros e cargas, decorrendo de convergência dos métodos de interpretação literal, sistemática, teleológica e histórica da norma jurídica.

 

Apesar de o veto ter se fundado em dificuldade de enquadramento sindical da categoria, a medida não altera o fato de que o objeto da regulação ficou circunscrito à profissão exercida no transporte rodoviário, com a impossibilidade de aplicação do regime jurídico e, consequentemente, do exame toxicológico aos condutores que atuem em outras categorias econômicas como categoria diferenciada, sem relação com a atividade preponderante da empresa.

 

Se a exclusão da categoria diferenciada é contraproducente, diante da presença do mesmo risco no transporte rodoviário – motoristas que fazem o transporte em outras categorias econômicas também padeceriam das adversidades da atividade exercida em situação de preponderância -, não cabe ao Poder Judiciário fazer abstração da vontade dos órgãos participantes do processo legislativo, que optaram expressamente por restringir o regime de motorista profissional ao exercício de transporte como atividade preponderante, categoria econômica específica. Haveria violação da separação dos poderes, com a produção judiciária de normas jurídicas.

 

Toda a contextualização serve para demonstrar que a Portaria nº 945/2017 do Ministério do Trabalho, ao exigir exame toxicológico na admissão e o desligamento de motorista profissional nas atividades de transporte em geral, extravasou os limites da legalidade, nos termos a seguir transcritos:

 

Art. 2º O empregador que admitir e desligar motoristas profissionais fica obrigado a declarar os campos denominados: Código Exame Toxicológico, Data Exame Médico (Dia/Mês/Ano), CNPJ do Laboratório, UFCRM e CRM relativo às informações do exame toxicológico no CAGED, conforme modelo, em anexo, e arquivo disponível no endereço https://caged.maisemprego.mte.gov.br/portalcaged/

Parágrafo único - Os motoristas profissionais de que trata o caput deste artigo são os identificados pelas famílias ocupacionais 7823: Motoristas de veículos de pequeno e médio porte, 7824: Motoristas de ônibus urbanos, metropolitanos e rodoviários e 7825: Motoristas de veículos de cargas em geral, da Classificação Brasileira de Ocupações.

 

A Lei nº 13.103/2015, no artigo 1º, parágrafo único, I e II, prevê o teste toxicológico apenas na categoria econômica do transporte rodoviário de passageiros e de cargas, com a exclusão dos serviços de transporte em geral, inclusive os exercidos no contexto de categoria diferenciada, como parte de outra atividade preponderante (artigo 1º, parágrafo único, incisos III e IV da Lei nº 12.619/2012, vetados pelo Presidente da República).

 

As empresas associadas dos sindicatos que propuseram a ação têm por objeto a prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Não exercem como atividade predominante o transporte rodoviário de passageiros e cargas, de modo que os motoristas dos caminhões compactadores de lixo configuram uma categoria profissional diferenciada, estando desobrigados de exame toxicológico por ocasião da admissão e desligamento de emprego.

 

Portanto, a Portaria nº 945/2017 do Ministério do Emprego apresenta vício de legalidade e não pode ser imposta às empresas representadas pelos sindicatos que ajuizaram a ação. A remessa oficial e a apelação da União devem ser desprovidas nesse ponto.

 

Em relação ao alcance da eficácia da sentença que julgou procedente o pedido, a restrição do dispositivo da decisão não pode subsistir.

 

No caso dos sindicatos, a defesa dos interesses da categoria econômica ou profissional reflete a base territorial de representação, definida pelo Ministério do Trabalho após a outorga de carta de reconhecimento e a investidura sindical (artigo 8º, I, II e III, da CF e artigos 512, 513, I, e 520 da CLT). A associação fica habilitada a defender todos os interesses da categoria dentro do território delimitado, sem sobreposição ou divisão – princípio da unicidade sindical.

 

A área de representação deve interferir naturalmente na instância judicial, enquanto um dos campos de atuação do sindicato. Se ele possui atuação estadual, a sentença proferida deve ter a mesma dimensão, como mero reflexo da substituição processual conferida às organizações sindicais. Não se trata de eficácia a ser buscada na legislação infraconstitucional, mas na própria CF, que confere ao poder de representação do sindicato o alcance da base territorial outorgada (artigo 8º, II e III, da CF).

 

Dessa forma, a decisão que declarou a inexigibilidade do exame toxicológico para as empresas associadas do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR deve produzir efeitos na base territorial da entidade, que, segundo a carta de reconhecimento do Ministério do Trabalho, corresponde ao Estado de São Paulo.

 

A restrição aos Municípios que compõem a 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, na circunscrição correspondente aos limites de jurisdição do órgão julgador, de acordo com o artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997, não se aplica à controvérsia, devido ao fato de que o alcance da representação dos sindicatos tem base constitucional direta e específica (artigo 8º, II e III, da CF). A norma jurídica mencionada atinge apenas as associações civis e no exercício de legitimidade ordinária, nos termos do artigo 5º, XXI, da CF, sem a substituição processual atribuída às entidades sindicais.

 

O Supremo Tribunal Federal adotou essa posição no RE 612.043, Tema 499, limitando o artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997 às associações civis no exercício de legitimidade ordinária, em que a invocação dos limites da jurisdição do órgão julgador constitui decorrência lógica da representação conferida por associados específicos domiciliados na circunscrição.  A tese de julgamento foi assim fixada:

 

A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento.

 

Em consulta aos fundamentos do voto condutor, verifica-se que os sindicatos foram expressamente excluídos do alcance do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997, por força do regime constitucional diferenciado:

 

Sustento, no tocante à questão debatida, as mesmas razões que perfilhei no julgamento do precedente. Faz-se em jogo definir se é legítima a adoção de marco temporal relativamente à filiação de associado para efeito da execução de sentença proferida em ação coletiva de rito ordinário. Em síntese, cabe esclarecer se filiados em momento posterior ao da formalização do processo de conhecimento e que, por esse motivo, não constaram da relação de nomes anexada à inicial da demanda, tendo em vista o artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997, são alcançados e beneficiados pela eficácia da coisa julgada.

 

É válida a delimitação temporal. Diversamente da regência alusiva a sindicato, observados os artigos 5º, inciso LXX, e 8º, inciso III, da Lei Maior, no que se verifica verdadeiro caso de substituição processual, o artigo 5º, inciso XXI, nela contido, concernente às associações, encerra situação de representação processual a exigir, para efeito da atuação judicial da entidade, autorização expressa e específica dos membros, os associados, presente situação próxima à de outorga de mandato, não fosse a possibilidade de concessão da referida anuência em assembleia geral.

 

O Superior Tribunal de Justiça tem adotado a mesma interpretação, fazendo-o, inclusive, em sede de embargos de divergência:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO COLETIVA. ART. 2º-A DA LEI 9.494/1997. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DE TUTELA COLETIVA PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8.078/1990), NA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI 7.34/1985) E NA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA (LEI 12.016/2009). INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA COISA JULGADA AO TERRITÓRIO SOB JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR DA SENTENÇA. IMPROPRIEDADE. OBSERVÂNCIA AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE
ESPECIAL NO JULGAMENTO DO RESP 1.243.887/PR, REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA, E PELO STF QUANTO AO ALCANCE DOS EFEITOS DA COISA JULGADA NA TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. NÃO APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO RE 612.043/PR (TEMA 499). JULGAMENTO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ. INDEFERIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
1. Trata-se de Embargos de Divergência interpostos contra acórdão da Primeira Turma do STJ, nos autos do  AgInt no  Recurso Especial 1.770.377/RS,  que entendeu que os efeitos da sentença coletiva, nos casos em que a entidade sindical atua como substituta processual, não estão adstritos aos filiados à entidade sindical à época do oferecimento da ação coletiva, nem sua abrangência cinge-se somente ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão, salvo se houver restrição expressa no título executivo judicial.
2. A parte embargante afirma em seu arrazoado que deve prevalecer a conclusão exposta no AREsp 695.507/RS, em que a sentença civil proferida em ação de caráter coletivo ajuizada por entidade associativa ou sindicato, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados ou da categoria, atinge somente os substituídos que possuam, na data do ajuizamento da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, conforme o disposto no artigo 2º-A da Lei 9.494/1997.
3. Com efeito, é assente na jurisprudência do STJ o entendimento de que, quando em discussão a eficácia objetiva e subjetiva da sentença proferida em ação coletiva proposta em substituição processual, a aplicação do art. 2º-A da Lei 9.494/1997 deve se harmonizar com os demais preceitos legais aplicáveis ao tema, de forma que o efeito da sentença coletiva nessas hipóteses não está adstrito aos filiados à entidade sindical à época do oferecimento da ação coletiva, nem limitada sua abrangência ao âmbito territorial da jurisdição do órgão prolator da decisão.
4. In casu nota-se, também, que não se aplica o disposto no RE 612.043/PR (Tema 499), julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Aquela Suprema Corte, apreciando o tema 499 da repercussão geral, desproveu o recurso extraordinário, declarando a constitucionalidade do art. 2º-A da Lei 9.494/1997, fixando a seguinte tese: "A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento".
5. Está bem delimitado e evidenciado no referido acórdão do STF que a tese relativa à limitação territorial dos efeitos da decisão coletiva diz respeito apenas às Ações Coletivas de rito ordinário, ajuizadas por associação civil, que agem em representação processual, não se estendendo tal entendimento aos sindicatos, que agem na condição de substitutos processuais, nem a outras espécies de Ações Coletivas, como, por exemplo, o Mandado de Segurança Coletivo.
6. A res iudicata nas Ações Coletivas é ampla, em razão mesmo da existência da multiplicidade de indivíduos concretamente lesados de forma difusa e indivisível, não havendo que confundir competência do juiz que profere a sentença com o alcance e os efeitos decorrentes da coisa julgada coletiva.
7. Limitar os efeitos da coisa julgada coletiva seria um mitigar exdrúxulo da efetividade de decisão judicial em Ação Coletiva. Mais ainda: reduzir a eficácia de tal decisão à "extensão" territorial do órgão prolator seria confusão atécnica dos institutos que balizam os critérios de competência adotados em nossos diplomas processuais, mormente quando - por força do normativo de regência do Mandado de Segurança (hígido neste ponto) - a fixação do Juízo se dá (deu) em razão da pessoa que praticou o ato (ratione personae).
8. Por força do que dispõem o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública sobre a tutela coletiva, sufragados pela Lei do Mandado de Segurança (art. 22), impõe-se a interpretação sistemática do art. 2º-A da Lei 9.494/1997, de forma a prevalecer o entendimento de que a abrangência da coisa julgada é determinada pelo pedido, pelas pessoas afetadas, e de que a imutabilidade dos efeitos que uma sentença coletiva produz deriva de seu trânsito em julgado, e não da competência do órgão jurisdicional que a proferiu.
9. Há que se respeitar, ainda, o disposto no REsp 1.243.887/PR representativo de controvérsia, porquanto naquele julgado já se vaticinara a interpretação a ser conferida ao art. 16 da Lei da Ação
Civil Pública (alterado pelo art. 2º-A da Lei 9.494/1997), de modo a harmonizá-lo com os demais preceitos legais aplicáveis ao tema, em especial às regras de tutela coletiva previstas no Código de Defesa do Consumidor.
10. Nesse quadrante, percebe-se que o acórdão embargado encontra-se em conformidade com a jurisprudência atual do STJ. Assim, incide o disposto na Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado".
11. Embargos de Divergência indeferidos.

(EResp 1770377, Relator Herman Benjamin, Primeira Seção, DJ 27/11/2019).

 

Idêntica conclusão, entretanto, não alcança o Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB, que, na condição de litisconsorte, segue premissa diversa (artigo 117 do CPC). Apesar da denominação, a entidade não possui registro no Ministério do Trabalho, que é imprescindível para a investidura sindical e o território de representação (artigo 8º, I, II e III, da CF e artigos 512, 513, I, e 520 da CLT). A própria organização reconhece a ausência de carta de reconhecimento.

 

Nessas condições, a entidade não pode assumir a posição jurídica de sindicato, com o exercício de prerrogativas próprias, notadamente a substituição processual e poder de representação proporcional à base territorial outorgada, que seria, segundo o estatuto, nacional.

 

Na ausência de registro sindical, o SELURB equivale a uma simples associação, no exercício não de substituição processual, mas de legitimidade ordinária (representante), que limita o alcance da sentença aos associados domiciliados na circunscrição de atuação do órgão julgador, nos termos do artigo 5º, XXI, da CF e do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997.

 

A legislação aplicável aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos não pode ser invocada pela razão de que as entidades propuseram ação sob o procedimento comum, sem se valerem do rito previsto no mandado de segurança coletivo ou na ação civil pública (artigos 93 e 103 do CDC). A legitimidade do SELURB é ordinária, decorre de representação processual, de maneira que apenas os direitos dos associados domiciliados no limites de jurisdição do órgão julgador estão sendo discutidos em juízo, sem possibilidade de expansão para outros titulares, semelhantemente ao exercício da jurisdição prevista para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

 

O acórdão do STF mencionado por ocasião da análise da situação do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR fundamenta a distinção (RE 612.043, Tema 499).

 

Portanto, a despeito da denominação, com proposta de territorialidade nacional, a sentença proferida apenas eximirá do exame toxicológico as empresas do SELURB domiciliadas na 1º Subseção Judiciária de São Paulo, em evolução de decisão proferida pela Terceira Turma em agravo de instrumento sobre tutela provisória (AI 5020228-90.2017.4.03.0000, Relator Antônio Cedenho, DJ 19/04/2018).  

 

Já a fixação dos honorários de advogado em 10% do valor da causa deve ser mantida. O Juízo de Origem, na ausência de condenação ou de proveito econômico, considerou o valor da causa, aplicando o menor percentual previsto para a condenação da Fazenda Pública, sem reparos a fazer em favor do interesse público (artigo 85, §3º, I, e §4º, III, do CPC).

 

Conquanto a majoração seja cabível no julgamento de recurso (§11), verifica-se que os sindicatos sucumbiram na maior parte do pedido de reforma da sentença – pretendiam a disseminação da eficácia para todo o país e ela se limitou ao Estado de São Paulo. O ganho, assim, no julgamento colegiado foi pouco representativo em comparação com a perda, o que justifica a manutenção da verba honorária na forma que constou da sentença.    

 

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação da União e dou parcial provimento ao recurso dos sindicatos para estender a eficácia da sentença a todo o Estado de São Paulo em relação ao Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. EXAME TOXICOLÓGICO. EXIGÊNCIA POR OCASIÃO DE ADMISSÃO E DESLIGAMENTO DO EMPREGO. EMPRESAS DE TRANSPORTE EM GERAL. DESCABIMENTO. POLÍTICA PÚBLICA VOLTADA AO TRANSPORTE RODOVIÁRIO. EXCLUSÃO DE MOTORISTAS PROFISSIONAIS NA CONDIÇÃO DE CATEGORIA DIFERENCIADA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. MESMA PROPORÇÃO DA BASE TERRITORIAL DO SINDICATO. ASSOCIAÇÃO SEM REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO. EFEITOS LIMITADOS À ÁREA DE JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DA UNIÃO DESPROVIDAS. RECURSO DOS SINDICATOS PROVIDO EM PARTE.

I. Deve incidir a remessa oficial. A sentença foi proferida contra a União, em causa que não pode ser dimensionada, a ponto de se verificar montante inferior ao teto de mil salários-mínimos. Na ausência de certeza e liquidez do valor, impõe-se a revisão da decisão que contrariou a Fazenda Pública (artigo 496, §3º, I, do CPC e Súmula nº 490 do STJ).

II. Os fundamentos adotados pelo Juízo de Origem para a inexigibilidade do exame toxicológico e que coincidem com parte da causa de pedir da petição inicial não procedem. Segundo precedentes da Terceira Turma deste Tribunal (ApCiv 5014240-87.2018.4.03.6100, Relator Antônio Cedenho, DJ 05/02/2020, e AI 0019268-59.2016.4.03.0000, Relator Antônio Cedenho, DJ 20/09/2017), a exigência de exame toxicológico na admissão e desligamento de motorista profissional não viola os princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.

III. Os condutores das categorias C, D e E que realizam transporte rodoviário de passageiros e de cargas exercem a atividade em condições bem hostis, cujo enfrentamento, como indicam as estatísticas dos órgãos e entidades de trânsito, tem sido feito com o consumo de substâncias psicotrópicas. Longas jornadas, estrutura precária das rodovias, conduta noturna, via de alta velocidade, sedentarismo, remuneração proporcional ao volume transportado são fatores que tornam extenuante a atividade, estimulando o motorista profissional a usar drogas para a viabilidade do trabalho.

IV. O emprego de substâncias estupefacientes na condução de veículos automotores tem sido responsável por grande parte dos acidentes nas rodovias do país, pondo em risco a incolumidade física do trabalhador e dos outros usuários. As estatísticas oficiais confirmam as fatalidades associadas à direção de ônibus, caminhões e objetos similares sob efeito de drogas.

V. O Estado naturalmente deve reagir à insegurança das rodovias, mediante a concepção e implementação de política pública voltada à melhoria das condições de trabalho do motorista profissional e ao equilíbrio do trânsito (artigos 7º, XXII, 22, I e XI, e 23, XII, da CF). O exame toxicológico se situa justamente nessa proposta: objetiva inibir o consumo de substâncias psicotrópicas através de fiscalização em momentos estratégicos da atividade profissional – renovação de carteira de habilitação e relação de emprego -, com a retirada de circulação de motoristas que persistam no consumo de drogas e a oferta de serviços de atendimento no SUS ou de responsabilidade do próprio empregador.

VI. Trata-se de dever condizente com o alto grau de periculosidade da atividade e com a literatura médica internacional, que tem considerado eficaz o exame toxicológico na prevenção do consumo de drogas, atribuindo-lhe papel não exclusivo, mas apenas complementar às medidas de fiscalização. Nessas circunstâncias, não se pode cogitar de violação dos princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade pelo artigo 6º da Lei nº 13.103/2015, artigo 168, §6º, da CLT e Portaria MTPS nº 116/2015.

VII. A decretação de invalidade do exame, num ambiente de aceitação relativa da política, se mostra, inclusive, indevida. Isso porque o Poder Judiciário faria censura do mérito da opção legislativa e executiva, reputando-a inapropriada ao interesse público, o que transgrediria a separação dos poderes e daria ao ativismo judicial status de governabilidade (artigos 2º e 60, §4º, III, da CF). O exame toxicológico tem base científica e precedente em outros países, de modo que não se trata de mecanismo proscrito ou de eficácia mínima, mas de ferramenta com embasamento suficiente para eximir de sindicância judicial a escolha dos Poderes Legislativo e Executivo.

VIII. A mesma ponderação se aplica ao encargo financeiro e ao preço do exame, que são variáveis da política pública insuscetíveis de censura pelo Poder Judiciário, sob pena de invasão do mérito da opção legislativa e executiva e das atribuições dos órgãos e entidades de defesa da concorrência.

IX. De qualquer forma, não há espaço para a sindicância judicial, seja porque cabe ao empregador custear a medicina e segurança do trabalho, que passaram a incorporar o exame toxicológico (artigo 168 da CLT), seja porque o DENATRAN tem ampliado o credenciamento dos laboratórios, em nível que propicia maior competitividade dos preços e o atendimento das normas de concorrência, sob fiscalização do CADE.

X. Portanto, a inexigibilidade do exame toxicológico não poderia ocorrer pelos fundamentos da sentença.

XI. Ela deve vir, porém, do outro fundamento da petição inicial dos sindicatos, correspondente à presença de categoria profissional diferenciada e cuja devolução ao Tribunal na apelação é garantida pelo artigo 1.013, §2º, do CPC.

XII. A Lei nº 13.103/2015 prevê como motorista profissional o condutor de veículos automotores cuja profissão seja o transporte rodoviário de passageiros ou de cargas (artigo 1º, parágrafo único). O regime fixado tem por alvo a profissão de motorista exercida na categoria econômica de transporte rodoviário. A atividade desempenhada em outra categoria econômica está excluída da regulamentação e, por conseguinte, da exigência de exame toxicológico por ocasião da admissão ou desligamento de empresa.

XIII. A exclusão não decorre apenas de interpretação literal da norma jurídica, mas também de uma interpretação sistemática e teleológica, com conotação histórica. Isso porque a Lei nº 13.103/2015 sucedeu a Lei nº 12.619/2012, cujo projeto incluía na categoria de motorista profissional o transporte executado por motoristas como categoria diferenciada que, de modo geral, atuassem nas diversas atividades ou categorias econômicas (artigo 1º, parágrafo único, III e IV). O Presidente da República vetou na época essa parte da proposição legislativa, invocando possibilidade de interferência de representação sindical e restringindo, assim, o objeto da regulamentação à profissão de motorista exercida no transporte rodoviário de passageiros e cargas.

XIV. Embora a lei vetada tenha sido revogada pela Lei nº 13.103/2015 (artigo 21), a vontade dos órgãos participantes do processo legislativo, inclusive do Parlamento através da ausência de derrubada do veto, não pode ser ignorada; na verdade, ela se faz presente na lei posterior que limitou a ocupação de motorista profissional ao transporte rodoviário de passageiros e cargas, decorrendo de convergência dos métodos de interpretação literal, sistemática, teleológica e histórica da norma jurídica.

XV. Apesar de o veto ter se fundado em dificuldade de enquadramento sindical da categoria, a medida não altera o fato de que o objeto da regulação ficou circunscrito à profissão exercida no transporte rodoviário, com a impossibilidade de aplicação do regime jurídico e, consequentemente, do exame toxicológico aos condutores que atuem em outras categorias econômicas como categoria diferenciada, sem relação com a atividade preponderante da empresa.

XVI. Se a exclusão da categoria diferenciada é contraproducente, diante da presença do mesmo risco no transporte rodoviário – motoristas que fazem o transporte em outras categorias econômicas também padeceriam das adversidades da atividade exercida em situação de preponderância -, não cabe ao Poder Judiciário fazer abstração da vontade dos órgãos participantes do processo legislativo, que optaram expressamente por restringir o regime de motorista profissional ao exercício de transporte como atividade preponderante, categoria econômica específica. Haveria violação da separação dos poderes, com a produção judiciária de normas jurídicas.

XVII. Toda a contextualização serve para demonstrar que a Portaria nº 945/2017 do Ministério do Trabalho, ao exigir exame toxicológico na admissão e o desligamento de motorista profissional nas atividades de transporte em geral, extravasou os limites da legalidade.

XVIII. A Lei nº 13.103/2015, no artigo 1º, parágrafo único, I e II, prevê o teste toxicológico apenas na categoria econômica do transporte rodoviário de passageiros e de cargas, com a exclusão dos serviços de transporte em geral, inclusive os exercidos no contexto de categoria diferenciada, como parte de outra atividade preponderante (artigo 1º, parágrafo único, incisos III e IV da Lei nº 12.619/2012, vetados pelo Presidente da República).

XIX. As empresas associadas dos sindicatos que propuseram a ação têm por objeto a prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. Não exercem como atividade predominante o transporte rodoviário de passageiros e cargas, de modo que os motoristas dos caminhões compactadores de lixo configuram uma categoria profissional diferenciada, estando desobrigados de exame toxicológico por ocasião da admissão e desligamento de emprego.

XX. Portanto, a Portaria nº 945/2017 do Ministério do Emprego apresenta vício de legalidade e não pode ser imposta às empresas representadas pelos sindicatos que ajuizaram a ação. A remessa oficial e a apelação da União devem ser desprovidas nesse ponto.

XXI. Em relação ao alcance da eficácia da sentença que julgou procedente o pedido, a restrição do dispositivo da decisão não pode subsistir.

XXII. No caso dos sindicatos, a defesa dos interesses da categoria econômica ou profissional reflete a base territorial de representação, definida pelo Ministério do Trabalho após a outorga de carta de reconhecimento e a investidura sindical (artigo 8º, I, II e III, da CF e artigos 512, 513, I, e 520 da CLT). A associação fica habilitada a defender todos os interesses da categoria dentro do território delimitado, sem sobreposição ou divisão – princípio da unicidade sindical.

XXIII. A área de representação deve interferir naturalmente na instância judicial, enquanto um dos campos de atuação do sindicato. Se ele possui atuação estadual, a sentença proferida deve ter a mesma dimensão, como mero reflexo da substituição processual conferida às organizações sindicais. Não se trata de eficácia a ser buscada na legislação infraconstitucional, mas na própria CF, que confere ao poder de representação do sindicato o alcance da base territorial outorgada (artigo 8º, II e III, da CF).

XXIV. Dessa forma, a decisão que declarou a inexigibilidade do exame toxicológico para as empresas associadas do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR deve produzir efeitos na base territorial da entidade, que, segundo a carta de reconhecimento do Ministério do Trabalho, corresponde ao Estado de São Paulo.

XXV. A restrição aos Municípios que compõem a 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, na circunscrição correspondente aos limites de jurisdição do órgão julgador, de acordo com o artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997, não se aplica à controvérsia, devido ao fato de que o alcance da representação dos sindicatos tem base constitucional direta e específica (artigo 8º, II e III, da CF). A norma jurídica mencionada atinge apenas as associações civis e no exercício de legitimidade ordinária, nos termos do artigo 5º, XXI, da CF, sem a substituição processual atribuída às entidades sindicais.

XXVI. O Supremo Tribunal Federal adotou essa posição no RE 612.043, Tema 499, limitando o artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997 às associações civis no exercício de legitimidade ordinária, em que a invocação dos limites da jurisdição do órgão julgador constitui decorrência lógica da representação conferida por associados específicos domiciliados na circunscrição. Em consulta aos fundamentos do voto condutor, verifica-se que os sindicatos foram expressamente excluídos do alcance do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997, por força do regime constitucional diferenciado. O Superior Tribunal de Justiça tem adotado a mesma interpretação, fazendo-o, inclusive, em sede de embargos de divergência (EResp 1770377, Relator Herman Benjamin, Primeira Seção, DJ 27/11/2019).

XXVII. Idêntica conclusão, entretanto, não alcança o Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB, que, na condição de litisconsorte, segue premissa diversa (artigo 117 do CPC). Apesar da denominação, a entidade não possui registro no Ministério do Trabalho, que é imprescindível para a investidura sindical e o território de representação (artigo 8º, I, II e III, da CF e artigos 512, 513, I, e 520 da CLT). A própria organização reconhece a ausência de carta de reconhecimento.

XXVIII. Nessas condições, a entidade não pode assumir a posição jurídica de sindicato, com o exercício de prerrogativas próprias, notadamente a substituição processual e poder de representação proporcional à base territorial outorgada, que seria, segundo o estatuto, nacional.

XXIX. Na ausência de registro sindical, o SELURB equivale a uma simples associação, no exercício não de substituição processual, mas de legitimidade ordinária (representante), que limita o alcance da sentença aos associados domiciliados na circunscrição de atuação do órgão julgador, nos termos do artigo 5º, XXI, da CF e do artigo 2º-A da Lei nº 9.494/1997.

XXX. A legislação aplicável aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos não pode ser invocada pela razão de que as entidades propuseram ação sob o procedimento comum, sem se valerem do rito previsto no mandado de segurança coletivo ou na ação civil pública (artigos 93 e 103 do CDC). A legitimidade do SELURB é ordinária, decorre de representação processual, de maneira que apenas os direitos dos associados domiciliados no limites de jurisdição do órgão julgador estão sendo discutidos em juízo, sem possibilidade de expansão para outros titulares, semelhantemente ao exercício da jurisdição prevista para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

XXXI. O acórdão do STF mencionado por ocasião da análise da situação do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo – SELUR fundamenta a distinção (RE 612.043, Tema 499).

XXXII. Portanto, a despeito da denominação, com proposta de territorialidade nacional, a sentença proferida apenas eximirá do exame toxicológico as empresas do SELURB domiciliadas na 1º Subseção Judiciária de São Paulo, em evolução de decisão proferida pela Terceira Turma em agravo de instrumento sobre tutela provisória (AI 5020228-90.2017.4.03.0000, Relator Antônio Cedenho, DJ 19/04/2018).  

XXXIII. Já a fixação dos honorários de advogado em 10% do valor da causa deve ser mantida. O Juízo de Origem, na ausência de condenação ou de proveito econômico, considerou o valor da causa, aplicando o menor percentual previsto para a condenação da Fazenda Pública, sem reparos a fazer em favor do interesse público (artigo 85, §3º, I, e §4º, III, do CPC).

XXXIV. Conquanto a majoração seja cabível no julgamento de recurso (§11), verifica-se que os sindicatos sucumbiram na maior parte do pedido de reforma da sentença – pretendiam a disseminação da eficácia para todo o país e ela se limitou ao Estado de São Paulo. O ganho, assim, no julgamento colegiado foi pouco representativo em comparação com a perda, o que justifica a manutenção da verba honorária na forma que constou da sentença.

XXXV. Remessa oficial e apelação da União a que se nega provimento. Recurso dos sindicatos a que se dá parcial provimento.     


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa oficial e à apelação da União e deu parcial provimento ao recurso dos sindicatos para estender a eficácia da sentença a todo o Estado de São Paulo em relação ao Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo - SELUR, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.