APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015738-72.2019.4.03.6105
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: JULIANA CRISTINA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JULIANO WALTRICK RODRIGUES - SC18006-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015738-72.2019.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: JULIANA CRISTINA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: JULIANO WALTRICK RODRIGUES - SC18006-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de embargos de declaração opostos pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL contra acórdão que, à unanimidade, deu provimento à apelação da parte autora para anular a r. sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para regular processamento da ação que tem por objeto indenização por danos materiais decorrentes de vícios de construção em imóvel integrante do Programa Minha Casa Minha Vida, bem como indenização por danos morais. Sustenta a embargante, em síntese, que o julgado incidiu em omissão quanto: a) à circunstância de o imóvel da Autora ter sido financiado pelo FAR – Fundo de Arrendamento Residencial no âmbito do PMCMV, não se tratando de operação realizada no âmbito do SFH, de modo que a juntada do contrato é essencial ante o disposto no art. 7º-A, da Lei nº 11.977/2009 para saber o tipo de imóvel, a condição da aquisição e a existência de cobertura securitária ou mesmo responsabilidade pela construção; b) à razão de decidir firmada pelo STF no RE 631.240/MG, uma vez que não se justifica o acionamento direto do Poder Judiciário antes do uso de meios de solução alternativos postos à disposição das partes e da negativa de solução. Requer o provimento do recurso, com efeitos infringentes. A parte autora não apresentou contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015738-72.2019.4.03.6105 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: JULIANA CRISTINA DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: JULIANO WALTRICK RODRIGUES - SC18006-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): A argumentação da embargante revela a pretensão de rediscussão de teses e provas, com clara intenção de obter efeitos infringentes. Conforme entendimento jurisprudencial, o recurso de embargos de declaração não tem por objeto instauração de nova discussão sobre a matéria já apreciada. Também são incabíveis os embargos de declaração para fins de prequestionamento a fim de viabilizar a interposição de recurso às superiores instâncias, se não evidenciados os requisitos do art. 1.022 do Código de Processo Civil. No caso em apreciação, verifica-se que o acórdão está devidamente fundamentado, conforme o teor do voto condutor abaixo colacionado: “O acesso à justiça garantido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, assegura amplitude material e pessoal para a judicialização de lides (efetivas ou potenciais), de tal modo que a exceção são lesões ou ameaças a direitos excluídas do controle do Poder Judiciário e submetidas a soluções por outros meios. Esse mesmo mandamento constitucional impõe a inafastabilidade da prestação jurisdicional, de tal modo que o Poder Judiciário tem o ônus de processar todas as vias processuais (desde que regularmente manejadas pelas partes) para a resolução das controvérsias. A partir dessas premissas, o momento da apresentação de provas que expõem interesse de agir (utilidade, necessidade e adequação) depende da modalidade processual. Com exceção de mandados de segurança (no qual não há dilação probatória e, por isso, as provas eventualmente exigidas devem acompanhar a inicial da impetração), as vias processuais comportam certa flexibilidade, porque a irrestrita imposição da juntada de provas, tão logo distribuída a ação, implicará em restrição ao amplo acesso à jurisdição abrigado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988. A intransigente imposição do dever de a parte-autora juntar, de imediato, provas sobre seu interesse de agir acaba desprezando a racionalidade da própria fase probatória prevista em múltiplas ações judiciais. Registre também que o prévio requerimento na via extrajudicial não é requisito para a demonstração da lide ajuizada, porque máximas de experiência servem para aferir a lesão ou ameaça a direito da parte-autora, ainda que a parte adversa não tenha sido por ela provocada antes da judicialização. Em outras palavras, se de um lado o art. 5º, XXXV, da Constituição garante o livre acesso à prestação jurisdicional sempre que houver lide (efetiva ou potencial), a correspondente pretensão resistida não impõe prévio requerimento extrajudicial, pois a pretensão resistida pode ser inferida por vários outros meios. Em temas submetidos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), o acesso a órgãos judiciários é compreendido para potencializar a prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos dos consumidores, assegurando a proteção aos necessitados, bem como facilitando a defesa de suas prerrogativas (inclusive com a inversão do ônus da prova em favor do consumidor). Por isso, para admissão do processamento de ações judiciais, a demonstração do interesse de agir deve ser feita sempre que for verossímil a alegação do consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência. O C.STJ já decidiu quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos firmados no âmbito do SFH, desde que estes tenham sido celebrados posteriormente à sua entrada em vigor e não estejam vinculados ao FCVS, verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. FCVS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR CONTRÁRIAS À LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO, NO JULGAMENTO DO RESP 489.701/SP. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS DECORRENTES DA PERÍCIA. OBRIGAÇÃO DA PARTE AUTORA. 1. Não viola os arts. 458 e 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 489.701/SP, de relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJ de 16.4.2007), decidiu que: (a) "o CDC é aplicável aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, incidindo sobre contratos de mútuo"; (b) "entretanto, nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação própria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas". 3. A inversão do ônus da prova não implica a transferência, ao demandado, da obrigação pelo pagamento ou adiantamento das despesas do processo. 4. "A questão do ônus da prova diz respeito ao julgamento da causa quando os fatos alegados não restaram provados. Todavia, independentemente de quem tenha o ônus de provar este ou aquele fato, cabe a cada parte prover as despesas dos atos que realiza ou requer no processo, antecipando-lhes o pagamento (CPC, art. 19), sendo que compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público (CPC, art. 19, § 2º)" (REsp 538.807/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 7.11.2006). 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 797.079/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 24/04/2008). Em se tratando de relação de consumo, na qual a legislação presume a hipossuficiência do consumidor, são críveis alegações de dificuldade de juntada de documentos relativos a operações financeiras realizadas com a CEF (mesmo aqueles produzidos com a anuência do correntista ou mutuário, como contrato de financiamento), razão pela qual a capacidade operacional e administrativa da instituição bancária deve dar suporte para a comprovação dos atos e fatos relacionados ao objeto litigioso (ao menos para fins de aferição do interesse de agir em fase inicial de processamento da ação judicial). Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados do C.STJ e desta E. Corte: CONTRATO BANCÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUNTADA DE DOCUMENTOS PELO BANCO-RÉU. POSSIBILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. SÚMULA 7. "O Juiz pode ordenar ao banco réu que apresente cópia do contrato e do extrato bancário. Em assim fazendo, inverte o ônus da prova e facilita a defesa do consumidor em Juízo." (REsp 264.083/ROSADO). - A inversão do ônus da prova por depender da apreciação de fatos e circunstâncias é imune ao recurso especial. Incide a Súmula 7. (AgRg no REsp 725.141/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2007, DJ 12/12/2007, p. 415). PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DESNECESSIDADE DE DOCUMENTO QUE COMPROVE A RECUSA NA VIA ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR. DEVER DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. FUNÇÃO INTEGRATIVA DA BOA-FÉ OBJETIVA. PARADIGMA DA ETICIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. É cediço que a Constituição da República, em seu o art. 5º, inc. XXXV, consagrou o princípio da jurisdição universal, de modo que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. 2. Não se faz necessário comprovar o prévio requerimento dos documentos na via de administrativa, para que, tão somente em caso de recusa documentada da instituição financeira, desponte a necessidade de propositura da ação. 3. Por tratar-se de contrato submetido às normas da legislação consumerista, bem como por força dos deveres anexos impostos aos sujeitos da relação contratual em virtude da função integrativa da boa-fé objetiva, a obrigação de exibir documentação comum às partes decorre de imposição do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, de forma que a exigência de prévio requerimento administrativo, de pagamento de tarifas administrativas, ou ainda, de recusa documentada da instituição financeira, implicaria em violação ao princípio da boa-fé objetiva. Precedentes do STJ. 4. De rigor a reforma da sentença, para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito, restando incabível, porém, a aplicação do art. 1.013, § 3º, inc. I, do Código de Processo Civil, uma vez que a demanda não reúne condições para o imediato julgamento, sobretudo porquanto não angularizada a relação processual. 5. Apelação provida para afastar a extinção do feito sem resolução do mérito e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem, para regular prosseguimento nos ulteriores termos do processo, observado o dever da Instituição Financeira Ré de proceder à exibição do respectivo contrato de financiamento habitacional. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5011769-49.2019.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 08/06/2020). No caso dos autos, a parte autora instruiu a inicial com o contrato por instrumento particular de venda e compra direta de imóvel residencial com parcelamento e alienação fiduciária no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – Recursos FAR e de aquisição de bens de consumo duráveis de uso doméstico – Programa Minha Casa Melhor, celebrado com a CEF, no valor de R$ 58.939,48, a serem pagos em 120 meses, com subvenção do FAR (id 145368848). Foi elaborada planilha de orçamento informando os reparos que devem ser feitos no imóvel da parte autora (id 145368842), bem como relatório fotográfico do condomínio, identificando infiltrações nas esquadrias devido a falhas na impermeabilização; umidade ascendente na alvenaria; infiltrações na laje, deteriorando o gesso; azulejos com falhas de assentamento se desplacando da alvenaria; trincas e fissuras em alvenaria (id 145368849). Há requerimento administrativo, recebido pela CEF em 18/09/2019, solicitando a entrega dos contratos de financiamento, bem como noticiando a existência de vícios de construção em imóveis integrantes do Programa Minha Casa Minha Vida, referente a diversos mutuários, incluindo a parte autora (id 145368846, p. 4). De se ressaltar que a parte autora é beneficiária do Programa Minha Casa Minha Vida, destinado a fornecer moradia a pessoas de baixo poder aquisitivo. Portanto, os documentos colacionados comprovam que a parte autora celebrou contrato de financiamento de imóvel integrante do Programa Minha Casa Minha Vida, além de ter demonstrado que foram enviados requerimentos à CEF solicitando o respectivo contrato, bem como de ter comunicado a existência de vícios de construção. Por isso, é desprovida de fundamento jurídico a sentença que não reconhece essa documentação para ao menos dar suporte ao interesse de agir necessário ao processamento do feito judicial. Registre-se que a inicial já foi instruída com o respectivo contrato de financiamento, não havendo necessidade de ser determinada a sua juntada à CEF. Pelas razões expostas, DOU PROVIMENTO à apelação, para ANULAR a r. sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para regular processamento da ação judicial.” Constata-se que a fundamentação do acórdão embargado está completa e suficiente, tendo apreciado a matéria trazida a juízo, a despeito de ter sido adotada tese contrária ao interesse da embargante. Ademais, frise-se que “o órgão julgador não é obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp 1.290.119/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 30.8.2019; AgInt no REsp 1.675.749/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23.8.2019; REsp 1.817.010/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.8.2019; AgInt no AREsp 1.227.864/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 20.11.2018” (AREsp 1535259/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019). Assim, o acórdão é claro, não havendo qualquer omissão, obscuridade ou contradição a ser suprida. Logo, a argumentação se revela de caráter infringente, para modificação do julgado, não sendo esta a sede adequada para acolhimento de pretensão, produto de inconformismo com o resultado desfavorável da demanda. Ante o exposto, nego provimento aos embargos de declaração. É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. INTERESSE DE AGIR COMPROVADO. JUNTADA DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA.
- Conforme entendimento jurisprudencial, o recurso de embargos de declaração não tem por objeto instauração de nova discussão sobre a matéria já apreciada.
- Também são incabíveis os embargos de declaração para fins de prequestionamento a fim de viabilizar a interposição de recurso às superiores instâncias, se não evidenciados os requisitos do art. 1.022 do Código de Processo Civil.
- O acórdão é claro, não havendo qualquer omissão, obscuridade ou contradição a ser suprida.
- Embargos de declaração desprovidos.