APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000744-32.2017.4.03.6130
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: SEVERINO DIAS DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: HERIKA DANIELLA DE SOUZA MENESES - SP261342-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000744-32.2017.4.03.6130 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: SEVERINO DIAS DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: HERIKA DANIELLA DE SOUZA MENESES - SP261342-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de ação ordinária que SEVERINO DIAS DA SILVA ajuizou contra CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, alegando, em resumo, que celebrou com ela dois contratos de empréstimo em setembro de 2013, de parcelas R$ 252,76 e R$ 247,01, mediante consignação em seu benefício previdenciário. Afirmou que, em 19/12/2013, foi comunicado pelo Serasa e SPC da inclusão de seu nome em cadastro de inadimplentes, tendo sido informado pela CEF que houve um erro no sistema e as parcelas não foram descontadas automaticamente. Aduziu que pagou os valores atualizados, acreditando que o problema seria resolvido, contudo, ao tentar efetuar uma compra em fevereiro de 2014, teve seu cartão recusado, descobrindo que sua conta estava negativada por débitos com a ré, que ainda não havia descontado as parcelas. Relatou que pagou-as, de novo, com juros e correções, porém, em março de 2014, novamente teve ser crédito negado no comércio por estar com o nome inscrito no cadastro de inadimplentes pela CEF. Arguiu que perdeu dias de trabalho e horas de espera na agência, situação que lhe causou problemas de saúde, além de ter sido penalizado com pagamento de multas e constrangimento em estabelecimentos comerciais por erro da ré, pois o contrato já autorizava o desconto em sua aposentadoria. Ao final, postulou a condenação da CEF ao pagamento de indenização por danos morais (ID 120495520). Após contestação e réplica, foi prolatada sentença (ID 120495841) nos seguintes termos: “Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora. Defiro o benefício da Justiça Gratuita, nos moldes do artigo 99, §3°, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais havidas e dos honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, nos termos do artigo 85, §2°, do CPC; condenação esta suspensa nos moldes do artigo 98, §3°, do CPC.”. Em sua fundamentação, o magistrado sentenciante entendeu pela ausência de prova da inscrição em cadastro de inadimplentes e da cobrança indevida, bem como reconheceu a prescrição trienal da pretensão de reparação de danos. O autor apelou da sentença (ID 120495844), arguindo, em suma, a não ocorrência de prescrição por submeter-se a pretensão ao prazo decenal, bem como a responsabilidade da CEF pela implementação dos descontos em folha, a qual não lhe poderia ser imputada. Aduziu que a negligência da apelada em efetuar os descontos e não possibilitar o pagamento por outros meios foi o que acarretou os prejuízos, como a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, comprovada nos autos. Alegou que os descontos foram implementados somente após a inscrição e que esta foi indevida, uma vez que os valores estavam disponíveis para débito em conta. Arguiu que a prova da inscrição indevida evidencia o dano moral sofrido e, ao final, postulou o afastamento da prescrição trienal e a reforma da sentença, acolhendo os pedidos formulados. Contrarrazões da apelada (ID 120495846). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000744-32.2017.4.03.6130 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: SEVERINO DIAS DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: HERIKA DANIELLA DE SOUZA MENESES - SP261342-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL V O T O Inicialmente, acerca da prejudicial de mérito acolhida na sentença (prescrição trienal da pretensão de danos materiais) com fundamento do art. 206, § 3º, V, do Código Civil, assiste razão ao apelo do autor. De acordo com o entendimento mais recente do C. Superior Tribunal de Justiça, às ações de reparação de danos fundadas em responsabilidade contratual aplica-se a regra geral de prescrição do art. 205 do Código Civil, qual seja, 10 anos. Veja-se: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. PRAZO DECENAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. REGIMES JURÍDICOS DISTINTOS. UNIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA. OFENSA. AUSÊNCIA. 1. Ação ajuizada em 14/08/2007. Embargos de divergência em recurso especial opostos em 24/08/2017 e atribuído a este gabinete em 13/10/2017. 2. O propósito recursal consiste em determinar qual o prazo de prescrição aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual, especificamente, se nessas hipóteses o período é trienal (art. 206, §3, V, do CC/2002) ou decenal (art. 205 do CC/2002). 3. Quanto à alegada divergência sobre o art. 200 do CC/2002, aplica-se a Súmula 168/STJ ("Não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado"). 4. O instituto da prescrição tem por finalidade conferir certeza às relações jurídicas, na busca de estabilidade, porquanto não seria possível suportar uma perpétua situação de insegurança. 5. Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, com prazo de três anos. 6. Para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo "reparação civil" não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o ato ilícito. 7. Por observância à lógica e à coerência, o mesmo prazo prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados. 8. Há muitas diferenças de ordem fática, de bens jurídicos protegidos e regimes jurídicos aplicáveis entre responsabilidade contratual e extracontratual que largamente justificam o tratamento distinto atribuído pelo legislador pátrio, sem qualquer ofensa ao princípio da isonomia. 9. Embargos de divergência parcialmente conhecidos e, nessa parte, não providos. (EREsp n. 1.280.825/RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, 2ª Seção. J. 27/06/2018, DJe 02/08/2018) Na espécie, a pretensão do autor decorre do alegado descumprimento, pela CEF, da cláusula contratual que previa o pagamento das parcelas dos empréstimos por consignação em folha e dos eventos daí decorrentes, como a inscrição do débito em cadastros de proteção ao crédito. Tratando-se de ação de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, incide o prazo prescricional decenal, nos termos do entendimento supra exposto. E, assim fazendo, tem-se que o primeiro fato lesivo arguido na inicial (cobrança do Serasa e SCPC e pagamento das parcelas com juros e correção monetária) ocorreu em 19/12/2013 (f. 3-4 do ID 120495520), enquanto a inicial foi protocolada em 19/04/2017. Portanto, a demanda foi proposta dentro do prazo previsto em lei, não incorrendo em prescrição. Desse modo, a prejudicial acolhida na sentença recorrida deve ser afastada, acolhendo-se o apelo neste ponto. Deixo, contudo, de determinar o retorno dos autos à instância originária, conforme autoriza o art. 1.013, § 4º, do CPC, uma vez que a causa encontra-se madura para julgamento – foram apresentadas defesa e réplica e, intimadas (ID 120495839), as partes não manifestaram interessa na abertura de instrução probatória. Passo, então, à análise do mérito. Pretende o apelante, em suma, a condenação da CEF ao pagamento de indenização por danos morais e materiais em razão da não consignação das parcelas do empréstimo firmado entre eles (IDs 120495522 e 120495523), o que teria resultado no pagamento de valores com acréscimos indevidos (juros e correção) e inscrição do débito em cadastro de inadimplentes. No caso, porém, embora incontroverso o fato de que as parcelas não foram descontadas dos proventos do apelante (forma de pagamento prevista nas cláusulas décima dos contratos, às f. 5 do ID 120495836 e 4 do ID 120495522), não há como imputar à CEF a responsabilidade pelos danos alegados. É que ambos os contratos previam, no parágrafo segundo da cláusula décima, que “no caso de a CONVENENTE/EMPREGADOR não averbar em folha de pagamento o valor de qualquer prestação devida, prevista nesse contrato, o(a) DEVEDOR(A) compromete-se a efetuar o pagamento da parcela não averbada, no vencimento da prestação.” Por tal disposição contratual, competia ao apelante a obrigação de verificar, mensalmente, se houve o desconto em folha das parcelas do empréstimo e, caso não, proceder ao pagamento por outro modo até o dia 07 de cada mês (caput da retro citada cláusula). Esta previsão não se revela abusiva ou excessivamente desvantajosa, uma vez que a ocorrência dos descontos é de fácil constatação (simples análise do extrato de benefício do INSS e/ou do valor efetivamente creditado pelo órgão) bastando ao devedor, caso negativo, procurar a instituição financeira a fim de solicitar o pagamento por outro modo (boleto e/ou débito em conta). Na espécie, contudo, não há qualquer evidência de que o apelante tenha agido com a diligência que lhe cabia. Os pagamentos comprovados nos autos (referentes a 11/2013 a 01/2014) foram efetuados após o vencimento das parcelas (07/11/2013 e 07/12/2013 pagas em 19/12/2013 – f. 6-7 do ID 120495527) e até mesmo após a inscrição do débito no cadastro restritivo de crédito (07/01/2014 paga em 10/03/2014, após disponibilização da inscrição em 06/03/2014 – f. 1 dos IDs 120495524 e 120495526). O argumento de que “o apelante não tem a responsabilidade e o poder de gerenciamento que só ela [a CEF] tem sobre referidos empréstimos consignados” (f. 5 da apelação) não é suficiente para afastar sua responsabilidade no caso, considerando a expressa disposição contratual que lhe atribuía a dever de, na ausência de desconto, diligenciar para realizar o pagamento de outro modo. No caso, porém, não há mínima evidência de que ele tenha procurado a CEF para pagar as parcelas na data do vencimento; do contrário, o próprio relato inicial indica que os pagamentos foram realizados somente após cobrança emitida pela apelada, inclusive por meio do Serasa e do SCPC. Ademais, a simples existência de saldo em conta nas referidas datas não supre tal obrigação, uma vez que inexiste previsão contratual autorizando a credora a proceder ao débito automático em conta em caso de não averbação dos descontos em folha. Portanto, não tendo o apelante demonstrado o pagamento das parcelas na data estabelecida no contrato, e sendo seu dever fazê-lo ao não verificar os descontos em seu benefício, não há que se falar em cobrança ou inscrição indevida. Na realidade, a CEF agiu no exercício regular de direito ao adotar as providências para receber seu crédito (art. 188, I, do Código Civil). Nesse sentido, veja-se: APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS BANCÁRIOS. OBSERVÂNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL. PEDIDO PROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. APELAÇÃO DA CEF PROVIDA. 1. Por expressa disposição contratual, cabia ao réu proceder ao pagamento das parcelas não descontadas diretamente de sua folha de pagamento e, se não o fez, gerando prejuízos, a responsabilidade é única e exclusivamente da apelante. 2. Tendo em vista que o réu não se desincumbiu do ônus de provar eventual fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, nos moldes preconizados pelo artigo 333, inciso II do Código de Processo Civil de 1973 (art. 373, II, NCPC), a pretensão da CEF é procedente. 3. Ademais, a cláusula em que prevista a obrigação de pagamento das parcelas pelo devedor se não descontado o valor em folha de pagamento foi livremente pactuada pelas partes, devendo prevalecer o princípio do pacta sunt servanda. 4. Compulsando-se os autos, não se verifica qualquer abusividade no contrato (fls. 11/15), não se configurando onerosidade excessiva, abusividade ou ilegalidades aptas a ensejar a intervenção do Poder Judiciário. 5. Honorários advocatícios fixados no montante de 10% (dez por cento) do valor da causa, devidamente atualizado, em favor da CEF. 6. Recurso de apelação do réu desprovido. Recurso de apelação da CEF provido para julgar procedente o pedido monitório e constituir título executivo judicial no valor de R$ 15.589,03 (quinze mil, quinhentos e oitenta e nove reais e três centavos). (TRF3 – AP n. 00004722220084036104. Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY, 1ª Turma. J. 17/09/2019, e-DJF3 27/09/2019) Portanto, inexistindo ato ilícito da instituição financeira, não se configura sua responsabilidade civil objetiva por ausência de um dos requisitos (art. 186 do Código Civil). Desse modo, resta rejeitar a pretensão indenizatória material e moral, mantendo-se a sentença neste ponto. Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, apenas para afastar a prescrição do pedido de indenização por danos materiais reconhecida na sentença e, no mérito, rejeitar os pedidos, nos termos da fundamentação. Ante a sucumbência mínima da CEF, uma vez que o acolhimento da prejudicial não alterou o resultado do julgamento, com fulcro nos arts. 86, parágrafo único, e 85, §§ 2º e 11, do CPC, majoro os honorários em favor do patrono da CEF para 15% (quinze por cento) sobre o valor atribuído à causa, observada a suspensão de exigibilidade da verba ante a gratuidade da justiça deferida ao apelante (art. 98, § 3º, do CPC). É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS FUNDADA EM RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. PRAZO PRESCRICIONAL DO ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO AFASTADO. CAUSA MADURA PARA JULGAMENTO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO AVERBADO EM FOLHA. COBRANÇA DE ACRÉSCIMOS E INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR DE EFETUAR O PAGAMENTO PREVISTA EM CLÁUSULA CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. LEGITIMIDADE DA CONDUTA DA CEF. DANOS MORAIS E MATERIAIS INDEVIDOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Recurso de apelação em que o autor pretende ver afastada a prescrição da pretensão de reparação de danos e a condenação da CEF ao pagamento de indenização pela não consignação das parcelas do empréstimo firmado entre as partes, que teria resultado no pagamento de valores com acréscimos indevidos e inscrição do débito em cadastro de inadimplentes.
2. Tratando-se de ação de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, nos termos da jurisprudência recente do C. STJ, incide o prazo prescricional do art. 205 do Código Civil. Sendo a demanda proposta dentro do prazo de dez anos, a prejudicial deve ser afastada e a causa julgada no mérito por este Tribunal, conforme autoriza o art. 1.013, § 4º, do CPC, uma vez que encontra-se madura para tanto.
3. Por expressa disposição contratual, competia ao apelante a obrigação de verificar, mensalmente, se houve o desconto em folha das parcelas do empréstimo e, caso não, proceder ao pagamento até a data de vencimento, não sendo tal previsão abusiva ou excessivamente desvantajosa ao consumidor.
4. No caso, não há evidência de que ele tenha procurado a CEF para pagar as parcelas na data do vencimento; do contrário, o próprio relato inicial indica que os pagamentos foram realizados após cobrança emitida pela apelada, inclusive por meio do Serasa e do SCPC.
5. Não tendo o pagamento das parcelas ocorrido na data estabelecida no contrato, não há que se falar em cobrança ou inscrição indevida, mas exercício regular de direito da credora (art. 188, I, do Código Civil), o que afasta a responsabilidade civil da instituição financeira.
6. Apelação parcialmente provida para afastar a prescrição e, no mérito, rejeitar os pedidos.