APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001123-96.2019.4.03.6131
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI
Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI JUNIOR - SP184391-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001123-96.2019.4.03.6131 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI JUNIOR - SP184391-A APELADO: UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de usucapião ajuizada por JOSÉ CARLOS MARTINI contra REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. postulando a declaração de domínio de um terreno com área de 25.400 m² de frente para a Rua Domingos Cariola, em Botucatu-SP, matriculado sob n. 9.836 no Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição da citada Comarca. Arguiu que possui o imóvel com ânimo de dono e de forma pacífica e contínua desde meados da década de 1980, pelo que faz jus à usucapião (ID 136345881 – f. 1-4). Após contestação da União (ID 136346092), parecer do MPF (ID 136346104) e réplica do autor (ID 136346108), foi prolatada sentença nos seguintes termos: “Isto posto, e considerando o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, com resolução do mérito da lide, nos termos do art. 487, I do CPC. Arcarão os autores, vencidos, com as custas e despesas processuais, e mais honorários de advogado que, com fundamento no art. 85, §§ 2º e 3º do CPC, estabeleço em 10% sobre o valor atualizado da causa à data da efetiva liquidação do débito. Execução na forma do art. 98, § 3º do CPC.” (ID 136346109). O autor apelou da sentença (ID 136346113), arguindo, em resumo, que o imóvel objeto da ação é passível de usucapião, uma vez que pertence a empresa privada e não à União. Sustentou que, com a desativação da via férrea, seu bens foram desafetados, não guardando interesse público. Ainda, aduziu que já havia implementado os requisitos da prescrição aquisitiva antes do trespasse dos bens da FEPASA para a RFFSA, o que ocorreu em 1998. Ao final, postulou a reforma da sentença para acolher a pretensão de usucapião. Contrarrazões da União (ID 136346116). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001123-96.2019.4.03.6131 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI Advogado do(a) APELANTE: JOSE CARLOS MARTINI JUNIOR - SP184391-A APELADO: UNIÃO FEDERAL V O T O Pretende o apelante a reforma da sentença que julgou improcedente a declaração de domínio sobre imóvel pertencente à União, advindo da extinta Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA por tratar-se de bem não sujeito à prescrição aquisitiva. A sentença recorrida foi assim fundamentada: Ficou satisfatoriamente comprovado nos autos que a área imobiliária aqui em questão é de titularidade pública, pro domo sua, insusceptível, portanto, de aquisição pela via da usucapião. Com efeito, e na linha daquilo que bem obtempera a UNIÃO FEDERAL em sua manifestação registrada sob o id n. 25271291, é a própria petição inicial quem reconhece que a área sujeita à prescrição aquisitiva encontra-se sob domínio público, primeiro por intermédio de empresa pública de exploração de transporte ferroviário de carga (RFFSA), e, posteriormente, pela própria UNIÃO FEDERAL. Essa conclusão decorre de mera constatação direta dos termos em que cristalizado o título imobiliário que registra a matrícula do imóvel (Matrícula n. 9.836 do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Botucatu, id n. 20896743), bem assim do fato de que a Poder Público Federal tem o imóvel devidamente descrito e catalogado em seus apontamentos, o que comprova a dominialidade pública sobre a área. (...) Cediço que, já ao tempo da transmissão da propriedade imobiliária da FERROVIAS PAULISTAS S/A. – FEPASA à, hoje extinta, REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A. – RFFSA (ocorrida por força do Decreto n. 2.502, de 18/02/1998), sociedade de economia mista prestadora de serviço público de transportes, nos moldes do art. 173 da CF, já se operou a incorporação desse ativo imobiliário aos próprios públicos federais – e, portanto, com a alteração do regime jurídico a eles pertinente –, tornando-os, desde então, res extra commercio, inviável a cogitação de adquiri-los por meio da prescrição aquisitiva. Nesse sentido: STJ, RESP 199901143799, 4ª turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, maioria, DJE 11/05/2009. Pois bem. Naquele momento – i.e, em que efetivado o trespasse imobiliário da empresa paulista para a estatal federal, ou seja, ainda em 1998 – o ora autor não havia implementado os requisitos necessários à prescrição aquisitiva, porque, até então, nem mesmo o requisito temporal da usucapião extraordinária se encontrava satisfeito (é a própria petição inicial quem historia que o autor exerce posse sobre a área desde meados da década de 1980). E, a partir de então, sua posse sobre o bem não induz aquisição de propriedade, porquanto descaracterizada a possessio ad usucapionem. Da análise dos autos, tenho que o apelo merece provimento, não para reforma, mas para anulação da sentença de primeiro grau, uma vez que o imóvel objeto da ação, ainda que de propriedade da RFFSA, não integra aqueles cuja usucapião é impedida à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Explico. É incontroverso que o imóvel usucapiendo foi transferido ao patrimônio da União no ano de 2007, oriundo do acervo da extinta RFFSA, sociedade de economia mista federal, por força do art. 2º, II, da Lei n. 11.483/2007, que assim dispõe: “Art. 2o A partir de 22 de janeiro de 2007: (...) II - os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União, ressalvado o disposto nos incisos I e IV do caput do art. 8o desta Lei.” A RFFSA, por sua vez, tornou-se proprietária do bem após a incorporação da FEPASA (Ferrovia Paulista S/A), em nome de quem o bem está registrado (f. 24-25 – ID 136345881), nos termos do Decreto n. 2.502/1998. Pois bem. É conhecida e pacífica a jurisprudência do STJ acerca da impossibilidade de aquisição por usucapião dos bens da RFFSA que sejam originários do acervo das estradas de ferro que lhe foram transferidas pela União, por força dos arts. 1º da Lei n. 6.428/1977 c/c 200 do Decreto-Lei n. 9.760/1946, que assim dispõem: Art. 1º Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946. Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. E isso é assim porque, com a criação da RFFSA, sociedade de economia mista integrante da administração pública indireta federal, foram incorporadas ao seu patrimônio as ferrovias que anteriormente pertenciam à própria União – e, portanto, eram públicas –, destinadas à execução do serviço público para o qual a empresa estava sendo constituída (transporte ferroviário). A fim de preservar o patrimônio originário da União e essencial à prestação do serviço de interesse público, a Lei n. 6.428/1977 estendeu a tais bens a imprescritibilidade prevista para os imóveis do ente federal, excluindo a possibilidade de aquisição por usucapião. Tal entendimento, como dito, é expresso em diversos julgados da Corte Superior, conforme se vê: RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A - RFFSA. ESTRADA DE FERRO DESATIVADA - IMPOSSIBILIDADE DE SER USUCAPIDO. LEI N° 6.428/77 E DECRETO-LEI N° 9.760/46. 1. Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. 2. Tratando-se de bens públicos propriamente ditos, de uso especial, integrados no patrimônio do ente político e afetados à execução de um serviço público, são eles inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 242.073/SC, Rel. p/ Acórdão Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS (Juiz Federal convocado do TRF1), 4ª Turma, j. 05/03/2009, DJe 11/05/2009) CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. - RFFSA. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. Não se configura a alegada negativa de prestação jurisdicional, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia em conformidade com o que lhe foi apresentado. 2. A possibilidade de usucapião de bens imóveis pertencentes à extinta Rede Ferroviária Federal S/A foi extensamente debatida, no ano de 2009, por ocasião do julgamento do REsp 242.073/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 11/5/2009. 3. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em consonância com aquele perfilhado pelo STJ, reiterado em julgados posteriores, no sentido de que "aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião" (AgRg no REsp 1.159.702/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/8/2012, DJe 10/8/2012). 4. A discussão sobre a titularidade do terreno foi resolvida pelo Tribunal a quo, sendo inviável o revolvimento de fatos e provas na instância especial. 5. Recurso Especial conhecido e provido. (REsp n. 1.639.895/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, j. 14/03/2017, DJe 20/04/2017) O imóvel objeto dos autos, contudo, foi adquirido pela FEPASA por desapropriação de particular (f. 24 – ID 136345881) e pela RFFSA por incorporação daquela empresa. Portanto, ele não é oriundo do acervo das estradas de ferro transferidos à estatal pela União, razão pela qual não há como aplicar a ele os dispositivos legais ou precedentes supra transcritos. Nesse caso, aplica-se a regra pela qual os bens móveis e imóveis de propriedade das sociedades de economia mista integrantes da administração indireta sujeitam-se ao regime privado, nos termos do art. 173, § 1º, II, da CRFB/1988, e são, em tese, passíveis de usucapião. Entretanto, a fim de preservar também o patrimônio destas entidades quando prestadoras de serviços de interesse público – como é o caso –, especificamente naquilo que é essencial para o fim a que ela se destina, é do entendimento doutrinário e jurisprudencial que a possibilidade de prescrição aquisitiva exclui os bens afetados à prestação do serviço. Estes se qualificariam como bens de uso especial, inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis ante o interesse público na atividade exercida pela estatal. Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 33. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 586): Com relação às entidades da Administração Indireta com personalidade de direito privado, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial, pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidades da Administração Indireta afetados à realização de serviços públicos. É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens, com todos os demais corolários. Com relação às autarquias e fundações públicas, essa conclusão que já era aceita pacificamente, ficou fora de dúvida com o novo Código Civil. Mas ela é também aplicável às entidades de direito privado, com relação aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos. É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico. Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta serviço público, os bens que estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de penhora, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado. Nesse sentido, veja-se recente julgado do STJ: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 182 DO STJ. RECONSIDERAÇÃO. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA SUA MANUTENÇÃO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 283 DO STF. REQUISITOS E POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO DO IMÓVEL. SÚMULAS N. 7 E 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte Superior entende que os bens de sociedade de economia mista estão sujeitos à usucapião, exceto quando afetados à prestação de serviço público. O Tribunal de origem, mediante a análise da prova - cuja revisão encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ -, asseverou que "não há nos autos qualquer indício de o imóvel objeto de usucapião tenha sido utilizado para a prestação do serviço público", e que estão presentes os requisitos para a usucapião, mantendo a sentença de procedência da ação. Nesse contexto, incide a Súmula n. 83 do STJ, aplicável tanto aos recursos interpostos com base na alínea "c" quanto àqueles fundamentados na alínea "a" do permissivo constitucional. 4. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e negar provimento ao agravo nos próprios autos. (AgInt no AREsp 1744947/SE, Rel. Min. ANTONIO CARLOS FERREIRA, 4ª Turma, j. 09/02/2021, DJe 12/02/2021) Portanto, tenho que deve ser afastado o entendimento que fundamentou o julgamento de improcedência da pretensão inicial, uma vez que o bem objeto dos autos não é imprescritível tão só por ter pertencido à extinta RFFSA. O cabimento da usucapião depende, na espécie, da análise de outras questões, como se o imóvel era afetado à prestação do serviço ferroviário pela estatal e, caso negativo, se houve o cumprimento do prazo legal até a incorporação dos bens pela União em 2007, quando o imóvel se tornou, sem dúvida, insuscetível de aquisição por esta via, além dos demais requisitos legais para o reconhecimento do domínio. No caso, contudo, o processo foi julgado antecipadamente por ter o juiz singular entendido pela desnecessidade de produção de outras provas. Ainda que tenha sido produzida prova oral perante a Justiça Estadual (f. 33-35 – ID 136346084), esta não foi ratificada pelo juízo federal ao receber os autos do juízo absolutamente incompetente para processo e julgamento do feito (ID 136346087), nem apreciado o pedido de sua utilização formulado pelo autor (ID 136346108). Ademais, a audiência de instrução e julgamento naquela instância judiciária não contou com a presença da União (f. 33 supra), sendo necessário oportunizá-la, igualmente, a produção de provas, sobretudo ante o entendimento ora adotado. Desse modo, a fim de se evitar cerceamento de defesa das partes, é o caso de se anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos autos à origem para que, a critério do juiz, sejam ratificados os atos instrutórios ou produzida novas provas requeridas pelas partes, bem como prolatado novo julgamento. Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO à apelação para ANULAR a sentença de ID 136346109 e determinar o retorno dos autos à origem para que, a critério do juiz, sejam ratificados os atos instrutórios ou produzida novas provas, com consequente prolação de novo julgamento. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL DA EXTINTA RFFSA. BEM NÃO INTEGRANTE DO ACERVO DAS ESTRADAS DE FERRO ORIGINARIAMENTE PERTENCENTES À UNIÃO. ART. 173, § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENS NÃO AFETADOS SUSCETÍVEIS DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS OU RATIFICAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. 1. Recurso de apelação de sentença que julgou improcedente a usucapião de imóvel transferido ao patrimônio da União em 2007, oriundo do acervo da extinta RFFSA, sociedade de economia mista federal, por força do art. 2º, II, da Lei 11.483/2007. A RFFSA, por sua vez, tornou-se proprietária do bem após a incorporação da FEPASA (Ferrovia Paulista S/A), em nome de quem ele está registrado, nos termos do Decreto n. 2.502/1998. 3. É pacífica a jurisprudência do STJ acerca da impossibilidade de aquisição por usucapião dos bens da RFFSA que sejam originários do acervo das estradas de ferro que lhe foram transferidas pela União, por força dos arts. 1º da Lei n. 6.428/1977 c/c 200 do Decreto-Lei n. 9.760/1946. E isso é assim porque, com a criação da empresa, foram incorporadas ao seu patrimônio as ferrovias que anteriormente pertenciam à União – e, portanto, eram públicas –, destinadas à execução do serviço público para o qual a empresa estava sendo constituída. 4. O imóvel objeto dos autos foi adquirido pela FEPASA por desapropriação de particular e pela RFFSA por incorporação daquela empresa. Não sendo oriundo do acervo das estradas de ferro transferidos à estatal pela União, não há como aplicar a ele os dispositivos legais ou precedentes supra transcritos. 5. Nesse caso, aplica-se a regra pela qual os bens móveis e imóveis de propriedade das sociedades de economia mista integrantes da administração indireta sujeitam-se ao regime privado, à luz do art. 173, § 1º, II, da CRFB/1988, e são, em tese, passíveis de usucapião. Entretanto, a fim de preservar também o patrimônio destas entidades quando prestadoras de serviços de interesse público – como é o caso –, especificamente naquilo que é essencial para o fim a que ela se destina, é do entendimento doutrinário e jurisprudencial que a possibilidade de prescrição aquisitiva exclui os bens afetados à prestação do serviço. Precedentes do STJ. 6. Afastado o entendimento que fundamentou o julgamento de improcedência da pretensão inicial, o cabimento da usucapião depende da análise de outras questões, como se o imóvel era afetado à prestação do serviço ferroviário pela estatal e, caso negativo, se houve o cumprimento do prazo legal até a incorporação dos bens pela União em 2007, além dos demais requisitos legais para o reconhecimento do domínio. 7. A fim de se evitar cerceamento de defesa das partes, é o caso de se anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos autos à origem para que, a critério do juízo a quo, sejam ratificados os atos instrutórios praticados por juízo absolutamente incompetente ou produzida novas provas requeridas pelas partes, bem como prolatado novo julgamento. 8. Apelação provida.