Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5060071-96.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JACINTA OLIVEIRA NERES DE ALMEIDA

Advogados do(a) APELANTE: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5060071-96.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JACINTA OLIVEIRA NERES DE ALMEIDA

Advogados do(a) APELANTE: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora em face da r. sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, de concessão de benefício assistencial a pessoa deficiente.

Sustenta, outrossim, resultarem comprovados os requisitos à outorga da benesse. Suscita, por fim, o prequestionamento legal para efeito de interposição de recursos.

Decorrido, “in albis”, o prazo para as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento do apelo autoral.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5060071-96.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES

APELANTE: JACINTA OLIVEIRA NERES DE ALMEIDA

Advogados do(a) APELANTE: REGINA DE CASTRO CALIXTO LISBOA - SP280091-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

 

Cuida-se de ação voltada à concessão do benefício de prestação continuada.

Com processamento regular, a requerente informou, à assistente social (doc. 155779188), que houve concessão administrativa do benefício postulado, o que se deu a partir de 22/12/2017, conforme consulta efetuada no Sistema CNIS (NB 703.347.654-0).

Ora, o fato de a benesse ser concedida na via administrativa não afasta o interesse de agir da parte autora no átrio judicial, pois há de se perquirir sobre a presença dos requisitos à sua outorga, no lapso temporal altercado no recurso autoral (26/01/2016, data de entrada do requerimento administrativo, cf. doc. 155779152, pág. 13) e eventuais parcelas decorrentes até a data da sua implantação na senda administrativa, além dos consectários legais e verba honorária.

Nesse sentido é o entendimento desta E. Corte, tirado de situação parelha:

 

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. INTERESSE DE AGIR. PARCELAS VENCIDAS. RECONHECIMENTO DO PEDIDO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I. O fato do benefício de aposentadoria por invalidez ser concedido na via administrativa não afasta o interesse de agir da parte autora na via judicial, pois são devidas as parcelas vencidas entre eventual termo inicial e implantação na via administrativa, além dos consectários legais e verbas honorárias. II. Afastada a superveniente da ação, o feito encontra-se em termos para ser julgado com a análise do mérito, nos termos do disposto no artigo 515, §3º, do CPC. III. São devidas as parcelas vencidas, a título de auxílio-doença, desde a data imediatamente posterior ao cancelamento indevido do benefício até a data imediatamente anterior à efetiva implantação do benefício de aposentadoria por invalidez. IV. Correção monetária sobre os valores em atraso deve seguir o disposto no Provimento n.º 26/01 da E. Corregedoria-Geral da Justiça Federal da 3ª Região, observando-se a Súmula nº 08 desta Corte Regional e a Súmula nº 148 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. V. Juros de mora à taxa de 12% (doze por cento) ao ano, conforme Enunciado n.º 20, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. VI. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, considerando-se as prestações vencidas as compreendidas entre o termo inicial do benefício e a data deste acórdão (Súmula 111 do STJ). VII. Apelação da parte autora parcialmente provida." (AC 00384891920074039999, Sétima Turma, Desembargador Federal Walter do Amaral, DJF3 03/09/2008 (grifos nossos).

 

Passo, assim, ao exame do apelo, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade, a teor do disposto no art. 1.011 do Código de Processo Civil.

Discute-se o direito da parte autora à concessão do benefício de prestação continuada.

Previsto no art. 203, caput, da Constituição Federal e disciplinado pela Lei nº 8.742/1993, de natureza assistencial e não previdenciária, o benefício de prestação continuada tem sua concessão desvinculada do cumprimento dos quesitos de carência e de qualidade de segurado, atrelando-se, cumulativamente, ao implemento de requisito etário ou à detecção de deficiência, nos termos do art. 20, §2º, da Lei n° 8.742/93, demonstrada por exame pericial; à verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-lo suprido pela família; e, originalmente, à constatação de renda mensal per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Recorde-se, a este passo, da sucessiva redução da idade mínima, primeiramente de 70 para 67 anos, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, ao depois, para 65 anos, conforme art. 34 da Lei nº 10.741/ 2003.

No que diz respeito ao critério da deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social demonstram a evidente evolução na sua conceituação.

Em sua redação originária, a Lei 8.742/1993 definia a pessoa portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício assistencial, aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

Posteriormente, a Lei n. 12.435/2011 promoveu modificação ao dispositivo legal, ampliando o conceito de deficiência, com base no Decreto n. 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

O § 2º da art. 20 da Lei n. 8.742 passou então a vigorar com a seguinte redação:

 

"Art. 20

(...)

§ 2º - para efeito de concessão deste benefício, considera-se:

I - pessoa com deficiência, aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.

II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."

 

Vê-se, portanto, que ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei n. 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:

 

"Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."

 

De se registrar que o § 10 do mesmo dispositivo, incluído pela Lei n. 12.470/2011, considera de longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.

Acerca do derradeiro pressuposto, o C. STF, no âmbito da Reclamação nº 4374 e dos Recursos Extraordinários nºs. 567985 e 580963, submetidos à sistemática da repercussão geral, reputou defasado esse método aritmético de aferição de contexto de miserabilidade, suplantando, assim, o que outrora restou decidido na ADI 1.232-DF, ajuizada pelo Procurador-Geral da República e em cujo âmbito se declarara a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. A motivação empregada pela Excelsa Corte, no RE nº 580963, reside no fato de terem sido "editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas".

À vista disso, a mensuração da hipossuficiência não mais se restringe ao parâmetro da renda familiar, devendo, sim, aflorar da análise desse requisito e das demais circunstâncias concretas de cada caso, na linha do que já preconizava a jurisprudência majoritária, no sentido de que a diretiva do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não consistiria em singular meio para se verificar a condição de miserabilidade preceituada na Carta Magna, cuidando-se, tão-apenas, de critério objetivo mínimo, a revelar a impossibilidade de subsistência do portador de deficiência e do idoso, não empecendo a utilização, pelo julgador, de outros fatores igualmente capazes de denotar a condição de precariedade financeira da parte autora. Veja-se, a exemplo, STJ: REsp nº 314264/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185; EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p. 342; REsp 308711/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323.

Em plena sintonia com o acima esposado, o c. STJ, quando da apreciação do RESP n. 1.112.557/MG, acentuou que o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 comporta exegese tendente ao amparo do cidadão vulnerável, donde concluir-se que a delimitação do valor de renda familiar per capita não pode ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado.

Em substituição à diretriz inicialmente estampada na lei, a jurisprudência vem evoluindo para eleger a renda mensal familiar per capita inferior à metade do salário mínimo como indicativo de situação de precariedade financeira, tendo em conta que outros programas sociais, dentre eles o bolsa família, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação e o bolsa escola, instituídos pelas Leis nºs 10.836/04, 10.689/03 e 10.219/01, nessa ordem, contemplam esse patamar.

Consultem-se arestos da Terceira Seção nesse diapasão:

 

“AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO (...) 3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo. 4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial. 5 - Agravo improvido." (EI 00072617120124036112, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, TRF3, j. 22/10/2015, e-DJF3 05/11/2015)

 

“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL. CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. (...)- No caso em exame, não há omissão a ser sanada, sendo o benefício indeferido pelo fato da renda familiar "per capita" ser superior a 1/2 salário mínimo. (...) 5- Embargos de declaração rejeitados." (AR 00082598120084030000, Relator Juiz Convocado Silva Neto, TRF3, j. 25/09/2014, e-DJF3 08/10/2014)

 

Nesse exercício de sopesamento do conjunto probatório, importa averiguar a necessidade, na precisão da renda familiar, de abatimento do benefício de valor mínimo percebido por idoso ou deficiente, pertencente à unidade familiar. Nesta quadra, há, inclusive, precedente do egrégio STF, no julgamento do RE nº 580.963/PR, disponibilizado no DJe 14.11.2013, submetido à sistemática da repercussão geral, em que se consagrou a inconstitucionalidade por omissão do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo.".

Quanto à questão da composição da renda familiar per capita, o C. STJ, no julgamento do RESP n. 1.355.052/SP, exarado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, assentou, no mesmo sentido, a aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, com vistas à exclusão do benefício previdenciário recebido por idoso ou por deficiente, no valor de um salário mínimo, no cálculo da renda per capita prevista no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

De se realçar que a jurisprudência - antes, mesmo, do aludido recurso repetitivo - já se firmara no sentido da exclusão de qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso com mais de 65 anos, por analogia ao disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, preceito esse que, na origem, limitava-se a autorizar a desconsideração de benefício de prestação continuada percebido pelos referidos idosos.

Note-se que os precedentes não autorizam o descarte do benefício de valor mínimo recebido por qualquer idoso, assim compreendidas pessoas com idade superior a 60 anos, mas, sim, pelos idosos com idade superior a 65 anos.

Essa é a inteligência reinante na jurisprudência. A propósito, os seguintes julgados: STJ, AGP 8479, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, 3ª Seção, DJE 03/02/2014; STJ, AGP 8609, Rel. Min. Assusete Magalhães, 3ª Seção, DJE 25/11/2013; STJ, AGRESP 1178377, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJE 19/3/2012. E da atenta leitura da íntegra do acórdão do recurso representativo de controvérsia - nº 1.355.052/SP - chega-se à idêntica conclusão.

Outro dado sobremodo relevante diz respeito à acepção de família, para a finalidade da Lei nº 8.742/1993, cujo conceito experimentou modificação ao longo do tempo. Num primeiro lanço, o art. 20, § 1º, do citado diploma nomeava família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes". Ao depois, a Lei nº 9.720, em 30/11/98, fruto de conversão da Medida Provisória nº 1.473-34, de 11/08/97, passou a compreendê-la como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, dês que conviventes sob mesmo teto. Finalmente, na vigência da Lei nº 12.435/2011, é havida como o núcleo integrado pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais, ou, na ausência destes, pela madrasta ou padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, todos, também, sob o mesmo teto.

 

SITUAÇÃO DOS AUTOS

 

Realizada a perícia médica em 23/11/2018, o laudo coligido ao doc. 155779215 considerou que a autora, então, com 66 anos de idade, ensino fundamental incompleto e que trabalhou como costureira, até o mês de agosto de 1997, e, após, "passou a se dedicar apenas às atividades domésticas habituais", apresenta exames imagenológicos, datados de 08/2017, com imagens compatíveis com espondilodiscoartropatia degenerativa lombo-sacra, sem comprometimento neurológico.

O perito consignou que não há, no momento, presença de sinais objetivos de radiculopatia (isto é, de compressões de raízes nervosas cervicais e lombo-sacras que inervam os membros superiores e inferiores) ou de outros transtornos funcionais.

Constatou, além disso, que a vindicante não apresenta déficits intelectuais e cognitivos e não necessita do auxílio de terceiros para o trabalho doméstico habitual, o qual continua exercendo, bem como para os atos da vida diária.

O perito concluiu que as queixas, lesões e doenças ortopédicas encontradas, na fase em que se apresentam, não incapacitam a autora para as suas atividades habituais ou interferem em seu cotidiano, tampouco, há, no caso, deficiência que a incapacite para a vida independente.

De seu turno, os documentos médicos carreados aos autos pela parte autora não se mostram hábeis a abalar a conclusão da prova técnica, que foi exposta de forma fundamentada após o estudo da documentação apresentada e das avaliações realizadas no momento do exame pericial, analisando as moléstias constantes dos aludidos documentos.

Assim, o laudo deve prevalecer, uma vez que se trata de prova técnica realizada por profissional habilitado e sob o crivo do contraditório, sendo certo, ainda, que a doença, por si só, não gera direito à obtenção do benefício assistencial ora pleiteado, fazendo-se necessário, em casos que tais, a constatação de comprometimento ou restrições sociais decorrentes da enfermidade verificada, pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos, inocorrente, na espécie.

Portanto, o quadro apresentado não se ajusta ao conceito de pessoa com deficiência, estabelecido no art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, razão pela qual é indevido o benefício.

Não obstante, verifica-se, do doc. 155779152, pág. 4, que a parte autora completou 65 anos em 29/09/2017, o que descortina o implemento do requisito etário no curso da lide, cabendo tomá-lo em consideração, por força do disposto no art. 493 do Código de Processo Civil.

Avançando, então, na análise da hipossuficiência, importa examinar o estudo social coligido ao doc. 155779203, produzido em 26/08/2018, e complementado em 15/12/2018, conforme doc. 155779226.

Segundo o laudo adrede confeccionado, a autora, viúva, reside com a filha, Fernanda Beatriz Felipe de Almeida, solteira, de 23 anos, idade correspondente à data do estudo socioeconômico.

Transcrevo excerto do laudo, sobre as condições de moradia:

 

"SITUAÇÃO HABITACIONAL

A requerente reside em imóvel próprio, simples, sobrado, construção de alvenaria, laje, pintada, garagem coberta e quintal com piso no cimento bruto e reboco, dormitórios, cozinha e sala com pisos.

Área externa no reboco, muro lateral no bloco de tijolos e escada para acesso ao pavimento superior.

A casa é composta, por: uma sala, uma copa/cozinha; quatro dormitórios, dois banheiros, uma lavanderia e quintal na frente.

É arejada, arrumada e com boa higiene.

No terreno, funciona uma confecção/ateliê de roupas, com máquinas e materiais para costura, mesa, tecidos, araras, que citou ser de propriedade da filha Silmara Felipe de Almeida.

O bairro apresenta infraestrutura: com acesso a água encanada, rede de esgoto, rua asfaltada, energia elétrica e equipamentos sociais a disposição da família, como: EEPG, Unidade de Pronto Atendimento - UPA, Unidade Básica de Saúde -UBS, transporte público e estabelecimentos comerciais.

Possuem eletrodomésticos, eletroeletrônicos e móveis: dois sofás de três assentos; um sofá de dois assentos; uma estante; um rack; celulares; um televisor led de 32”; um televisor antigo de 21”; um notebook; um DVD; um tapete; um telefone fixo; wifi; uma cama de casal; um guarda roupa com três portas corrediças; duas camas de solteiro; colchão de casal; uma mesa; ventilador; uma geladeira- simples;pia com gabinete; um fogão com quatro bocas; armários para mantimentos; filtro; um liquidificador; tambores; uma máquina para lavar roupas; acessórios e utensílios domésticos.

Móveis simples.

OBS: Não tive acesso aos dois dormitórios do pavimento superior, pois estavam fechados."

 

As despesas, à época do laudo, consistiam em tarifas de água (R$ 44,23) e energia elétrica (R$ 89,46), gás (R$ 66,00), IPTU (R$ 84,36), telefone (R$ 94,67), alimentação (R$ 200,00) e medicamentos (R$ 40,00), não fornecidos pela rede pública de saúde.

Os valores das contas de energia elétrica, água e telefone são divididos com a filha Silmara Felipe de Almeida, a qual, como visto, possui, na propriedade, uma confecção de roupas.

Além disso, a requerente tem acesso ao transporte público do município ("cartão gratuidade para idoso") e convênio médico, na condição de dependente desta filha.

De se notar, mais, que a família conta com wi-fi, notebook, celulares e automóvel (resposta ao quesito nº 07 do INSS).

Os ganhos da família advinham do salário da filha que reside com a proponente. Em 01/2016, recebeu R$ 1.119,46, e, em 12/2017, R$ 1.314,52. Por ocasião do estudo social, recebia a última parcela de seguro-desemprego, no valor de R$ 1.079,92.

Assim, considerado o núcleo de duas pessoas, a renda familiar per capita suplantava a metade do salário mínimo. De se esclarecer que o salário mínimo, no ano de 2016, era de R$ 880,00, e, em 2017, de R$ 937,00.

Destarte, não aflora, dos elementos dos autos, contexto de precariedade financeira tal a justificar a sua inclusão no elenco de beneficiários da prestação buscada.

Reforça mais essa conclusão, a informação da própria vindicante, quando da complementação do estudo socieconômico, no sentido que, "no período entre a data do pedido administrativo indeferido (26/01/2016) e a data que o INSS concedeu-lhe o benefício de amparo ao idoso administrativamente em 22/12/2017", recebia "ajuda dos filhos, referentes aos mantimentos e pagamentos com as despesas mensais".

E, como se sabe, dentre os escopos do benefício de prestação continuada, não está o de suplementar renda ou propiciar maior conforto ao interessado. A propósito: AC 00394229420044039999, Relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, TRF3, Nona Turma, DJU 24/11/2005.

Assim, não restou comprovada situação de hipossuficiência, no período debatido, ainda que por outros meios probantes, como indicado no sobredito paradigma do C. Supremo Tribunal Federal, exarado em repercussão geral.

Por tudo, deve ser mantida a improcedência do pedido.

Não se descarte a possibilidade de alteração desse cenário, no decorrer do tempo, a ponto de, eventualmente, justificar-se a concessão do benefício, hipótese em que resta, de todo modo, franqueado à parte autora deduzir nova postulação quanto à outorga da benesse pleiteada.

Acerca do prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

É como voto.



E M E N T A

 

 

 

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E LEI Nº 8.742/1993. CONCESSÃO DO BENEPLÁCITO NO CURSO DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR DA PARTE AUTORA NA VIA JUDICIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.

- A concessão de amparo assistencial na via administrativa não afasta o interesse de agir da parte autora no átrio judicial, pois há de se perquirir se são devidas as parcelas vencidas entre as datas de entrada do requerimento administrativo e da implantação da benesse na senda administrativa, além dos consectários legais e verba honorária.

- Atrelam-se, cumulativamente, à concessão do benefício de prestação continuada, o implemento de requisito etário ou a detecção de deficiência, demonstrada por exame pericial, e a verificação da ausência de meios hábeis ao provimento da subsistência do postulante da benesse, ou de tê-la suprida pela família.

- Não comprovada situação de hipossuficiência, de rigor o indeferimento do benefício.

- Apelação da parte autora desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.