Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166647-50.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ADERITO TOMAZELLA

Advogado do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166647-50.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: ADERITO TOMAZELLA

Advogado do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra sentença proferida em demanda previdenciária, que julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural.

O dispositivo da sentença foi assim estabelecido:

“Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado para o fim de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ao pagamento do benefício de aposentadoria por idade rural a ADERITO TOMAZELA, previsto nos artigos 48 e 143, da Lei nº 8.213/91, consistente em um salário mínimo mensal, devido desde a data do requerimento administrativo. Inclui-se eventual abono anual a que alude o artigo 4º, do mesmo diploma legal. As parcelas em atraso deverão ser pagas de uma única vez. Quanto aos juros de mora “devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do artigo 1º-F da Lri nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º, da Lei nº 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período” (STJ, AgRg no RESP nº 1.387.848/SC, Relator Ministro Humberto Martins, j. em 17/10/2013). Dou por extinto o processo, com resolução de mérito, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno o Instituto Nacional de Informações Sociais – INSS ao pagamento de honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações vencidas até a presente data, com exclusão das prestações vincendas (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça – STJ), devidamente corrigidas até a data do pagamento. O Instituto requerido está isento de custas e despesas processuais, por força do artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei Federal nº 8621/93. Alterando posicionamento anterior, tendo em vista o valor dado à causa, não há que se falar em reexame necessário. ”

Em suas razões recursais aduz o INSS, em síntese, que o autor é fazendeiro, o que o remete à condição de contribuinte individual, devendo verter contribuições ao sistema. Subsidiariamente, requer a fixação do INPC como índice indexador da correção monetária; a submissão da sentença ao reexame necessário; a observação da Súmula nº 111 do STJ em relação aos honorários advocatícios. Prequestiona para fins de interposição de recursos.

Com contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte Regional.

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

bh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166647-50.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: ADERITO TOMAZELLA

Advogado do(a) APELADO: LUIZ JOSE RODRIGUES NETO - SP315956-N

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V O T O

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora):

 Da aposentadoria por idade rural

O direito à aposentadoria por idade rural foi estabelecido no artigo 201, § 7º, inciso II, da Constituição da República, in verbis:

“Art. 201 (...)

§ 7 É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (...)

II - 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)”.

A disciplina legal para exercício do direito pelos trabalhadores rurais consta dos artigos 48 e 143 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, o Plano de Benefícios da Previdência Social (PBPS), valendo transcrever o teor do artigo 48, in verbis:

“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.                 (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 1Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.                (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

§ 2 Para os efeitos do disposto no § 1deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período  a que se referem os incisos III a VIII do § 9do art. 11 desta Lei.                   (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 3 Os trabalhadores rurais de que trata o § 1deste artigo que não atendam ao disposto no § 2deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.               (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)

§ 4o  Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto  no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.                 (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)”.

Quanto aos segurados especiais em regime de economia familiar, a previsão está no artigo 39, inciso I, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, in verbis:

“Art. 39.  Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86 desta Lei, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido, observado o disposto nos arts. 38-A e 38-B desta Lei; ou             (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)”

Anote-se que, embora o artigo 143 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, refira limitação temporal ao requerimento do benefício, a concessão da aposentadoria por idade rural contém a sua base legal na norma do artigo 48 da mesma lei, razão por que não há que se cogitar de tal limite. (Precedente: TRF 3ª Região, 9ª Turma, Apelação Cível 5000087-29.2018.4.03.6139, Rel. Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS, j. 07/02/2020)

Enfatize-se, ainda, que o direito à percepção do benefício é regulado pela lei vigente no tempo em que preenchidos os requisitos, porquanto a interpretação da sucessão de leis no tempo submete-se à observância do valor da segurança jurídica e, consequentemente, ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI da CR), em observância ao princípio tempus regit actum, bem assim pelo pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no RE 597.389/SP, sob o regime da repercussão geral (Questão de Ordem, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 22/04/2009). (Precedentes: REsp 1.900.559/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 24/11/2020; AgInt no REsp 1.871.619/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, j. 16/11/2020).

Assim, a obtenção da aposentadoria por idade rural depende do preenchimento de dois requisitos: a idade e a prova da atividade rural.

1. idade mínima de 60 (sessenta) anos, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher, foi fixada pelo texto constitucional, e também no artigo 11, incisos I, letra “a”; V, letra “g”; VI e VIII, c/c o artigo 48, §1º, todos da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.

2. O exercício de atividade rural, ainda que descontínuo, deve ser demonstrado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (artigo 143 da Lei nº 8.213, de 21/07/1991), pelo tempo correspondente ao da carência do benefício pretendido, atualmente 180 (cento e oitenta) meses, observados os artigos 142 e 143 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.

2.1. Inicialmente, anote-se a necessidade de perfazimento simultâneo dos requisitos, embora essa regra não se aplique à aposentadoria por idade urbana.

Assim, é imprescindível a comprovação da labuta no campo no período imediatamente anterior ao implemento da idade, conforme entendimento assentado pelo Colendo Superior Tribunal da Justiça no Tema 642/STJ: “O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade”, extraído do julgamento do RESP Repetitivo n°1.354.908/SP, com a seguinte ementa, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.

2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.

(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)

Evidentemente, uma vez comprovados os requisitos de idade de do tempo de labor campesino equivalente à carência, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, na medida em que o direito à aposentação é incorporado ao patrimônio jurídico do trabalhador.

2.2. A comprovação da atividade rural pode ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, conforme o § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, in verbis:

Art. 55. (...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.  (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

Nesse sentido, estabelece o verbete da Súmula 149 do C. STJ: “A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. (STJ, Terceira Seção, j. 07/12/1995, DJ 18/12/1995).

O precedente aplica-se também aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, conforme assentado no Tema 554/STJ: “Aplica-se a Súmula 149/STJ (...) aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal”. (REsp Repetitivo nº 1.321.493, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012).

2.3. Ademais, com fulcro na possibilidade de eficácia prospectiva e retrospectiva dos documentos, o reconhecimento de tempo de serviço rural vai além do período relativo ao início de prova material, quando for corroborado por prova testemunhal. Esse entendimento foi consolidado pelo C. STJ no Tema 638/STJ: “Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório" (RESP nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).

Nessa senda, confirmando que não prescinde que o início de prova material diga respeito a todo o período de carência, contanto que seja corroborado pela prova testemunhal, o C. STJ editou a Súmula 577/STJ: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório” (Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016).

2.4. As provas materiais aptas à demonstração do trabalho rural foram elencadas no rol meramente exemplificativo do artigo 106 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, conforme jurisprudência pacificada (Precedentes: AgInt no AREsp 1372590/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 21/03/2019;  DJe 28/03/2019; RESP nº 1.081.919/PB, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 03/08/2009; TRF3, Nona Turma, Apelação/Remessa Necessária 6080974-09.2019.4.03.9999, Relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, publ. 25/11/2020)

A comprovação da atividade rural será realizada, ainda, mediante verificação dos registros de segurados especiais no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), na forma dos artigos 38-A e 38-B da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.

Quanto à declaração de sindicato de trabalhadores rurais, o documento foi submetido a três disciplinas distintas. Inicialmente, por força do disposto pelo artigo 106 do PBPS, exigia-se a homologação do Ministério Público. A partir da edição da Lei nº 9.063, em 14/06/1995, passou a ser necessária a homologação do INSS. E desde 18/01/2019, com a edição da Medida Provisória nº 871/2019, convertida na Lei nº 13.846, de 2019, não pode ser aceita a referida declaração para fins de comprovação da atividade rural.

2.5. De outra parte, a ausência de início de prova material constitui óbice ao julgamento do mérito da lide, resultando, necessariamente, em extinção sem julgamento de mérito, a teor do previsto no artigo 55, § 3°, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, caracterizando-se a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, na forma do artigo 485, IV, do CPC.

Foi submetida questão à Corte Especial do C. STJ no sentido de pacificar a solução dos casos nos quais “a parte autora deixou de instruir seu pedido inicial com documentos que comprovassem o exercício de atividade rural em momento imediatamente anterior ao ajuizamento da ação, consoante exigência legal prevista no art. 143 da Lei 8.213/91”.

Aquela C. Corte Superior cristalizou o assunto no Tema 629/STJ: “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”. (RESP Repetitivo nº 1.352.721/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, j. 16/12/2015, DJe 28/04/2016).

Nesse sentido, o precedente deste E. Tribunal Regional Federal 3ª Região: Terceira Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 10396 - 0008699-33.2015.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal SERGIO NASCIMENTO, j.09/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 17/06/2016.

Postas essas balizas, passemos, pois, ao exame do caso dos autos.

Do caso concreto

A parte autora nascida em 23/05/1953, cumpriu o requisito etário em 23/05/2013, quando completou 60 (sessenta) anos de idade.

Alega ter preenchido os requisitos mínimos exigidos em lei para a concessão do benefício ora pleiteado. Sustenta o autor que nasceu e sempre residiu na zona rural, isto porque seus avós foram proprietários de terras no bairro Baltazar, zona rural do município de Conchas/SP, as quais passaram por seus pais e depois para o autor e seus irmãos. Por toda a vida, desde sua pré adolescência, trabalhou no meio rural no plantio e colheita de diversas culturas, trato de gado, porcos e galinhas, dentre outros serviços pertinentes à condição de rurícola, sempre com o intuito de sustento próprio e de sua família.

A parte autora juntou aos autos os seguintes documentos:

- em nome próprio:

-certificado de dispensa de incorporação, datado de 19/05/1977, qualificando-o como lavrador,

-certidão de casamento lavrada em 21/09/1984, qualificando-o como pecuarista;

-notas fiscais de produtor referentes à comercialização de bois e frangos – anos 2007 e 2008;

-em nome dos genitores, Pedro Tomazela e Maria Ana Aliberti Tomazela:

- certidão de casamento lavrada em 27/07/1946, qualificando o genitor como lavrador;

-escritura de um imóvel rural de área 264,30 hectares, localizado no Bairro Baltazar, município e Comarca de Conchas/SP;

Cumpre esclarecer o que se entende por regime de economia familiar. Aduz o art.11, §1º, da Lei 8.213/91, que esta forma de exercício rural refere-se à atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.

Ao compulsar dos autos, verifica-se não haver documentos hábeis a demonstrar que o autor exerceu a atividade de lavrador, em regime de economia familiar, como afirmado na inicial, durante o lapso temporal exigido pela legislação previdenciária, uma vez que a prova documental apresentada, qual seja, notas fiscais de produtor rural, nos revela que a produção do módulo rural de sua propriedade excede em demasia o indispensável ao seu sustento e ao de sua família, com grande quantidade e diversidade de produção, bois e frangos.

Observa-se, ademais, mesmo se considerássemos o autor como proprietário de apenas uma cota parte de sua propriedade, a extensão do imóvel rural (264,30) hectares, excede em demasia o indispensável ao seu sustento e ao de sua família, tornando-se inviável enquadrá-lo como segurado especial - pequeno produtor rural, que vive sob o regime de economia familiar.

Ainda, a fim de evidenciar a descaracterização da atividade exercida sob o regime de economia familiar, ressalte-se que o autor teve deferida a sua candidatura para o cargo de Vice Prefeito do Município de Conchas/SP, no ano 2012, (ID nº 124641107) indicando que o requerente tem grau de instrução superior completo e ocupação pecuarista, sendo que a declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral indica que o valor total dos bens declarados soma R$157.433,95 (cento e cinquenta e sete mil, quatrocentos e trinta e três reais e noventa e cinco centavos).

Cabe esclarecer ainda, que embora acostada documentação dos genitores do autor e admitida a extensão da qualificação profissional em se tratando de regime de economia familiar, impossível aproveitar-lhe os documentos a eles inerentes ante a inexistência de prova consistente de que o labor se desenvolvia com essa característica, uma vez que nada foi informado acerca do modo pelo qual se dava o cultivo da terra, como se dava a participação e o auxílio mútuo dos membros da família, e tampouco informação do período em que o autor supostamente teria se dedicado a tal mister.

Nesse ponto destaco que, em se tratando de atividade exercida em regime de economia familiar, seria imprescindível que o requerente trouxesse aos autos documentos tais como: contrato de arrendamento, parceira ou comodato rural, bloco de notas de produtor rural, entre outros, contemporâneos ao aludido período trabalhado, para que se pudesse avaliar tratar-se ou não do exercício do labor rural em regime de economia familiar.

Destarte, por não configuração do regime de economia familiar, imprescindíveis tornam-se as contribuições previdenciárias que, no presente caso, não foram recolhidas pela parte autora.

Desse modo, na espécie, não há provas materiais a serem corroboradas pelo depoimento das testemunhas.

Assim, não estando presentes os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade, deve a demanda ser julgada improcedente.

Honorários advocatícios

Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da causa, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 4 º, III, e 5º, do CPC/2015, suspensa a sua exigibilidade, tendo em vista o benefício da assistência judiciária gratuita.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO.

I.Cumpre esclarecer o que se entende por regime de economia familiar. Aduz o art.11, §1º, da Lei 8.213/91, que esta forma de exercício rural refere-se à atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.

II. Verifica-se não haver documentos hábeis a demonstrar que o autor exerceu a atividade de lavrador, em regime de economia familiar, como afirmado na inicial, durante o lapso temporal exigido pela legislação previdenciária, uma vez que a prova documental apresentada, qual seja, notas fiscais de produtor, nos revela que a produção do módulo rural de sua propriedade, excede em demasia o indispensável ao seu sustento e ao de sua família, com grande quantidade e diversidade de produção.

III. Ainda que considerarmos que o autor é proprietário de apenas uma cota parte de sua propriedade, a extensão do imóvel rural (264,30) hectares, excede em demasia o indispensável ao seu sustento e ao de sua família, tornando-se inviável enquadrá-lo como segurado especial - pequeno produtor rural, que vive sob o regime de economia familiar.

IV. Quanto à prova testemunhal, a jurisprudência do E. STJ firmou-se no sentido de que ela, isoladamente, é insuficiente para a comprovação de atividade rural vindicada, na forma da Súmula 149 – STJ.IV. Destarte, por não ser enquadrada a sua atividade nos limites do conceito de "regime de economia familiar", imprescindíveis tornam-se as contribuições previdenciárias que, no presente caso, não foram recolhidas pela parte autora.

V. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.