Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005275-93.2009.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO

Advogado do(a) APELADO: FERNANDO JOSE GARCIA - SP134719-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005275-93.2009.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO

Advogado do(a) APELADO: FERNANDO JOSE GARCIA - SP134719-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação de indenização, promovida pelo INSS, buscando a recomposição de benefício social (pensão por morte), que se viu obrigada a arcar, em razão de acidente ocorrido na empresa requerida, valendo-se de tese de “direito de regresso” em face do empregador.


Fundamenta sua pretensão no artigo 120, da Lei n. 8.213/91, assim redigido:
 

“Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.”
 

Em sentença publicada em 28/09/2011, o Juízo de Origem declarou a prescrição da pretensão da autora, que foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (Num. 116592167 - pág. 90/93).


Em razões de apelação, a autarquia requer a reforma da sentença sustentando a imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao Erário ou a aplicação do prazo prescricional quinquenal (Num. 116592167 - pág. 97/106).
 

Contrarrazões pela ré (Num. 116592167 - pág. 109/119)
 

Subiram os autos.
 

Com o declínio da competência em favor de uma das Turmas integrantes da Primeira Seção desta Corte, os autos vieram à minha Relatoria em 16/10/2017 (Num. 116592154 - pág. 08).
 

Em sessão de julgamentos de 15/05/2018, a E. Primeira Turma deste Tribunal negou provimento à apelação e ao reexame necessário (Num. 116592154 - pág. 10/16).
 

Embargos de declaração opostos pelo INSS foram acolhidos para afastar o reconhecimento da prescrição e anular o acórdão anteriormente proferido, em sessão de 15/10/2019 (Num. 116592154 - pág. 18/21 e 35/41).
 

Os autos foram digitalizados e, após manifestação da requerida, a digitalização foi retificada (Num. 129670282, 134430376 e 144497902).
 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005275-93.2009.4.03.6110

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: COMPANHIA BRASILEIRA DE ALUMINIO

Advogado do(a) APELADO: FERNANDO JOSE GARCIA - SP134719-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Inicialmente, destaco que a matéria da prescrição já foi apreciada por esta Turma quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo INSS, de sorte que passo diretamente à análise do mérito da causa.


Da análise do caso concreto, concluo que não se faz presente a condição necessária a justificar a pretensão do Instituto, posto que não resta demonstrado nos autos tenha a empresa ou seus responsáveis deixado de cumprir com a obrigação de atender a normas gerais de segurança e higiene do trabalho, circunstância que impede o Instituto de valer da norma que dá suporte ao pedido, considerando-se a cobertura social suportada pelo empregador para com o Estado.
 

Primeira premissa: a ação regressiva do artigo 120, da Lei 8.213-91, não se confunde com as culpas in elegendo ou in vigilando.
 

A ação de regresso prevista no artigo 120, da Lei n 8.213/91, não se confunde com a responsabilidade civil geral, dado que elege como elemento necessário para sua incidência a existência de "negligência quanto às normas gerais de padrão de segurança e higiene do trabalho".
 

A dicção legal é clara ao não estabelecer a responsabilidade também por negligência quanto a eventuais condutas pontuais em desacordo com aquelas normas de segurança e higiene do trabalho. A lei não elege, como se vê, a responsabilidade (regressiva) em razão de acidente ocorrido sob o manto da infortunística pura.
 

E o que se há de entender por normas gerais, posta pelo artigo120 supra referido, que dá suporte à ação regressiva?
 

Normas gerais, no contexto legal da legislação infortunística, são aquelas estabelecidas para dado segmento econômico como "standards" ou padrões de segurança, segundo normas básicas firmadas pelos respectivos órgãos encarregados de estabelecer tais parâmetros mínimos (e gerais) de comportamentos, de uso de equipamentos adequados à execução da atividade laboral, e condutas adequadas a evitar os riscos decorrentes do exercício do trabalho.
 

Portanto, atendendo a empresa a esses padrões básicos, em todo o conjunto de seu complexo industrial ou comercial, não se há de falar, em ocorrendo evento infortunístico, em sua pronta responsabilidade, uma vez comprovado o estrito cumprimento das regras e princípios gerais da ergasiotiquerologia.
 

Eventos ocasionais, pontuais, ocorridos dentro de circunstâncias que não decorram diretamente da violação ou descumprimento -pela empresa - de observância de regras e normas gerais de segurança e higiene do trabalho, não se há de falar em ação regressiva contra o empregador.
 

Registre-se, ainda, que a Lei nº 8.213/91, em seus artigos 19 a 23, estabelece normas sobre acidente de trabalho, prevendo seu artigo 19, o seguinte:
 

"Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
§ 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.
§ 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento."

 

Bem se vê que o conceito de normas gerais está aí bem delineado, estabelecendo-se que em caso de não observância de tais preceitos protetivos do trabalhador, responderá o responsável por delito de contravenção penal.


No caso concreto, instaurado inquérito policial, o Representante do Parque Estadual requereu o seu arquivamento, não sendo possível se concluir, sequer em tese, pelo eventual descumprimento de norma geral (Num. 116592167 - pág. 01/03).
 

Perceba-se que o § 2º do artigo 19, transcrito, é bem didático ao estabelecer os contornos do que se deve entender por normas gerais de segurança e higiene do trabalho, o que não se confunde, repita-se, com a responsabilidade aquiliana tradicional.
 

Portanto, sem a firme constatação da prática de contravenção penal - a aí compreendida, portanto, violação a normas gerais - não é possível se concluir pelo descumprimento, pelo empregador, das normas gerais de segurança e higiene do trabalho, requisito necessário ao direito de regresso da autarquia.
 

Segunda premissa: o sistema de seguridade do acidente do trabalho é contributivo-contratual. Responsabilidade da Seguridade Social
 

Ainda que assim não fosse, o sistema de seguridade de acidentes de trabalho vigente em nosso ordenamento compreende a cobertura de infortúnios ocasionais à Previdência Social, mediante o regime contributivo (CF, art. 201, § 10 : "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado").
 

Neste ponto, trago à colação uma breve síntese da evolução histórica sobre a responsabilidade civil quanto aos acidentes do trabalho em nosso ordenamento, conforme os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (Acidente do Trabalho na Nova Constituição. Disponível em https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1016/949):
 

O Decreto n° 3.724, de 15/01/1919, foi a primeira lei a tratar de acidentes do trabalho no país e admitia o risco profissional do empresário, mas de modo restritivo, abrangendo apenas certas atividades e adotando critério restritivo para as doenças profissionais. Muito embora a indenização estivesse a cargo do empregador, não havia a obrigatoriedade do seguro, de modo que não existia garantia do efetivo pagamento.
 

Após a Revolução de 1930, adveio o Decreto n° 24.637, de 10/07/1934, que ampliou a área de abrangência da tutela infortunística e - o que é mais importante - obrigou o empregador à contratação de seguro específico para este fim ou à realização de depósito em valor proporcional ao número de empregados, "podendo a importância do depósito, a juízo das autoridades competentes, ser elevada até ao triplo, si se tratar de risco excepcional ou coletivamente perigoso" (art. 30, caput e parágrafos, do Decreto n° 24.637/1934).
 

Já na Constituição de 1934, promulgada poucos dias depois do decreto, a garantia de reparação dos danos advindos do acidente do trabalho ganhou assento constitucional (art. 121, alínea h da Constituição Federal de 1934).
 

O Decreto n° 24.637/1934 continuou em vigor sob a égide da Constituição de 1937, até que sobreveio o Decreto-Lei n° 7.036, de 10.11.44. Ali se acolheu a teoria do risco da atividade, dando-se maior amplitude ao conceito de empregado e dos eventos que se poderiam considerar como acidentes do trabalho, incluindo lesões e mortes em que o trabalho não seria causa exclusiva, mas apenas concausa.
 

O seguro manteve-se obrigatório, mas, se antes tinha de ser contratado perante "companhias ou sindicatos profissionais legalmente autorizados a operar em seguros contra acidentes do trabalho", agora devia ser realizado "na instituição de previdência social a que estiver filiado o empregado" (art. 36, § 1º do Decreto 24.637/1934 e art. 95 do Decreto-Lei n° 7.036/1944).
 

Sobreveio o Decreto-Lei n° 293, de 28/01/1967, transferindo o seguro para as companhias seguradoras privadas. Não obstante, este regime teve vida curta, posto que sobreveio a Lei n° 5.316, de 14/09/1967, que, além de ampliar o conceito de acidente do trabalho para fins de cobertura infortunística, incluindo eventos ocorridos fora da empresa e longe da vigilância do empregador, tornou obrigatória a contratação do seguro acidentário junto à Previdência Social (art. 1° da Lei n° 5.316/1967).
 

Com a Constituição de 1969, consagrou-se a transformação total do seguro acidentário em seguro social, com a expressa previsão de que tais riscos estariam cobertos pela "previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado" (art. 165, XVI da Constituição de 1969).
 

Evidentemente, este regime contributivo foi adotado pela Constituição Federal de 1988, que deixou a cargo do legislador infraconstitucional disciplinar a cobertura do risco de acidente do trabalho, "a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado" (art. 201, § 10 da Constituição Federal de 1988).
 

Conclusão:
 

O que se dessume de toda essa evolução da cobertura social ao acidente do trabalho, é que a responsabilidade pelo pagamento dos eventos decorrentes dos infortúnios é da Seguridade Social, que, por sua vez, conta com ingressos (obrigatórios) de recursos pela iniciativa privada, precisamente para esse tipo de reparação social-laboral.
 

As duas únicas exceções à exclusividade pela reparação acidentária, pelo INSS, são postas pela própria Constituição, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que estabelece como direito do trabalho o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (replicado no artigo 121, da Lei 8.213-91 : "O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem").
 

Já o artigo 120, que não tem estofo constitucional, como se vê dos termos claros do artigo 7º, que trata de dolo ou culpa (responsabilidade civil, portanto), introduziu uma outra exceção à regra da cobertura social exclusivamente pelo INSS (suportada por contribuições dos segmentos econômicos correspondentes), estabelecendo um direito que denomina "de regresso" contra o empregador em caso de descumprimento a "normas gerais de segurança e higiene do trabalho").
 

Essa hipótese, como se vê, excepciona a regra geral de responsabilidade regressiva do empregador, que conta com cobertura securitária social impositiva, devendo, em razão disso, ser interpretada igualmente de modo excepcional e restrito, sem alargamentos hermenêuticos.
 

Assim, o direito de regresso posto pelo artigo 120, da Lei nº 8.213/91 só se justificará nas hipóteses de ocorrências das circunstâncias expressas na própria lei de regência excepcional.
 

E tal raciocínio se justifica por uma razão elementar: à Seguridade Social (autarquia) é dado o encargo de arrecadar recursos e cobrir, precipuamente, o risco social do acidente de trabalho, pagando diretamente ao segurado ou a seus dependentes o respectivo benefício previdenciário.
 

Apenas excepcionalmente, na hipótese de descumprimento, pelo empregador, de normas padrão de segurança e higiene do trabalho, do qual decorra diretamente o acidente de trabalho, é que exsurge o dever de o empreendedor ressarcir aos cofres da autarquia previdenciária os valores despendidos a este título.
 

Tanto isto é verdade que a Lei n° 6.367/1976 prevê que os encargos decorrentes da cobertura de acidentes de trabalho serão realizados pelas contribuições previdenciárias devidas pela empresa, acrescendo uma alíquota de 0,4%, 1,2% ou 2,5% à contribuição do empregador de acordo com o grau de risco da atividade empreendida, se classificado como leve, médio ou grave (art. 15, caput e incisos I a III da Lei n° 6.367/1976).
 

Assim, quanto maior for o risco da atividade empresarial - portanto, maior a probabilidade de o risco social coberto pela Previdência Social vir a se concretizar - tanto maior será a contribuição do empregador à autarquia previdenciária.
 

Em outras palavras, resta cristalino que o atual regime constitucional da responsabilidade acidentária prevê que o risco social do acidente do trabalho está coberto pelo sistema de seguridade social, gerido pelo INSS e para o qual contribuem os empregadores.
 

Nesse sentido, aliás, já decidiu essa Corte, como se vê dos seguintes precedentes:
 

AÇÃO REGRESSIVA. ARTIGOS 120 e 121 DA LEI Nº 8.213/91. CABIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA DA APELADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. APELO DESPROVIDO.
I - O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 determina que o INSS proponha ação em face dos responsáveis pelo acidente do trabalho, e não necessariamente em face apenas do empregador. Sendo assim, tem-se que o empregador pode ser responsabilizado em conjunto com o tomador de serviços, como ocorre no presente caso.
II - O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela possibilidade de cabimento de Ação Regressiva pelo INSS contra Empresa em que ocorreu acidente de trabalho quando comprovada a existência de negligência do empregador.
III - Como se sabe, o legislador pátrio, no que tange à responsabilização do tomador dos serviços em relação aos danos havidos na relação de trabalho, adotou uma forma híbrida de ressarcimento, caracterizada pela combinação da teoria do seguro social - as prestações por acidente de trabalho são cobertas pela Previdência Social - e responsabilidade subjetiva do empregador com base na teoria da culpa contratual. Nessa linha, cabe ao empregador indenizar os danos causados ao trabalhador quando agir dolosa ou culposamente.
IV - No caso dos autos, observando-se o conjunto probatório trazido aos autos pela parte autora, tem-se que o evento ocorrido se deu por culpa exclusiva da vítima, não se desincumbindo, dessa forma, o INSS de comprovar a negligência da empresa ré quanto à observância das normas de segurança do trabalho, fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 373, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
V - Apelação desprovida.
(TRF3, AC n° 0004360-62.2009.4.03.6104. Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães. Segunda Turma, e-DJF3: 01/03/2018).

 

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS CONTRA O EMPREGADOR. IMPROCEDÊNCIA.
1. Da simples leitura do artigo 201 da Constituição Federal, verifica-se que todos os eventos garantidos pela Previdência Social são eventos futuros e incertos, ou seja, embora se diga que o sistema é de filiação obrigatória e contributivo, devendo os filiados contribuírem para manter essa qualidade, apenas fará jus ao benefício previdenciário o filiado que for acometido de uma das situações listadas como adequada para gerar o direito ao benefício.
2. Por haver a possibilidade de o filiado contribuir mês a mês, porém, sem nunca fazer uso de quaisquer dos benefícios regulados na Previdência Social, é que se afirma que o Regime Geral de Previdência Social - RGPS é um sistema de seguro, no qual o filiado, acometido por uma das situações seguradas, irá fazer jus ao benefício.
3. A Lei 8.213/91 buscou uma forma de a Previdência ressarcir-se dos prejuízos decorrentes do custeio do benefício por acidente de trabalho. No entanto, retira-se do sistema a característica de seguro, o que não se mostra possível admitir, na medida em que passa a criar a possibilidade de o INSS, órgão arrecadador e responsável pelas contribuições sociais, uma ação regressiva em face do empregador que tenha agido com culpa na ocorrência do acidente.
4. Por já haver previsibilidade de que a empregadora pague uma contribuição social, deve ser entendido que o benefício é um seguro pago para o empregado acidentado, mas também um seguro para a empresa, que pagando sua contribuição, não precise arcar com o sustento de um empregado que tenha se acidentado.
5. O Seguro de Acidente de Trabalho - SAT destina-se a cobrir também os casos em que há culpa da empresa, porquanto esse requisito já está incluído no cálculo dessa contribuição.
6. Há evidente bis in idem na exigência do INSS em reembolsar valores que já estão sendo calculados e exigidos dos empregadores. Sem contar, ainda, na excessiva onerosidade que tal medida acarretaria ao empregador, pois a autarquia estaria buscando judicialmente o reembolso de valores gastos com benefícios concedidos que já estariam sendo custeados, inclusive, de forma individualizada, com o SAT.
7. Apelo desprovido.
(TRF3, ApelReex n° 0035809-07.1996.4.03.6100. Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho. Quinta Turma, e-DJF3: 11/10/2012).


Desta forma, para que se decida pelo dever de ressarcimento à autarquia previdenciária, tornam-se necessárias as demonstrações de que a) a empresa tenha deixado de observar as normas gerais de segurança e higiene do trabalho e b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância.
 

No caso concreto, em 16/12/2003, o empregado da requerida e segurado da Previdência Social, Sr. Roberval de Almeida Porto, realizava suas atividades laborais retirando um cabo de energia de um poste quando veio a sofrer uma descarga elétrica, o que veio a causar o seu óbito.
 

Não consta dos autos que tenha sido elaborado relatório pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE.
 

Quanto à efetiva dinâmica dos fatos, transcrevo o depoimento prestado pelo Sr. Jovino Flores de Jesus, presente no momento do acidente, à autoridade policial (Num. 116592166 - pág. 159):
 

"(...) o depoente informa que ROBERVAL DE ALMEIDA PORTO era funcionário da empresa CBA e tinha como função mecânico de linha de transmissão; ocorre que no dia anterior aos fatos Roberval iria retirar do local o fio que se encontrava no chão; que o depoente e Roberval se dirigiram até o local, perguntou a Roberval se este iria ligar na Usina para que fossem desligadas as máquinas para a retirada da fiação, porém Roberval disse ao motorista que não iria ser necessário desligar a energia; que Roberval subiu num poste, porém não se atentou em manter a distância de quarenta e quatro centímetros do fio que se encontrava energizado, momento em que recebeu a descarga elétrica; que o depoente informa que Roberval encontrava-se com todos os equipamentos de segurança necessários para a realização do serviço; (...)".
 

Consta, ainda, o depoimento do Sr. Wadir Vieira de Goes (Num. 116592166 - pág. 177):
 

"(...) o depoente informa que levou Jovino e Roberval até o local para efetuar recolha de material, visto que havia caído cabo de alta tensão; que o depoente informa que o veículo que utiliza possui rádio e que ofereceu a Roberval para que o mesmo o utilizasse para entrar em contato com a usina para solicitar o desligamento de energia, porém Roberval informou ao depoente que não seria necessário; que após ter deixado Jovino e Roberval no local, o depoente saiu para efetuar outro serviço e que o depoente não sabe informar como ocorreu o fato; (...)".
 

Há, também, o depoimento do Sr. Gilberto Alcântara Barreto (Num. 116592166 - pág. 178):
 

"(...) o depoente informa que era o superior hierárquico de Roberval e que com relação ao procedimento NR-10, item 10.3.2.5, o depoente informa que todos os funcionários possuíam todos os equipamentos de segurança necessários para a realização de um serviço; que o depoente informa que Roberval encontrava-se com todos os equipamentos de segurança necessários no momento dos fatos, porém Roberval não tomou o procedimento necessário, ou seja, a solicitação de desligamento da energia; que o depoente informa que o veículo que levou Roberval até o local possuía rádio para solicitar o desligamento da energia, porém Roberval disse que não era necessário efetuar o desligamento; que esclarece, ainda, que o procedimento para desligamento da energia é muito simples e rápido (...)".
 

O mesmo Sr. Jovino Flores de Jesus foi ouvido como testemunha nestes autos (Num. 116592167 - pág. 76/77):
 

"(...) Que trabalhou junto com Roberval de Almeida Porto por três anos como auxiliar de serviços gerais. Auxiliava o colega Roberval na ocasião do acidente sofrido no dia 16/12/2001. O acidente se deu em Piedade. Houve um furto de cabos de energia e havia cabos soltos no chão, havendo, portanto, solicitação de prestação de serviços para retirada de cabos de um sítio. Um motorista da CBA levou Roberval e a testemunha para a realização do serviço. O motorista, de nome Valdir, perguntou se havia necessidade de entrar em contato com a usina para desligar a rede de energia elétrica e Roberval disse que não precisava porque o cabo estava no chão, com as duas pontas no chão. Porém o meio do fio estava preso na mênsula, que é o suporte que segura o cabo. Roberval se esqueceu da terceira fase que estava energizada e por isso ocorreu o acidente. O procedimento correto seria cortar o cabo sem subir na mênsula. Todavia, Roberval ficou em pé na mênsula de baixo para prender o cinto na mênsula de cima, sobrevindo o acidente. Deveria ser mantida uma distância de 44cm, o que não foi feito. O procedimento mais seguro seria desligar a energia. Roberval era um eletricista experiente. (...)
Às reperguntas pela procuradora da ré, respondeu: (...) Que a CBA fornece todos os equipamentos de segurança: um 'apito' para medir a tensão, luvas, capacete, etc., que são de uso obrigatório dos empregados. (...) Na ocasião do acidente, Roberval não estava utilizando qualquer equipamento de segurança. Roberval acreditava que não havia energia e, por isso, não haveria risco de acidente. (...)
Às reperguntas pelo INSS, respondeu que: (...) Roberval subiu do lado da torre onde se encontrava apenas um cabo, que estava energizado, prendeu o mosquetão do cinto de segurança no pé da mênsula superior (aquela que estava em cima dos cabos furtados) e, ao se agachar, aproximou a cabeça do cabo energizado, recebendo a descarga elétrica. De qualquer forma, Roberval teria de subir na torre para cortar o cabo com o tesourão, mas não poderia ter subido na mênsula. Roberval prendeu o cinto na mênsula de cima, mas deveria ter prendido o cinto no corpo da torre, que é entremeio das duas mênsulas, não havendo, assim, necessidade de aproximação. (...)".

 

Pois bem.
 

De tudo o quanto visto até aqui, forçoso reconhecer que o acidente se deu porque o próprio acidentado preferiu não solicitar o desligamento da energia no local em que ele desempenharia suas atividades. Bastava pedir isso pelo rádio, mas o empregado entendeu que não haveria necessidade de fazê-lo.
 

Os depoimentos constantes dos autos são uníssonos nesse sentido.
 

E, de fato, parece que o acidentado não estava de todo equivocado, já que a retirada do cabo em questão, por si só, não ocasionaria o acidente ocorrido; a descarga elétrica sofrida por ele se deu porque o empregado aproximou sua cabeça de outro cabo, esse, sim, energizado, daí decorrendo o infortúnio.
 

É o que constou do coerente testemunho prestado pelo seu auxiliar nestes autos, que se coaduna com o laudo pericial elaborado pela Polícia Civil, que atestou a presença de "área de queimadura com ressecamento da pele do couro cabeludo situado na região fronto-parietal direita com caracteres de entrada de corrente elétrica" (Num. 116592166 - pág. 60).
 

Concluo, portanto, que as causas diretas e imediatas do infortúnio foram (i) a não solicitação de desligamento de energia pelo acidentado, embora fosse perfeitamente possível fazê-lo, e (ii) sua inadvertida aproximação de outro cabo, que estava energizado.
 

Não prospera, portanto, a alegação do INSS no sentido de que o empregado teria sido "obrigado a subir no poste de transmissão sem que a linha estivesse liberada" (Num. 116592166 - pág. 15).
 

Perdem relevo, ainda, as alegações sobre a ausência de ordem de serviço e procedimento padrão para a atividade desempenhada pelo acidentado, já que os elementos probatórios são firmes no sentido de que sabia ele da necessidade de solicitar o desligamento da energia, mas preferiu atuar na rede sem pedir o desligamento.
 

E a mera experiência ordinária é suficiente para que se saiba dos riscos que envolvem se aproximar de um cabo energizado, não sendo necessária instrução formal para tanto.
 

Ademais, consta dos autos que, além da longa experiência do acidentado, ele também era membro da CIPA, não sendo crível que não soubesse ele dos riscos inerentes a sua atividade (Num. 116592167 - pág. 23 e 24).
 

Assim, o certo é que a situação de infortúnio retratada nos autos não induz à conclusão de haver a requerida (empregadora) violado "normas gerais de segurança e higiene do trabalho", a justificar sua responsabilidade civil, de modo regressivo.
 

Desta forma, tenho que não é possível responsabilizar a empresa ré pelo ressarcimento dos valores despendidos pelo INSS a título de benefício previdenciário, sendo de rigor a improcedência do pedido formulado pela autarquia previdenciária.
 

Dos honorários advocatícios
 

Verifico que o valor atribuído à causa é bastante elevado, de R$ 1.190.336,09 (hum milhão, cento e noventa mil, trezentos e trinta e seis reais e nove centavos) em setembro de 2009 (Num. 116592166 - pág. 79 dos autos eletrônicos).
 

Embora o INSS não tenha impugnado especificamente este capítulo da sentença em seu recurso voluntário, vejo que o tema está submetido ao reexame necessário, eis que a condenação da Fazenda Pública em honorários superou largamente o patamar de sessenta salários mínimos previsto no artigo 475, § 2° do CPC/73, vigente ao tempo da publicação da sentença.
 

Registro que é possível o arbitramento de honorários por equidade sob a égide do CPC/73, que previa expressamente essa possibilidade quando fosse vencida a Fazenda Pública (art. 20, § 4°).
 

Dito isto, tenho que a fixação dos honorários em percentual incidente sobre o valor da causa resultaria em quantia desarrazoada e desproporcional, ensejadora de enriquecimento sem causa, ainda mais quando considerada a baixa complexidade do feito, resolvido pela mera análise de documentos já existentes e de um único testemunho, sem necessidade, portanto, de detida análise da matéria fática da demanda.
 

Assim, considerando a baixa complexidade da causa, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fundamento no artigo 20, § 4° do Código de Processo Civil de 1973, vigente ao tempo da publicação da sentença.
 

Dispositivo
 

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para afastar o reconhecimento da prescrição, no mérito, julgar improcedente o pedido e reduzir equitativamente os honorários advocatícios devidos pelo INSS para R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fundamento no art. 20, § 4° do CPC/73.
 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA. INSS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. ACIDENTE DE TRABALHO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI 8.213/91. NÃO VIOLAÇÃO DE NORMAS GERAIS DE SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO. NÃO CRIAÇÃO DE RISCO EXTRAORDINÁRIO ÀQUELE COBERTO PELA SEGURIDADE SOCIAL. HONORÁRIOS. EQUIDADE. ART. 20, § 4° DO CPC/73. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. No caso dos autos, o benefício previdenciário foi concedido em 24/05/2004 - e não em 16/12/2003, data do início de seus efeitos financeiros, nos termos do art. 74, I da Lei n° 8.213/1991 -, e a ação foi proposta em 27/04/2009, sendo de rigor reconhecer que a pretensão autoral não foi atingida pela prescrição, já que ajuizada a ação antes do decurso do prazo quinquenal. Matéria anteriormente decidida por esta Turma, em acórdão publicado em 23/10/2019.
2. A ação de regresso prevista no artigo 120, da Lei n 8.213/91, não se confunde com a responsabilidade civil geral, dado que elege como elemento necessário para sua incidência a existência de "negligência quanto às normas gerais de padrão de segurança e higiene do trabalho".
3. O atual regime constitucional da responsabilidade acidentária prevê que o risco social do acidente do trabalho está coberto pelo sistema de seguridade social, gerido pelo INSS e para o qual contribuem os empregadores.
4. Desta forma, para que se decida pelo dever de ressarcimento à autarquia previdenciária, tornam-se necessárias as demonstrações de que a) a empresa tenha deixado de observar as normas gerais de segurança e higiene do trabalho e b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância.
5. No caso concreto, em 16/12/2003, um empregado da requerida e segurado da Previdência Social realizava suas atividades laborais retirando um cabo de energia de um poste quando veio a sofrer uma descarga elétrica, o que veio a causar o seu óbito.
5. A situação de infortúnio retratada nos autos não induz à conclusão de haver a requerida (empregadora) violado "normas gerais de segurança e higiene do trabalho", a justificar sua responsabilidade civil, de modo regressivo. Por tais razões, conclui-se que não restou demonstrada nos autos a criação, pela apelante, de risco extraordinário àquele coberto pela Seguridade Social, não se havendo de falar em seu dever de ressarcimento dos valores gastos pela autarquia apelada a título de pensão por morte.
6. Honorários advocatícios devidos pelo INSS reduzidos equitativamente para R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fundamento no art. 20, § 4° do CPC/73.

7. Apelação e reexame necessário parcialmente providos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação e ao reexame necessário para afastar o reconhecimento da prescrição, e no mérito, julgou improcedente o pedido e reduziu equitativamente os honorários advocatícios devidos pelo INSS para R$ 10.000,00 (dez mil reais), com fundamento no art. 20, § 4° do CPC/73, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.