Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001290-76.2010.4.03.6112

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: LUCIANA VERONEZI VIEIRA, EVERTON ROMANINI FREIRE, KLEDIANE ROSALES EREDIA LOURENCETTI, NILCE DA SILVA COSTA VACARI, CASSIANA COTINI DO COUTO, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA, REIS ALVES & REIS ALVES LTDA, EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES, GUIMARAES E GUIMARAES FARMACIA LTDA - EPP, MARCELO DA SILVEIRA SOUTO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO FELICIANO - SP302748
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: ALINE LETICIA IGNACIO MOSCHETA - SP241408-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001290-76.2010.4.03.6112

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: LUCIANA VERONEZI VIEIRA, EVERTON ROMANINI FREIRE, KLEDIANE ROSALES EREDIA LOURENCETTI, NILCE DA SILVA COSTA VACARI, CASSIANA COTINI DO COUTO, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA, REIS ALVES & REIS ALVES LTDA, EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES, GUIMARAES E GUIMARAES FARMACIA LTDA - EPP, MARCELO DA SILVEIRA SOUTO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO FELICIANO - SP302748
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: ALINE LETICIA IGNACIO MOSCHETA - SP241408-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):

Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela União Federal, inicialmente em face de 1) Everton Romanini Freire, 2) Reis Alves & Alves Lopes Ltda, 3) Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, 4) M.S. Souto EPP, 5) Cassiana Cotini do Couto, 6) Nilce da Silva Costa Vacari, 7) Klediane Rosales Erédia e 8) Luciana Veronezi, visando à condenação dos requeridos pelas práticas de atos de improbidade administrativa, previstos nos artigos 10  e 11 da Lei n.º 8.429/1992, aplicando-lhes as sanções constantes do artigo 12 da referida Lei, tudo decorrente de ações perpetradas em um esquema ilícito e fraudulento para obtenção irregular de medicamentos por meio do Programa Farmácia Popular.

Segundo consta da peça inaugural, distribuída à época na Subseção Judiciária de Presidente Prudente/SP, Everton Romanini Freire (então Secretário Municipal de Saúde de Nova Guataporanga/SP), idealizou, com o auxílio e participação direta das funcionárias públicas municipais Cassiana Cotini do Couto, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Luciana Veronezi, um esquema para obtenção de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular, agindo em conluio com as Farmácias Reis Alves & Alves Lopes Ltda, Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP e M.S. Souto EPP (Drogão Araça), ocasionando danos ao patrimônio da União, além de prejuízos morais a diversos cidadãos do município de Nova Guataporanga/SP.

Narra a exordial que, de início, o então Secretário Municipal, Sr. Everton, e o Sr. Eduardo Rebuci dos Reis Alves (proprietário das farmácias Reis Alves e Alves Lopes Ltda e Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP) entabularam uma avença para o fornecimento irregular de medicamentos pelo referido programa governamental, mediante a realização de diversas fraudes no procedimento de aquisição.

Consoante teria sido demonstrado pela apuração, nos autos apartados em apenso, o Secretário Municipal Everton teria determinado, às agentes comunitárias de saúde da localidade em questão, a obtenção de dados qualificativos e de patologias apresentadas pelos moradores de cada área de atuação, com a indicação dos medicamentos regularmente utilizados por eles e suas referidas quantidades, sem que fosse explicitada, em qualquer momento, a motivação para o levantamento de tais dados.

Tais listagens, que posteriormente foram digitalizadas pelo Setor de Informática da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga/SP, por ordem do mesmo Secretário de Saúde Everton, teriam por finalidade viabilizar a aquisição de medicamentos em descompasso com as regras do programa governamental em comento, o que estaria acordado previamente com o proprietário das duas primeiras farmácias acima mencionadas, ambas de propriedade do Sr. Eduardo, segundo anteriormente destacado.

Conforme também teria restado apurado no processado, um funcionário do Sr. Eduardo, de nome Jeanderson Perozzi de Carvalho, teria se dirigido à Unidade Básica de Saúde do município para retirar uma listagem contendo dados qualificativos de pacientes e dos medicamentos de uso contínuo por eles utilizados, que lhe fora fornecida pelo então Secretário Municipal Everton, dando início, assim, ao esquema fraudulento de obtenção de medicamentos.

Informa a inicial que o procedimento irregular de aquisição de medicamentos só começou a ser desvendado quando uma moradora do município de Nova Guataporanga, Sr.ª Josefa Feliciana Duda da Fonseca, na tentativa de adquirir um medicamento integrante da lista do Programa Farmácia Popular no município de São Paulo, foi informada pelo atendente do estabelecimento acerca da impossibilidade em obter tal medicação com as benesses do programa governamental em questão, uma vez que ela já teria atingido a cota estipulada para sua aquisição no período.

Segundo constaria de depoimento prestado por seu filho Victor Eloy nos autos do procedimento em apenso, a Sr.ª Josefa, além de estranhar o ocorrido, ficou insatisfeita com tal situação, o que a levou a comunicar os fatos ao departamento jurídico da ONG que administrava no município, que tomou as providências necessárias para relatar o ocorrido para a Ouvidoria do SUS.

Posteriormente, esse mesmo depoente (Victor Eloy) teria recebido um posicionamento do SUS no sentido de que sua genitora constaria como adquirente de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular (desde abril de 2008) e que as últimas aquisições de fármacos constariam como tendo sido feitas na “Farmais” de Dracena e em outra farmácia de Araçatuba, locais onde ela nunca teria adquirido medicamentos. Desse modo, o Sr. Victor Eloy teria procurado o senhor Eduardo Rebuci dos Reis Alves, proprietário da “Farmais” de Dracena, o qual lhe informou que a farmácia possuía um funcionário, no município de Nova Guataporanga/SP, de nome Jeanderson, que foi chamado ao local e, assim que cientificado dos fatos, disse que, realmente, estaria em curso a venda de medicamentos para pessoas do município de Nova Guataporanga/SP e que existia uma lista, com mais de cem nomes, dentre os quais o da Sr.ª Josefa, que fora fornecida pelo então Secretário de Saúde daquele município. Tal fato teria causado espanto ao Sr. Victor Eloy, que orientou sua genitora a lavrar um boletim de ocorrência, noticiando o ocorrido.

No entanto, segundo afirmado, o Delegado local não teria dado seguimento à apuração do relatado no Boletim de Ocorrência efetuado, o que motivou o Departamento Jurídico da ONG, presidida pela própria Sr.ª Josefa, a levar os fatos a conhecimento do Ministério Público Estadual.

A partir de então, vários outros moradores do município de Nova Guataporanga/SP teriam procurado o Ministério Público Estadual em Tupi Paulista/SP e, também, a ONG Nosso Sonho, situada em Nova Guataporanga/SP, para terem conhecimento se seus nomes também constariam como adquirentes de medicamentos do Programa Farmácia Popular, fatos esses que teriam sido confirmados, inclusive, por pesquisas efetuadas no sistema da Nota Fiscal Paulista.

Consta dos autos que o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União, cientificados dos fatos, teriam colhido depoimentos de supostos beneficiários das listas de pacientes, o que teria evidenciado a prática fraudulenta perpetrada, com eventual lesão patrimonial à União e prejuízos morais a diversas pessoas que tiveram seus nomes envolvidos indevidamente no esquema então revelado. Ressalta a exordial, ainda, que a situação de total ilegalidade em comento não teria poupado nem mesmo pessoas já falecidas, para as quais teriam sido fornecidos medicamentos.

Sustenta, ainda, a peça inaugural, que as entregas dos medicamentos do Programa Farmácia Popular, pelas farmácias de propriedade de Eduardo, eram feitas sem qualquer controle do que estava sendo efetivamente entregue; sem apresentação de nota fiscal e sem a assinatura dos pacientes nos cupons vinculados, tudo ao completo arrepio das normas do Programa Farmácia Popular. Afirma, ainda, que o próprio Secretário Municipal (Everton), chegou a assinar diversos documentos onde atestava o recebimento de medicamentos do Programa Farmácia Popular diretamente pela Unidade Básica de Saúde de Nova Guataporanga, sendo que as entregas efetuadas não tinham quaisquer controles e eram realizadas em sacos plásticos.

A narrativa prossegue, indicando que, depois de se tornarem públicos os fatos, houve a realização de um procedimento de busca e apreensão, efetuada pela equipe da Polícia Civil local na Unidade Básica de Saúde do município, oportunidade na qual foram apreendidas grandes quantidades de medicamentos, a sua maioria contendo medicação integrante do Programa Farmácia Popular: 39 caixas, com 21 comprimidos cada, do medicamento Ciclo 21; 580 caixas, contendo 30 comprimidos cada, do medicamento Captopril; 574 caixas, com 30 comprimidos cada, de Maleato de Enalapril; 210 caixas, contendo 30 comprimidos cada, do medicamento Gibenclamida; 360 caixas, contendo 30 comprimidos cada, do medicamento Gioridrato de Metformina; 148 caixas, contendo 30 comprimidos cada, do medicamento Hidroclorotiazida; 626 caixas, contendo 30 comprimidos cada, e 12 caixas, contendo 12 comprimidos cada, do medicamento Cloridrato de Propanalol e 405 caixas, contendo 30 comprimidos cada, do medicamento Atenolol.

Ressalta a peça de acusação, nesse contexto, a patente ilegalidade do fornecimento de fármacos por estabelecimentos farmacêuticos privados diretamente ao Centro de Saúde local, oriundos do Programa Farmácia Popular, até porque tal conduta apresentaria contrariedade evidente às diretrizes do programa governamental, além do que os meios empreendidos para aquisição dos medicamentos seriam injustificáveis. Observou-se, nesse ponto, que se, de fato, houvesse a necessidade de aquisição de medicamentos pelo Posto de Saúde local, existiriam diversos outros programas estatais para obtenção direta pela municipalidade, relatados em seu arrazoado.  

Destaca, além disso, que as irregularidades em questão também teriam sido objeto de apuração e confirmação por auditorias realizadas pelo Departamento Nacional de Auditorias do SUS (DENASUS), sendo certo que os valores devidos pelas farmácias de propriedade do Sr. Eduardo já teriam sido ressarcidos ao Fundo Nacional de Saúde.

A peça acusatória, ao continuar a exposição dos fatos, sustenta que, em determinado período, mais precisamente nos meses finais de 2008 e no início de 2009, o esquema para fornecimento ilícito de medicamentos deixou de ocorrer por meio das farmácias de propriedade de Eduardo, passando a ser operacionalizado pela farmácia M.S. Souto EPP, de nome fantasia “Drogão Araça”, de propriedade de Marcelo da Silveira Souto, seguindo o mesmo esquema anteriormente definido pelo Secretário Everton, agora com a intermediação, mediante pagamento de “comissão”, de uma pessoa chamada Paulo Toniolo (proprietário de uma farmácia em Tupi Paulista que não seria conveniada com o Programa Farmácia Popular - já falecido), dando, assim, prosseguimento ao ardiloso esquema. Tais fornecimentos, igualmente considerados fraudulentos pelo Departamento de Auditoria do SUS (DENASUS) em procedimentos próprios, teriam apresentado as mesmas irregularidades já constatadas anteriormente.

A exordial também relata que, nos autos do procedimento preparatório em apenso, houve a realização de um exame pericial grafotécnico, onde teriam sido constatadas falsificações nas assinaturas dispostas em parcela do cupons fiscais emitidos pelos estabelecimentos farmacêuticos citados na peça inaugural, que teriam contado com o auxílio das funcionárias públicas municipais Nilce da Silva Costa Vacari, Cassiana Cotini do Couto, Klediane Rosales Eredia e Luciana Veronezi, estabelecendo-se, no referido laudo, a autoria das indigitadas servidoras nas assinaturas efetuadas nos cupons fiscais em nome dos supostos beneficiários, o que demonstraria a participação direta delas na fraude perpetrada.

Em razão de todo o exposto, os autores sustentam que o Secretário Municipal de Nova Guataporanga/SP, Sr. Everton Romanini Freire, e as funcionárias públicas municipais Nilce da Silva Costa Vacari, Cassiana Cotini do Couto, Klediane Rosales Eredia e Luciana Veronezi devem sofrer as sanções previstas na Lei n.° 8.429/92, condenando-os à perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, bem como à reparação do dano causado, no valor de R$ 8.532,80, como apontado pela auditoria ou em valor alternativo apontado em eventual Relatório Complementar, caso ocorra sua alteração, nos termos do artigo 12 da Lei n.° 8.429/92; por sua vez, pleiteiam, ainda, a condenação dos estabelecimentos farmacêuticos Reis Alves & Alves Lopes Ltda EPP e Reis Alves & Reis Alves Ltda ao pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, nos termos do artigo 12, da Lei n° 8.429/92 e, por fim, a condenação da Farmácia M. S. Souto EPP, ao pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, bem como a reparação do dano causado, no valor de R$ 8.532,80, como apontado pela auditoria ou em valor alternativo apontado em eventual Relatório Complementar, caso ocorra sua alteração, nos termos do artigo 12 da Lei n.° 8.429/92.

Determinada a emenda à inicial e a prestação de esclarecimentos pelos autores (fls. 59), tais providências restaram atendidas, resultando nas informações de fls. 60 e seguintes, onde foi noticiado, inclusive, que os fatos em tela deram origem a um Inquérito Policial em trâmite perante a 2ª Vara Federal de Presidente Prudente. Os autores, na oportunidade, também apresentaram um aditamento à inicial, visando à inclusão dos responsáveis legais das citadas farmácias que teriam praticado ações diretamente vinculadas com os atos de improbidade narrados na peça inaugural (Eduardo Rebuci dos Reis Alves e Marcelo da Silveira Souto, respectivamente).

O aditamento citado postulou as condenações dos representantes legais acima mencionados em suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócios majoritários, nos termos do art. 12 da Lei 8.429/92, pleiteando, ainda, a condenação solidária de Marcelo da Silveira Souto a proceder à reparação do dano causado, no valor de R$ 8.532,80, como apontado pela auditoria ou em valor alternativo apontado em eventual Relatório Complementar, caso ocorra sua alteração, nos termos do artigo 12 da Lei n.° 8.429/92.

Decisão de fls. 89 recebeu o aditamento à inicial e determinou a notificação dos requeridos para manifestação, nos termos do artigo 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92.

Notificados os requeridos e efetuadas as manifestações prévias, sobreveio decisão que recebeu a ação civil pública e determinou a citação dos réus, nos termos do artigo 17, § 9º, da Lei nº 8.429/92 (fls. 398 e verso).

Citados os réus e depois de apresentadas todas as contestações, foram ouvidos tanto o Ministério Público Federal como a União, em réplica.

Avançando no regular processamento do feito, o juízo de primeiro grau concedeu às partes o prazo de 10 dias para manifestação acerca das provas que desejavam produzir, justificando a pertinência e necessidade, sob pena de preclusão (fls. 633).

Os réus manifestaram-se às fls. 637 (Luciana Veronezi), 638 (Reis Alves & Reis Alves Ltda-EPP, Reis Alves & Alves Lopes Ltda e Eduardo Rebucci Dos Reis Alves), 640 (Everton Romanini Freire, Klediane Rosales Eredia e Nilce da Silva Costa Vacari) e 643 (Cassiana Cotini do Couto).

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 648/650, requerendo a produção de prova emprestada produzida nos autos da ação penal n° 0005739-14.2009.403.6112, em trâmite pela 2ª Vara Federal de Presidente Prudente, consistente na denúncia ofertada naquele feito; em prova testemunhal produzida naqueles autos (testemunhas Luzia Francisca Amara Jacobs, Fernanda Borssank Paschoareli da Fonseca, Elita Malheiros de Matos Paes, Nilda da Silva Costa, Sandra Regina dos Santos Hungarezi, Divanir Romanholi Batista, Libério Jovelino de Lima, Florissaldo Sozim, Márcia Regina Oliveira Jacobs, Josi Aparecida Oliveira Martins, Renata Aparecida Jacinto Garcia, Victor Eloy da Fonseca e Josefa Feliciana Duda da Fonseca) e na apresentação de Laudo de Perícia Criminal Federal (documentoscopia) de nº 0231/2012-UTEC/DPF/PDE/SP. Juntou esses documentos ao processado (fls. 651/785).

E a União, por derradeiro, ofertou manifestação nas fls. 788/792.

Despacho de fls. 798 determinou a apresentação das qualificações das testemunhas arroladas nas manifestações de fls. 637, 638 e 640 e deferiu a produção de prova testemunhal requerida nas 643/645.

O juízo de primeiro grau, em decisão posterior, considerando que o Provimento nº 386 desta E. Corte implantou, a partir de 24/06/2013, a 1ª Vara Federal de competência mista com JEF Adjunto da 37ª Subseção de Andradina/SP, declinou da competência do feito em favor da E. 1ª Vara Federal daquela Subseção (fls. 803/805).

A corré Cassiana informou a qualificação de duas testemunhas, desistindo da oitiva de Vanessa Rombola Machado (fls. 807).

Despacho de fls. 811 homologou a desistência da testemunha Vanessa e determinou, por fim, o cumprimento da decisão de fls. 803/805, com a remessa dos autos ao e. Juízo da 1ª Vara Federal de Andradina.

Recebido o feito na Subseção Judiciária de Andradina (fls.815), o feito prosseguiu em seu regular andamento.

Durante a instrução, foram ouvidas as seguintes testemunhas, arroladas pelas defesas: JORGE FERNANDES GARCIA (fls. 827), LUIS ANTONIO PINHEIRO CASTILHO (fls. 828), MOACIR BATISTA FERREIRA (fls. 876), JOÃO JACOMINI (fls. 877) e SONIA APARECIDA DA SILVA BERTIPAGLIA (fls. 878).

Instadas as partes para manifestação acerca do retorno das cartas precatórias com as oitivas das testemunhas supra (fls. 881), sobreveio o despacho de fls. 890 que indeferiu o pedido de depoimento pessoal (interrogatório) dos réus efetuado pela corré Cassiana nas fls. 887/888, considerando ter havido a preclusão da prova requerida. Declarou encerrada a instrução processual, determinando a intimação das partes para oferecimento de memoriais.

Em razão da negativa anterior, foi interposto agravo retido pela corré Cassiana (fls.892/895), que também protocolizou pedido para suspensão do andamento do feito, com arrimo no artigo 265, IV, “a”, c.c. artigo 110, ambos do CPC (fls. 896/897).

Ato contínuo, apresentaram memoriais o Ministério Público Federal (fls. 900/912) e Luciana Veronezi (fls.915/928). Sobreveio nos autos a apresentação de diversos outros petitórios, a maioria informando que a retirada dos autos de Secretaria por um dos corréus teria prejudicado a apresentação de razões finais pelos demais corréus, de modo a ser necessária a devolução de prazo para tal finalidade. Há, também, uma outra manifestação, dando conta que a União, uma das autoras no presente feito, ainda não teria sido intimada para ofertar suas razões finais. Nesses termos, foi pleiteado que a intimação dos réus para apresentação de alegações finais só fosse efetuada depois da apresentação de memoriais pela União.

Decisão de fls. 953/957 recebeu o agravo retido interposto pela corré Cassiana, mas manteve a r. decisão ali atacada, por seus próprios fundamentos; indeferiu o pedido para suspensão da ação, sob a argumentação de independências das instâncias civil e penal e determinou, por fim, a intimação da União para oferecimento de memoriais, reabrindo-se, posteriormente, o prazo de 10 dias para todos os réus ofertarem suas alegações finais.

Na sequência, M.S. Souto EPP e Marcelo da Silveira Souto apresentaram memoriais nas fls. 960/972 e a União, nas fls. 973/979.

Informação da Secretaria de fls. 980 foi disponibilizada no DJE, a fim de intimar os réus para se manifestarem em alegações finais, nos termos da decisão de fls. 953/957.

Em prosseguimento, REIS ALVES & REIS ALVES LTDA-EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES apresentaram razões finais nas fls. 981/995; LUCIANA VERONEZI, nas fls. 996/1009 e CASSIANA COTINI DO COUTO, nas fls. 1010/1024, quedando-se inertes os corréus EVERTON ROMANINI FREIRE, NILCE DA SILVA COSTA VACARI e KLEDIANE ROSALES EREDIA.

A r. sentença foi prolatada nas fls. 1032/1056, rejeitando todas as preliminares arguidas pelos corréus e resolvendo o mérito da demanda, nos termos artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, para o fim de julgar procedentes os pedidos formulados pelos autores, condenando os réus às seguintes sanções, previstas no art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/92, conforme abaixo observado:

1)    FARMÁCIA M.S. SOUTO EPP e MARCELO DA SILVEIRA SOUTO: ressarcimento ao erário no montante de R$8.532,80, pagamento de multa civil no montante de duas vezes o valor do prejuízo (R$17.065,60), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r.  sentença;

2)    EVERTON ROMANINI FREIRE: ressarcimento ao erário no montante de R$8.532,80 em solidariedade com os réus acima, pagamento de multa civil no importe de cem vezes o valor da remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r.  sentença;

3)    CASSIANA COTINI DO COUTO: pagamento de multa civil no montante de quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença;

4)    NILCE DA SILVA COSTA VACARI: pagamento de multa civil no montante de noventa e quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença;

5)    LUCIANA VERONEZI: pagamento de multa civil no importe de quinze vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença;

6)    KLEDIANE ROSALES ERÉDIA: pagamento de multa civil no importe de dezenove vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença;

7)    REIS ALVES & ALVES LTDA, REIS ALVES & REIS LTDA e EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES: pagamento de multa civil no importe de duas vezes o montante do prejuízo causado (R$64.480,62), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r.  sentença;

Destacou o r. julgado que o pagamento do valor devido a título de multa civil, bem como a título de ressarcimento integral do dano, deverão ser corrigidos nos termos do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, conforme a ser apurado em fase de cumprimento de sentença, e será revertido em favor do Fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/1985, observando que os valores da condenação em pecúnia relativos ao ressarcimento ao erário devem ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora a partir da apuração histórica (outubro de 2009), segundo índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente na data do cálculo.

Condenou os réus, ainda, ao pagamento das custas processuais, responsabilidade esta que entendeu ser solidária, nos termos do artigo 87 do CPC, salientando que o montante devido a título de ressarcimento ao erário deverá ser compensado com valores eventualmente pagos na via administrativa ou em sede de eventual execução fiscal.

Deferiu a gratuidade da justiça requerida por Cassiana Cotini do Couto (art. 98 e seguintes do CPC). Desse modo, observou que a condenação de Cassiana Cotini do Couto ao pagamento das custas ficará suspensa pelo prazo de 5 (cinco) anos na pendência de demonstração, pelo credor, neste prazo, de que deixou de existir a situação de insuficiência econômica (art. 98, 3º, do CPC/2015). Observou, outrossim, que em se tratando de ação civil pública, a condenação em honorários advocatícios será cabível desde que verificada a má-fé da parte autora, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85, o que não teria sido se configurado na espécie.

A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário, em atenção ao disposto no artigo 19 da Lei nº 4.717/65.

Por fim, determinou-se que, somente depois do trânsito em julgado, devem ser expedidos os ofícios para o E. Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, para os fins do artigo 15, V, da Constituição Federal e do art. 20, caput, da Lei nº 8.429/1992 e para os entes federados, dando-lhes ciência das sanções aplicadas no sentido de proibição de contratar com o poder público, além de ser providenciado o cadastramento deste processo na página do Conselho Nacional de Justiça - CNJ na internet, no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa.

Irresignados, os réus ofertaram apelação.

LUCIANA VERONEZI, nas fls. 1058/1070, aduz, em preliminares: 1) a ilegalidade do Procedimento Preparatório nº 014/2019 em razão de violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa; 2) sua ilegitimidade passiva, porquanto não teria praticado conduta que se amolde aos atos de improbidade administrativa; 3) a inépcia da inicial, alegando que a exordial traz narrativa extensa e confusa, além de não individualizar adequadamente as condutas e 4) a obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal de seu superior. No mérito, sustenta que os atos praticados pela ré não ostenta indícios de desonestidade ou má-fé. Pleiteia, assim, o acolhimento das preliminares, anulando ou reformando a r. sentença para extinguir a pretensão inaugural em face dela, ou julgar improcedente o pedido constante da exordial com relação a ela. Apresentou comprovante do recolhimento de custas (fls. 1072) e do porte de remessa/retorno (fls. 1074).

EVERTON ROMANINI FREIRE, nas fls. 1075/1099, por sua vez, alega que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92, posto que ausentes dolo ou culpa; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito; que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo; que não foi obtido nenhum proveito patrimonial; que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda 05 (cinco) remunerações. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

KLEDIANE ROSALES ERÉDIA, nas fls. 1100/1124, sustenta que restou comprovado que não há elementos jurídicos ou probatórios que assegurem a manutenção da r. sentença vergastada; que não há comprovação de enriquecimento ilícito; que não há violação a qualquer princípio constitucional ou ofensas às disposições legais; que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito;  que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo; que não foi obtido nenhum proveito patrimonial; que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda uma única vez a remuneração dela. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

NILCE DA SILVA COSTA VACARI, nas fls. 1125/1149, por sua vez, traz idêntica argumentação: que restou comprovado que não há elementos jurídicos ou probatórios que assegurem a manutenção da r. sentença vergastada; que não há comprovação de enriquecimento ilícito, que não há violação a qualquer princípio constitucional ou ofensas às disposições legais; que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito;  que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo e não foi obtido nenhum proveito patrimonial e afirma que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda duas vezes a remuneração dela. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

CASSIANA COTINI DO COUTO, nas fls. 1150/1159, pretende a devolução ao conhecimento desta E. Corte de toda a matéria que lhe fora desfavorável, direta ou indiretamente. Preliminarmente, afirma ter havido nulidade na instrução processual consistente em violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que não foram deferidos seus pleitos para sua própria oitiva e do corréu Everton. No mesmo sentido, alega que a não suspensão do processo teria causado o agravamento do cerceamento de defesa. Aduz, ainda preliminarmente, ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda; ser a inicial inepta; que os apelados carecem de interesse processual e acerca da ilicitude das provas produzidas no procedimento preparatório em apenso (em violação aos princípios do contraditório e da não auto-incriminação). No mérito, diz a apelante que os apelados não conseguiram demonstrar que ela teria cometido ato de improbidade administrativa, porquanto não teria restado comprovado qualquer tipo de ligação ou vínculo com o então Secretário de Saúde. Sustenta, também, que a condenação se deu sem estar baseada em provas concretas e o fato de existir uma confissão na fase preliminar não pode conduzir à certeza da punição. Além disso, ressalta que a prova pericial é inquisitorial, não havendo qualquer outra que refutasse ou questionasse seu conteúdo produzida sob o pálio do contraditório e diz que as testemunhas não trouxeram arrimo para sustentar possível acusação contra a apelante. Discorda, ainda, da juntada da prova emprestada trazida aos autos pelo MPF (Laudo Documentoscópio elaborado pelo perito João José de Castro Baptista VaIlim, mat. 14.943., elaborado nos autos da ação penal n° 2009.61.12.005739-O - IP n°8-0361/2009), sob a alegação de trata-se de medida excepcional, asseverando que o laudo original teria sido produzido no inquérito civil, onde não houve a formação do contraditório. Frisou, mesmo assim, que tal laudo apresenta diversas incongruências, não sendo hábil a comprovar o imputado a ela pela peça inaugural. Continua sua explanação, alegando, alternativamente, que mesmo que tenha assinado algum documento, que seus atos devem ser considerados como vícios de consentimento e que não há que se falar em ato de improbidade, pois a apelante desconhecia qualquer vício ou fraude. Aduz, nesses termos, que se efetuou alguma assinatura, teria realizado tal ato sob coação ou foi enganada; que tinha medo de ser demitida; que é pessoa de boa índole e não possui antecedentes e que não foi favorecida por quaisquer vantagens. Informa, ainda, ter ocorrido a existência de erro quanto aos cupons supostamente assinados, porquanto teria entendido que aquilo seria um benefício trazido para a população. Assim, a apelante afirma não ter agido com dolo, não teve a intenção de lesar o erário ou de cometer atos que violassem a moralidade administrativa e nem enriqueceu de forma ilícita, não havendo má-fé em sua conduta. Quando à dosimetria das penas, disse que nenhuma das penas pode lhe ser empregada pela ausência de prática de qualquer ato de improbidade. Ressalta, com relação à multa civil que lhe foi aplicada, não possuir condições de adimpli-la, por ser pobre na acepção do termo, motivo pelo qual requer a reversão de tal condenação, registrando, ainda, não ter auferido qualquer tipo de lucro. Requer, por fim, o acolhimento das preliminares, o que resultaria na extinção da ação ou a reforma da r. sentença para julgar improcedente o pedido inaugural, absolvê-la das imputações e/ou reformar a r. sentença em tudo aquilo que lhe foi desfavorável. Reporta-se, ainda, “a todos os pedidos e argumentos dispendidos na manifestação preliminar, na contestação, alegações finais por memoriais e no agravo retido interposto nos autos, impugnando todas as acusações desenvolvidas contra a apelante nas manifestações dos autores dapresente ação civil pública.”.

REIS ALVES & REIS ALVES LTDA.- EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES, nas fls. 1160/1170, pleiteiam, de início, o acolhimento da preliminar de ilegitimidade de Eduardo Rebucci dos Reis Alves para compor o pólo passivo da lide, aduzindo, em apertada síntese, que a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas ou jurídicas que a compõe, além do que não teria restado comprovado que o Sr. Eduardo tenha se beneficiado, pessoal e diretamente, dos fatos narrados neste feito. No mérito, sustenta que os fatos em questão demonstram, apenas, uma violação administrativa, cuja conseqüência e sanção culminaram na suspensão preventiva dos estabelecimentos farmacêuticos dos quais é proprietário do programa Farmácia Popular. Ressalvou, também, que por conta das irregularidades constatadas por auditoria do DENASUS, já ressarciu ao Fundo Nacional de Saúde os valores apurados como devidos, como reconhecido pela r. sentença de primeiro grau. Ressalta, ainda, que “No mais, temos que não foi considerado na r. sentença apelada, que anteriormente à propositura da Ação Civil, a empresa Reis Alves & Alves Lopes, como também a Reis Alves & Reis Alves procederam de imediato o ressarcimento aos cofres da União do valor total da dispensação dos medicamentos que os auditores encontraram sem os requisitos de estilo. Por sua vez, a outra empresa requerida, a Farmácia M.S.Souto EPP, nada ressarciu até o presente momento. No entanto, a penalidade imposta é idêntica (multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios, ambos por 05 anos), o que não pode prevalecer, sob pena de não prestigiar o princípio da espontaneidade do infrator em não lhe conceder qualquer benefício. Por analogia, vale lembrar que na seara tributária, quando o agente passivo no processo de crime contra a ordem tributária venha recolher o tributo devido com os acréscimos, extingue-se a punibilidade, conforme preceitua o art. 9º, 2° da Lei 10.684, de 30 de maio de 2003. Não seria essa a mesma situação dos autos presentes? Ou então a redução da penalidade imposta pela espontaneidade?”. Requer, assim, a reforma da r. sentença para julgar extinto o processo, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva ad causam do Sr. Eduardo Rebucci dos Reis Alves; a improcedência da ação ante a inexistência de ato de improbidade ou, subsidiariamente, a redução, pela metade, tanto do valor da multa civil aplicada (R$ 64.480.62) como do período de 05 (cinco) anos de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Apresentou comprovante do recolhimento de custas (fls. 1172) e do porte de remessa/retorno (fls. 1174).

MS SOUTO EPP, nas fls. 1176/1187, aduz, inicialmente, que sua participação nos fatos se resumiu à entrega de medicamentos a pedido da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, atendendo à solicitação do próprio Município, formulado por terceira pessoa (Paulo Toniolo). Sustenta, em sua peça de irresignação que, à época dos fatos, que a entrega de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular era regido, na sua totalidade, pela Portaria 491/2006, consignando que não se aplica ao apelante os comandos da Portaria 749/2009, porquanto sua edição se deu após o encerramento da entrega de medicamentos. Diz, em seu arrazoado, que tal Portaria não continha qualquer restrição quanto à entrega domiciliar e que não haveria ilegalidade no tocante à entrega de medicamento para pessoa diferente do paciente. Ressalta que “Ademais, a lista era elaborada pela Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, que também enviava os dados e documentos dos pacientes, logo, o apelante apenas entregava o que lhe era solicitado, não havendo nexo de causalidade entre a conduta dele e eventual dano causado. Se responsabilidade existe por listas falsas, falsificações, e desvio de medicamentos, não se pode imputá-las ao apelante, que apenas vendeu e entregou os produtos.”. Continua sua explanação afirmando que sua conduta se resumiu à comercialização de medicação solicitada pela Secretaria de Saúde e que a inicial não apontou desvio de medicamentos ou de dinheiro público. Disse, em prosseguimento, ter sido condenado como incurso no artigo 10, da Lei 8.429/92, sem qualquer enquadramento em uma das condutas previstas nos incisos I a XV, do citado dispositivo; sem ter havido prova de prejuízo ao erário público e que, no intuito de ajudar o município, não cobrou o percentual de 10% do valor das vendas que seriam de responsabilidade dos pacientes, repassando para Paulo Toniolo, à titulo de comissão, 20% (vinte por cento) da parte que lhe cabia legalmente, de modo a não se configurar prejuízo ao erário prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito. Alega, ainda, atipicidade da conduta, ausência de dolo ou má-fé e que eventual irregularidade não pode ser confundida com ato de improbidade. Requer, nesses termos, a improcedência da ação e o diferimento do recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno para momento oportuno, considerando a existência de movimento grevista à época.

MARCELO DA SILVEIRA SOUTO, nas fls. 1188/1199, por sua vez, insurge-se com relação à r. sentença, repisando exatamente a mesma argumentação das razões recursais já apresentadas pelo estabelecimento farmacêutico de sua propriedade.

Certidão de fls. 1200 atestou a tempestividade dos recursos apresentados.

O Ministério Público Federal ofertou contrarrazões nas fls. 1201/1214.

A União, por sua vez, quedou-se silente (fls. 1215).

Remetidos os autos a esta E. Corte, cuja distribuição ocorreu aos 29/11/2016 (fls. 1217), os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal que apresentou parecer nas fls. 1218/1228, onde opinou pelo desprovimento do recursos de apelação interpostos.

Despacho de fls. 1230/1231, aos 17/01/2017, determinou a regularização de recolhimento do preparo e do porte de remessa/retorno com relação aos corréus Everton Romanini Freire, Klediane Rosales Erédia, Nilce da Silva Costa Vacari, M.S. Souto EPP e Marcelo da Silveira Souto.

Recolhidos o preparo e a taxa de porte de remessa e retorno em dobro apenas pelos corréus Everton Romanini Freire, Klediane Rosales Erédia e Nilce da Silva Costa Vacari (fls. 1233/1246), sobreveio despacho de fls. 1248 e vº que, ao reconhecer a ocorrência da deserção, não conheceu das apelações apresentadas pelos corréus M.S. Souto EPP e Marcelo da Silveira Souto.

Digitalizado o processo físico junto ao sistema do PJE aos 25/09/2019, os presentes autos vieram para minha Relatoria a partir de 10/11/2020, em face de seu recebimento por sucessão do acervo antes pertencente ao Exmo. Des. Federal, Dr. Fábio Prieto, em razão de sua aposentação.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001290-76.2010.4.03.6112

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: LUCIANA VERONEZI VIEIRA, EVERTON ROMANINI FREIRE, KLEDIANE ROSALES EREDIA LOURENCETTI, NILCE DA SILVA COSTA VACARI, CASSIANA COTINI DO COUTO, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA, REIS ALVES & REIS ALVES LTDA, EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES, GUIMARAES E GUIMARAES FARMACIA LTDA - EPP, MARCELO DA SILVEIRA SOUTO

Advogado do(a) APELANTE: DIOGO FELICIANO - SP302748
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: LAERCIO LEANDRO DA SILVA - SP143034
Advogado do(a) APELANTE: ALINE LETICIA IGNACIO MOSCHETA - SP241408-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: IRIO JOSE DA SILVA - SP148683-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A
Advogado do(a) APELANTE: JOEL OLIVEIRA VIEIRA - SP334581-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):

Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela União Federal em face de 1) Everton Romanini Freire, 2) Reis Alves & Alves Lopes Ltda, 3) Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, 4) M.S. Souto EPP, 5) Cassiana Cotini do Couto, 6) Nilce da Silva Costa Vacari, 7) Klediane Rosales Erédia, 8) Luciana Veronezi, 9) Eduardo Rebuci dos Reis Alves e 10) Marcelo da Silveira Souto, visando à condenação dos requeridos pela prática de atos de improbidade administrativa, consoante previsão dos artigos 10  e 11 da Lei n.º 8.429/1992, aplicando-lhes sanções constantes do artigo 12 II e III da referida Lei, tudo decorrente de ações perpetradas em um esquema ilícito e fraudulento para obtenção irregular de medicamentos por meio do Programa Farmácia Popular.

Introdutoriamente, passo a tecer algumas considerações iniciais.

Improbidade administrativa pode ser definida, de forma singela, como a atuação do agente público (e do particular em desempenho de função estatal ou que se beneficie, por qualquer meio, do ato desonesto), dolosa e/ou culposa, que viole os critérios de honestidade/moralidade/lealdade/honradez dele esperados. Constitui-se em ilícito de caráter civil, com eventuais implicações de natureza penal e/ou administrativa.

O arcabouço legal para responsabilização dos agentes públicos ímprobos (e de eventuais terceiros) possui como matriz normativa o texto constitucional, em especial o artigo 37, § 4º, in verbis:

“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...)

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Para a concretização do previsto na Carta Magna, foi elaborada a Lei nº 8.429/92 que, além de definir, em seus artigos 1º a 4º, os agentes sujeitos a sancionamento, classificou em três espécies os atos de improbidade administrativa, em seus artigos 9º (que importam em enriquecimento ilícito), 10 (que causam lesão ao erário) e 11 (que atentam contra os princípios da administração pública), a saber, respectivamente:

“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”

.................................................................................................................................

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente;          (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)  

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;       (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.        (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;           (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)    

XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;           (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)    

VIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;           (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)    

XIX - frustrar a licitude de processo seletivo para celebração de parcerias da administração pública com entidades privadas ou dispensá-lo indevidamente;    (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)  

XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;       (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014, com a redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)

XX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;   (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)

XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.    (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014, com a redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)   

XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.   (Incluído pela Lei nº 13.019, de 2014)”

.................................................................................................................................

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.    (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)       (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)

IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.         (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)

X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.               (Incluído pela Lei nº 13.650, de 2018)”

Observa-se do texto legal que o legislador, na formulação do normativo em questão, buscou o emprego de diversos conceitos jurídicos abertos e/ou indeterminados, a fim de permitir o modelamento da situação fática aos mecanismos punitivos, com nítido objetivo de refrear que o mero formalismo pudesse acarretar em impunidade do agente. Importante consignar, outrossim, que as tipificações contidas na legislação em comento não são exaustivas, o que é inequívoco pelo que consta do vocábulo “notadamente”, constante do “caput” dos artigos supra mencionados.

No entanto, relevante anotar que o C. STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que, para o reconhecimento das tipificações das condutas dos réus, é necessária a demonstração de elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo, ainda que genérico, para as hipóteses dos artigos 9º e 11 e, no mínimo, em culpa, naquelas situações previstas no artigo 10.

As sanções correspondentes, por sua vez, estão definidas no artigo 12 da mesma Lei e não são, necessariamente, cumulativas; cabe ao julgador efetuar a dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

Confira-se a literalidade do texto legal:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:         (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).

I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.”

Pontuadas as observações iniciais, e antes de adentrar nas minúcias do caso em exame e, por fim, no mérito das insurgências apresentadas, passo a analisar a seara recursal, iniciando pela questão da submissão do feito (ou não) ao reexame de ofício, bem como apreciarei as questões prejudiciais de mérito, em diversos itens, conforme segue:

1 – DA REMESSA OFICIAL

De início, verifico a inaplicabilidade da sujeição do feito à remessa oficial, tal como bem registrado pela r. sentença vergastada, uma vez que o artigo 19 da Lei n.º 4.717/65, com a redação dada pela Lei nº 6.014/73, somente  determina o segundo grau obrigatório de jurisdição nas sentenças em julguem pela improcedência ou carência da ação, o que não se verificou no processado.

2 – DO AGRAVO RETIDO INTERPOSTO POR CASSIANA COTINI DO COUTO

Conheço do agravo retido juntado nas fls. 893/895, pois recebido pelo magistrado a quo e reiterada sua apreciação pela agravante em suas razões recursais, consoante exigido pelo artigo 523, caput, do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da interposição do recurso.

Compulsando os autos, verifico que a agravante se insurge em face do decidido por meio do r. despacho de fls. 890, que considerou precluso o pedido para oitivas (interrogatórios) dos réus, em especial o dela próprio e o do corréu Everton, e declarou encerrada a instrução, nos termos abaixo delineados:

“(...)

Indefiro o pedido de depoimento pessoal formulado pela corré Cassiana Cotini do Couto, às fls. 887/888.

Com efeito, infere-se da análise dos autos que em decisão anterior (fl. 633), foram as partes devidamente intimadas a especificarem as provas que pretendiam produzir, sob pena de preclusão, não tendo havido qualquer requerimento neste sentido por parte desta corré, sendo que, na ocasião, postulou tão somente pelo seu próprio depoimento pessoal (fls. 643/646), o qual foi implicitamente indeferido pela decisão de fl. 798 a qual deferiu tão somente a produção da prova testemunhal, não tendo a mesma sido objeto de qualquer impugnação, de modo que dou por preclusa a produção da prova pretendida.

Ademais, não há que se falar na produção da prova requerida nessa fase processual, uma vez que já encerrada a inquirição das testemunhas arroladas, sob pena de eventual prejuízo à própria prova oral já produzida nos autos, restando salientado que mencionado interesse deveria ter sido deduzido em momento oportuno.

No mais, declaro encerrada a instrução, haja vista a inexistência de outras provas a serem produzidas.

(...)”

No entanto, penso que tal insurgência não comporta acolhimento.

No caso em tela, observo que o Juízo a quo entendeu pela impertinência das oitivas dos réus, por considerar preclusa a oportunidade, uma vez que tal interesse deveria ter sido renovado em momento oportuno, ou seja, logo depois da prolação do despacho de fls. 798, ocasião em que foram deferidos, tão somente, os pedidos para oitivas das testemunhas arroladas.

Nesse ponto, oportuno verificar dos autos que, de fato, a prova requerida mostrou-se implicitamente indeferida, não havendo irresignação recursal da agravante no momento oportuno.

Vejamos:

O despacho de fls. 633 determinou às partes a manifestação expressa sobre as provas que pretendiam produzir, justificando-as no tocante à pertinência e necessidade, sob pena de preclusão. A agravante, em acolhimento à determinação judicial, solicitou, nas fls. 643/646, as oitivas de testemunhas e seu próprio depoimento pessoal, não fazendo alusão expressa e/ou justificada às oitivas e/ou interrogatórios de quaisquer outros corréus, de modo que não há que se falar em designar audiência para esse fim.

Por sua vez, o r. despacho de fls. 798, deferiu, tão somente, a produção de prova testemunhal, sendo certo que a manifestação seguinte da agravante se deu no sentido de indicar a qualificação de duas testemunhas e solicitar a desistência de outra, nada mencionando a respeito do não atendimento à sua solicitação anterior para proceder seu próprio depoimento pessoal.

Desse modo, inequívoco constatar a ausência de postulação expressa justificada, no momento oportuno, no sentido de serem ouvidos tanto os demais corréus como ela própria, configurando-se a preclusão da questão, como bem exposto pela r. decisão combatida.

Ademais, observe-se que, nos termos do art. 130 do CPC/73, vigente à época dos fatos, o juiz seria o destinatário da prova e poderia, em busca da apuração da verdade e da elucidação dos fatos, determinar a produção das provas necessárias e indeferir aquelas julgadas impertinentes, inúteis ou protelatórias, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

Nesse sentido:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. DILIGÊNCIA PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA. ANÁLISE E VALORAÇÃO DA PROVA PELO ÓRGÃO JULGADOR. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. AGRAVO IMPROVIDO. I - O Supremo Tribunal tem decidido no sentido de que o indeferimento de diligência probatória, tida por desnecessária pelo juízo a quo, não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. II - Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.”

(AI 789454 ED, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 01/02/2011, DJe-036 DIVULG 22-02-2011 PUBLIC 23-02-2011 EMENT VOL-02469-03 PP-00464)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA N. 7/STJ. NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO DA DEFESA EM SEU CONJUNTO. ART. 302, III, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. DISTRIBUIÇÃO ADEQUADA. RECEBIMENTO DE COTAS SEM RESSALVA. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO. ART. 322 DO CÓDIGO CIVIL (CORRESPONDENTE AO ART. 943 DO CÓDIGO DE 1916). NÃO INCIDÊNCIA NA ESPÉCIE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MATÉRIA PRECLUSA E NÃO PREQUESTIONADA.

(...)

3. Não implica cerceamento de defesa o indeferimento de produção de provas, visto que cabe ao magistrado, como destinatário da prova, decidir sobre o necessário à formação do próprio convencimento. O exame quanto à suficiência das provas apresentadas demanda revisão dos fatos, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.

(...)

8. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.”

(REsp 1211407/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 07/03/2014)

Note-se, nesse contexto, que a própria oitiva da agravante seria despicienda, pois sua versão dos fatos já consta das peças defensivas colacionadas no processado, aliado ao fato de que nem ela, e nem os demais corréus, possuem a obrigação de depor neste feito, uma vez que também são réus na esfera penal em razão dos mesmos fatos, estando desobrigados, portanto, a dizer a verdade e em produzir eventual prova que lhes pudesse ser desfavorável.

Sendo assim, nego provimento ao agravo retido, pois não restou configurado o cerceamento de defesa alegado, sob qualquer prisma em que se analise a questão.

3 – DAS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA APELANTE LUCIANA VERONEZI

3.1 - ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO Nº 014/2009 - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Alega a recorrente que o Procedimento Preparatório nº 014/2009, instaurado pelo Ministério Público Federal, trata-se de um processo administrativo que difere do Inquérito Civil, devendo ser aplicado a ele as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Postula, nesses termos, o reconhecimento de violação a tais princípios e sua ilegalidade, como o desentranhamento dos autos de todos os volumes do mencionado procedimento.

Razão não assiste à apelante.

Na esteira de pacífica jurisprudência, verifica-se que tanto o inquérito civil como os procedimentos preparatórios de natureza investigativa, de natureza pré-processual, instaurados pelo Ministério Público, não possuem caráter sancionador e são instrumentos meramente inquisitórios, cujo objetivo precípuo se resume na colheita de elementos para embasar, se for o caso, futura e eventual proposição judicial. Isso os diferencia dos processos administrativos propriamente ditos, e torna despicienda a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais deverão ser exercidos no curso de eventual ação a ser porventura proposta.  

Precedentes:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. PROGRAMA DE FORNECIMENTO DE LEITE A NECESSITADOS. MUNICÍPIO DE INAJÁ/PE. PRELIMINARES REJEITADAS. RECEBIMENTO DE PARTE DO LEITE NÃO COMPROVADO. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS DEVIDOS. DANO AO ERÁRIO. IMPROVIMENTO DO APELO. 1. Ação civil pública por ato de improbidade movida contra ex-Prefeito do Município de Inajá/PE, em razão de não ter sido feita a distribuição de parte do leite adquirido com verbas de programa federal. 2. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal, sendo desnecessário o prévio julgamento pelo Tribunal de Contas para ajuizamento da ação civil pública por atos de improbidade (Lei 8.429/92, art. 221, II). 3. Inocorrência de prescrição, tendo em vista que, a teor do disposto no art. 23 da Lei 8.429/92, as ações nela lastreadas podem ser intentadas até cinco anos depois de terminado o mandato eletivo. 4. Inexistência de nulidade em razão da inobservância do contraditório na fase investigativa interna ao Ministério Público Federal, a qual não precisa observar o contraditório e a ampla defesa, tratando-se de procedimento preparatório, de natureza inquisitorial. 5. Foi celebrado convênio entre o Município de Inajá/PE e o Ministério da Saúde, para distribuição de leite a pessoas desnutridas e gestantes sob risco nutricional, tendo sido constatado o não recebimento e distribuição da quantia de 4.250 quilos, apesar de pagos. 6. A isenção de custas e honorários advocatícios do Ministério Público não alcança o particular condenado em ação de improbidade. 7. Recurso que não ilidiu as provas de que houve desvio de recursos. 8. Apelo improvido.” (AC - Apelação Civel - 430987 2001.83.00.023247-0, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::27/02/2008 - Página::1623 - Nº::39.)(g.n.)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INICIAL. NÃO RECEBIMENTO. PREJUÍZO INEXISTENTE. INQUÉRITO CIVIL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA 1. A sentença condenou os réus pela prática de atos de improbidade a eventual perda da função pública; a pagar multa civil no valor de três vezes o dano causado; à suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; e à proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente pelo prazo de 10 (dez) anos, visto a inclusão, pela 1ª apelante, servidora aposentada do INSS, de dados falsos no sistema de informações da Previdência, relativos a vínculo empregatício supostamente mantido pelo 2º apelante com a empresa Conservadora Nacional LTDA, entre 1/7/1971 e 12/8/1975. 2. Embora suprimida a fase de recebimento da inicial, de cognição sumária, a sentença exauriu o conhecimento de mérito, não se revelando útil anular o julgado para retroceder o curso processual, visto o princípio pas de nullité sans grief, art. 244 do CPC, que autoriza a declaração de nulidade apenas quando resultar prejuízo, aqui não antevisto. 3. O inquérito civil, preparatório e inquisitorial, não comporta contraditório e ampla defesa, e mesmo a ausência de Portaria de instauração e relatório final o tornam nulo, pois o procedimento não é condição de procedibilidade para o ajuizamento de ações de titularidade do Ministério Público. Fosse pouco, eventual irregularidade na fase pré-processual, tampouco enseja nulidade da ação civil pública, se garantidos o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório no âmbito judicial. 4. Demais disso, não conduz à nulidade a falta de publicação dos nomes dos patronos, art. 236, §1º, do CPC, que mesmo não intimados tiveram ciência da sentença apelando tempestivamente. 5. A prescrição quinquenal das ações de improbidade administrativa não alcança a pretensão de ressarcimento ao erário, imprescritível, e o prazo prescricional em face do terceiro que induz ou concorre para a prática do ato ímprobo, ou dele se beneficia, de forma direta ou indireta, é o mesmo aplicável ao agente público que realizou a conduta ímproba, art. 3º da LIA. Precedentes. 6. O prazo prescricional de cinco anos é o da Lei nº 8.112/90, como manda o art. 23, II, da Lei nº 8.429/1992, c/c art. 142, I da Lei 8.112/1990, iniciando-se a sua contagem do conhecimento do fato; não decorreu o quinquênio se, proposta a ação em 4/5/2012, os fatos tornaram-se conhecidos em 2011. 7. As instâncias administrativa, cível e penal são independentes , mas a Corte Superior de Justiça 1 proclamou que "a Lei nº 8.492/92 visa resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento". 8. A LIA deve ser aplicada na sua justa finalidade, para garantir o bem jurídico que visa proteger. Uma interpretação larga pode ser profundamente negativa, pelo risco de vulgarizar os bons propósitos da lei tal como sucedeu com o habeas corpus e o mandado de segurança, a tal ponto que hoje não se pode distinguir quando são irrecusáveis de outros que são oportunistas e inconsequentes. 9. As razões do parquet federal estão longe de empalidecer as conclusões do processo administrativo que eximiu a servidora da prática de irregularidades. A fraude foi providenciada por terceiros, que providenciaram a inserção de vínculos fictícios no sistema CNIS, e registros falsos em carteiras de trabalho, para obter benefícios indevidos. Os servidores, à falta de normatização clara sobre a matéria, foram induzidos a erro, pois não detinham conhecimento para detectar a fraude, e por isso foram isentos de punição. 10. As conclusões administrativas são taxativas quanto à fraude de terceiros e falta de normatização interna, ambos os fatos induzindo a erro diversos servidores na concessão de benefícios irregulares, entre eles o do 2º Apelante, em 2004, destacando a boa-fé da servidora que juntou ao processo administrativo cópia da CTPS constando o vínculo questionado, por simples cuidado, visto inexistir norma exigindo tal providência. 11. É provável que o vínculo empregatício em questão tenha existido. O 2º apelante tentou comprová-lo em juízo, mas a sentença previdenciária, ainda não transitada em julgado, concluiu não ser possível afirmar nem negar o vínculo com a apontada empregadora, de 1971 a 1975, por insuficiência de provas, por estar ilegível a carteira de trabalho, e os documentos da empresa, extraviados. Reconheceu, nada obstante, em benefício do 2° apelante, a aposentadoria por tempo de contribuição, "com data de início do benefício (DIB) em 11/11/2011, tempo de serviço de 34 anos, 4 meses e 28 dias, coeficiente de cálculo de 80% e renda mensal inicial (RMI) calculada na forma da Lei 9876/99. 12. Apelações providas.” (AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0006109-41.2012.4.02.5101, NIZETE LOBATO CARMO, TRF2 - 6ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)(g.n)

3.2 - DA ILEGITIMIDADE PASSIVA

Sustenta a apelante não ser parte legítima para figurar no pólo passivo, já que não teria praticado qualquer ato que se amoldaria aos atos de improbidade administrativa. Ressalva, ainda, que quando ingressou no serviço público, já estariam em curso as transações havidas entre a municipalidade e os estabelecimentos farmacêuticos, o que reforçaria a tese de seu desconhecimento quanto ao que estava ocorrendo. Aduz, ainda, que nunca teve ciência ou conhecimento do que eventualmente tenha assinado e que, se o fez, agiu sem dolo ou culpa.

Nesse ponto, entendo também pelo afastamento desta preliminar, uma vez que o ato atribuído à apelante na exordial, escorado em diversos elementos de prova, indicaria sua participação efetiva na consecução do ato reprovável, uma vez que as falsificações de assinaturas que lhe foram atribuídas seriam suficientes para a burla e posterior concretização da transação comercial inidônea, simulando regularidade no procedimento que não existia, sendo irrelevante o fato de que as vendas fictícias já estariam em curso por ocasião de seu ingresso no serviço público municipal. A configuração da atitude delitiva e sua comprovação, com eventual dolo ou culpa, por sua vez, são questões de mérito, a serem delineadas no momento oportuno.

Nesse sentido:  

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CALCADA NOS ARTIGOS 37, § 5º, DA CF, E 10, INCS. I, XI E XII, DA LEI Nº 8.429/92. DESVIO DE VERBAS LIBERADAS PELO INCRA, POR MEIO DO PROCERA, PARA IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. CONDUTAS ÍMPROBAS E RESPECTIVO DOLO COMPROVADAS PELO FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO DOS APELANTES MANTIDA. A LIQUIDAÇÃO DO DÉBITO DEVE SER REALIZADA EXCLUSIVAMENTE COM O EMPREGO DA SELIC, OBSERVANDO-SE A RESOLUÇÃO 267/CJF. 1. Apelações interpostas por Miguel Moyses Abeche Neto e João Teixeira de Lima contra a sentença de procedência da ação civil pública derivada de ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, calcada nos artigos 37, §5º, da Constituição Federal e 10, incs. I, XI e XII, da Lei nº 8.429/92. 2. Trata-se de desvio de verbas públicas liberadas pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (INCRA), por meio do Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária (PROCERA), em 28/11/1996, à Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, em Martinópolis/SP, para a implantação de sistema de eletrificação rural no Projeto de Assentamento (PA) Chico Castro Alves. 3. Concorreram para o ato improbo o "captador de obras" Nivaldo Félix de Oliveira e o empresário Norival Raphael da Silva Júnior (proprietário da CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda), com o auxílio do presidente da cooperativa João Batista Anselmo de Souza, do funcionário aposentado do INCRA, João Teixeira de Lima, e do superintendente do INCRA em São Paulo, à época, Miguel Moyses Abeche Neto. 3. Afastada a preliminar de ilegitimidade ad causam arguida por João Teixeira de Lima. A inicial, amparada em farta prova documental, descreve com detalhes a conduta atribuída ao apelante em relação aos fatos objeto dessa ação civil pública, o que basta para justificar a sua propositura e frustrar a tese de ilegitimidade passiva, calcada - saliente-se - em elementos diretamente relacionados à discussão de mérito. 4. Inépcia da inicial não configurada. A petição inicial descreveu suficientemente os fatos e contém causa petendi e petitum perfeitamente adequados, sendo que permitiu aos réus o exercício de ampla defesa. 5. Inocorrência de prescrição. Desde a sua proposição essa ação civil pública pretende o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, o que é imprescritível, conforme artigo 37, §5º, da Constituição Federal (STJ - REsp 1528444/DF, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 18/6/2015, DJe 29/6/2015). 6. No mérito, a tese defensiva de que João Teixeira de Lima visitava o PA Chico Castro Alves desinteressadamente, apenas por simpatia aos movimentos sociais, não encontra a menor guarida nos autos. Muito pelo contrário, o amplo acervo provatório deixou claro que João Teixeira de Lima aderiu à urdidura montada pelos corréus, procurando os assentados em nome do INCRA para "tranquiliza-los" quanto à implantação do sistema de eletrificação rural. O convencimento dos assentados era parte fundamental para a obtenção dos recursos públicos, pois a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves - criada após a assinatura do contrato com a CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda e às custas dessa empresa - pleitearia junto ao PROCERA o valor máximo disponível para cada assentado/cooperado, que correspondia a R$ 7.500,00. Como apenas 76 dos 87 assentados/cooperados foram qualificados pelo Banco do Brasil S/A, o valor do contrato foi reduzido de R$ 652.000,00 para R$ 570.000,00, com a pronta concordância da CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda, evidenciando o superfaturamento da obra. 7. A prova irretorquível aponta sem rebuços para o comportamento doloso de João Teixeira de Lima, que de simpatizante de causas sociais nada tinha, tratando-se de indivíduo envolvido em "golpe" destinado a subtrair recursos públicos. É evidente que trabalhou intencionalmente junto aos corréus para a liberação da verba pública vergonhosamente desviada, sendo de rigor a manutenção da sua condenação. 8. O outro apelante, Miguel Moyses Abeche Neto, que ocupou o cargo de Superintende do INCRA em São Paulo até 17/9/1996, é réu nessa ação civil pública por ter interferido em 5/9/1996 na reunião da Comissão Estadual do PROCERA em favor da proposta de financiamento para a implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves. Miguel Moyses Abeche Neto, em 5/9/1996, substituiu a representação do INCRA na Comissão Estadual do PROCERA, que por determinação regimental detinha a presidência das reuniões. No decorrer da sessão, imiscuiu-se na discussão para forçar a aprovação do financiamento para a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, que era totalmente eivado de irregularidades desde a sua concepção. O propósito do apelante restou alcançado em parte, pois a liberação dos recursos ficou condicionada a apresentação de documentação complementar. É o que consta nas atas da Comissão Estadual do PROCERA de 5/9/1996, 16/9/1996 e 1/10/1996. O "fato" provocado pela ação dolosa de Miguel Moyses Abeche Neto em 5/9/1996 seguiu seu curso sem qualquer impedimento, apesar dos diversos setores envolvidos na deliberação do mesmo que se mantiverem em conveniente silêncio quanto a irregularidades. 9. Não impressiona a decisão do Tribunal de Contas da União favorável a Miguel Moyses Abeche Neto, tomada nos idos de 2010 nos autos do processo 020.740/2005-2, isentando-o de "abuso de poder", diante da robusta prova da participação essencial do réu nos fatos que resultaram no avanço sobre dinheiro público. Nesse amplo cenário probatório não há como isentá-lo de responsabilidade, ainda mais que a suposta parcialidade da testemunha Tânia em momento algum restou demonstrada. 10. Acolhido o pleito de Miguel Moyses Abeche Neto apenas para que a liquidação do débito seja feita exclusivamente com o emprego da SELIC, observando-se a Resolução 267/CJF.  (APELAÇÃO CÍVEL - 1840812 ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 0006576-11.2005.4.03.6112 ..PROCESSO_ANTIGO: 200561120065768 ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO: 2005.61.12.006576-8, ..RELATORC:, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/04/2016 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.)(g.n)

3.3 - DA INÉPCIA DA INICIAL

Na peça recursal, sustenta a apelante que a peça inaugural seria inepta em razão de ser extensa e confusa, pois teria trazido inúmeros fatos e condutas atribuídas a várias pessoas, sem se ater em relação à devida individualização e não indicando a real participação da acusada no esquema fraudulento.

No entanto, observo que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é assente com o entendimento que, nas ações por improbidade administrativa, o requerido defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial, bastando que a descrição dos fatos tidos por ímprobos esteja relacionada às hipóteses legais trazidas pela legislação de regência e aos atos supostamente praticados pela pessoa da acusada.

Ademais, observo que os autores, apesar da extensa narrativa, lograram êxito em individualizar e indicar sua participação no esquema perpetrado, consistente na falsificação de assinaturas nos cupons de venda de medicamentos, fazendo-se passar pelos supostos pacientes, com o intuito de fraudar as normas e diretrizes do Programa Farmácia, possibilitando a simulação do atendimento das regras prescritas no referido programa para fins de aquisição irregular de medicamentos. Desse modo, rejeito, igualmente, esta preliminar.

Nesse sentido:        

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO. INOCORRÊNCIA. APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPASSE DE VERBAS FEDERAIS. CONVÊNIO Nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB Nº 09-148/2002), FIRMADO COM A UNIÃO, POR INTERMÉDIO DA COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. RESPONSABILIDADE DA FUNCIONÁRIA PÚBLICA ESTADUAL, PERTENCENTE AOS QUADROS DA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP). APLICAÇÃO DO ART. 11,VI, DA LEI Nº 8.429/92. ATO DE IMPROBIDADE CARACTERIZADO. SANÇÕES DO ART. 12, III, DA LEI DE IMPROBIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. RECURSO IMPROVIDO.

- O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação em face da apelante que, como funcionária pública estadual, pertencente aos quadros da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Jaboticabal, descumpriu a legislação vigente durante a execução do convênio nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB nº 09-148/2002), firmado com a União, por intermédio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Consta que, no primeiro bimestre de 2003, firmou Termo de Concessão de Auxílio Financeiro (SAUX) com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), dentro do Programa CAPES/COFECUB, recebendo o valor de R$ 18.500,00 para ser utilizado no período de 25/02/2003 a 31/12/2003, no qual desenvolveria o plano de trabalho apresentado e aprovado. Assevera o parquet federal que a quantia foi depositada em uma única parcela em conta corrente aberta no nome da requerida junto ao Banco do Brasil, e o prazo para a respectiva prestação de contas, previsto no Termo de Compromisso assinado, bem como o Manual de Concessão e Prestação de Contas de Auxílio Financeiro a Pesquisador, era de 30 (trinta) dias após o vencimento do prazo previsto para a aplicação do recurso concedido, ou seja, até 31/01/2004. Esclarece, ainda, que mesmo notificada por meio do Ofício Circular nº 515-27/2010/CPCC/CGOF/DGES/CAPES, não apresentou a prestação de contas em causa, a fim de comprovar o regular emprego dos aludidos recursos, deixando transcorrer in albis os prazos concedidos.

- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

- Inépcia da inicial não caracterizada. O Ministério Público Federal descreveu os fatos da causa, apontou os atos de improbidade que teriam sido praticados pela ré, relacionou as possíveis sanções a que estaria sujeita e requereu a aplicação, pelo Juízo, das penalidades cabíveis no caso concreto.

- Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, no uso de suas atribuições, deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da prova. Ademais, os documentos que instruem a inicial são suficientes para demonstrar fatos apontados na inicial.

- No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da prescritibilidade é a regra; a imprescritibilidade constitui exceção. E não é sem razão, pois a prescrição objetiva a segurança e a estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, não podendo o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder que o Estado possui no que diz respeito à revisão de seus atos. Entretanto, a Constituição Federal cuidou de excepcionar, no art. 37 § 5º as ações de ressarcimento por atos de improbidade administrativa do rol de ações prescritíveis.

- O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato doloso de improbidade administrativa. A decisão foi tomada, no dia 08/08/2018, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 852475, com repercussão geral reconhecida.

- Constitui ato de improbidade administrativa a conduta, comissiva ou omissiva, que contraria princípios da Administração Pública, em desconformidade com os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, na forma do art. 11, da Lei 8.429/92.

- No caso do art. 11, da Lei nº 8.429/92, o pressuposto essencial para configuração do ato de improbidade é a violação aos princípios da Administração Pública, independente do enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário. A violação aos princípios deve ser conjugada com a comprovação do dolo do agente e o nexo de causalidade entre ação/omissão e a respectiva ofensa ao princípio aplicável à Administração.

- Após análise do conjunto probatório, ficou comprovada a irregularidade na prestação de contas por funcionária pública estadual durante a execução do convênio nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB nº 09-148/2002) firmado com a União.

- Sentença que reconheceu a prescrição relativa às sanções previstas no art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/92, e condenou a apelante a ressarcir o erário público ante a prática de ato de improbidade administrativa decorrente da ausência de prestação de contas deve ser mantida.

- Remessa oficial, tida por interposta, Agravo retido e apelação não providos. (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1949595 - 0004005-87.2011.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 16/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/05/2019)(g.n.)

3.4 - DA OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA DE ORDEM NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL

Quanto à última preliminar, sustenta a acusada que, caso haja provas de que a apelante assinou ou preencheu fraudulentamente quaisquer documentos, isso teria se dado em cumprimento de ordem hierárquica não manifestamente ilegal. Aduz, nesse sentido, que a ordem do agente superior não teria se manifestado claramente nesse sentido, não tendo a apelante a faculdade de deixar de cumpri-la, sob pena de ser punida disciplinarmente. Alega, outrossim, não possuir conhecimento específico da área onde estava atuando, já que fora aprovada em concurso público para “serviços gerais” e não para “auxiliar de farmácia”, o que dificultaria a análise da ilegalidade das ordens emanadas pelo superior hierárquico. Termina sua explanação afirmando que, caso tenha preenchido ou assinado qualquer documento o fez sem dolo, culpa ou qualquer tipo de má-fé, tendo apenas obedecido às ordens de seu superior.

Esta preliminar, por fim, também não merece acolhimento, na medida em que a recorrente, servidora pública concursada à época, certamente possuía o discernimento necessário para compreender que a conduta que lhe foi apontada, de apor assinaturas em determinados documentos, simulando ser outra pessoa que não a própria signatária, não pode ser enquadrada como mero cumprimento de dever funcional e trata-se, em realidade, de atitude que se amolda e está tipificada, inclusive, na seara penal, de forma a concluir que o descumprimento a este tipo de “ordem” não seria apenas um direito da apelante, mas sim um verdadeiro dever.

Precedente:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS. SAQUE DE VALORES DEPOSITADOS NA CONTA DO CONVÊNIO PELO EX-PREFEITO E EX-TESOUREIRO DO MUNICÍPIO. ORDEM MANIFESTAMENTE ILEGAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A prescrição na ação de improbidade conta-se da data da cessação do vínculo do gestor com a Administração Pública, nos termos do art. 23, I, da Lei 8.429/92. Tendo o mandato do ex-prefeito findado em 31/12/2000 e proposta a ação de improbidade em 28/09/2004, não há falar em ocorrência de prescrição. 2. O saque de valores da conta do convênio na "boca do caixa" através de cheques nominais aos próprios emitentes, gestores do município, sem qualquer comprovação da aplicação dos valores no objeto conveniado, constitui irregularidade grave que importou em lesão aos cofres públicos. 3. Hierarquia existente entre o prefeito e o ex-tesoureiro do município não justifica nem obriga o cumprimento de ordem manifestamente ilegal. 4. A participação no ato de improbidade de valores sacados indevidamente e que causou lesão ao erário da ordem de R$ 30.000,00, autoriza a manutenção da condenação por ato de improbidade (art. 10 da Lei 9.429/92), ainda que se comprove que o agente não se apropriou da quantia. 5. Apelação desprovida."
(AC 0005867-95.2004.4.01.4000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS OLAVO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 10/06/2011 PAG 115.) (g.n.)

4. DAS PRELIMINARES ARGUIDAS PELA APELANTE CASSIANA COTINI DO COUTO

4.1- NULIDADE DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL

Diz a apelante que restou configurada a nulidade da instrução processual, alegando cerceamento de defesa em razão de não lhe ter sido oportunizada sua própria oitiva e do corréu Everton, bem como também não teria sido suspenso o andamento processual requerido, o que teria agravado o cerceamento apontado.

Quanto à questão do cerceamento de defesa apontado em relação à ausência de depoimento pessoal dos corréus, reporto-me ao já decidido na apreciação do agravo retido interposto pela recorrente, efetuada no item 2 acima.

Melhor sorte não assiste à recorrente no tocante ao pedido de suspensão do processo para se aguardar o desfecho da ação penal correspondente, efetuado por meio da petição colacionada aos autos nas fls. 896/897, devendo ser afastada a preliminar arguida, porquanto o artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 estabelece, taxativamente, a independência das instâncias punitivas:

“Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (...)"

Assim, mesmo que se possa aduzir acerca da prevalência das decisões tomadas na esfera penal (em situações específicas), verifico que o C. STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que o resultado da demanda civil somente deverá seguir o decidido na seara penal nos casos em que restar provada a inexistência do fato ou quando o réu não tenha concorrido, de qualquer modo, para a prática da infração penal, situações essas que não foram, nem sequer, vislumbradas pelo nobre julgador em análise perfunctória, de modo a permitir o regular andamento processual.

Precedente:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL DECORRENTE DE DANOS PROVOCADOS AO MEIO AMBIENTE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA.

(...)

2. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firme e consolidada no sentido de que a responsabilidade civil é independente da criminal, não interferindo no andamento da ação de reparação de danos que tramita no juízo cível eventual absolvição por sentença criminal. Assim, devido à relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo criminal somente vincula o cível quando reconhecida a inexistência do fato ou declarada a negativa de autoria, o que não é o caso dos autos. Nesse sentido: AgRg no AREsp 293.036/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 11.6.2015; AgRg no AREsp 749.755/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe 10.12.2015; AgRg no REsp 1.287.013/PI, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 22.3.2012; REsp 860.591/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 4.5.2010.

(...)

(REsp 1407649/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/04/2016, DJe 27/05/2016)(g.n)

4.2 – ILEGITIMIDADE DE PARTE

Alega a apelante ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente demanda por não ter praticado qualquer ato de improbidade ou participado de esquema de corrupção. Nesse sentido, afirma que foi envolvida inocentemente por seu superior hierárquico, desconhecendo qualquer fraude no programa Farmácia Popular. Ressalta não haver provas que comprovem, indubitavelmente, que a apelante teria participado do esquema de corrupção observado no processado e que as únicas provas que militariam em seu desfavor seriam aquelas produzidas no âmbito do Inquérito Civil, ou seja, fora do âmbito do contraditório. 

Nesse ponto, entendo também pelo afastamento desta preliminar, uma vez que o ato atribuído à apelante na exordial, escorado em diversos elementos de prova, indicaria sua participação efetiva na consecução do ato reprovável, uma vez que as falsificações de assinaturas que lhe foram atribuídas se mostraram suficientes para a burla e posterior concretização da transação comercial inidônea, simulando regularidade no procedimento que não existia. Seu eventual conhecimento acerca do esquema delituoso e a apreciação valorativa das provas produzidas em primeiro grau são questões de mérito, a serem delineadas no momento oportuno.

Nesse sentido:  

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, CALCADA NOS ARTIGOS 37, § 5º, DA CF, E 10, INCS. I, XI E XII, DA LEI Nº 8.429/92. DESVIO DE VERBAS LIBERADAS PELO INCRA, POR MEIO DO PROCERA, PARA IMPLANTAÇÃO DE SISTEMA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. CONDUTAS ÍMPROBAS E RESPECTIVO DOLO COMPROVADAS PELO FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONDENAÇÃO DOS APELANTES MANTIDA. A LIQUIDAÇÃO DO DÉBITO DEVE SER REALIZADA EXCLUSIVAMENTE COM O EMPREGO DA SELIC, OBSERVANDO-SE A RESOLUÇÃO 267/CJF. 1. Apelações interpostas por Miguel Moyses Abeche Neto e João Teixeira de Lima contra a sentença de procedência da ação civil pública derivada de ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, calcada nos artigos 37, §5º, da Constituição Federal e 10, incs. I, XI e XII, da Lei nº 8.429/92. 2. Trata-se de desvio de verbas públicas liberadas pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (INCRA), por meio do Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária (PROCERA), em 28/11/1996, à Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, em Martinópolis/SP, para a implantação de sistema de eletrificação rural no Projeto de Assentamento (PA) Chico Castro Alves. 3. Concorreram para o ato improbo o "captador de obras" Nivaldo Félix de Oliveira e o empresário Norival Raphael da Silva Júnior (proprietário da CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda), com o auxílio do presidente da cooperativa João Batista Anselmo de Souza, do funcionário aposentado do INCRA, João Teixeira de Lima, e do superintendente do INCRA em São Paulo, à época, Miguel Moyses Abeche Neto. 3. Afastada a preliminar de ilegitimidade ad causam arguida por João Teixeira de Lima. A inicial, amparada em farta prova documental, descreve com detalhes a conduta atribuída ao apelante em relação aos fatos objeto dessa ação civil pública, o que basta para justificar a sua propositura e frustrar a tese de ilegitimidade passiva, calcada - saliente-se - em elementos diretamente relacionados à discussão de mérito. 4. Inépcia da inicial não configurada. A petição inicial descreveu suficientemente os fatos e contém causa petendi e petitum perfeitamente adequados, sendo que permitiu aos réus o exercício de ampla defesa. 5. Inocorrência de prescrição. Desde a sua proposição essa ação civil pública pretende o ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, o que é imprescritível, conforme artigo 37, §5º, da Constituição Federal (STJ - REsp 1528444/DF, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 18/6/2015, DJe 29/6/2015). 6. No mérito, a tese defensiva de que João Teixeira de Lima visitava o PA Chico Castro Alves desinteressadamente, apenas por simpatia aos movimentos sociais, não encontra a menor guarida nos autos. Muito pelo contrário, o amplo acervo provatório deixou claro que João Teixeira de Lima aderiu à urdidura montada pelos corréus, procurando os assentados em nome do INCRA para "tranquiliza-los" quanto à implantação do sistema de eletrificação rural. O convencimento dos assentados era parte fundamental para a obtenção dos recursos públicos, pois a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves - criada após a assinatura do contrato com a CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda e às custas dessa empresa - pleitearia junto ao PROCERA o valor máximo disponível para cada assentado/cooperado, que correspondia a R$ 7.500,00. Como apenas 76 dos 87 assentados/cooperados foram qualificados pelo Banco do Brasil S/A, o valor do contrato foi reduzido de R$ 652.000,00 para R$ 570.000,00, com a pronta concordância da CIAL - Comércio de Implementos Agrícolas Linense Ltda, evidenciando o superfaturamento da obra. 7. A prova irretorquível aponta sem rebuços para o comportamento doloso de João Teixeira de Lima, que de simpatizante de causas sociais nada tinha, tratando-se de indivíduo envolvido em "golpe" destinado a subtrair recursos públicos. É evidente que trabalhou intencionalmente junto aos corréus para a liberação da verba pública vergonhosamente desviada, sendo de rigor a manutenção da sua condenação. 8. O outro apelante, Miguel Moyses Abeche Neto, que ocupou o cargo de Superintende do INCRA em São Paulo até 17/9/1996, é réu nessa ação civil pública por ter interferido em 5/9/1996 na reunião da Comissão Estadual do PROCERA em favor da proposta de financiamento para a implantação do sistema de eletrificação rural no PA Chico Castro Alves. Miguel Moyses Abeche Neto, em 5/9/1996, substituiu a representação do INCRA na Comissão Estadual do PROCERA, que por determinação regimental detinha a presidência das reuniões. No decorrer da sessão, imiscuiu-se na discussão para forçar a aprovação do financiamento para a Cooperativa dos Pequenos Produtores Chico Castro Alves, que era totalmente eivado de irregularidades desde a sua concepção. O propósito do apelante restou alcançado em parte, pois a liberação dos recursos ficou condicionada a apresentação de documentação complementar. É o que consta nas atas da Comissão Estadual do PROCERA de 5/9/1996, 16/9/1996 e 1/10/1996. O "fato" provocado pela ação dolosa de Miguel Moyses Abeche Neto em 5/9/1996 seguiu seu curso sem qualquer impedimento, apesar dos diversos setores envolvidos na deliberação do mesmo que se mantiverem em conveniente silêncio quanto a irregularidades. 9. Não impressiona a decisão do Tribunal de Contas da União favorável a Miguel Moyses Abeche Neto, tomada nos idos de 2010 nos autos do processo 020.740/2005-2, isentando-o de "abuso de poder", diante da robusta prova da participação essencial do réu nos fatos que resultaram no avanço sobre dinheiro público. Nesse amplo cenário probatório não há como isentá-lo de responsabilidade, ainda mais que a suposta parcialidade da testemunha Tânia em momento algum restou demonstrada. 10. Acolhido o pleito de Miguel Moyses Abeche Neto apenas para que a liquidação do débito seja feita exclusivamente com o emprego da SELIC, observando-se a Resolução 267/CJF.  (APELAÇÃO CÍVEL - 1840812 ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 0006576-11.2005.4.03.6112 ..PROCESSO_ANTIGO: 200561120065768 ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO: 2005.61.12.006576-8, ..RELATORC:, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/04/2016 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:.) (g.n)

4.3 – INÉPCIA DA INICIAL

Repisa a apelante, na peça recursal, que a exordial seria inepta, uma vez que, da narração dos fatos, não decorre uma conclusão lógica. Aduz, também, que a inaugural seria extensa e complexa, não narrando os fatos praticados pela apelante, afirmando, apenas, que ela teria auxiliado Everton ao falsificar a assinatura nos cupons fiscais, sem pormenorizar ou detalhar de que forma ela teria participado do esquema fraudulento.

No entanto, razão não lhe assiste, pois, apesar da extensa narrativa, entendo que os autores lograram êxito em individualizar e indicar sua participação no esquema perpetrado, consistente na falsificação de assinaturas nos cupons de venda de medicamentos, fazendo-se passar pelos supostos pacientes, com o intuito de fraudar as normas e diretrizes do Programa Farmácia, possibilitando a simulação do atendimento das regras prescritas no referido programa para fins de aquisição irregular de medicamentos.

Ademais, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é assente com o entendimento que, nas ações por improbidade administrativa, o requerido defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial, bastando que a descrição dos fatos tidos por ímprobos esteja relacionada às hipóteses legais trazidas pela legislação de regência e aos atos supostamente praticados pela pessoa da acusada.

Desse modo, esta preliminar também deve ser rejeitada.

Nesse sentido:        

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO. INOCORRÊNCIA. APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPASSE DE VERBAS FEDERAIS. CONVÊNIO Nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB Nº 09-148/2002), FIRMADO COM A UNIÃO, POR INTERMÉDIO DA COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR (CAPES). AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. RESPONSABILIDADE DA FUNCIONÁRIA PÚBLICA ESTADUAL, PERTENCENTE AOS QUADROS DA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP). APLICAÇÃO DO ART. 11,VI, DA LEI Nº 8.429/92. ATO DE IMPROBIDADE CARACTERIZADO. SANÇÕES DO ART. 12, III, DA LEI DE IMPROBIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. RECURSO IMPROVIDO.

- O Ministério Público Federal ajuizou a presente ação em face da apelante que, como funcionária pública estadual, pertencente aos quadros da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Jaboticabal, descumpriu a legislação vigente durante a execução do convênio nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB nº 09-148/2002), firmado com a União, por intermédio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Consta que, no primeiro bimestre de 2003, firmou Termo de Concessão de Auxílio Financeiro (SAUX) com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), dentro do Programa CAPES/COFECUB, recebendo o valor de R$ 18.500,00 para ser utilizado no período de 25/02/2003 a 31/12/2003, no qual desenvolveria o plano de trabalho apresentado e aprovado. Assevera o parquet federal que a quantia foi depositada em uma única parcela em conta corrente aberta no nome da requerida junto ao Banco do Brasil, e o prazo para a respectiva prestação de contas, previsto no Termo de Compromisso assinado, bem como o Manual de Concessão e Prestação de Contas de Auxílio Financeiro a Pesquisador, era de 30 (trinta) dias após o vencimento do prazo previsto para a aplicação do recurso concedido, ou seja, até 31/01/2004. Esclarece, ainda, que mesmo notificada por meio do Ofício Circular nº 515-27/2010/CPCC/CGOF/DGES/CAPES, não apresentou a prestação de contas em causa, a fim de comprovar o regular emprego dos aludidos recursos, deixando transcorrer in albis os prazos concedidos.

- Embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

- Inépcia da inicial não caracterizada. O Ministério Público Federal descreveu os fatos da causa, apontou os atos de improbidade que teriam sido praticados pela ré, relacionou as possíveis sanções a que estaria sujeita e requereu a aplicação, pelo Juízo, das penalidades cabíveis no caso concreto.

- Quanto ao cerceamento de defesa, o magistrado, no uso de suas atribuições, deverá estabelecer a produção de provas que sejam importantes e necessárias ao deslinde da causa, é dizer, diante do caso concreto, deverá proceder à instrução probatória somente se ficar convencido da prestabilidade da prova. Ademais, os documentos que instruem a inicial são suficientes para demonstrar fatos apontados na inicial.

- No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da prescritibilidade é a regra; a imprescritibilidade constitui exceção. E não é sem razão, pois a prescrição objetiva a segurança e a estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, não podendo o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder que o Estado possui no que diz respeito à revisão de seus atos. Entretanto, a Constituição Federal cuidou de excepcionar, no art. 37 § 5º as ações de ressarcimento por atos de improbidade administrativa do rol de ações prescritíveis.

- O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato doloso de improbidade administrativa. A decisão foi tomada, no dia 08/08/2018, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 852475, com repercussão geral reconhecida.

- Constitui ato de improbidade administrativa a conduta, comissiva ou omissiva, que contraria princípios da Administração Pública, em desconformidade com os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, na forma do art. 11, da Lei 8.429/92.

- No caso do art. 11, da Lei nº 8.429/92, o pressuposto essencial para configuração do ato de improbidade é a violação aos princípios da Administração Pública, independente do enriquecimento ilícito ou de lesão ao erário. A violação aos princípios deve ser conjugada com a comprovação do dolo do agente e o nexo de causalidade entre ação/omissão e a respectiva ofensa ao princípio aplicável à Administração.

- Após análise do conjunto probatório, ficou comprovada a irregularidade na prestação de contas por funcionária pública estadual durante a execução do convênio nº 450538 (SAUX-CAPES/COFECUB nº 09-148/2002) firmado com a União.

- Sentença que reconheceu a prescrição relativa às sanções previstas no art. 12, II e III, da Lei nº 8.429/92, e condenou a apelante a ressarcir o erário público ante a prática de ato de improbidade administrativa decorrente da ausência de prestação de contas deve ser mantida.

- Remessa oficial, tida por interposta, Agravo retido e apelação não providos. (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1949595 - 0004005-87.2011.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 16/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/05/2019)(g.n.)

4.4 – DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

Com relação a esta preliminar, a apelada afirma que os apelados não apresentaram interesse processual, na medida em que a insurgente não teria participado de qualquer esquema fraudulento ou se envolvido em um esquema de corrupção.

No caso vertente, no entanto, não há que se falar em ausência de interesse processual, porquanto se verifica dos autos a existência de indícios suficientes a vislumbrar a eventual da prática de atos ímprobos, de modo a tornar nítido o interesse processual dos autores. Consigne-se, nesse ponto, que a atuação do representante ministerial encontra respaldo no disposto no artigo 129 da Constituição Federal e, de ambos os autores, no disposto no artigo 17, caput, da Lei nº 8.429/1992.

A eventual participação da autora no esquema fraudulento, como dito alhures, é tema de mérito e com ele será analisado, oportunamente.

Rejeito, assim, a presente preliminar.

4.5 – DAS ALEGADAS ILICITUDE DAS PROVAS PRODUZIDAS NO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO, COM VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO

Quanto a esta última preliminar, destaca a apelante que as provas produzidas no Procedimento Preparatório nº 14/2009 violaram o princípio do contraditório e, também, o princípio da não auto-incriminação, tendo o mesmo ocorrido com relação às provas emprestadas trazidas aos autos.

Nesse passo, aduz que a confissão efetuada no procedimento de investigação possui caráter extrajudicial e não pode servir como “baliza” para uma sentença condenatória, afirmando, ainda, que foi “obrigada” a doar material grafotécnico para realização de prova pericial, o que teria culminado com a suposta comprovação de falsificação de 04 (quatro) assinaturas da apelante.

Prossegue a explanação, sustentando que a sentença está alicerçada em duas provas sem o crivo do contraditório, produzidas em desfavor da apelante em clara violação aos princípios supra citados. Requer, assim, o reconhecimento da ilicitude/ilegitimidade das provas produzidas, mediante declaração e desentranhamento das peças correspondentes.

E, mais uma vez, a preliminar não comporta acolhimento.

Na esteira de pacífica jurisprudência, verifica-se que tanto o inquérito civil como os procedimentos preparatórios de natureza investigativa, de natureza pré-processual, instaurados pelo Ministério Público, não possuem caráter sancionador e são instrumentos meramente inquisitórios, cujo objetivo precípuo se resume na colheita de elementos para embasar, se for o caso, futura e eventual proposição judicial. Isso os diferencia dos processos administrativos propriamente ditos e torna despicienda a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais deverão ser exercidos no curso de eventual ação a ser porventura proposta. 

Precedentes:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. PROGRAMA DE FORNECIMENTO DE LEITE A NECESSITADOS. MUNICÍPIO DE INAJÁ/PE. PRELIMINARES REJEITADAS. RECEBIMENTO DE PARTE DO LEITE NÃO COMPROVADO. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS DEVIDOS. DANO AO ERÁRIO. IMPROVIMENTO DO APELO. 1. Ação civil pública por ato de improbidade movida contra ex-Prefeito do Município de Inajá/PE, em razão de não ter sido feita a distribuição de parte do leite adquirido com verbas de programa federal. 2. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal, sendo desnecessário o prévio julgamento pelo Tribunal de Contas para ajuizamento da ação civil pública por atos de improbidade (Lei 8.429/92, art. 221, II). 3. Inocorrência de prescrição, tendo em vista que, a teor do disposto no art. 23 da Lei 8.429/92, as ações nela lastreadas podem ser intentadas até cinco anos depois de terminado o mandato eletivo. 4. Inexistência de nulidade em razão da inobservância do contraditório na fase investigativa interna ao Ministério Público Federal, a qual não precisa observar o contraditório e a ampla defesa, tratando-se de procedimento preparatório, de natureza inquisitorial. 5. Foi celebrado convênio entre o Município de Inajá/PE e o Ministério da Saúde, para distribuição de leite a pessoas desnutridas e gestantes sob risco nutricional, tendo sido constatado o não recebimento e distribuição da quantia de 4.250 quilos, apesar de pagos. 6. A isenção de custas e honorários advocatícios do Ministério Público não alcança o particular condenado em ação de improbidade. 7. Recurso que não ilidiu as provas de que houve desvio de recursos. 8. Apelo improvido.” (AC - Apelação Civel - 430987 2001.83.00.023247-0, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::27/02/2008 - Página::1623 - Nº::39.)(g.n.)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INICIAL. NÃO RECEBIMENTO. PREJUÍZO INEXISTENTE. INQUÉRITO CIVIL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA 1. A sentença condenou os réus pela prática de atos de improbidade a eventual perda da função pública; a pagar multa civil no valor de três vezes o dano causado; à suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; e à proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente pelo prazo de 10 (dez) anos, visto a inclusão, pela 1ª apelante, servidora aposentada do INSS, de dados falsos no sistema de informações da Previdência, relativos a vínculo empregatício supostamente mantido pelo 2º apelante com a empresa Conservadora Nacional LTDA, entre 1/7/1971 e 12/8/1975. 2. Embora suprimida a fase de recebimento da inicial, de cognição sumária, a sentença exauriu o conhecimento de mérito, não se revelando útil anular o julgado para retroceder o curso processual, visto o princípio pas de nullité sans grief, art. 244 do CPC, que autoriza a declaração de nulidade apenas quando resultar prejuízo, aqui não antevisto. 3. O inquérito civil, preparatório e inquisitorial, não comporta contraditório e ampla defesa, e mesmo a ausência de Portaria de instauração e relatório final o tornam nulo, pois o procedimento não é condição de procedibilidade para o ajuizamento de ações de titularidade do Ministério Público. Fosse pouco, eventual irregularidade na fase pré-processual, tampouco enseja nulidade da ação civil pública, se garantidos o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório no âmbito judicial. 4. Demais disso, não conduz à nulidade a falta de publicação dos nomes dos patronos, art. 236, §1º, do CPC, que mesmo não intimados tiveram ciência da sentença apelando tempestivamente. 5. A prescrição quinquenal das ações de improbidade administrativa não alcança a pretensão de ressarcimento ao erário, imprescritível, e o prazo prescricional em face do terceiro que induz ou concorre para a prática do ato ímprobo, ou dele se beneficia, de forma direta ou indireta, é o mesmo aplicável ao agente público que realizou a conduta ímproba, art. 3º da LIA. Precedentes. 6. O prazo prescricional de cinco anos é o da Lei nº 8.112/90, como manda o art. 23, II, da Lei nº 8.429/1992, c/c art. 142, I da Lei 8.112/1990, iniciando-se a sua contagem do conhecimento do fato; não decorreu o quinquênio se, proposta a ação em 4/5/2012, os fatos tornaram-se conhecidos em 2011. 7. As instâncias administrativa, cível e penal são independentes , mas a Corte Superior de Justiça 1 proclamou que "a Lei nº 8.492/92 visa resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento". 8. A LIA deve ser aplicada na sua justa finalidade, para garantir o bem jurídico que visa proteger. Uma interpretação larga pode ser profundamente negativa, pelo risco de vulgarizar os bons propósitos da lei tal como sucedeu com o habeas corpus e o mandado de segurança, a tal ponto que hoje não se pode distinguir quando são irrecusáveis de outros que são oportunistas e inconsequentes. 9. As razões do parquet federal estão longe de empalidecer as conclusões do processo administrativo que eximiu a servidora da prática de irregularidades. A fraude foi providenciada por terceiros, que providenciaram a inserção de vínculos fictícios no sistema CNIS, e registros falsos em carteiras de trabalho, para obter benefícios indevidos. Os servidores, à falta de normatização clara sobre a matéria, foram induzidos a erro, pois não detinham conhecimento para detectar a fraude, e por isso foram isentos de punição. 10. As conclusões administrativas são taxativas quanto à fraude de terceiros e falta de normatização interna, ambos os fatos induzindo a erro diversos servidores na concessão de benefícios irregulares, entre eles o do 2º Apelante, em 2004, destacando a boa-fé da servidora que juntou ao processo administrativo cópia da CTPS constando o vínculo questionado, por simples cuidado, visto inexistir norma exigindo tal providência. 11. É provável que o vínculo empregatício em questão tenha existido. O 2º apelante tentou comprová-lo em juízo, mas a sentença previdenciária, ainda não transitada em julgado, concluiu não ser possível afirmar nem negar o vínculo com a apontada empregadora, de 1971 a 1975, por insuficiência de provas, por estar ilegível a carteira de trabalho, e os documentos da empresa, extraviados. Reconheceu, nada obstante, em benefício do 2° apelante, a aposentadoria por tempo de contribuição, "com data de início do benefício (DIB) em 11/11/2011, tempo de serviço de 34 anos, 4 meses e 28 dias, coeficiente de cálculo de 80% e renda mensal inicial (RMI) calculada na forma da Lei 9876/99. 12. Apelações providas.” (AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0006109-41.2012.4.02.5101, NIZETE LOBATO CARMO, TRF2 - 6ª TURMA ESPECIALIZADA..ORGAO_JULGADOR:.)(g.n)

Com relação às peças colacionadas aos autos a título de “prova emprestada”, cumpre destacar que o Código de Processo Civil de 1973, vigente à época dos fatos, já admitia a utilização de prova emprestada de outro processo, inclusive para fins de economia processual, o que agora se tornou expresso no atual codex processual, em seu artigo 372, conforme abaixo observado:

- Art. 332 do CPC/1973

“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

.................................................................................................

- Art. 372 do CPC/2015

“O juiz poderá admitir a utilização da prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

Além disso, mostra-se pacífico o entendimento jurisprudencial a respeito da possibilidade de utilização de prova emprestada em ação de improbidade administrativa, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa nos autos do processo para o qual ela será utilizada, tal como ocorreu no caso em análise.

Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE  ADMINISTRATIVA. POLICIAL  RODOVIÁRIO  FEDERAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRODUZIDA EM AÇÃO PENAL. PROVA EMPRESTADA. VALIDADE. SÚMULA 7/STJ.

(...)

5. A doutrina e a jurisprudência admitem a "prova emprestada" produzida em  outro  processo,  respeitados os princípios  do contraditório e da ampla defesa no âmbito do processo para o qual será utilizada, existindo precedente recente da Primeira Turma  em  caso concreto semelhante ao ora analisado. Nesse sentido: REsp  1.556.140/SE,  Rel.  Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 2/2/2018; AgInt no AREsp 916.197/RS, Rel. Ministro  Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/9/2017, DJe 25/9/2017;  AgInt no REsp 1.645.255/AP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/8/2017, DJe 23/8/2017; AgRg no REsp  1.299.314/DF,  Rel.  Ministro  Og  Fernandes,  Segunda  Turma, julgado em 23/10/2014, DJe 21/11/2014.

(...)

(STJ, REsp 1698909/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.08.2018, DJe 20.11.2018) (g.n.)

Por fim, observo que não encontra respaldo a alegação da apelante (enfermeira formada em nível superior) de que seu depoimento e o fornecimento de material grafotécnico se deram coercitivamente, uma vez que, dos autos, é possível observar que ela prestou declarações de maneira espontânea no procedimento instaurado pelo MPF, acompanhada no ato por advogado (que, hodiernamente, representa os interesses de outros corréus no processado), o qual também seria Procurador Jurídico do Município de Nova Guataporanga à época (fls. 95/96, 100 e 102/104 do procedimento investigatório), de modo a ser razoável presumir que ela teria recebido regular orientação legal sobre os fatos e a respeito da situação, na oportunidade. Ademais, sua autorização para colheita de material gráfico teria ocorrido sem haver quaisquer constrangimentos, conforme verificado por sua assinatura lançada nos documentos de fls. 104 e, em especial, de fls. 134, local onde ela afirma, expressamente, tal situação.

5. DA PRELIMINAR ARGUIDA PELOS APELANTES REIS ALVES & REIS ALVES LTDA. - EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES

5.1 – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO REQUERIDO EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES

Requerem os apelantes o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam com relação a EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES, sob a alegação, em apertada síntese, de que o proprietário das farmácias não teria concorrido para o ato lesivo ou dele se beneficiado, direta ou indiretamente, aduzindo que a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas ou jurídicas que a compõem.

Do que se observa da legislação de regência, os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.429/1992 são aplicáveis aos particulares que, de qualquer forma, tenham concorrido para o ato acoimado de ímprobo.

Desse modo, justificável a manutenção dele no pólo passivo da demanda, até porque, e ao revés do alegado na peça recursal, a narrativa constante da exordial teria indicado não só a participação dos estabelecimentos farmacêuticos em questão no esquema desbaratado, mas também a atuação consistente e direta do proprietário/administrador/gestor Eduardo na consecução do esquema fraudulento, em conluio com o Secretário de Saúde Municipal Everton, de modo a afastar a alegação de ilegitimidade vindicada.

Nesse sentido:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92. CONTRATO DE REPASSE. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO E CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. AMPLIAÇÃO DO MERCADO DO PRODUTOR RURAL. MUNICÍPIO DE BREJINHO/RN. EXISTÊNCIA DE SUPERFATURAMENTO. SERVIÇOS MEDIDOS E PAGOS, PORÉM NÃO INTEGRALMENTE EXECUTADOS. DANO AO ERÁRIO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DOS ENGENHEIROS CONTRATADOS PELA CAIXA. VISTORIA QUE SE LIMITAVA A VERIFICAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE METAS. APELAÇÕES IMPROVIDAS.

1. Apelações desafiadas em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos em relação aos réus engenheiros contratados pela CAIXA e julgou procedentes, em parte, os pedidos, para condenar os demais réus às penas de ressarcimento integral do dano, no valor de R$ 18.290,67 (dezoito mil, duzentos e noventa reais e sessenta e sete centavos); pagamento de multa civil equivalente a metade do valor do dano; e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para a ré pessoa jurídica, e também a suspensão dos direitos políticos por 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado da demanda, para as rés pessoas físicas.

2. Comprovada nos autos a autoria e a materialidade dos atos de improbidade praticados pelos demandados que, na condição de ex-prefeita, particular e empresa, consistiram no pagamento por serviços não executados, relativamente à ampliação do mercado do produtor rural no Município de Brejinho/RN.

3. Preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela Apelante, sob a alegação de independência entre a pessoa jurídica e seus sócios, que se rejeita, visto que os atos de improbidade praticados pela empresa corré (gerida pela recorrente) não seriam viáveis sem a intervenção de sua sócia-administradora, devendo esta, portanto, ser responsabilizada pela prática de tais condutas.

4. As provas dos autos demonstram que as rés pessoas físicas, juntamente com a empresa demandada, agiram dolosamente na prática das condutas que causaram lesão ao Erário. Apesar de a Caixa ter atestado a conclusão e funcionamento da obra objeto dos autos, constatou-se a existência de superfaturamento, ante o pagamento por serviços medidos e pagos, porém não executados. O mesmo não se verifica em relação aos demandados que, na qualidade de engenheiros contratados pela Caixa, tinham a função, apenas, de atestar visualmente o implemento das metas para a liberação e repasse da verba, não lhes incumbindo a análise quantitativa e qualitativa dos materiais empregados, circunstância que gerou o superfaturamento apontado pela CGU.

5. Não prospera a alegação da desproporcionalidade das penas, haja vista que as condutas praticadas pelas rés configuram dois tipos de improbidade, quais sejam: a) frustrar a licitude do processo licitatório (art. 10, VIII, da LIA) e b) liberar verba pública sem a observância das normas pertinentes (art. 10, XI, da Lei nº 8.429/92), ensejando a aplicação das penalidades previstas no art. 12, II, da Lei de Improbidade, não havendo que se falar em desproporcionalidade ou ausência de razoabilidade. Apelações improvidas." (AC - Apelação Civel - 576433 2009.84.00.008390-7, Desembargador Federal Geraldo Apoliano, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::24/03/2015 - Página::97.) (g.n.)

Rejeitadas as questões preliminares, passo a analisar o mérito.

O programa "Farmácia Popular do Brasil" foi concebido nos moldes da Lei nº 10.858/2004 e regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 5.090/2004, criado com o objetivo precípuo de possibilitar o acesso, à população, de mais uma alternativa de acesso a medicamentos considerados essenciais, com a participação do setor privado e em sistema de co-pagamento.

As diretrizes do Programa foram estabelecidas por meio de diversas Portarias expedidas do Ministro de Estado da Saúde, sendo oportuna a transcrição de alguns pontos da Portaria n.º 491, de 09/03/2006, editada pelo Ministério da Saúde e vigente à época dos fatos, que estabelecia os critérios de expansão para dispensação de medicamentos no Programa “Farmácia Popular do Brasil”:

“(...)

CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º A expansão do Programa “Farmácia Popular do Brasil” consistirá no pagamento pelo Ministério da Saúde de percentual do Valor de Referência (VR), por unidade farmacotécnica (uf), do princípio ativo de medicamentos, para dispensação diretamente no comércio farmacêutico, mediante complementação, pelo paciente, da diferença para o preço de venda da correspondente apresentação que lhe foi prescrita ou do genérico equivalente.

Art. 2º O objetivo do Programa, na promoção da assistência terapêutica integral, é o de favorecer a aquisição de medicamentos indispensáveis ao tratamento de doenças com maior prevalência na população, com redução de seu custo para os seus portadores.

§ 1º Cada princípio ativo, a sua concentração, a sua indicação, o seu VR, por uf, a respectiva metodologia de cálculo e o correspondente percentual que será suportado pelo Ministério da Saúde constam do Anexo I a esta Portaria.

§ 2º Quaisquer dados do Anexo I poderão ser modificados unilateralmente pelo Ministério da Saúde, sem afetar a forma de fixação do preço de venda do medicamento, prevista em Lei.

§ 3º Nas apresentações com preço de venda inferior ao VR do princípio ativo, o Ministério da Saúde contribuirá com o mesmo percentual encontrado pela aplicação do critério para calculá-lo, descrito no Anexo I.

§ 4º A alternativa oferecida à conveniência do paciente não prejudica a obtenção do medicamento na rede pública de assistência à saúde, onde será dispensado gratuitamente.

CAPÍTULO II - DA DISPENSAÇÃO

Art. 3º O paciente deverá apresentar obrigatoriamente, ao estabelecimento farmacêutico habilitado no Programa, documento que comprove o número de sua inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, expedido pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda - SRF.

Art. 4º A dispensação somente poderá ocorrer mediante apresentação de receita, de que conste, claramente, o número da inscrição do médico assistente no Conselho Regional de Medicina - CRM.

§ 1º As prescrições terão validade de, no máximo, cento e oitenta dias.

§ 2º O quantitativo do medicamento prescrito deverá corresponder à posologia mensal compatível com os consensos de tratamento da patologia para que é indicado.

Art. 5º Recebido o pedido de compra, na conformidade das instruções constantes do Anexo II a esta Portaria e satisfeitas as condições que estabelece, o Ministério da Saúde, por intermédio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - DATASUS - processará, por meio eletrônico, a Autorização de Dispensação de Medicamento - ADM, em tempo real.

§ 1º O DATASUS organizará, para uso da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos - SCTIE, responsável pela execução do Programa, cadastro atualizado das apresentações dos medicamentos à base dos princípios ativos relacionados no Anexo I.

§ 2º O cadastro será feito pelo código de barras-EAN da embalagem do medicamento, transmitido pelos fabricantes à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que disponibilizará as informações ao DATASUS.

Art. 6º O cupom vinculado emitido pelo emissor de cupom fiscal de cada dispensação deverá conter espaço para a assinatura do paciente, a quem se entregará uma via, retida a outra pelo estabelecimento.

Parágrafo único. Os estabelecimentos habilitados no Programa deverão manter por cinco anos as vias retidas do cupom vinculado, arquivadas em ordem cronológica de emissão, à disposição dos sistemas de controles instituídos, especialmente do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde - DENASUS.

(...)”

Em suma, verifica-se que, para a aquisição de fármacos, nos termos do programa governamental em comento (considerada a Portaria Ministerial vigente à época dos fatos), seria necessário que o paciente, munido de um documento que contivesse o número de seu CPF e de posse de uma Receita Médica contendo o número do CRM do emitente, prescrita pelo referido profissional com data de emissão não superior a 6 (seis) meses, providenciasse as apresentações de tais documentos em um estabelecimento farmacêutico privado conveniado com o Programa,  de forma a habilitá-lo a adquirir o medicamento prescrito para o tratamento de sua patologia, com minoração significativa no dispêndio para sua aquisição (redução de cerca de 90% do preço tabelado - pago pela União), o que ocorreria mediante assinatura em uma via do cupom fiscal relativo à transação comercial correspondente e, obviamente, depois de efetuado o pagamento do valor residual devido (10%).

No entanto, desvirtuando completamente os ditames do programa em questão, verificou-se nos autos a elaboração de um esquema simulado para aquisição fraudulenta de fármacos, com a participação direta do Secretário de Saúde do município de Nova Guataporanga/SP, quatro funcionárias públicas municipais, três estabelecimentos farmacêuticos e dois de seus respectivos gestores/proprietários, causando prejuízos aos cofres da União, além de danos morais a diversos cidadãos daquela localidade, os quais se viram arrolados em uma situação imprópria da qual ignoravam completamente.

O acervo probatório produzido é extenso, consistente e robusto, estando calcado, em especial, nos elementos produzidos nas investigações levadas a cabo pelo Ministério Público Federal nos autos do Procedimento Preparatório nº 014/2009 em apenso; nos Relatórios de Auditoria produzidos pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS); em dois laudos grafotécnicos elaborados (um deles elaboradora na fase investigativa e, o outro, na esfera judicial, nos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112), além das provas testemunhais/documentais produzidas nestes autos e, também, nos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112.

Oportuno consignar que as provas relacionadas à Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112 (onde foram denunciados Everton Romanini Freire, Eduardo Rebuci dos Reis Alves, Marcelo da Silva Souto, Cassiana Cotini do Couto, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Luciana Veronezi, em razão dos mesmos fatos aqui em análise) foram aqui colacionadas durante a instrução processual pelo Ministério Público Federal, a título de prova emprestada, tendo sido apresentadas, naquela oportunidade: a denúncia ofertada naquele feito; diversas oitivas realizadas sob o crivo do contraditório e o Laudo de Perícia Criminal acima citado (fls. 651/786).

A seguir, farei uma descrição pormenorizada dos elementos obtidos no conjunto probatório para fins de aclaramento da situação fática (consideradas as inúmeras insurgências recursais), minudenciando as apurações realizadas no Procedimento Preparatório instaurado pelo MPF, as conclusões dos Relatórios de Auditorias produzidos pelo DENASUS e os resultados alcançados no primeiro Laudo Grafotécnico produzido.

Posteriormente, adentrarei na fase judicial, com a descrição igualmente detalhada dos elementos probatórios ali produzidos, incluindo aqueles colacionados a título de prova emprestada, oriunda dos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112.

Efetuados tais atos, analisarei o mérito dos recursos interpostos.

Pois bem.

Verifica-se que o procedimento investigatório que serviu como embasamento para a propositura da presente ação, apensado a estes autos principais, foi iniciado pelo Ministério Público Federal aos 14/04/2009, em razão de Representação nº 18/2009, encaminhada da Procuradoria de Justiça da Cidadania do Ministério Público Estadual, considerando os fatos narrados naquele expediente, cuja gênese está relacionada a declarações prestadas por VICTOR ELOY DA FONSECA e a Boletim de Ocorrência lavrado em razão de comunicação formulada pela genitora dele, Sr.ª JOSEFA FELICIANA DUDA DA FONSECA, além de outras declarações prestadas por munícipes locais (ZÉLIA GOMES DE ASSIS, DIVANIR ROMANHOLI BATISTA, JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS e demais documentos, os quais indicariam, à primeira vista, irregularidades praticadas na aquisição de medicamentos pelo programa Farmácia Popular.

Segundo observado, os munícipes em questão teriam sido impossibilitados de efetuar compras pelo referido programa em razão de já ter extrapolada a cota para aquisição de medicamentos a qual teriam direito (ou seja, aparentemente, alguém teria adquirido medicamentos em seus nomes), e/ou por ter sido verificado, por meio de cadastramento/consulta no Sistema da Nota Fiscal Paulista, a existência de compras de fármacos em estabelecimentos farmacêuticos que não haviam sido efetuadas pelos declarantes em questão (fls. 02/61 – Volume 1 do Procedimento Preparatório nº 014/2009).

Consta dos mesmos autos, nas fls. 63, uma denúncia efetuada por JADER PUPO DE MENEZES, abaixo transcrita:

“FATOS, PERÍODO E LOCAL DOS FATOS:

Desde Janeiro de 2008 que o Srº Secretário da Saúde de Nova Guataporanga-SP, que é filho do Prefeito da cidade, vem usando indevidamente CPFs de Funcionários da UBS e de Pacientes para adquirir remédios na farmácia popular. As pessoas que tiveram os CPFs usados não sabiam, pois para adquirir tais medicamentos precisa comparecer pessoalmente em uma unidade da Farmácia Popular com os documentos e receita médica, mas o Secretário de Saúde usava de meios ilícitos para adquirir os medicamentos: Davva uma lista com os CPFs para o farmacêutico, que lhe entregava os remédios juntamente com os cupons fiscais, que eram devolvidos com assinaturas falsificadas. Esata fraude vem acontecendo com o envolvimento direto do Secretário da Saúde e funcionários ligados a ele em conjunto com funcionários e dono da Farmais de Dracena-SP.

RESPONSÁVEL E/OU ENVOLVIDOS:

Everton Romanini Freire (Secretário de Saúde) Policarpo Santos Freire (Prefeito Pai de Everton; Funcionários do Posto de Saúde, Jeanderson Perozzi de Carvalho (Farmaceutico da Farmais de Dracena), Reis (dono da Farmais), Paulo Toniollo (dono de Farmácia em Tupi Paulista -SP)

INFORMAÇÕES ADICIONAIS E/OU INDICAÇÃO DE TESTEMUNHAS:

Foram adquiridos medicamentos até mesmo em nome de morto. Usaram o CPF de muitas pessoas na cidade, sem conhecimento delas, compraram anticoncepcionais em nome de homens e para mulheres sexagenárias, adquiriram medicamentos de coração, diabetes, etc, para pessoas que nunca tiveram problemas e nunca tornaram esses remédios.”

Ao iniciar as investigações dos fatos relatados, o MPF decidiu proceder à colheita de declarações de pessoas que estariam relacionadas aos fatos narrados, que prestaram declarações ao ilustre representante do órgão ministerial, cujo teor passo a transcrever abaixo:

1 ) EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES (fls. 68/73)

“(...) declarando o que se segue:

Que é proprietário de duas farmácias sob o marca "Farmais" em Dracena e de uma distribuidora de remédios em Presidente Venceslau. Que um senhor por nome Victor o procurou, afirmando que sua mãe, moradora de Nova Guataporanga, tentou comprar um remédio e constava que ela já havia atingido a cota, sendo que algumas das compras teriam sido feitas na Farmais de Dracena, de propriedade do declarante. Que orientou que iria apurar o que teria ocorrido e posteriormente o comunicou que a Secretaria de Saúde de Nova Guataporanga enviou listagem com o nome de pessoas para que fossem fornecidos os remédios, que nessa lista consta o nome da mãe do senhor Victor. Esses remédios eram fornecidos mensalmente e entregues pela Farmácia diretamente na Secretaria de Saúde de Nova Guataporanga.

Que para a concretização da venda é necessária a emissão de um cupom fiscal, que acompanha o medicamento, sendo que no caso da farmácia do declarante, era também emitido um relatório não-fiscal, onde constava o nome do beneficiário e seu CPF. Este documento deve ser assinado pelo beneficiário. Apresenta neste ato vários documentos não-fiscais devidamente assinados. Não sabe quem procedeu a assinatura desses documentos. Os remédios e os documentos (cupom fiscal e relatório não fiscal) eram enviados à Secretaria de Saúde de Nova Guataporanga e os relatórios não-fiscais voltavam devidamente assinados.

Que os usuários dos medicamentos nunca foram efetivamente até a farmácia para a aquisição dos remédios. A receita médica necessária para a venda foi apresentada quando do envio da primeira relação de paciente pela Secretaria de Saúde de Nova Guataporanga. Uma segunda receita foi enviada cerca de três ou quatro meses depois juntamente com uma segunda relação de pacientes. É apresentada neste ato a segunda relação, tendo em vista que a primeira foi devolvida à Secretaria de Saúde.

Que para que o Ministério da Saúde efetue o pagamento dos medicamentos adquiridos pelo Programa "Farmácia Popular", é encaminhada um comunicação on-line ao Datasus onde é informado o nome do paciente, o CPF do paciente, o CRM do médico, data da receita, a quantidade comprimidos solicitada e quantidade do uso diário pelo paciente.

Que este procedimento de venda ocorria apenas em uma das farmácias do declarante, na farmácia Reis Alves & Reis Alves Ltda.

Que a segunda relação de pacientes e remédios foi apresentada na farmácia por um funcionário chamado Jeanderson. Não se recorda com quem o funcionário pegou a relação. Tem condições de proceder ao levantamento dos relatórios não-fiscais das vendas efetuadas para a Secretaria de Saúde de Nova Guataporanga.

Que não tem conhecimento de nenhuma outra farmácia que proceda do mesmo modo.

Que os pagamentos efetivados pelo Ministério da Saúde são mensais e englobam todas as vendas efetuadas naquele período. Recebe um comunicado do Ministério da Saúde informando o valor depositado naquele mês.

Que identificados os cupons fiscais das vendas feitas para Nova Guataporanga, é possível identificar os valores ressarcidos pela União das vendas efetuadas para este município. Que as vendas nesse sistema acima relatado ocorreram desde o início de 2008 até fevereiro ou março de 2009, com interrupção de três ou quatro meses em 2008.

Que todas as vendas são comunicadas para o sistema da Nota Fiscal Paulista.

Que já recebeu ligações do Centro de Saúde de Nova Guataporanga solicitando o envio de medicamentos, pelo Programa Farmácia Popular, com identificação do usuário apenas pelo telefone, com relação a medicamentos fora da lista inicialmente encaminhada. Nestes casos não eram apresentadas as receitas médicas, mas ainda sim a venda era feita. Os dados do médico e do paciente eram informados unicamente pelo telefone pelo Centro de Saúde.

Que o Programa Farmácia Popular prevê o pagamento de 90% do valor do medicamento pela União. Os 10% restantes deveriam ser pagos pelo paciente. No caso de Nova Guataporanga, não havia pagamento pela Prefeitura ou pelos pacientes, sendo tal porcentagem suportada pela farmácia. Ainda assim, compensava financeiramente a venda para a farmácia.

Que se compromete a no prazo de 15 dias encaminhar à Procuradoria da República em Presidente Prudente os relatório não-fiscais assinados pelos usuários de Nova Guataporanga durante todo o período de venda realizada, bem como toda a informação de créditos ressarcidos pela União decorrente dessas vendas.”

- JEANDERSON PEROZZI DE CARVALHO (fls. 74/77)

“(...) declarando o que se segue:

Que é funcionário da farmácia Eunice Rebuci, de propriedade do Sr. Eduardo Rebuci dos Reis Alves. Trabalha nesta farmácia desde janeiro de 2008. Que foi orientado por Eduardo Rebuci para comparecer à Unidade Básica de Saúde Nova Guataporanga para retirar um lista com nome, CPF dos pacientes e o medicamento de uso contínuo do paciente. Que um senhor por nome Everton, Secretário de Saúde de Nova Guataporanga lhe entregou a lista. Essa lista vinha acompanhada de receitas médicas, mas que o mesmo não conferiu a quantidade de receitas.

Que uma vez separou todos os medicamentos da lista e os levou diretamente na residência do Secretário de Saúde Everton, pois levou após o horário comercial. Esses remédios foram retirados na farmácia Reis Alves & Reis Alves Ltda., já que esta é que cadastrada no Programa Farmácia Popular.

Que quando entregou os medicamentos, levou junto vários relatórios não-fiscais que deveriam ser assinados pelo beneficiário. Não foi o declarante que assinou tais documentos. Posteriormente, o Secretário de Saúde Everton devolveu diretamente ao declarante tais documentos devidamente assinados. Não houve conferência por parte do declarante de tais documentos.

Que conversou com o senhor Victor Eloy da Fonseca, o qual já conhecia de Nova Guataporanga. O senhor Victor questionou o declarante sobre uma compra de medicamento que teria sido realizada para sua mãe, a qual ele alegava não ter feito. Relatou a Victor sobre a existência da lista de pacientes que tinha sido entregue pelo Secretário Everton e que sua mãe constava como beneficiária nesta lista, o que tomou conhecimento posteriormente.

Que não manteve nenhum outro contato com o senhor Everton. Que não tomou conhecimento de outros pacientes que tivessem afirmado não ter recebido os medicamentos. As receitas médicas foram devolvidas para Nova Guataporanga quando da entrega, por ele, dos medicamentos na residência do senhor Everton.

Que não tem conhecimento se este procedimento ocorria com outras prefeituras da região. Procedeu deste modo apenas porque seu patrão Eduardo lhe pediu que assim procedesse.

Que não tem conhecimento de quem procedia à entrega dos medicamentos nos demais meses, já que trabalha em farmácia diversa.”

- FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83)

“(...) declarando o que segue:

Que foi contratada pela Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga no final de 1999 e posteriormente, em 2002, passou num concurso da prefeitura, sempre atuando no setor de farmácia da prefeitura. Que se afastou de seu cargo no dia 14 de fevereiro de 2008, tendo retomado no dia 18 de junho do mesmo ano após o término da licença-maternidade. Para ficar em seu lugar durante o afastamento, a prefeitura designou a funcionária Luciana Veronezi, que é estudante de farmácia.

Que, ao retomar ao serviço, percebeu que havia medicamentos que não tinham sido informados no sistema FARMANET e nem constava registro de entrada dos mesmos na farmácia. Indagou a funcionária Luciana Veronezi, tendo esta afirmado que nunca tinha dado entrada nos medicamentos por serem oriundos do Programa Farmácia Popular. Ela não disse se tinha sido orientada a proceder deste modo.

Que a declarante entendeu que havia a necessidade de registro dos medicamentos, tendo inclusive lançado no sistema a existência de insulina. Posteriormente recebeu uma ligação da senhora Cláudia Makiama, da Direção Regional de Saúde de Presidente Prudente, a qual a indagou sobre a quantidade de medicamentos informados, tendo em vista que não constava nos dados da DRS o repasse destes medicamentos, especialmente a insulina. A declarante então confirmou a ela a existência dos medicamentos e que tinha sido informada que a entrada deles na prefeitura tinha se dado pelo Programa Farmácia Popular. A senhora Cláudia afirmou que tal situação era irregular.

Que, um pouco depois, no mês de julho, saiu de férias, retomando em agosto. Que percebeu que continuava existindo entrada de medicamentos na farmácia da prefeitura sem nota fiscal. Esses medicamentos eram entregues normalmente no período da tarde, sendo que a declarante trabalha das 07h00 às 13h00. Percebia, no dia seguinte, que novos medicamentos tinham ingressado no estoque. Que esses medicamentos eram destinados a qualquer pessoa que procurasse a farmácia e que fizesse o uso de tais medicamentos. Não era exigida a receita médica. Constava dos prontuários médicos a necessidade do medicamento. Os pacientes não assinavam nenhum documento comprovando o recebimento dos medicamentos, mas constavam as anotações no prontuário do paciente.

Que, no dia 30 de dezembro de 2008, procedeu ao levantamento de todo estoque de remédios da farmácia da prefeitura. Que em janeiro seguinte confeccionou fichas de controle, fichas de prateleira, em que constava a quantidade do medicamento existente em estoque, as entradas com origem, programa e nota fiscal. Confeccionou do mesmo modo fichas de controle dos medicamentos que tinha entrado sem nota fiscal pelo Programa Farmácia Popular. Essas fichas foram apreendidas pela Polícia Civil na Unidade Básica de Saúde. Reconhece neste ato os documentos de fls. 203/227 do IPL 007/2009, que lhe são mostrados neste momento como sendo as fichas de prateleira por ela confeccionadas, onde consta expressamente a não existência de notas ficais de alguns medicamentos, bem como que teria sua origem no Programa Farmácia Popular.

Que, posteriormente, não pretendendo ser conivente com a situação, elaborou informações que foram assinadas pelo Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, onde este declarava a entrada na farmácia dos medicamentos sem nota fiscal. Reconhece como sendo os documentos os constantes de fls. 260/266 do IPL mencionado. Presenciou o secretário Everton levando pessoalmente sacos com medicamentos, tendo ele próprio assumido que eram medicamentos do Programa Farmácia Popular. Chegou a tirar fotos do modo como era feita esta entrega, bem como de quando estava fazendo o controle.

Que os medicamentos de que presenciou a entrega provinham da Farmais de Dracena. Que alguns funcionário da Farmais, inclusive o senhor Jeanderson Perozzi de Carvalho eram vistos com freqüência na UBS. Nunca recebeu nenhum medicamento diretamente de Jeanderson. Todas as vezes os recebeu do secretário Everton ou de Klediane.

Que, uma vez, presenciou a existência de vários cupons fiscais dispostos na mesa do computador de Everton. Estes documentos não estavam assinados. Que não sabe se os cupons fiscais eram devolvidos às farmácias.

Que, em janeiro de 2009, Everton pediu à declarante uma lista com o nome das pessoas em nome de quem os remédios contavam como terem sido vendidos pelo Programa Farmácia Popular. A declarante informou que não possuía conhecimento sobre nenhuma lista, chegando a procurar eventual lista, mas não a encontrou. Indagada pelo mesmo Everton se estava coletando os números de CPF dos pacientes, informou que não.

Que tem conhecimento que funcionários da Prefeitura constavam da lista como beneficiários de medicamentos dos quais não faziam uso. Quem lhe informou o fatos foram as funcionárias Sônia Bertipaglia e Luzia Jacob.

Que não tem conhecimento se Everton recebia alguma vantagem financeira das farmácias onde os medicamentos eram adquiridos.

Que todos os funcionários que trabalhavam na UBS chegaram a presenciar a entrega dos medicamentos em sacos pelo Secretário Everton.

Que presenciou o senhor Paulo Toniolo também entregando medicamentos em sacos ou caixas diretamente para o Secretário Everton, o qual posteriormente repassava os medicamentos à UBS. Estes medicamentos também vinham sem nota fiscal.

Que tomou conhecimento por relato da funcionária Sônia, que esta teria presenciado outros funcionários assinando no lugar dos beneficiários os cupons fiscais dos remédios. Quem assim teria procedido (assinando os cupons) seriam os funcionários Nilce (auxiliar de enfermagem), Klediane (à época, secretária de Everton e, desde ontem, Secretária Municipal de Saúde), Cassiana (enfermeira) e Luciana Veronessi (auxiliar de farmácia). Que tomou conhecimento que Cassiana pediu demissão da prefeitura, alegando que precisava estudar.

Que as entregas de medicamentos eram freqüentes, até semanais.

Que, em fevereiro de 2009, foi contratada para trabalhar na UBS a funcionária Miriam Bianca da Silva. Miriam lhe contou que o secretário Everton havia lhe procurado informando que possuía medicamentos em sua residência e se ela achava que a declarante iria perceber se ele levasse tais medicamentos à farmácia, tendo Miriam afirmado que sim. Mesmo assim, Everton chegou a perguntar à declarante se podia trazer mais medicamentos, tendo a declarante que não havia mais local para a disposição de medicamentos no almoxarifado, tendo em vista que este estava abarrotado de remédios.

Que o Município de Nova Guataporanga tem cinco agentes comunitários de saúde, sendo elas: Nilda, Luzia, Sandra, Perpétua e Elita. Que na data de ontem a declarante foi chamada pelas agentes Sandra, Perpétua e Elita, as quais a questionaram se seriam ouvidas e que tinham receio de prestar de depoimento e serem perseguidas politicamente. Sandra lhe disse que quem determinava a obtenção dos CPFs e formação da lista de pacientes era o secretário Everton.

Que, antes do feriado de Tirandentes (21/04/09), a declarante foi procurada pelas agentes comunitárias de saúde, que, de posse de prontuários médicos, lhe questionaram se aquele paciente efetivamente fazia uso dos remédios que ali constavam. Foi comunicada que assim procediam, pois o secretário Everton tinha determinado que as agentes fizessem o levantamento de todos os prontuários, conferindo os medicamentos que os pacientes efetivamente usavam.

Que, em fevereiro de 2009, já tinha conversado com o fiscal do CRF, Ailton Hespanhol, contando os fatos, tendo sido orientada a comunicar ao Ministério Público, tendo os fatos se tormados públicos em seguida.

Que, quando os fatos se tomaram públicos, algumas pessoa vieram procurar a declarante e noticiaram que nunca tinham adquirido os medicamentos que constavam em seus nomes. Recorda-se do caso da funcionária Josi Aparecida Martins, da ECODEN, a qual lhe relatou a existência de vários medicamentos no seu nome no sistema Nota Fiscal Paulista, os quais ela nunca comprou ou mesmo fez uso.

Que a declarante foi suspensa de sua função tendo sido cientificada por volta das 11h00 de ontem, por sindicância instaurada pelo Prefeito Municipal, Policarpo Santos Freire, que é pai do secretário Everton, o qual também foi suspenso.”

- VICTOR ELOY DA FONSECA (fls. 84/87)

“(...) declarando o que segue:

Que é coordenador da ONG "Sonho Nosso", uma OSCIP que trabalha na área da cidadania, saúde, educação, controle social, entre outras atividades. Que, em fevereiro de 2009, sua mãe, Josefa Feliciana Duda da Fonseca, presidente da ONG, em viagem a São Paulo/SP, esqueceu o remédio para diabetes de que faz uso contínuo. Na ocasião procurou uma farmácia, onde foi informada de que poderia adquirir o medicamento através do Programa Farmácia Popular. Foram solicitados os seus dados e a receita médica para efetuar o cadastramento. Pelo farmacêutico que a atendia, foi lhe informada a impossibilidade da compra, pois constava que a mesma já havia atingido a cota do medicamento para aquele período. Ela estranhou a situação, uma vez que nunca havia anteriormente adquirido tal remédio, já que o conseguia gratuitamente na UBS de Nova Guataporanga.

Que, em função de ter sido impedida de adquirir o remédio pelo Programa Farmácia Popular e por ser um medicamento de uso continuo, sua genitora acabou comprando o remédio pelo preço normal.

Que retomando a Nova Guataporanga, sua genitora comunicou o ocorrido ao Departamento Jurídico da ONG, o qual posteriormente entrou em contato com a ouvidoria do SUS, relatando o ocorrido, O declarante recebeu uma mensagem eletrônica do SUS noticiando que sua genitora constava como adquirente do medicamento pelo Programa Farmácia Popular desde abril de 2008. As últimas aquisições constavam como tendo sido feitas na Farmais de Dracena e em outra farmácia de Araçatuba, locais onde ela nunca comprou esses medicamentos.

Que o declarante procurou o senhor Eduardo Rebuci dos Reis Alves, proprietário da Farmais de Dracena, o qual lhe informou que a farmácia possuía um funcionário que era de Nova Guataporanga, de nome Jeanderson, que foi chamado e assim que cientificado dos fatos disse que realmente tinha ocorrido a venda para pessoas de Nova Guataporanga e que existia urna lista com mais de cem nomes, entre os quais o de sua genitora, fornecida pelo senhor Everton. Tal fato causou espanto ao declarante, que orientou sua mão Josefa a lavrar um boletim de ocorrência.

Que este boletim de ocorrência foi arquivado de plano pela Delegacia de Polícia de Nova Guataporanga. Após ter ciência do arquivamento do BO, ficou indignado e, por orientação do departamento jurídico da ONG, levou os fatos ao conhecimento do Ministério Público Estadual.

Que uma agente da ONG em consulta ao sistema Nota Fiscal Paulista notou a presença de lançamentos em seu CPF de compras de medicamentos que não havia feito. Paralelamente, como os fatos foram se tomando públicos, vários outros moradores de Nova Guataporanga se deslocaram até à ONG e, através do serviço de internet, efetuaram seus cadastros no sistema Nota Fiscal Paulista, verificando do mesmo modo que havia lançamentos de compras de medicamentos que não haviam feito, que na maioria dos casos as farmácias que tinham efetuado as vendas eram a Farmais de Dracena, a farmácia de Araçatuba que, salvo engano, se chama MS Souto e uma outra farmácia de Presidente Venceslau, também de propriedade do senhor Eduardo Rebucci.

Que a ONG passou a registrar, a pedido de alguns munícipes, em relatos escritos as manifestações de que não tinham efetuado a aquisição dos remédios. Outros, alegando receio de represália, optaram por não registrar qualquer comunicação. Alguns destes relatos foram encaminhados à polícia em Nova Guataporanga e depois ao Ministério Público em Tupi Paulista. Várias dessas pessoas alegavam que nem faziam uso dos medicamentos.

Que até a presente data continuam aparecendo novos casos de munícipes que alegam não ter efetuado as compras que constam em seus nomes.

Que todos alegaram não ter assinado qualquer cupom fiscal emitido em razão da venda do medicamento.

Que entre os casos surgiram situações em que homens teriam adquirido anticoncepcionais, que pessoas já falecidas constavam da relação de pessoas beneficiadas (José Menino Filho), tendo a família autorizado o cadastramento no Nota Fiscal Paulista, o que acabou comprovando posteriormente que realmente constaram lançamentos em seu nome mesmo após o falecimento. Este senhor faleceu em junho de 2008 e constavam lançamentos de julho e agosto daquele ano. Pelo que foi possível compreender dos fatos, essa situação se iniciou provavelmente a partir de abril de 2008.

Que em determinado dia, foi deixado na instituição, um montante de cupons ficais assinados, relativos a venda de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular. Destaca que várias pessoas que contavam dos cupons, compareceram à ONG e negaram que tivessem procedido a assinatura dos mesmos, não reconhecendo como sua a assinatura ali constante. Algumas delas sequer sabiam escrever. Outras, como Valcir Zanprônio, eram moradores de outros municípios.

Que, desde 2008, a presidência do Conselho Municipal de Saúde de Nova Guataporanga é exercida por sua mãe Josefa, representando a ONG Sonho Nosso. Em janeiro de 2008, consta em ata que, por solicitação do secretário Everton, seria necessária identificação do CPF dos munícipes que iriam utilizar o medicamento anticoncepcional "Ciclo 21". Quando tais constatações de aquisição de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular se tomaram conhecidas de sua mãe, a mesma levou ao conhecimento do Conselho Municipal de Saúde, que conta com a participação do secretário Everton. Este afirmou que anteriormente tinha obtido autorização do próprio conselho para proceder daquela maneira.”

- MARIA MADALENA DA ROCHA SOARES (fls.88/89)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalhou na residência do atual Prefeito de Nova Guataporanga, Policarpo Santos Freire, de 1994 até 30 de março de 2009, exercendo a função de empregada doméstica. Nesta mesma residência mora o filho do prefeito, de nome Everton que era "chefe do Centro de Saúde".

Que desde o ano de 2008 começou a perceber na residência, quando estava arrumando a casa, uma grande quantidade de caixas e sacolas de medicamentos. Pedia então para Everton que levasse os medicamentos. Este, algumas vezes, chegou a dizer que estava lotado de remédios e que não sabia o que fazer com eles e ainda que provavelmente iria doá-los. Everton comentava que costumava levar os remédios para o posto de saúde do município. Everton nunca comentou como conseguia os medicamentos. Os medicamentos eram entregues à noite e a declarante percebia de manhã, quando chegava ao trabalho, a presença dos mesmos.

Que percebeu também que sempre existiam "presentes", "doações" de produtos da Farmais como shampoos, sabonetes líquidos etc. Esses produtos a declarante já chegou a receber pessoalmente, tendo o representante da farmácia afirmado que era um "brinde" para Everton.

Que Everton deixava separado alguns medicamentos, dizendo à depoente que procedesse à entrega destes a moradores de Nova Guataporanga, os quais iam até a residência de Everton buscá-los. Nunca viu ninguém pagando pelos medicamentos. Todas as vezes que entregou os remédios, nunca pegou assinatura dos moradores.”

Prosseguindo na apuração dos fatos, o MPF solicitou, ao Ministério da Saúde, o envio de relação de transações de venda de medicamentos efetuadas nos anos de 2008 e 2009 pelo Programa Farmácia Popular, de pacientes constantes de relações acostadas aos autos, constantes do expediente apuratório (fls. 90).

Foram juntados aos autos: petição do Sr. Eduardo Rebuci dos Reis Alves, requerendo xerocópia dos autos e juntando procuração (fls. 93/94); procuração “ad judicia” da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, nomeando procuradores (fls. 95), acompanhada por Portarias: 1) de Nomeação de Assessor Jurídico municipal (fls. 96); 2) de afastamentos de Everton Romanini Freire e de Fernanda Borssank Paschoareli da Fonseca de suas funções para realização de apurações e, 3) de instauração de Sindicância pelo município de Nova Guataporanga (fls. 97/98).

A seguir, foram efetuadas as oitivas de diversas servidoras públicas municipais, que compareceram ao ato designado por intermédio e com o acompanhamento do Procurador Jurídico do Município do Município de Nova Guataporanga (Dr. Laércio Leandro da Silva), cujos teores seguem transcritos abaixo:

- CASSIANA COTINI DO COUTO (fls. 102/104)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalhou na Prefeitura de Nova Guataporanga, no Centro de Saúde, de 1º de março de 2006 até 1º de abril de 2009, como enfermeira, cargo comissionado.

Que, com relação aos medicamentos oriundos do Programa Farmácia Popular, o que tomou conhecimento da origem posteriormente, em uma única oportunidade, a declarante foi chamada para comparecer à sala de seu chefe, o então Secretário de Saúde, Everton Romanini Freire. Que Everton lhe informou que estava trazendo um benefício para a população, no caso os remédios, e informou à declarante que esta precisava assinar alguns documentos nos quais constavam os nomes dos pacientes. A assinatura foi feita pela declarante como se fosse o paciente do qual constava o nome no documento fiscal. Everton não esclareceu o porquê da necessidade da assinatura nos documentos.

Que, analisando os documentos fiscais que contam do IPL na 219/2009, não conseguiu reconhecer sua assinatura em nenhum dos cupons fiscais já apreendidos nestes autos.

Que não teve benefício econômico algum ao proceder às assinaturas e que assim procedeu em razão da ordem dada pelo Secretário de Saúde Everton, tendo ficado receosa em não cumpri-la, em razão de desempenhar sua função em um cargo comissionado.

Que conhece as funcionárias Sônia, Nilce, Klediane e Luciana Veronesi, não tendo conhecimento se qualquer delas procedeu do mesmo modo.

Que nunca presenciou a entrega dos medicamentos em Nova Guataporanga. Que não tomou conhecimento de uma lista de pacientes com nomes e CPFs que era usada para a aquisição de medicamentos. Que não mais conversou com Everton sobre esse assunto.

Que vários moradores de Nova Guataporanga compareciam ao centro de saúde, onde a declarante trabalhava, para retirar os medicamentos Capitopril 25 mg, Atenalol 25mg, Clor. Metformina, Hidromed 25, Propanolol 40 mg, Mal. Enalapril, Glibenclamida, Insulina, Ciclo 21, sendo feita a anotação da entrega pelos farmacêuticos responsáveis nos respectivos prontuários médicos.

Autoriza que seja colhido seu material gráfico.”

- NILCE DA SILVA COSTA VACARI (fls. 105/107)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalha na Prefeitura de Nova Guataporanga, no Centro de Saúde, como auxiliar de enfermagem concursada, desde 2000.

Que tomou conhecimento que o então Secretário de Saúde, Everton Romanini Freira, solicitou à farmacêutica Fernanda Borssank Paschoareli da Fonseca que providenciasse uma lista com as medicações de que os pacientes que freqüentavam o Centro de Saúde faziam uso. Não se recorda de quando essa solicitação aconteceu. Não tem conhecimento se essa lista continha também o CPF dos pacientes.

Que a declarante faz uso do medicamento Ciclo 21 e que o conseguia gratuitamente no Centro de Saúde, sendo que para isso foi necessário informar seu CPF.

Que tinha à época que esses medicamentos provinham da Farmais de Dracena. Que presenciou, várias vezes, funcionários da Farmais de Dracena entregando medicamentos no Centro de Saúde. Não sabia que tais medicamentos eram oriundos do Programa Farmácia Popular, tomando conhecimento da origem apenas quando os fatos se tornaram públicos.

Que nunca assinou nenhum cupom fiscal como se fosse outro paciente beneficiado pelo programa. Que nunca tomou conhecimento que outros funcionários da prefeitura tivessem assim procedido. Assinou apenas uma ou duas vezes cupons fiscais em seu nome. Presenciou, quando os funcionários da Farmais entregavam os medicamentos no Centro de Saúde, que estes vinham acompanhados de diversos cupons fiscais.

Que, mostrados alguns cupons fiscais, em nome de João Z. de Souza, Elidia Costa Viana, João Paulo Filho e Domingos B. Santos, não reconhece sua assinatura em nenhum dos documentos. Reitera que jamais assinou em nome de outro paciente.

Que, quando os fatos se tornaram públicos, Everton disse à declarante: "fiz tudo isso com o intuito de ajudar a população.

Autoriza que seja colhido seu material gráfico.”

- KLEDIANE ROSALES ERÉDIA (fls. 108/110)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalha na Prefeitura de Nova Guataporanga desde maio de 2008, inicialmente como escriturária, concursada. Trabalhava na sala do Secretário de Saúde, Everton Romanini Freire, até três meses atrás. Atualmente, está ocupando interinamente o cargo de Secretária Municipal de Saúde.

Que presenciou algumas vezes funcionários da Farmais de Dracena entregando medicamentos no Centro de Saúde de Nova Guataporanga. Esses medicamentos vinham em sacolas lacradas. Nas vezes que presenciou a entrega, os remédios eram deixados na sala do Secretário Everton, e posteriormente eram encaminhados à farmácia, que fica no mesmo prédio.

Que não tem conhecimento se os remédios eram acompanhados de cupons fiscais. Não tem conhecimento de como os remédios davam entrada formal no Centro de Saúde e se existia ou não nota fiscal correspondente.

Que não se recorda de ter assinado nenhum cupom fiscal ou qualquer outro tipo de documento como se fosse a pessoa beneficiada que constava em tais documentos.

Que, mostrados os documentos fiscais em nome de Carmelinda F. de Carvalho Lima, José Panacho, Josefina L. Prates, João Alves de Lima, Maria Cícera Sela, Maria M. de Santana, Maria Raimunda V. da Fonseca, Raimundo S. de Souza, Rute Teixeira e Rute Vieira Dias Teixeira, não reconheceu como sua nenhuma das assinaturas apostas nesses documentos. Analisando os documentos existentes no IPL na 219/2009, também não reconheceu sua assinatura neles.

Que não conversou com o Secretário Everton sobre estes fatos, não tendo conhecimento de mais nada.

Autoriza que seja colhido seu material gráfico.”

- EVERTON ROMANINI FREIRE (fls. 111/118)

“(...) declarando o que segue:

Que assumiu aproximadamente em 2005 o cargo de Coordenador da Saúde do Município de Nova Guataporanga. Este cargo foi transformado em Secretário Municipal de Saúde, o qual ocupou até seu afastamento em 28 de abril de 2009.

Que foi procurado por um senhor chamado Paulo, que compareceu ao Centro de Saúde de Nova Guataporanga em um veículo com publicidade da Farmais, tendo essa pessoa lhe informado que vários outros municípios da região estavam negociando com a Farmais de Dracena para a celebração de convênios, para o repasse de medicamentos através do Programa Farmácia Popular, de forma gratuita tanto para o município quanto para os pacientes, inclusive com relação ao transporte, já que os remédios seriam trazidos até o município pela farmácia.

Que não celebrou nenhum contrato ou convênio formalmente com a Farmais de Dracena. Apenas aceitou informalmente a proposta, sendo que o representante da Farmais esclareceu que seria necessária a apresentação dos CPFs dos pacientes. Em seguida, conversou com a Farmacêutica Fernanda Borssank Paschoareli da Fonseca, que também achou proveitosa a proposta. Fernanda falou que faria uma lista dos pacientes que freqüentavam o Centro de Saúde com seus nomes e quantidade de remédios usados.

Que Fernanda afirmou ainda que seu pai é dono de uma farmácia em Nova Guataporanga e que estaria pleiteando o credenciamento no Programa Farmácia Popular e que posteriormente tais remessas poderiam ser viabilizadas pela farmácia dele.

Que toda essa negociação com a Farmais de Dracena, começou em janeiro de 2008 e o repasse dos medicamentos, a partir de fevereiro de 2008. As entregas dos remédios continuaram ocorrendo até que os fatos se tornaram públicos, o que se deu, salvo engano, em março de 2009.

Que esses medicamentos da Farmais de Dracena que integravam o Programa Farmácia Popular, eram entregues a cada quinze ou trinta dias, diretamente no Centro de Saúde de Nova Guataporanga. Uma única vez, os remédios foram entregues em sua residência. Isso ocorreu em razão do Centro de Saúde já estar fechado. Quem fez esta entrega foi Jeanderson Perozzi de Carvalho, conhecido por "Jê".

Que o controle de quantidade de entrada desses remédios no Centro de Saúde era feito na farmácia. Chegou a assinar vários documentos feitos pela farmacêutica Fernanda, onde constava a entrada destes medicamentos sem nota fiscal, bem como indicação de que tinham origem no Programa Farmácia Popular. Reconhece tais documentos como sendo os de fls. 260/266 e 273/281 do IPL nº 219/2009, que lhe foram mostrados neste ato. Reconhece sua assinatura em tais documentos, com exceção da assinatura lançada a fls. 264 e 277.

Que, nem todas as vezes, as entregas de medicamentos se faziam acompanhar de documentos fiscais para que os pacientes assinassem. Presenciou a entrega, em duas oportunidades, dos remédios com os respectivos cupons fiscais. Tais documentos fiscais eram repassados a Fernanda, que ficava responsável pela obtenção das assinaturas.

Que não se recorda de ter assinado nenhum cupom fiscal como se fosse assinado pelo paciente beneficiado. Montrados os documentos de fls. 301, em nome de Enedino Ramalho e 307, em nome de Maria E. da Silva, do IPL nº 219/2009, não reconheceu com sendo sua as assinaturas lançadas nos respectivos documentos. Indagado também quanto aos documentos fiscais em nome de Daniel B. da Costa, Izaltina Maria Ferrari, Maria Alzira Crisson e Dioracina B. Comanduci, também não reconheceu como suas as assinaturas existentes.

Que não se recorda de ter pedido para nenhum funcionário assinar os cupons fiscais.

Esclarece que parte das medicações que chegavam ao Centro de Saúde pelo Programa Farmácia Popular também era repassada gratuitamente pelo Governo Estadual através do Programa Dose Certa. Recorda-se que, por este programa estadual, a Prefeitura recebe a cada três meses os remédios Captopril, Ciclo 21, Clor. Metiformim, Hidromed 25, Propanolol, Glibenclamida e Insulina.

Que não sabe como é feito o cálculo pelo Governo Estadual da quantidade de medicamentos que devem ser repassados ao município. Esses remédios que entram pelo programa Estadual precisam constar de um controle que é lançado em sistema informatizado. Esses remédios acabam em menos de um mês.

Que, alguns meses após o início do repasse dos remédios pela Farmais de Dracena, essa farmácia sem maiores explicações interrompeu a remessa dos medicamentos. O declarante foi procurado então por Paulo Toniolo, que é proprietário de uma farmácia em Tupi Paulista, que lhe fez a mesma proposta, precisamente a de repassar os medicamentos do Programa Farmácia Popular sem qualquer custo para a Prefeitura ou para os pacientes.

Que aceitou que o repasse dos remédios de referido programa fosse feito por Paulo Toniolo. Tomou conhecimento apenas posteriormente de que este se utilizava de uma farmácia de Araçatuba para fornecer os medicamentos. Esta farmácia formalizava a venda pelo Programa Farmácia Popular, repassava os remédios a Paulo Toniolo e este os entregava no Centro de Saúde do município também a cada quinze ou trinta dias.

A mesma lista de pacientes que foi passada à Farmais de Dracena, foi repassada a Paulo Toniolo. Não houve nenhum período em que as farmácias de Dracena (Farmais) e de Araçatuba (por intermédio de Paulo Toniolo) forneceram simultaneamente os medicamentos para o Centro de Saúde.

Reconhece os documentos de fls. 17/24 dos presentes autos como sendo as listas de pacientes passadas às farmácias Farmais de Dracena e de Paulo Toniolo, para que fossem fornecidos os remédios. Em tais documentos constam os CPFs e a quantidade de medicamentos para cada paciente. Os documentos referidos foram feitos por Fernanda, com o auxílio do digitador da Prefeitura de nome Luís Antônio Castilho,

Que não sabe informar como as farmácias informavam o CRM do médico quando elas emitiam os cupons fiscais.

Que não tem conhecimento de como pessoas idosas apareciam como usuárias de anticoncepcional, desconhecendo também como pessoas lá falecidas constavam da lista e tinham vendas efetuadas em seus nomes. Ainda desconhece como certos medicamentos constavam com vendidos a determinadas pessoas que não faziam uso destes remédios.

Que nunca foi procurado em sua residência por munícipes a procura de remédios. Que a Prefeitura de Nova Guataporanga chegou a receber brindes da Farmais de Dracena para sorteio em comemoração do Dias das Mães ou dos Pais. Pessoalmente, nem o declarante nem seu pai receberam qualquer tipo de brinde.

Que nunca recebeu qualquer vantagem econômica para a realização dos acordos com as farmácias e recebimento dos medicamentos do Programa Farmácia Popular. Assim procedeu apenas visando ajudar a população do Município que é muito carente. Eles nunca ficaram sem medicação.

Que não tomou conhecimento de que tenha havido a "compra" de números de CPF para ser repassado às farmácias. Que não tem conhecimento que pessoas residentes em outros municípios constem da lista de pacientes informados à farmácia.

Que não achava que estava fazendo algo errado, já que, conforme dito pelos representantes das farmácias, isso estava ocorrendo em toda a região.

Que sabe que foi feita uma lista inicial, na qual eram acrescentados outros nomes e repassados às farmácias. Que esses nomes acrescentados eram obtidos por Fernanda.

Que deseja acrescentar que constou na ata da reunião do Conselho Municipal de Saúde de 07 de julho de 2008 a necessidade do CPF do paciente para a entrega do medicamento Ciclo 21 pela Farmais de Dracena e que, na reunião do Conselho de 11 de agosto de 2008, constou que houve suspensão do fornecimento de medicamentos pela Farmais de Dracena, e que o senhor Jair (pai de Fernanda) traria para o município o Programa Farmácia Popular.

Que reitera não se recordar de ter assinado nenhum cupom fiscal ou de ter pedido a qualquer funcionário que assim procedesse.

Quer acrescentar ainda que chegou a pedir às agentes comunitárias de saúde de Nova Guataporanga que procedessem a coleta de CPF das pessoas atendidas por elas em suas respectivas áreas, mas assim procedeu a pedido de Fernanda.

Que foi realizada a apreensão, pela Polícia Civil, de vários medicamentos no Centro de Saúde de Nova Guataporanga, os quais, todos eles, provinham do Programa Farmácia Popular. Ficou abismado com a quantidade de medicamentos apreendida, pois não tinha ciência de que os remédios entregues pelas farmácias não estavam sendo distribuídos aos pacientes da unidade.

Que não tinha nenhum controle sobre a quantidade de medicamentos que era solicitada às farmácias e a real necessidade de uso por parte da população. Acredita que quem deveria ter esse controle era Fernanda.

Que não tinha nenhum controle sobre a quantidade entregue pelas farmácias e se correspondia ou não à lista. Mas as farmácias falavam que a entrega se dava de acordo com o contido na lista.

Que seu pai, Policarpo Santos Freire, atual Prefeito Municipal de Nova Guataporanga, não tinha conhecimento dos fatos.

Autoriza que seja colhido seu material gráfico.”

- ELITA MALHEIROS DE MATOS PAES (fls.119/121)

“(...) declarando o que segue:

Que é agente comunitária de saúde no Município de Nova Guataporanga há oito anos, atuando no Programa Saúde da Família. Que a cidade é dividida em quatro áreas mais uma área rural, sendo que a declarante atua na micro-área 02.

Que todas as agentes comunitárias devem realizar o cadastramento dos munícipes atendidos pelo programa. Que recebeu orientação do então Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, para confeccionar uma lista com o nome de todas pessoas com hipertensão e diabetes que residiam na área de atuação da declarante. Esta lista, por expressa solicitação de Everton, deveria ter o CPF do paciente. Que as demais agentes de saúde receberam a mesma ordem.

Que após a confecção da lista entregou-a diretamente a Everton. Não tinha conhecimento do que ele pretendia fazer com essa lista. A lista continha o nome do paciente, seu CPF e RG, o medicamento e a quantidade que o paciente dizia usar. A indicação dos remédios era feita pelos pacientes sem que fosse apresentada a receita médica.

Que não era a declarante quem procedia a entrega dos medicamentos. Que os medicamentos informados na lista que era repassada a Everton eram Captopril, Atenolol, Clor. Metformina, Hidromed, Propanolol, Mal. Enalapril, Glibenclamida, Insulina, Ciclo 21.

A declarante reconhece os documentos de fls. 17/19 destes autos como sendo uma das listas que confeccionou, esclarece, todavia, que entregava a lista feita à mão ao Everton e este é quem determinou que fosse feita a digitalização.

Que não conversou com Everton sobre estes fatos.

Que houve uma conversa da declarante com as agentes Sandra e Perpétua com Fernanda na qual foi destacado o receio de todas em prestar depoimento e serem perseguidas politicamente. Do mesmo modo confirma que Sandra também declarou que quem determinava a obtenção dos CPFs e a formação da lista era o Secretário Everton.

Que, com relação à distribuição dos medicamentos, sabe que os munícipes iam ao Centro de Saúde, onde obtinham os remédios.”

- NILDA DA SILVA COSTA (fls. 122/124)

“(...) declarando o que segue:

Que é agente comunitária de saúde em Nova Guataporanga desde o ano de 2000. Atua na micro-área 03.

Que recebeu uma determinação do Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, para que procedesse a confecção de uma lista na qual deveria constar o nome e CPF do paciente, o medicamento e a respectiva quantidade. Que o próprio paciente indicava qual o remédio de que fazia uso. Nunca foi apresentada à declarante a receita médica pelo paciente.

Que, após a confecção da lista, entregou-a ao Secretário Everton. Não tinha conhecimento sobre a finalidade da lista.

Que as entrevista com os moradores se direcionou para os medicamentos relacionados ao tratamento de diabetes, hipertensão e do anticoncepcional Ciclo 21.

Que não tomou conhecimento de que outros funcionários da Prefeitura constavam das listas e não faziam uso dos remédios.

Que recebeu determinação de Everton para que procedesse ao batimento entre o que constava dos prontuários médicos e o que efetivamente os pacientes usavam. A declarante não chegou a assim proceder, pois acabou sendo internada, sendo que tal determinação foi cumprida pelas demais agentes.

Que não era responsável pela entrega dos medicamentos e não sabe como a população os conseguia.

Que não conversou com o Secretário Everton a respeitos desses fatos.

Que, dentro de sua área de atuação, chegou a conversar com vários moradores de Nova Guataporanga, os quais lhe informaram que constavam em seus nomes vendas de medicamentos dos quais não faziam uso.”

- SANDRA REGINA DOS SANTOS HUNGAREZI (fls. 125/127)

“(...) declarando o que segue:

Que é agente comunitária de saúde no Município de Nova Guataporanga há cerca oito anos, atuando no Programa Saúde da Família. Sua área de atuação prioritária é a micro-área 01 do município.

Que, no início de 2008, recebeu ordem do então Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, para confeccionar uma lista com o nome de todas pessoas com hipertensão e diabetes que residiam na área de atuação da declarante. Esta lista, por expressa ordem de Everton, deveria ter nome e o CPF do paciente, a indicação dos medicamentos e a respectiva quantidade. Que as demais agentes de saúde receberam a mesma ordem.

Que, após a confecção da lista, entregou-a diretamente a Everton. Não tinha conhecimento do que ele pretendia fazer com essa lista. A indicação dos remédios era feita pelos pacientes sem que fosse apresentada a receita médica.

Que não era a declarante quem entregava os medicamentos. Que Everton, expressamente, indicou à declarante sobre os medicamentos que deveriam constar da lista. Eram eles: Captopril, Atenolol, Clor. Metformina, Hidromed, Propanolol, Mal. Enalapril, Glibenclamida, Insulina, Ciclo 21.

Que a lista que a declarante forneceu a Everton tinha por base a entrevista feita com os moradores. Que tomou conhecimento posteriormente, por comentários, que outros medicamentos que não seriam de utilização daqueles pacientes teriam sidos introduzidos na lista.

A declarante reconhece os documentos de fls. 20/21 destes autos como sendo uma das listas que confeccionou, esclarece, todavia, que entregava a lista feita à mão ao Everton e este é quem determinou que fosse feita a digitalização. Com relação ao documento de fls. 20/21, informa que consta como paciente Clarisse Cesar de Carvalho, sendo que esta pessoa já é falecida e não constava de sua relação entregue a Everton.

Que não conversou com Everton sobre estes fatos.

Que houve uma conversa da declarante com as agentes Elita e Perpétua e com Fernanda na qual foi destacado o receio de todas em prestar depoimento e serem perseguidas politicamente. Do mesmo modo, confirma que também declarou a elas que quem determinava a obtenção dos CPFs e a formação da lista era o Secretário Everton.

Que, com relação à distribuição dos medicamentos, sabe que os munícipes iam ao Centro de Saúde, onde obtinham os remédios.”

- LUZIA FRANCISCA AMARAL JACOBS (fls. 128/130)

“(...) declarando o que segue:

Que é agente comunitária de saúde no Município de Nova Guataporanga há bastante tempo. Atua na micro-área rural.

Que, salvo engano, no ano de 2008 recebeu uma ordem do Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, para que fizesse uma lista das pessoas da sua área de atuação que fazia o dos medicamentos do Programa Farmácia Popular. Confirma que os remédios são: Captopril, Atenolol, Clor. Metformina, Hidromed, Propanolol, Mal. Enalapril, Glibenclamida, Insulina e Ciclo 21.

Que fazia uma entrevista com a população e aqueles que diziam ser usuários dos mencionados medicamentos passavam a constar na lista. A lista foi entregue diretamente ao Secretário Everton. A ordem para confeccionar a lista foi dada também às demais agentes de saúde.

Que não sabe o motivo para a confecção das listas.

Que tem conhecimento de que funcionários da Prefeitura constavam da lista como beneficiários de medicamentos dos quais não faziam uso, inclusive, cita expressamente seu próprio caso, em que nunca fez uso dos medicamentos Atenolol e Propanolol, e estes constavam como tendo sido vendidos pela farmácia a sua pessoa. Chegou a ver esses lançamentos no sistema Nota Fiscal Paulista.

Que, no mês de abril, Everton pediu à declarante e também às outras agentes comunitárias de saúde que procedessem a uma análise do que constava nos prontuários médicos e quais medicamentos efetivamente eram usados por aqueles pacientes. A determinação se referia especificamente aos medicamentos do Programa Farmácia Popular.

Que não era responsável pela entrega dos medicamentos, os quais eram retirados pelos pacientes no Centro de Saúde.”

- CONCEIÇÃO PERPÉTUA GONÇALVES CORREIA (fls. 131/133)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalha na Prefeitura de Nova Guataporanga há seis anos. Inicialmente, trabalhou como agente comunitário durante dois anos. Depois, passou a trabalhar na creche do município e, a partir de outubro de 2008, voltou a atuar como agente comunitária de saúde, atuando no Programa Saúde da Família. Sua área de atuação prioritária é a micro-área 04 do município.

Que, assim que voltou a atuar como agente comunitária de saúde, Everton pediu à declarante que atualizasse a lista das pessoas que faziam uso de medicamentos de diabetes e hipertensão dentro da sua área de atuação.

Que, no início de 2009, Everton pediu à declarante a lista para que ele pudesse trazer os remédios pelo Programa Farmácia Popular. Os medicamentos foram por ele próprio indicados e são: Captopril, Atenolol, Clor. Metformina, Hidromed, Propanolol, Mal. Enalapril, Glibenclamida e Ciclo 21. Não se recorda se o medicamento Insulina fazia parte desta relação.

Que não era responsável pela entrega destes medicamentos à população. Que não tem conhecimento da existência de pessoas que não faziam uso dos remédios e constavam da lista.

Que não conversou com Everton após os fatos se tornarem públicos.

Confirma ter conversado com Sandra, Elita e Fernanda e que realmente manifestou que tinha receio de ser perseguida politicamente no município, caso prestasse depoimento sobre os fatos.

Confirma ainda que Sandra expressamente declarou que quem determinava a obtenção dos CPFs era o Secretário Everton.

Confirma que Everton determinou à declarante, e também às outras agentes comunitárias de saúde (Nilda, Luzia, Sandra e Elita) que procedessem a uma análise dos prontuários médicos e verificassem se realmente os pacientes faziam uso dos remédios que ali constavam. Essa determinação foi dada com relação aos medicamentos do Programa Farmácia Popular e de saúde mental.

Que, com relação à distribuição dos medicamentos, sabe que os munícipes iam ao Centro de Saúde, onde obtinham os remédios.”

Na mesma ocasião dos depoimentos supra, foram solicitados e colhidos os materiais caligráficos fornecidos por Cassiana Cotini do Couto, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Soares Erédia e Everton Romanini Freire, mediante lavratura dos respectivos Autos de Colheitas (fls. 134/142).

Nas fls. 144/151, constam fotografias relacionadas ao estoque e a forma de acondicionamento de medicamentos no Centro de Saúde Municipal, bem como de algumas fichas de controle de medicamentos.

Por despacho proferido nas fls. 152, determinou-se a juntada de requerimento efetuado por Eduardo Rebuci dos Reis Alves e a formação do Anexo I, para fins de acondicionar documentação complementar encaminhada por meio de três ofício, oriundos da Promotoria de Justiça de Tupi Paulista, os quais  complementariam o ofício n° 235/2009, que teria dado início ao procedimento investigatório.  

Juntou-se nas fls. 159/233 uma petição endereçada por Eduardo Rebuci dos Reis Alves, na qual encaminhou documentação e teceu considerações acerca de seu histórico laboral, dos fatos investigados e de seus antecedentes pessoais.

Certidão de fls. 234 informou que foram autuadas, como Anexo II, as cópias de comprovantes de vendas encaminhados por Eduardo Rebuci dos Reis Alves.

Por despacho de fls. 238, determinou-se a juntada de cópias extraídas do procedimento criminal nº 2009.61.12.005739-0, quais sejam:

- Certidão de óbito de José Menino Filho – juntada no procedimento investigatório nas fls.239;

- Auto de Exibição e Apreensão de fls. 202/251 daqueles autos (cópias de documentos da UBS – Fichas de Prateleiras e Mapas de Consumo Diário) – juntados no procedimento investigatório nas fls. 240/289;

- Auto de Exibição e Apreensão de fls. 254/255 daqueles autos (apreensão do(s) seguinte(s) medicamentos: LEVAONORGESTREL - ETINILESTRODIAL (ciclo 21), 39 (trinta e nove) caixas com 21 comprimidos cada; CAPTOPRIL (captolab), 580 (quinhentos e oitenta) caixas, contendo 30 comprimidos cada; MALEATO DE ENALOPRIL 10 mg, 574 (quinhentos e setenta e quatro) caixas, com 30 comprimidos cada; GLIBENCLANIDA -5 mg (glicosil/metequimica/diaben), 210 (duzentos e dez) caixas, contendo 30 comprimidos cada; GLORIDRATO DE METFORMINA (triformim) - 850 mg, 360 - (trezentos e sessenta) caixas, contendo 30 comprimidos cada; HIDROCLOROTIAZIDA 25 mg, 148 (cento e quarenta e oito) caixas, contendo 30 comprimidos cada; CLORIDRATO DE PROPRANOLOL 40 mg, 626 (seiscentos e vinte e seis) caixas, contendo 30 comprimidos cada e 12 (doze) caixas (lab. União química), contendo 12 comprimidos cada e ATENOLOL 25 mg, 405 (quatrocentos e cinco) contendo 30 comprimidos cada.) – juntados no procedimento investigatório nas fls. 290/291;

- Auto de Exibição e Apreensão de fls. 256/281 daqueles autos (cópia do ofício n° 60/08, datado de 20/08/2008, assinado por Everton Romanini Freire; cópia do Termo de Responsabilidade, datado de 05/01/2005, assinado por Everton Romanini Freire; carta da Coordenadoria Municipal da Saúde, endereçada à Fernanda B.P. da Fonseca, enviada por Everton R. Freire, datada de 02/04/2008; cópias reprográficas de uma listagem nominal de medicamentos, sendo atenolol, captopril, enalapril, etonilestriol, glibenclainida, metformina e Propranolol, contendo 07 (sete) folhas numeradas de 4 a 10, contendo respectivamente datas de 13/02/2009 (2 fls), 16/02/2009, 20/02/2009, 02/03/2009, 06/02/2009 a 15/04/2009 e cópia da denúncia elaborada e enviada ao CRF, referente à Fraude no Programa Farmácia popular, datada de 23/04/2009, contendo documentos e cópias de documentos que fazem parte na denúncia enviada) – juntados no procedimento investigatório nas fls. 292/317;

- Termo de declarações de fls. 287/288 daqueles autos, onde consta que MIRTAN BYANKA VIEIRA MIRANDA DA SILVA, ao ser indagada, respondeu que: “a declarante é Enfermeira Padrão, mas foi contratada como auxiliar de farmácia para trabalhar na UBS local, desde 16 de fevereiro de 2.009. Como enfermeira padrão, não possui nenhuma familiaridade com o serviço que está executando atualmente, o qual está em fase de aprendizagem, contudo, sabe dizer que todo medicamento que der na UBS deve vir acompanhado de suas respectivas notas fiscais, os quais, posteriormente são lançados na ficha de entrada de medicamentos e em seguida é dado baixa no controle, conforme utilização pelos usuários. Durante esse período de trabalho como auxiliar de farmácia, pode presenciar, por duas vezes, o Secretário de Saúde local, Sr EVERTON ROMANINI FREIRE apresentando na Farmácia da UBS, medicamentos desacompanhados de suas respectivas notas fiscais, oriundos do Programa Farmácia Popular. A última vez que EVERTON apresentou esses medicamentos na farmácia foi no dia 15 de abril p. Passado, oportunidade em que todo o lote adquirido estavam guardados em sua sala de serviço, quando solicitou que a declarante a farmacêutica Fernanda fossem buscá-los para colocarem à disposição do almoxarifado da farmácia. A declarante não tem conhecimento de como são adquiridos esses remédios, apenas sabe dizer sobre o que a população comenta: "funcionários do posto teriam tido acesso aos nomes e documentos dos usuários do SUS, com os quais, sem o conhecimento destes, procuravam uma farmácia credenciada pelo Programa Farmácia Popular e efetuavam, à sua revelia, a aquisição de medicamentos que supostamente seria usado por eles". Esclarece que os medicamentos oriundos do Programa Farmácia Popular, após darem entrada na farmácia da UBS, eram distribuídos gratuitamente e regularmente aos usuários do SUS do município. Não sabe informar o local em que esses medicamentos eram adquiridos e tampouco sabe dizer quem era a pessoa encarregada de fazer a aquisição deles. A declarante esclarece que na data de ontem, no período da tarde encontrava-se sozinha na farmácia, quando foi procurada pelo Secretário EVERTON que pediu à declarante as pastas que continham a relação de dispensação do CICLO 21, elaboradas no corrente ano e solicitou que fosse tirar xerox de tais documentos e entregasse a ele. Ato contínuo, EVERTON pediu para que não contassem sobre esses fatos à farmacêutica FERNANDA e disse que tal documentos não eram para prejudicá-la, mas sim para que servisse de proteção a ele, sem dar detalhes. Hoje, no período da manha, novamente EVERTON solicitou a declarante que pegasse as pastas que contem a relação da dispensação do CICLO 21 correspondente ao ano passado, para que ele pudesse xerocopiar, porém, a declarante se recusou fazer isso sem a ciência da farmacêutica responsável, o que deixou EVERTON irritado e o fez desligar o telefone. Não sabe se EVERTON, de iniciativa própria apoderou-se de referida pasta. Esclarece mais que existem funcionários do próprio PS que foram vitimados por compra de remédios em seus nomes, inclusive em grande quantidade, sabendo apontar a funcionária SONIA BERTIPAGLIA, auxiliar de enfermagem. Nada mais disse, nem lhe foi perguntado.” – juntado no procedimento investigatório nas fls. 318/319.

- Documentos de fls. 291/293 daqueles autos (fotografias de caixas, contendo medicamentos) – juntados no procedimento investigatório nas fls. 320/322.

Avançando nas investigações, e atendendo-se aos termos do mesmo despacho de fls. 238 acima mencionado, observa-se a expedição de um ofício endereçado à Promotoria de Justiça de Tupi Paulista, no qual é solicitada a notificação de 11 (onze) pessoas, visando suas oitivas (fls. 323/324); ofício endereçado à Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, para fins de serem prestados esclarecimentos no tocante aos medicamentos apreendidos pela Polícia Civil, em especial sobre a origem e se foram feitos pagamentos pelo município para suas aquisições (fls. 325), bem como foi juntado um ofício de nº 326/2009-PJ, nas fls. 326/328, oriundo da Promotoria de Justiça de Tupi Paulista, onde foi encaminhada a Certidão de Óbito de IRACI GEROLIN BERTON, pessoa que constaria como adquirente de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular, mesmo depois de seu passamento.

Efetuadas as oitivas determinadas, foram juntados aos autos os respectivos Termos de Declarações, abaixo transcritos:

- DIVANIR ROMANHOLI BATISTA (fls. 335/337)

“(...) declarando o que segue:

Que foi se cadastrar no programa Nota Fiscal Paulista, tendo em vista que deseja concorrer a prêmios que o programa possibilita. Que, ao efetuar o cadastro, percebeu a existência de lançamentos em seu nome, pelo estabelecimento Reis Alves & Reis Alves Ltda., o qual a declarante sequer imaginava que se tratava de uma farmácia.

Que, posteriormente, quando os fatos se tornaram públicos na cidade de Nova Guataporanga, veio a saber que a empresa Reis Alves & Reis Alves era a Farmais de Dracena.

Confirma que não efetuou qualquer aquisição de medicamentos nesta farmácia. Aliás, sequer faz uso de remédios para hipertensão, diabetes e, à época, também não fazia uso de anticoncepcionais. Confirma ainda que verificou lançamentos em seu nome do medicamento Ciclo 21, sendo que a declarante, nesta época, estava tentando engravidar, o que de fato ocorreu conforme documentos que apresenta neste momento.

Que, a partir de junho ou julho de 2008, não fez uso de anticoncepcionais. Anteriormente, recebia o medicamento Ciclo 21 da prefeitura municipal sendo que a informação passada pelos funcionários da unidade de saúde era de que o medicamento provinha do SUS.

Que se sentiu extremamente constrangida e prejudicada pela utilização indevida e fraudulenta de seu nome para a aquisição de tais remédios.

Confirma que seu número de CPF é 330.966.928 -90.

Que, apresentados os relatórios não-fiscais relativos aos cupons 189894, 226705, 226703, 236130 e 212259, emitidos pela farmácia Reis Alves & Reis Alves, não reconhece como suas assinaturas ali constantes.

Observa que seu nome foi lançado incorretamente nos cupons fiscais como Devair Romanholi.

Que não é funcionária pública municipal.

Que já tinha fornecido seus dados cadastrais, inclusive CPF, às agentes comunitárias de saúde, o que o fez por solicitação delas.”

- LIBÉRIO JOVELINO DE LIMA (fls. 341/342)

“(...) declarando o que segue:

Que, assim que os fatos envolvendo o Programa Farmácia Popular se tornaram públicos, com receio que seu nome e o de sua esposa tivessem sido usados e por não possui computador ou qualquer outro modo de pesquisa, foi até à ONG Sonho Nosso, onde autorizou que fosse feito seu cadastro no sistema Nota Fiscal Paulista e procedida a consulta do que havia sido eventualmente lançado em seu nome. Para sua surpresa descobriu algumas compras que teriam sido feitas no estabelecimento Reis Alves & Reis Alves Ltda., o qual o declarante sequer sabia do que se tratava, tomando conhecimento que se tratava da Farmais de Dracena posteriormente. Que nunca foi e nem mesmo sabe onde é a rua em que se localiza essa farmácia.

Que tem mais de cinco anos que não vai ao posto de saúde de Nova Guataporanga, assim afirma que não recebeu no citado centro de saúde qualquer medicamento fornecido pela prefeitura. Que não tem problema de hipertensão ou diabetes, deste modo, os lançamentos que foram feitos em seu nome, referentes à aquisição de medicamentos, não foram feitos pelo declarante.

Que nunca assinou nenhum cupom fiscal relativo à aquisição de medicamentos.

Que não está doente, não precisa de remédios e se sentiu prejudicado por terem utilizado seu nome com se doente estivesse e fizesse uso de remédios que efetivamente não faz.

Que foi procurado por uma agente de saúde chamada Luzia Jacobs que solicitou seu nome e CPF, o que foi fornecido a ela.”

- FLORISSALDO SOZIM (fls. 345/347)

“(...) declarando o que segue:

Que o declarante passou por consulta médica com o Dr. Roberto Volpe, sendo que este médico constatou que o declarante é hipertenso e receitou o uso do medicamento "Lozartan Potássica". Como esse medicamento era muito caro e o declarante não tinha condições de adquirí-lo, foi até o posto de saúde de Nova Guataporanga, onde foi comentado que lá havia outro medicamento para hipertensão, no caso o Atenolol. Sem passar por consulta médica, este medicamento passou a ser fornecido mensalmente ao declarante pelo posto de saúde de Nova Guataporanga. Isso começou por volta de 2008.

Que a informação que recebia no posto de saúde é que o medicamento Atenolol que lhe era fornecido provinha do SUS.

Que nunca fez uso dos medicamentos Metiformina e Hidromed. Outro medicamento que recebia no posto de saúde era o Cimetidina, anti-ácido para o estômago.

Que não assinava nenhum documento quando os medicamentos lhe eram fornecidos.

Que, apresentados os relatórios não-fiscais relativos aos cupons 82444, 224740, 235054, 235053, 179328 e 211701, emitidos pela farmácia Reis Alves & Reis Alves, não reconhece como suas assinaturas ali constantes, inclusive observando que seu nome está grafo incorretamente como Florisvaldo Sozim, mas estando correto o CPF.

Esclarece que jamais fez aquisição de medicamentos na Farmais de Dracena e reitera que não passou por consulta médica para fazer uso do medicamento Atenolol, o qual lhe era fornecido pelo posto de saúde de Nova Guataporanga.

Que não faz uso de medicamento para diabetes.

Que seus dados cadastrais estão na unidade de saúde de Nova Guataporanga porque possui o cartão do SUS.

Que se sentiu imensamente constrangido, porque a única coisa que tem na vida é seu nome", não tendo permitido sua utilização indevida e fraudulenta.

Que, após os fatos terem se tornados públicos, retornou ao médico que o proibiu de tomar Atenolol e novamente receitou o medicamento Lozartan, o que seria melhor para a sua necessidade.

Acrescenta que a mesma utilização indevida de CPF e nome foi constatada com sua esposa, Tereza Cursi Sozim, que também nunca procedeu a aquisição de qualquer medicamento na Farmais de Dracena.

Sua esposa fazia uso do medicamento Captopril, que era obtido no centro de saúde como provindo do SUS.

Que não é funcionário público municipal.”

- IVONE APARECIDA FREIRE CAIVANO (fls. 350/352)

“(...) declarando o que segue:

Que, após os fatos envolvendo a possível fraude ao Programa Farmácia Popular terem se tornado públicos, a declarante ficou preocupada com o fato da possibilidade de seu nome ter sido utilizado indevidamente. Deste modo, procurou a ONG Sonho Nosso e autorizou que fosse feita uma pesquisa no sistema Nota Fiscal Paulista. Assim descobriu que tinham sido lançados vários créditos de uma empresa denominada Reis Alves & Reis Alves Ltda., a qual tomou conhecimento posteriormente que se tratava da Farmais de Dracena. Nunca comprou qualquer medicamento na citada farmácia. Do mesmo modo, também confirma que não faz uso de medicamentos para tratamento de hipertensão, diabetes, nem de anticoncepcional.

Assim, confirma que não recebeu, seja da Prefeitura Municipal de Nova Guataporranga, seja da Farmais de Dracena, quaisquer dos medicamentos que constam como adquiridos por sua pessoa.

Que, na consulta feita no sistema Nota Fiscal Paulista, percebeu o lançamento dos seguintes medicamentos: Atenolol, Hidromed, Propanolol, e mais uma vez reitera que não faz uso dos mesmos.

Que é atendida no posto de saúde de Nova Guataporanga e neste local já forneceu todos os seus dados para cadastro, inclusive o CPF.

Que se sentiu extremamente constrangida e prejudicada pela utilização indevida de seu nome e CPF, para a aquisição fraudulenta desses medicamentos.

Que, apresentados os relatórios não-fiscais relativos aos cupons 172543, 214918, 236484, 191067, emitidos pela farmácia Reis Alves & Reis Alves, não reconhece como suas assinaturas ali constantes.

Que não é funcionária pública municipal em Nova Guataporanga.

Que, na época da eleição de 2008 para a Prefeitura Municipal, o Prefeito Policarpo do Santos Freire, fazia promessas com relação à entrega de medicamentos os quais fossem necessários para a população. Mesmo que não houvesse na unidade de saúde do município, o prefeito diziam que conseguiria os medicamentos.”

- MÁRCIA REGINA OLIVEIRA JACOBS (fls. 360/361)

“(...) declarando o que segue:

Que confirma que seu número de CPF é 246.928.708-18. Que tomou conhecimento por comentários da existência de fraude no Programa Farmácia Popular no Município de Nova Guataporanga. Que, com receio de seu nome e CPF tivessem sido indevidamente utilizados, procurou a ONG Sonho Nosso, onde permitiu que fosse feita uma consulta ao sistema Nota Fiscal Paulista. Deste modo, descobriu o lançamento de crédito em seu nome de diversos medicamentos, que teriam sido adquiridos pela declarante. Confirma que não procedeu às compras de medicamentos na farmácia Reis Alves & Reis Alves, que nunca fez uso dos medicamentos que constam como tendo sido adquiridos pela declarante e que jamais recebeu tais medicamentos, seja da farmácia ou da Prefeitura Municipal. Apresenta neste momento documentos relativos à pesquisa feita no sistema Nota Fiscal Paulista, onde constam os valores das compras e os medicamentos.

Que, apresentados os relatórios não-fiscais relativos aos cupons 224718, 224720, 235036, 235034, 235031, 211680, 211675, 211679, 179231, 179229, 179233, emitidos pela farmácia Reis Alves & Reis Alves, não reconhece como suas assinaturas ali constantes.

Que é servidora pública municipal há treze anos, concursada na função de escrituraria.

Que se sentiu muito constrangida com a situação e com a utilização de seu nome e CPF de forma fraudulenta.

Esclarece que seu nome, quando solteira, era Márcia Regina da Silva Oliveira e que agora, casada, seu nome é Marica Regina de Oliveira Jacobs. Que os nome que constam dos cupons são uma mistura do seu nome de solteira com o de casada.”

- JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS (fls. 375/378)

“(...) declarando o que segue:

Que resolveu consultar o sistema Nota Fiscal Paulista para checar a disponibilidade de créditos tendo em vista que desejava pagar o IPVA de sua motocicleta. Verificou que existiam vários lançametnos em seu nome de vendas de medicamentos realizadas pela empresa Reis Alves & Reis Alves Ltda, a qual a declarante desconhecia. Pesquisando descobriu que se tratava da Farmais de Dracena. Deslocou-se até esta farmácia e explicou ao atendente que constavam em seu CPF, no sistema Nota Fiscal Paulista, lançamentos decorrentes de compras naquela farmácia, as quais nunca havia feito. Esta foi a primeira vez que a declarante ia à Farmais de Dracena. O atendente indicou que se dirigisse a uma outra farmácia em Dracena, do mesmo dono, outra Farmais. Neste última foi atendida inicialmente pelo gerente que pediu à declarante para retornar um tempo depois, pois iriam averiguar, tendo pego seu nome, CPF e telefone. Cerca de 25 minutos depois, a declarante recebeu uma ligação da farmácia, pedindo que retornasse à mesma. Nesta segunda visita à farmácia, foi atendida por Jeanderson (“Jê"), pessoa conhecida da declarante de Nova Guataporanga. Jeanderson a esclareceu que seu nome constava de uma lista com 100 nomes que tinha sido entregue à Farmais pelo Secretário Municipal de Saúde, Everton Romanini Freire, para que a farmácia mensalmente entregasse medicamentos na Prefeitura.

Que nunca adquiriu, recebeu, ou fez uso de qualquer dos medicamentos que foram lançados em seu nome e CPF.

Que se recorda que constam lançados a aquisição de medicamentos como Ciclo 21, Metiformina, Hidromed e, salvo engano, Atenolol. Reitera que nunca recebeu tais medicamentos, seja da farmácia Reis Alves & Reis Alves Ltda., seja da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga.

Que no mesmo dia da visita feita à farmácia, já no período da tarde, Jeanderson foi até sua residência em Nova Guataporanga e disse que a declarante não precisava se preocupar, pois caso precisasse de alguma documentação que atestasse que a declarante não possuía os problemas de saúde que demandassem o uso daqueles medicamentos, a Farmais pagaria um consulta médica à declarante para comprovar que a mesma não tinha problemas de saúde.

Que estes fatos se deram no início de 2009, provavelmente em fevereiro ou março.

Que Jeanderson lhe disse ainda que sequer sabia que o nome da declarante constava da lista, dizendo novamente que pegava lista com o secretário e levava à Farmácia.

Confirma que o número de seu CPF é 293.699.978-22.

Analisando os documentos não fiscais que lhe foram apresentados neste ato, relativos aos cupons 211587, 211588, 179169, 179167, 212264, 226713, 234157, 236133, 235068, 189907, 224579, não reconhece com sua as assinaturas ali constantes. Verifica ainda que seu nome foi lançado incorretamente, como José Aparecido Oliveira Martins em alguns deles, e Juli Aparecida Oliveira em outros.

Que se sentiu imensamente constrangida com a situação, sendo certo que a própria população do município faz várias piadas com aqueles que constam da lista. Do mesmo modo, está amedrontada quanto a eventual prejuízo que possa sofrer, considerando que planeja estudar no exterior e não sabe se a existência da indicação de uso desses medicamentos pode prejudicá-la. Do mesmo modo, se sente receosa a participar de concursos públicos, já que tais medicamentos são indicativos de doenças que não possui.

Que é funcionária pública municipal há nove anos, concursada como recepcionista, exercendo atualmente a função de profissional de informação, educação e comunicação - IEC. Que se sente receosa quanto a eventual perseguição.

Que não sabe quem assinava os cupons fiscais, mas ouviu comentários que seriam funcionários do Centro de Saúde ligados a Everton.

Que, no ano de 2008, foi abordada pelo Secretário Everton, o qual lhe pediu seu número de CPF, tendo a declarante entregue os dados a ele não desconfiando de nada. Naquele momento, Everton não disse o motivo pelo qual precisada do CPF e a declarante não desconfiou, tendo obedecido pois é servidora municipal.”

 - ROSA AUGUSTO FERREIRA (fls. 379/381)

“(...) declarando o que segue:

Que a declarante, pessoa extremamente sem recursos, tem total dependência da Prefeitura Municipal para o fornecimento de medicamentos. Reside em uma casa popular da CDHU com uma irmã deficiente, sendo beneficiária do programa Bolsa Família.

Que tem doença de chagas, pressão alta, e sua irmã tem pressão alta. Que retira no centro de saúde os medicamentos Captopril, Coratiazida e Diazepan. Não faz uso do anticoncepcional Ciclo 21, mas o pega no posto de saúde para sua filha Giovana.

Que foi ao médico, por volta de cinco anos atrás, em Presidente Prudente, no Instituto do Coração. Lá, lhe foi receitado medicamento para pressão. No centro de saúde, sempre lhe foi fornecido tais medicamentos. Não passava por consultas regulares de médicos para análise da continuidade de necessidade e manutenção do tratamento e uso dos medicamentos.

Que nunca fez qualquer aquisição de medicamentos na Farmais de Dracena.

Confirma que seu número de CPF é 051.141.588- 56, mostrando neste ato seu documento.

Que, apresentados os documentos não fiscais relativos aos cupons 212702, 191054, 172530, 172529, 236460 e 236459, afirma que nunca assinou esse tipo de documento e não reconhece as assinaturas ali constantes. No documento relativo ao cupom número 212703, observou constar uma impressão digital, não sabendo se é de sua irmã deficiente.

Que nunca soube que os medicamentos eram repassados por meio do Programa Farmácia Popular, acreditando que vinham do SUS.

Que possui o cartão do SUS, onde constam seus dados cadastrais.”

- ILDA PEREIRA DA SILVA (fls. 382/383)

“(...) declarando o que segue:

Que sofre de pressão alta e do coração. Seu médico é o Dr. Edis de Tupi Paulista. Que o remédio por ele receitado chama-se Diupress. Que nunca recebeu do posto de saúde de Nova Guataporanga ou da Farmais de Dracena, a qual nem mesmo conhece, qualquer medicamento para pressão alta, diabetes ou anticoncepcional. Seus medicamentos são pagos e comprados em farmácias diretamente em Tupi Paulista e Nova Guataporanga.

Que, apresentados os documentos não fiscais relativos aos cupons 190990, 172417, 236179, 236207 e 226804, não reconhece como sendo suas as assinaturas ali constantes. Reitera que não fez uso ou recebeu seja da farmácia ou da Prefeitura Municipal os medicamentos Hidromed, Captopril, Atenolol, Propanolol, Metiformina, nem qualquer outro, dos quais desconhece até o uso a que destinam.

Que se sentiu extremamente humilhada por terem utilizado seu nome e CPF na aquisição desses medicamentos, porque "uma pessoa que tem moral não usa o nome dos outros desse modo".

Que a declarante sempre foi "da roça" e foi criada para respeitar o que é do próximo, tendo transmitido tais valores a seus 10 filhos.”

- SÔNIA APARECIDA DA SILVA BERTIPÁGLIA (fls. 384/386)

“(...) declarando o que segue:

Que trabalha há cerca de 10 anos na prefeitura de Nova Guataporanga como auxiliar de enfermagem, desenvolvendo suas funções no Centro de Saúde do Município.

Que nunca presenciou ninguém assinando cupons fiscais como se fossem os pacientes que tivessem adquirido os medicamentos.

Que não fez uso de qualquer medicamento de hipertensão e diabetes. Tomou Ciclo 21 por um ano, retirando tal medicamento na farmácia do Centro de Saúde, mas não sabia de onde vinha.

Que, apresentados os documentos não fiscais relativos aos cupons 174017, 236114, 236115, 212220, 190465, 212219, 189876 e 174012, não reconhecendo como suas as assinaturas ali constantes.

Que nunca foi à Farmais de Dracena para adquirir qualquer medicamento. Confirma que não recebeu da prefeitura qualquer medicamento, inclusive nenhum abrangido pelo Programa Farmácia Popular.

Que era responsável pela entrega aos munícipes de Nova Guataporanga dos medicamentos que estavam no estoque da farmácia do Centro de Saúde. Não era colhida a assinatura dos pacientes na entrega dos medicamentos em nenhum cupom fiscal ou qualquer outro documento, exceto na ficha de entrega do Ciclo 21 em que o paciente assinava. A entrega era feita de acordo com o anotado no prontuário médico do paciente.

Que não tinha conhecimento da procedência dos medicamentos que entregava.

Que soube somente posteriormente que seu nome foi incluído na lista que foi repassada às farmácias. Não autorizou que assim fosse procedido. Que seus dados identificatórios foram repassados às agentes de saúde.”

- LUIS ANTÔNIO CASTILHO (fls. 387/388)

“(...) declarando o que segue:

Que é funcionário público municipal e trabalha no Centro de Saúde de Nova Guataporanga na função de digitador.

Que recebeu ordem do então Secretário de Saúde, Everton Romanini Freire, para que digitasse um lista onde constavam os nomes de várias pessoas, seus CPFs, o nome de medicamentos e quantidade que era para ser colocada para cada um dos nomes. Que elaborou a lista a partir de rascunhos à mão elaborados pelas agentes comunitárias de saúde.

Que, mostradas as listas constantes do Procedimento Preparatório n° 014/2009 (protocolo 1.34.009.000094/2009-40), reconhece como tendo sido feitas por sua pessoa as constantes de fls. 17/23, contudo acredita que houve a inserção de outros nomes nessas listas, pois se recorda de que a que digitou tinha menos nomes. Feitas as listas, as deixou na mesa do Secretário Everton. Everton não esclareceu o motivo pelo qual solicitou a digitação da lista.

Que não tem conhecimento de que outros funcionários tivessem ficado responsáveis pela elaboração das listas. Volta a afirmar que as listas foram feitas por ordem de Everton.

Que não ouviu comentários dos funcionários do Centro de Saúde sobre os fatos, pois sua sala é um pouco afastada. Não sabe quem procedia a assinatura dos cupons fiscais.”

- PAULO TONIOLO (fls. 389/393)

“(...)  declarando o que segue:

Que é proprietário da farmácia João Paulo Rodrigues Toniolo - ME, nome fantasia Farmácia Magistral. Que esta farmácia não é cadastrada no Programa Farmácia Popular.

Que, salvo engano, em novembro de 2008, recebeu um telefonema do então Secretário de Saúde de Nova Guataporanga, Everton Romanini Freire, solicitando que comparecesse no Centro de Saúde do Município. Deslocou-se até o local onde Everton o recebeu e lhe propôs que intermediasse a entrega de medicamentos do Programa Farmácia Popular para o Centro de Saúde de Nova Guataporanga. Everton forneceu uma lista em papel timbrado da Prefeitura onde constava o nome de cerca de 100 pessoas. Nessa lista era informado o nome e CPF da pessoa, os medicamentos e respectivas quantidades. Everton inclusive informou um número do CRM, que seria do médico que atende no Centro de Saúde de Nova Guataporanga. Everton determinou que, em todos os cupons fiscais que fossem emitidos, colocasse-se este número de CRM. Não foi apresentada nenhuma receita médica para nenhum dos pacientes que constavam da lista.

Que tem um amigo, colega de faculdade, chamado Marcelo da Silveira Souto, que é proprietário de uma farmácia em Araçatuba denominada Marcelo S Souto - EPP, nome fantasia Drogão Araçá. Que entrou em contato com Marcelo e lhe explicou o que havia sido proposto pelo Secretário Everton, tendo Marcelo concordado em fazer o fornecimento dos medicamentos, abrindo mão dos 10% do valor das vendas que seriam de responsabilidade dos pacientes.

Que acredita que o fornecimento de medicamentos ao Centro de Saúde de Nova Guataporanga durou cerca de 4 meses, se entendendo de novembro de 2008 a fevereiro de 2009.

Que se deslocava mensalmente até Araçatuba, onde pegava com Marcelo todos os medicamentos da lista previamente fornecida por Everton. O combinado com Marcelo é que o declarante ficaria com 20% do total das vendas como comissão, o que foi efetivamente pago por Marcelo.

Que não houve pagamento de comissão para Everton ou qualquer outro funcionário da Prefeitura de Nova Guataporanga.

Que foi responsável pela entrega dos medicamentos no Centro de Saúde de Nova Guataporanga. Que entregou três vezes diretamente ao Secretário Everton. A última entrega foi feita a uma funcionária do Centro de Saúde, não se recordando seu nome. Os medicamentos eram entregues juntamente com os cupons fiscais. Cerca de 15 dias após as entregas, Everton restituía os cupons assinados ao declarante.

Que tanto o declarante quanto Marcelo não foram responsáveis pela assinatura de nenhum cupom fiscal. Mais recentemente verificou junto com Marcelo que parte pequena dos cupons foi devolvida sem a devida assinatura. Everton nunca esclareceu quem efetivamente assinava os cupons. Tanto o declarante quanto Marcelo resolveram interromper o fornecimento dos medicamentos quando viram uma reportagem no Jornal Nacional que informava que esse tipo de venda de medicamentos para prefeituras era ilegal.

Que todos os medicamentos fornecidos integravam o Programa Farmácia Popular.

Que, para a correta entrega do medicamento pelo Programa Farmácia Popular, o paciente deve apresentar na farmácia o receituário médico. Tal exigência não era cumprida, mas o declarante acreditava que tal exigência seria feita por Everton quando distribuísse os medicamentos aos pacientes.

Que é o farmacêutico responsável pelo Centro de Saúde de Tupi Paulista, onde os medicamentos somente são fornecidos mediante a apresentação da respectiva receita.

Que o valor repassado pelo Ministério da Saúde com a venda destes medicamentos varia entre 70% e 90%, e o lucro nas vendas gira em torno de 50% a 60%.

Que tal entrega de medicamentos do Programa Farmácia Popular somente era feita ao Município de Nova Guataporanga, não se estendendo tal proceder a outros municípios. Acredita que o repasse mensal do Ministério da Saúde em virtude das vendas era de aproximadamente R$ 6.000,00 (seis mil reais), deste valor tirando sua comissão de 20%. O declarante e a farmácia Drogão Araçá não tinham nenhum conhecimento quanto à existência efetiva daquele paciente e quanto ao real uso do medicamento.

Que foi de Marcelo a iniciativa de interromper a remessa dos medicamentos, assim que assistiu a mencionada reportagem no Jornal Nacional. Compromete-se a apresentar a lista que lhe foi repassada pelo Secretário Everton.

Que anteriormente a estes fatos o declarante já havia feito um cadastro com os munícipes de Tupi Paulista, aos quais entregava remédios do Programa Farmácia Popular, mensalmente, através de uma farmácia de Osvaldo Cruz denominada Drogaria Nonato. Na ocasião também recebeu a comissão sobre as vendas.

Que o declarante estima que o faturamento de uma farmácia estabelecida em Tupi Paulista, com a venda de medicamentos no Programa Farmácia Popular, gira em torno de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais).”

Em razão do observado até então, foi determinada a notificação de Marcelo da Silveira Souto, para prestar informações (fls. 399). Posteriormente, foi determinada a juntada de suas declarações, bem como a formação de Anexo III para juntar os cupons fiscais por ele apresentados no ato de sua oitiva (fls. 403).

Segue abaixo o teor das declarações prestadas por MARCELO DA SILVEIRA SOUTO (fls. 404/407):

“(...) declarando o que segue:

Que é proprietário da farmácia M. S. Souto - EPP, de nome fantasia Drogrão Araça, que se localiza na rua Luís Pereira Barreto, n° 245, em Araçatuba/SP. Sua farmácia é credenciada no Programa Farmácia Popular desde 2007. Que, por volta de setembro ou outubro de 2008, seu colega de faculdade, Paulo Toniolo, entrou em contato com o declarante e fez um pedido para que o declarante fornecesse remédios através do Programa Farmácia Popular. Paulo lhe disse que tinha uma lista com o nome de várias pessoas, seus CPF e o medicamento que utilizavam, fornecida pelo Secretário Municipal de Saúde de Nova Guataporanga. Paulo disse, ainda, que a venda se realizaria por um curto período de tempo, porque tinha ocorrido um problema com a farmácia que fornecia para a Prefeitura anteriormente e que as vendas se dariam até que sua farmácia fosse credenciada no Programa Farmácia Popular, o que estaria por acontecer.

Que disse a Paulo que este tipo de venda não poderia ser feita, pois acreditava que o paciente precisava estar presente. Até então todas as suas vendas se deram com os pacientes presentes. Paulo contudo disse que era lícita a venda ainda que os pacientes não tivessem se deslocado até à farmácia. O declarante, então, imprimiu as normas do programa e acreditou ser possível a venda sem a presença do paciente.

Que, com relação à lista que lhe foi passada por Paulo Toniolo, não lhe foi entregue qualquer receituário médico em relação a qualquer das pessoas que constavam na lista. Paulo lhe disse que tais pessoas seriam usuárias de medicamentos do Posto de Saúde de Nova Guataporanga e que a indicação médica para aqueles remédios teria sido dada pelo médico do Município. Paulo lhe forneceu um número de CRM que deveria constar em todas as vendas.

Que, além da lista, Paulo lhe forneceu fichas individuais das pessoas para que fosse emitido o cupom fiscal.

Que, em razão das vendas, pagava a título de comissão a Paulo Toniolo, 20% do valor bruto das vendas. Que as vendas se deram nos meses de novembro e dezembro de 2008, janeiro e março de 2009. Que não cobrava a diferença de valor correspondente ao devido pelo paciente.

Que, em decorrência das vendas feitas para a Prefeitura de Nova Guataporanga, houve um aumento no faturamento de sua farmácia, com o Programa Farmácia Popular, em cerca de 20%. Em números absolutos, salvo engano, as vendas atingiam o valor de R$ 8.000,00, valor que era pago pelo programa.

Que Paulo Toniolo retirava pessoalmente, de uma a duas vezes por mês, os remédios na farmácia do declarante. Que os cupons fiscais eram encaminhados junto com os medicamentos. Paulo Toniolo lhe devolvia os cupons, todos assinados, quando retornava para pegar uma nova remessa e, às vezes, encaminhava os cupons assinados pelo correio.

Que, analisando os cupons, pode constatar, a pouco tempo, que nem todos foram devolvidos. Que indagou a Paulo Toniolo sobre a falta desses cupons e o mesmo disse que iria na Prefeitura checar o que aconteceu.

Que assistiu a uma reportagem no "Fantástico" onde foi mostrado que esse tipo de venda e entrega de medicamento a prefeituras seria irregular. Imediatamente comunicou a Paulo Toniolo que não mais faria vendas da forma como vinha ocorrendo.

Que as listas e fichas com os nomes das pessoas que deveriam constar das vendas não foram alteradas durante os quatro meses em que foram entregues medicamentos deste modo.

Apresenta neste ato todos os cupons fiscais que possui com relação às vendas efetivadas para a Prefeitura de Nova Guataporanga.

Que Paulo Toniolo nunca fez qualquer menção ao Prefeito Municipal de Nova Guataporanga como se este fosse conhecedor dessa situação. Reitera que Paulo Toniolo esclareceu que o acordo para a venda dos medicamentos deste modo tinha partido do Secretário Municipal de Saúde de Nova Guataporanga.

Que a venda de medicamentos do modo narrado só aconteceu com Paulo Toniolo para o Município de Nova Guataporanga, não tendo conhecimento inclusive de que outras farmácias agiam de maneira similar.

Que o declarante não tinha nenhum conhecimento se a pessoa que contava das lista ou fichas realmente existia ou mesmo se fazia o uso do medicamento ali indicado.

Que não foi responsável por nenhuma assinatura existente nos cupons fiscais. Que sua farmácia foi suspensa do Programa Farmácia Popular em razão destes fatos.

Que recebe, neste ato, uma cópia devidamente protocolada dos cupons que apresenta.

Reconhece como sendo as listas que Paulo Toniolo lhe entregou as constantes a fis. 394/398 do Procedimento TC n° 014/2009, desta Procuradoria da República. Esclarece que os medicamentos que fornecia a Paulo Toniolo eram unicamente do Programa Farmácia Popular.”

Na sequência, foram juntados aos autos os ofícios da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, de nº 165/2009 (trazendo os esclarecimentos solicitados sobre a origem dos medicamentos apreendidos (fls. 409/412)) e de nº 166/2009, solicitando a liberação dos medicamentos apreendidos pela Polícia Civil para serem utilizados na UBS (fls. 413).

Também foi juntado o Ofício nº 350/2009 (fls. 416), expedido pela Promotoria de Justiça de Tupi Paulista, encaminhando mais um Termo de Declaração (abaixo transcrito), além de declaração prestada por MARCOS ROGÉRIO JACOBS, colhida na sede da ONG NOSSO SONHO (fls. 418), cujos termos podem ser ali observados e são coincidentes com diversos outros relatos já observados no processado, no sentido do não reconhecimento de aquisições de medicamento ocorridas na farmácia Reis Alves & Reis Alves Ltda, constantes do sistema de Nota Fiscal Paulista.

- RENATA APARECIDA JACINTO GARCIA (fls. 417)

“(...) que declarou: Sou servidora pública municipal. Trabalhei até o dia 07 de outubro de 2008 como agente comunitária de saúde. A partir do dia seguinte passei a trabalhar como cozinheira. Fui aprovada em concurso público para o cargo de "serviços gerais II". Um pouco antes das eleições, Everton Romanini Freire, então Coordenador Municipal de Saúde, esteve no Centro de Saúde, na sala ocupada pelas agentes comunitárias, com vários cupons fiscais pedindo para nós os dividíssemos e os assinássemos. A faxineira que ali se achava, Inácia Antonia do Amaral, recusou-se a assinar e deixou o local. Em razão disso também me retirei sem nada assinar. Já vi Kleidiane e Nilse (esta a atual Secretária Municipal de Saúde) assinando esses cupons, que eram brancos e da largura de um cupom fiscal de supermercado. Posteriormente tomei conhecimento que tais cupons diziam respeito à farmácia popular. Aliás, o meu CPF foi indevidamente relacionado dentre os beneficiários, sendo que nunca fiz qualquer compra pela Farmácia Popular, nem mesmo me cadastrando para tanto. Nada mais.”

Certidão de fls. 420 informou a juntada, aos autos, de cópia de ofício nº 643/2009 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, cujo original foi juntado no feito como Anexo IV. Tal ofício apresentaria a relação das transações de vendas de medicamentos efetuadas nos anos de 2008 e 2009 em relação aos pacientes constantes na listagem oferecida pela Procuradoria da República no Município de Presidente Prudente/ SP, solicitada anteriormente.

Em 1º/06/2009, em continuidade das investigações, foi proferido o seguinte despacho pelo Procurador da República responsável (fls.423):

“(...)

Considerando que inúmeros outros cupons fiscais foram enviados posteriormente a coleta do material caligráfico efetuado pela Polícia Civil (fls. 134/142), entendo necessária nova coleta.

Assim, oficie-se a Polícia Federal, encaminhando os cupons originais enviados pelas Farmácias Reis Alves & Reis Alves Ltda. (Farmais de Dracena) e M. S. Souto (Drogão Araçã), para que seja procedida a juntada no inquérito policial n° 2009.61.12.005739-0, que apura os mesmos fatos, sob perspectiva criminal, solicitando-se a realização de perícia grafotécnica.

Oficie-se ao Conselho Regional de Medicina, solicitando, com urgência, sejam encaminhados os nomes dos médicos, especialidades em que atuam e local de atendimento (endereço comercial ou residencial) dos seguintes CRMs/SP: 35454, 121409, 50430, 35454, 81060, 115693, 20180, 23275, 38250, 20180, 81060, 33362, 66075, 79796, 79795, 51224, 12175, 62691 e 79793.

Oficie-se a Direção Regional de Saúde de Presidente Prudente, indagando se os medicamentos Captopril, Atenolol, Cloridrato de Metformina, Hidromed, Propanolol, Mal. Enalapril, Gibenclamida, Insulina e Ciclo 21 são fornecidos gratuitamente a Municípios por algum programa governamental, como por exemplo "Dose Certa". Caso seja positiva a resposta, deverá ser esclarecido qual a quantidade de cada medicamento enviada ao Município de Nova Guataporanga desde janeiro de 2008 a abril de 2009, periodicidade das remessas, fórmula do cálculo de necessidade do município, controle de estoque informado pelo município durante o período acima destacado e se houve qualquer solicitação de aumento da remessa em razão da insuficiência dos medicamentos repassados, tudo de janeiro de 2008 até abril de 2009.

Por fim, oficie-se ao Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos - Programa Farmácia Popular do Brasil, com cópia do auto de exibição e apreensão dos medicamentos e da informação da Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, que confirma que os medicamentos apreendidos no Centro de Saúde do Município tem origem irregular no Programa Farmácia Popular, solicitando, com urgência, seja informado qual destino deve ser dado aos remédios, para se evitar o vencimento da validade dos medicamentos apreendidos.”

Depois de expedidos os ofícios determinados, foi juntado aos autos o ofício da PROCURADORIA SECCIONAL DA UNIÃO EM PRESIDENTE PRUDENTE/SP de nº 229/2009 - AGU/PSU/PPB – jpav, encaminhando “cópias do Ofício 1.088/DAF/SCTIE/MS, expedido pelo Coordenador do programa em referência, e de "telas" de páginas da internete, impressas a partir dos sítios do MS e da CEF, relativamente ao cadastro de fornecedores (farmácias) no aludido sistema, das quais se extrai que estes, ao manifestar a adesão, têm pleno conhecimento das regras e do modo de dispensação dos medicamentos (presença física do usuário, salvo incapacidade devidamente comprovada), haja vista a disponibilização do Manual Básico do Programa Farmácia Popular (cujas condições, critérios e padronizações o proponente declara-se ciente no momento da assinatura da proposta de adesão - doc. anexado) e da Portaria MS n°49112006, esta quando do pré -cadastro junto a CEF.” (fls. 434/475).

A seguir, foram juntados aos autos o Ofício nº 98/09-GAB do Departamento Regional de Saúde de Presidente Prudente (fls. 477/520), trazendo aos autos informações requeridas por meio do despacho proferido pela Procuradoria da República em 1º/06/2009, bem como o Ofício n 1984/2009-SRP do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (fls. 521/539), igualmente em resposta às indagações formuladas por meio do mesmo despacho.

Aberto o terceiro volume do procedimento, foi juntado aos autos mais um termo de declarações, a seguir transcrito, encaminhado pela Promotoria de Justiça de Tupi Paulista.

- CLAUDINÊ DE OLIVEIRA CRESPO (fls. 545)

“(...) que declarou: sou pai de Lais Mariely da Silva Crespo. No final de 2008 minha filha adquiriu alguns produtos na "Farmácia Farmais" de Dracena, tão logo houve a inauguração da unidade na Rua Monte Castelo. Naquela ocasião comprou um aparelho prestobarba feminino, um shampoo dermacyd e outras mercadorias no valor total de R$ 35,34, solicitando e obtendo nota fiscal com indicação de seu CPF. Outro dia, quando ela acessou seus dados na Secretaria Estadual da Fazenda para consultar as notas fiscais paulistas, verificou que havia outros cupons fiscais da referida farmácia com créditos em seu nome. Pelo próprio sistema da Secretaria Estadual da Fazenda verificou que se tratavam de compras fictícias realizadas supostamente na drogaria "Farmais" da Avenida Presidente Roosevelt, também de Dracena., de produtos como Hidromed e Atenolol. Ela, como já trabalhou em farmácia de manipulação, tem ciência indicação de tal produto, afirmando que jamais fez uso de ta medicação.”

Nas fls. 553/565, foi juntado o Ofício nº 092/2009 da Delegacia Seccional de Polícia de Dracena, no qual apresenta um expediente relacionado a uma denúncia anônima formulada que apontaria suposta captação irregular de clientes para venda de medicamentos pelo Programa Farmácia Popular por outros estabelecimentos farmacêuticos. Nas fls. 567/568, foi juntado Ofício n° 979/2009 da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (fls. 567/568), trazendo as informações requeridas pelo despacho proferido em 1º/06/2009, sugerindo, ao final, a devolução dos medicamentos aos seus proprietários.

Certidão de fls. 572 informou a juntada de ofício n° 338 do Denasus, que encaminhou cópias dos relatórios de auditorias nºs. 8250, 8259, 8260 e 8261, os quais foram autuados como Anexo V. Foi juntada aos autos, ainda, correspondência encaminhada pela ONG Nosso Sonho, informando que o Sr. Everton teria sido recolocado à frente da UBS do município, requerendo o pronunciamento do ilustre membro do MPF a respeito de tal fato (fls. 575/576).

Por meio de despacho de fls. 577, foi determinada a expedição de ofício à Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga, a fim de solicitar informações sobre quais cargos ou funções públicas ocuparam as pessoas de Everton Romanini Freire, Fernanda Borssank Paschoareli da Fonseca, Cassiana Cotini do Couto, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Luciana Veronessi, no período de janeiro de 2008 a abril de 2009, bem como para esclarecer se referidas pessoas continuaram a exercer algum cargo naquela municipalidade.

Resposta ao oficio supra ocorreu aos 31/08/2009, nas fls. 580, in verbis:

“a) Everton Romanini Freire

Em janeiro de 2008 - já ocupava o Cargo de Secretário de Saúde - provimento em Comissão, foi afastado do cargo em 28/04/09 por motivo da denúncia de irregularidade na Farmácia do Centro de Saúde e o Programa Farmácia Popular; em 01/08/2009 retornou no Cargo de Secretário Municipal de Saúde;

b) Fernanda Borssank Paschoarelli da Fonseca

Em Janeiro de 2008 estava no cargo Farmacêutica - efetiva do município responsável pela Farmácia do Centro de Saúde; no período de 18/02/2008 à 18/06/2008 esteve afastada com Licença Gestante (Maternidade); de 11/11/2008 a 10/12/2008 esteve afastada com Licença para tratamento de Saúde; em 28/04/09 foi afastada por motivo da denuncia de irregularidade na Farmácia do Centro de Saúde e Programa Farmácia Popular e por liminar do juízo da Comarca retornou no cargo em 21/05/209; e, em 29/05/2009, solicitou Licença para tratamento de saúde "Psiquiátrico", permanecendo afastada nesta data;

c) Cassiana Cotini do Couto

Em janeiro de 2008 ocupava o Cargo de Chefe do Setor de Enfermagem, provimento em Comissão; e, era responsável como Enfermeira do PSF; em 1°/04/2009 solicitou exoneração do cargo;

d) Nilce da Silva Costa Vacari

Em Janeiro de 2008 estava no cargo de Auxiliar de Enfermagem, provimento efetivo; em 15/05/2009 foi designada para o Cargo de Secretária da Saúde permanecendo até 31/07/2009, quando retomou ao cargo de origem efetivo;

e) Klediane Rosales Erédia

Em Janeiro de 2008 exercia a função de Conselheira Tutelar; e em 05/05/2008, ingressou no cargo público de Escriturário I, provimento efetivo,designada a prestar serviços no Centro de Saúde; e em 28/04/09, foi designada e assumiu o cargo de Secretária Municipal de Saúde; em 15/05/2009, solicitou retorno ao cargo de Escriturário I e deixou o Cargo de Secretária da Saúde, estando atualmente em pleno exercício de seu cargo efetivo;

f) Luciana Veronesi

Ingressou no cargo de Serviços Gerais II, através de Concurso Público, tendo tomado posse em 03/03/2008 e designada a prestar serviços no Centro de Saúde; auxiliou na Farmácia, pois no ano de 2008 concluiu Faculdade de Farmácia; e em 19/01/2009 solicitou demissão do referido cargo público.”

O Cartório de Registro Civil de Dracena apresentou, nas fls. 585/586, atendendo à solicitação de fls. 582, Certidão de Óbito de Paulo Toniolo, cujo falecimento ocorreu aos 19/09/2009, em decorrência de um acidente automobilístico.

E o DENASUS, por sua vez, encaminhou o ofício nº 496, de 29/09/2009 (fls. 587), trazendo aos autos cópias de Relatórios Complementares das Auditorias realizadas sob os nºs. 8250 e 8259, juntados no procedimento investigatório nas fls. 588/597.

Em termo de juntada de fls. 598, constou que o DENASUS teria encaminhado, por meio de Ofício nº 517, Relatório da Auditoria nº 8274, realizada na Empresa M S Souto, e que tal relatório fora autuado como Anexo VI, bem como informa a apresentação de petição de EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES, acostada aos autos nas fls. 600/607, alegando, em apertada síntese, a existência de uma suposta “trama” em seu desfavor, realizada entre “Josefa (a “Ong”), seu filho (Vitor), sua nora (Fernanda), o pai desta (farmacêutico Pasquarelli) e o Poder Político Municipal na pessoa de Everton (Secretário da Saúde e filho do Prefeito)”, onde aduz, também, que efetuou o ressarcimento dos prejuízos apurados nas auditorias do DENASUS de nºs. 8250 e 8259.

EDUARDO REBUCI ainda apresenta, nas fls. 612/621, uma correspondência datilografada e não firmada, supostamente encaminhada pelo correio para a Farmais de Dracena, acompanhada de outros documentos, trazendo supostas imputações em desfavor da ONG Nosso Sonho e da Sr.ª Josefa, oportunidade onde reafirma ser vítima dos fatos e postula a realização de diligências para apuração do ali alegado. E também apresenta nas fls. 622/623, petição onde abdica de eventual direito acerca da medicamentação apreendida na UBS e requer sua destinação para qualquer Hospital ou Casa de Saúde.

O Município de Nova Guataporanga peticionou nas fls. 625, postulando a extração de cópia integral do procedimento fora de cartório, o que lhe foi deferido (fls. 625).

EVERTON ROMANINI FREIRE, por sua vez, peticionou nas fls. 627/662, requerendo a juntada aos autos de documentos onde se observa, em especial, a apresentação de diversas declarações prestadas em seu favor.

Vê-se dos autos, ainda, que novas cópias dos procedimentos de Auditorias de nºs. 8250, 8259, 8260 e 8261 foram apresentadas pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e foram autuadas como anexo VII (fls. 663).

MARCELO DA SILVEIRA SOUTO, proprietário da farmácia M S Souto, também autorizou a doação dos medicamentos apreendidos para distribuição à população, conforme verificado nas fls. 665.

Laudo documentoscópico nº 0127/2009 – UTEC/DPF/PDE/SP, produzido para fins de análise grafotécnica, foi juntado aos autos nas fls. 667/736.

Finalizando o procedimento investigatório, foram juntados ao processado, extraídos do IPL 0361/2009-4, os Autos de Qualificação e Interrogatório parcialmente transcritos abaixo, acompanhados por documentação relacionada a cada indiciamento realizado:

- NILCE DA SILVA COSTA VACARI (fls. 740/741)

“(...) Cientificado(a) das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado(a) interrogado(a) RESPONDEU: QUE, é auxiliar de enfermagem, estando trabalhando no PSF de Nova Guataporanga; QUE está ciente de que o laudo referente ao exame grafotécnico que fez comparação de seu material gráfico com os cupons fiscais deu como sendo de sua autoria, porém, quer neste momento manifestar que não assinou nenhum documento fiscal referente a compra de qualquer medicamento em nome de terceiros; QUE nega ter assinado os recibos relacionados nas páginas 702/704 do presente inquérito, com exceção aos nominados como sendo para Nilce da Silva Costa, pois acredita que este nome seja o da aqui inquirida; QUE não sabe quem possa ter assinado recibos em nome de terceiros, fraudando dessa forma o Programa Farmácia Popular; QUE Everton Romanini Freire nunca lhe pediu para assinar nenhum recibo do programa retro citado; QUE está ciente de que a confissão lhe beneficiaria em uma eventual condenação. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço, em face das prescrições dos artigos 366 e 367 do CPP. Nada mais havendo, determinou a autoridade o encerramento do presente que, lido e achado conforme, assina com o(a) interrogado(a), na presença de seu(sua, s) advogado(a, s) LAERCIO LEANDRO DA SILVA, inscrito na OAB/SP sob n° 143034, (...)”

- KLEDIANE ROSALES EREDIA (fls. 745/746)

“(...) Cientificado(a)das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado(a) interrogado(a) RESPONDEU: QUE, é escriturária do Centro de Saúde de Nova Guataporanga/SP; QUE ficou sabendo da existência do laudo somente hoje, laudo esse que lhe atribui a autoria de ter assinado diversos recibos em nome de terceiros; QUE nega ter assinado os recibos relacionados a pagina 706 do presente inquérito policial; QUE conhece algumas das pessoas relacionadas as folhas 706, pois, faz o agendamento de ambulâncias e consultas no Centro de Saúde onde trabalha; QUE Everton Romanini Freire nunca lhe pediu para assinar cupons fiscais referentes a aquisição de remédio do Programa da Farmácia Popular; QUE não sabe informar quem porventura tenha assinado os cupons fiscais investigados no presente inquérito. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço, em face das prescrições dos artigos 366 e 367 do CPP. Nada mais havendo, determinou a autoridade o encerramento do presente que, lido e achado conforme, assina com o(a)interrogado(a), na presença de seu(sua, s) advogado(a, s) LAERCIO LEANDRO DA SILVA, inscrito na OAB/SP sob n° 143034, (...)”

- CASSIANA COTINI DO COUTO (fls. 750/751)

“(...) Cientificado(a)das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado(a) interrogado(a) RESPONDEU: QUE tem conhecimento da investigação do presente inquérito; QUE ficou sabendo pela televisão de que o laudo dos padrões gráficos lhe atribuiu a autoria de algumas assinaturas em alguns cupons fiscais; QUE dos nomes relacionados na página 707, somente conhece LUCIANA VERONESI pois trabalhou com a mesma; QUE entretanto, não assinou dos quatro cupons fiscais relacionados na página retro citada; QUE nunca assinou nenhum cupom fiscal do programa FARMÁCIA POPULAR para terceiros; QUE EVERTOM ROMANINI FREIRE era seu chefe, porém o mesmo nunca lhe pediu para assinar qualquer tipo de cupom fiscal do programa em questão; QUE não sabe informar quem porventura tenha assinado os cupons fiscais investigados. QUE nunca foi preso(a) ou processado(a)anteriormente. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a)da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço, em face das prescrições dos artigos 366 e 367 do CPP, Nada mais havendo, determinou a autoridade o encerramento do presente que, lido e achado conforme, assina com o(a) interrogado(a), na presença de seu(sua, s) advogado(a, a) JEFFERSON CAMARGO DOS SANTOS SOUZA, inscrito na OAB/SP sob nº 215121 e CRISTIANE COTINI DO COUTO CAMARGO, inscrito na OAB/SP sob n° 283337, (...)”

- LUCIANA VERONEZI (fls. 755/756)

“(...) Cientificado(a)das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado(a) interrogado(a) RESPONDEU: QUE na época dos fatos investigados era constratada para o cargo de serviços gerais que desempenhava no Centro de Saúde da cidade de Nova Guataporanga/SP; QUE tinha como suas atribuições ajudar nos serviços desempenhados na farmácia do referido centro; QUE tem conhecimento dos fatos investigados no presente inquérito; QUE teve ciência de que o laudo pericial que confrontou os seus padrões gráficos com diversos cupons fiscais do programa FARMÁCIA POPULAR, lhe atribuíram autoria de diversas assinaturas apostas em nome de terceiros; QUE nega ter assinado qualquer cupom fiscal retro citado em nome de terceiro; QUE nenhuma das pessoas relacionadas às fls. 708 lhe pediu para assinar qualquer tipo de documento, reafirmando que não assinou nenhum cupom fiscal, já citado; QUE EVERTON ROMAMNI FREIRE nunca lhe pediu para assinar qualquer tipo de cupom fiscal; QUE não sabe informar quem efetivamente assinou os cupons fiscais investigados; QUE atualmente trabalha como farmacêutica em uma farmácia na cidade de Pompéia/SP. QUE nunca foi preso(a)ou processado(a)anteriormente. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço, em face das prescrições dos artigos 366 e 367 do CPP. Nada mais havendo, determinou a autoridade o encerramento do presente que, lido e achado conforme, assina com o(a) interrogado(a), na presença de seu(sua, s) advogado(a, s) LAERCIO LEANDRO DA SILVA, inscrito na OAB/SP sob n° 143034, (...)”

- ÉVERTON ROMANINI FREIRE (fls. 760/761)

“(...) Cientificado(a)das imputações que lhe são feitas e de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado(a) interrogado(a) RESPONDEU: QUE, é funcionário público exercendo a função de Secretário da Saúde do município de Nova Guataporanga, desde 2005; QUE conhece Nilce da Silva Costa Vacari, Kleidiani Rosales Érdia, Cassiana Cotini do Couto e Luciana Veronesi; QUE que conhece as retrocitadas pois as mesmas trabalham no posto de saúde de Nova Guataporanga, estando portanto as mesmas subordinadas ao interrogando; QUE Luciana Veronesi e Cassiana Cotini atualmente não trabalham mais para a Prefeitura Municipal de Guataporanga; QUE ficou sabendo pela imprensa sobre o resultado do laudo, tendo o seu advogado que aqui se faz presente confirmado o teor do mesmo; QUE em relação ao resultado do laudo constante as folhas 640 a 710 do presente inquérito, mais especificamente as páginas 700/702, nega completamente ter assinado quaisquer dos recibos ali relacionados; QUE as pessoas relacionadas as páginas 700 e 701 do presente inquérito informa que as conhece, pois são da cidade em que residem, bem como as mesmas usam do serviço municipal prestado pelo posto de saúde local; QUE as compras de medicamentos para o município de Nova Guataporanga que são utilizados pela unidade de saúde local são adquiridos via licitação pública; QUE os medicamentos necessários para os atendimentos do posto de saúde local de Nova Guataporanga são relacionados e solicitados à Prefeitura Municipal que dispõe de uma comissão para a análise e compra dos medicamentos retrocitados; QUE desconhece de qualquer compra efetuada direto em farmácias; QUE informa que a Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga nunca comprou medicamentos do programa Farmácia Popular, do governo federal; QUE entretanto via assistencia social alguns medicamentos são comprados para o atendimento dos munícipes carentes; QUE sabe informar que a Prefeitura Municipal de Nova Guataporanga não compra remédios da empresa Drogão Araçá tampouco da empresa Reis Alves & Reis Alves Ltda, folhas cujos cupons fiscais encontram-se às folhas, 454 e 495; QUE nunca pediu a nenhuma das retrocitadas para assinar nenhum cupom fiscal relacionado a Farmácia Popular; QUE houve a apreensão de grande quantidade de medicamentos que foram adquiridos via Programa Farmácia Popular, do governo federal; QUE os medicamentos eram entregues no posto de saúde pelas próprias farmácias fornecedoras dos mesmos; QUE os medicamentos eram fornecidos de acordo com relação previamente elaborada pela própria farmacêutica, porém o encaminhamento da mesma se dava pelo aqui indiciando; QUE o pedido era feito a cada dois meses pois havia inclusão ou exclusão de pedidos face a oscilção de pessoas que solicitavam o mesmo; QUE os cupons fiscais que vinham da farmácia estavam em branco quando os mesmos chegavam ao posto de saúde, sendo posteriormente devolvidos a mesma farmácia também em branco, ou seja, sem qualquer tipo de assinatura, havendo casos de os remédios serem encaminhados sem os cupons fiscais; QUE quem encaminhava os cupons fiscais para o posto de saúde era Paulo, que trabvalha como propagandista da Famais de Dracena, bem com Geanderson, que trabalha como farmacêutido na Farmais, sendo que Paulo Toniolo fazia entregas da farmácia Drogão de Araçatuba, sabendo inoformar que este último já é falecido; QUE não sabe explicar como o laudo deu como positivo sua autoria em diversas assinalturas constantes em diversos cupons fiscais. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Foi então advertido(a) da obrigatoriedade de comunicação de eventuais mudanças de endereço, em face das prescrições dos artigos 366 e 367 do CPP. Nada mais havendo, determinou a autoridade o encerramento do presente que, lido e achado conforme, assina com o(a)interrogado(a), na presença de seu(sua, s) advogado(a, s) LAERCIO LEANDRO DA SILVA, inscrito na OAB/SP sob n° 143034, (...)”

Por fim, o procedimento investigatório ainda apresenta:

- Cópia do relatório final efetuado pela Polícia Federal nos autos do processo nº 2009.61.12.005739-0 (fls. 758/759);

- Pedido do MPF, endereçado ao Juízo da 2ª Vara de Presidente Prudente/SP, nos autos do processo nº 2009.61.12.005739-0, no qual se manifestou positivamente à autorização para que a Polícia Civil destine os medicamentos apreendidos a uma Unidade de Saúde, desde que ainda não vencidos (fls. 772/775);

- Certidão, informando que cópia do Laudo de Exame Documentoscópico de n° 127/2009 foi autuada como Anexo VIII (fls. 776), e

- Despacho, determinando a remessa dos autos à Justiça Federal de Presidente Prudente/SP, juntamente com a petição inicial desta Ação Civil por ato de Improbidade Administrativa (fls. 777/778).

Trago, a seguir, apenas as conclusões dos Relatórios de Auditorias produzidos pelo DENASUS relacionados aos fatos narrados no processado (nº 8250 - REIS ALVES E ALVES LOPES LTDA; nº 8259 - REIS ALVES E REIS ALVES LTDA e nº 8274 - DROGARIA M. S. SOUTO), os quais poderão ser consultados, em sua integralidade (e de maneira pormenorizada quanto à cada constatação, isoladamente), nos autos dos Anexos V e VI (documentos ID 99787299 e 99787302, respectivamente), apensados aos autos do Procedimento Preparatório nº 014/2009 – Tutela Coletiva, que embasou a presente ação popular:

- Auditoria 8250

A Farmácia Reis Alves e Alves Lopes Ltda. executou as ações do Programa Farmácia Popular do Brasil em desacordo com as normas estabelecidas, no que se refere à realização de cadastro dos usuários em nome do programa, dispensação de medicamentos sem apresentação da documentação obrigatória por parte do usuário e para pessoas diferentes dos usuários registrados nas receitas e realização de entregas domiciliares.

Ficou constatado, ainda, o fornecimento de medicamentos em nome do programa para os usuários residentes no Município de Nova Guataporanga/SP da forma irregular, com prejuízo para o Ministério da Saúde, além de caracterizar fraude, haja vista que os usuários sequer tinham conhecimento que seus CPF estavam sendo utilizados para essas aquisições, bem como alguns deles nunca fizeram uso de tais medicamentos, já que não apresentam qualquer tipo de doença.

Nesse sentido, considerando que todos os esses federais foram realizados com base em informações falsas e fraudulentas, o total recebido pela Farmácia Reis Alies e Alves Lopes Ltda. do Ministério da Saúde, relativo às supostas dispensações para usuários residentes no Município de Nova Guataporanga/SP, no valor de R$ 1.419,77 (um mil quatrocentos e dezenove reais e setenta e sete centavos) deverá ser ressarcido ao Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, com os devidos acréscimos legais.

Além disso, não foram apresentados cupons fiscais e vinculados das competências dezembro/2008 e janeiro/2009, em desacordo com o estabelecido no parágrafo único do Artigo 6° da PT/MS n° 491/2006 e no Artigo 16 da PT/MS n° /49/2009, que representam o montante de R$ 279,56 (duzentos e setenta e nove reais e cinquenta e seis centavos), importância que também deverá ser restituída ao Fundo Nacional de Saúde, com os devidos acréscimos legais.

Vale ressaltar que, em virtude da utilização do CPF de pessoas para aquisições no programa sem autorização dos titulares desses documentos e sem que essas pessoas façam uso dos medicamentos, faz-se necessário o encaminhamento do presente relatório ao Ministério Público Federal para as providências julgadas necessárias por aquele órgão.”

- Auditoria 8259

“A Farmácia Reis Alves e Reis Alves Ltda. executou as ações do Programa Farmácia Popular do Brasil em desacordo com as normas estabelecidas, no que se refere à realização de cadastro dos usuários em nome do programa, dispensação de medicamentos sem apresentação de documentação obrigatória por parte do usuário e para pessoas diferentes dos usuários registrados nas receitas e realização de entregas domiciliares.

Ficou constatado, ainda, o fornecimento de medicamentos em nome do programa para os usuários residentes no Município de Nova Guataporanga/SP de forma irregular, com prejuízo para o Ministério da Saúde, além de caracterizar fraude, haja vista que os usuários sequer tinham conhecimento que seus CPF estavam sendo utilizados para essas aquisições, bem como alguns deles nunca fizeram uso de tais medicamentos, já que não apresentam qualquer tipo de doença.

Dentre as supostas vendas, consta o contraceptivo Nociclin para usuária com data de nascimento 12/06/1935, ou seja, com mais de 70 anos de idade.

Nesse sentido, considerando que todos os repasses federais foram realizados com base em informações falsas e fraudulentas, o total recebido pela Farmácia Reis Alves e Reis Alves Ltda. do Ministério da Saúde, relativos às supostas dispensações para usuários residentes no Município de Nova Guataporanga/SP, no valor de R$ 30.886,48 (trinta mil oitocentos e oitenta e seis reais e quarenta e oito centavos) deverá ser ressarcido ao Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, com os devidos acréscimos legais.

Além disso, não foram apresentados cupons fiscais e vinculados do mês de janeiro de 2009, em desacordo com o estabelecido no parágrafo único do Artigo 6° da PT/MS n° 491/2006 e no Artigo 16 da PT/MS n° 749/2009, que representam o montante de R$ 689,79 (seiscentos e oitenta e nove reais e setenta e nove centavos), importância que também deverá ser restituída ao Fundo Nacional de Saúde, com os devidos acréscimos legais.

O pagamento da competência março/2009 foi bloqueado pelo Ministério da Saúde, conforme informações do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos - DAF/MS. Do total devido pelo Ministério, o valor de R$ 22,68 (vinte e dois reais e sessenta e oito centavos) não deverá ser pago ao estabelecimento farmacêutico, haja vista ser referente à venda do medicamento Triformin, registrada na Autorização de Dispensação de Medicamento n° 998.467.896.269.271, para usuária que declarou não fazer uso do referido medicamento.

Vale ressaltar que, em virtude da utilização do CPF de pessoas para aquisições no programa sem autorização dos titulares desses documentos e sem que essas pessoas façam uso dos medicamentos, faz-se necessário o encaminhamento do presente relatório ao Ministério Público Federal para as providências julgadas necessárias por aquele órgão.”

- Auditoria 8274

“A Drogaria M. S. Souto executou a ações do Programa Farmácia Popular do Brasil em desacordo com as normas estabelecidas, no que se refere à realização de cadastro dos usuários em nome do programa e de entregas domiciliares, dispensação de medicamentos para pessoa diferente da registrada no cupom, retenção da via do cupom vinculado pertencente ao usuário, utilização indevida de CPF, cujos titulares não utilizam medicamentos do Programa, bem como de usuário já falecido, dispensação de medicamentos sem a cobrança da parte relativa ao usuário.

Ficou constatado, ainda, que no período de novembro/2008 a março/2009 a Drogaria M.S. Souto efetuou o fornecimento de medicamentos, em nome do Programa Farmácia Popular do Brasil para usuários residentes no Município de Nova Guataporanga/SP, de forma irregular, com prejuízo para o Ministério da Saúde, haja vista que estes usuários não tinham sequer conhecimento que seus CPF eram utilizados para essas aquisições

Nesse sentido, o montante de R$ 8.532,80 (oito mil quinhentos e trinta e dois reais e oitenta centavos) deverá ser ressarcido ao Fundo Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, com os devidos acréscimos legais, correspondente às dispensações efetuadas para os usuários do município de Nova Guataporanga, nas competências novembro e dezembro/2008 e janeiro e fevereiro/2009, bem como às dispensações nas competências de novembro e dezembro/2008, utilizando-se indevidamente de CPF de usuário já falecido.

Além disso, não foram apresentadas pela referida Drogaria parte dos cupons vinculados relativos às transações efetuadas na competência março/2009, em desacordo com o estabelecido no Parágrafo Único do Artigo 6° da PT/GM/MS n°491/2006 e no Artigo 16° da PT/GM/MS n°749/2009, cujas dispensações representam R$ 1.737,25 (um mil setecentos e trinta e sete reais e vinte e cinco centavos), acrescenta-se a este valor a quantia de R$ 33,21 (trinta e três reais e vinte e um centavos) referente à dispensação efetuada em nome de usuário falecido, nesta mesma competência. Portanto, o Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde - DAF/MS deverá deduzir da produção a ser paga ao estabelecimento farmacêutico, o valor total, de R$ 1.770,46 (um mil setecentos e setenta reais e quarenta e seis centavos).

Vale ressaltar que, em virtude das aquisições no programa com a utilização de CPF de pessoa já falecida ou sem autorização dos titulares do referido documentose sem que essas pessoas façam uso dos medicamentos, bem como declarações divergentes de usuários quanto à dispensação de medicamentos, faz-se necessário o encaminhamento do presente relatório ao Ministério Publico Federal para as providências julgadas necessárias.”

Frise-se que, posteriormente, foram produzidos outros dois relatórios complementares relacionados a duas das Auditorias do DENASUS antes realizadas (nº 8250 e nº 8259), tão somente para corrigir parte dos valores a serem ressarcidos pelos estabelecimentos farmacêuticos auditados em razão de ter sido verificada incorreção no relatório original quanto ao montante devido, apresentando, desse modo, novas conclusões quanto às quantias a serem restituídas, consoante verificado nas fls. 591 e 596 dos autos do Procedimento Preparatório nº 014/2009:

- Auditoria 8250

O total a ser restituído ao Fundo Nacional de Saúde por parte da Farmácia Reis Alves & Alves Lopes Ltda., relativo ao fornecimento de medicamentos do Programa Farmácia Popular do Brasil com base em CPF de usuários residentes em outro município, sem conhecimento e/ou autorização dos titulares desses documentos, conforme registro na constatação nº 30101 do Relatório Final da Auditoria passou para R$ 1.465,79 (um mil quatrocentos e sessenta e cinco reais e setenta e nove centavos), haja vista o erro no registro dos valores de duas Autorizações de Dispensação de Medicamentos.Ficam mantidas as demais constatações.

- Auditoria 8259

O total a ser restituído ao Fundo Nacional de Saúde por parte da Farmácia Reis Alves & Reis Alves Ltda., relativo ao fornecimento de medicamentos do Programa Farmácia Popular do Brasil com base em CPF de usuários residentes em outro município, sem conhecimento e/ou autorização dos titulares desses documentos, conforme registro na constatação n° 30178 do Relatório Final da Auditoria, passou para R$ 30.774,52 (trinta mil setecentos e setenta e quatro reais e cinquenta e dois centavos), haja vista o registro de valores em duplicidade. Ficam mantidas as demais constatações.

Cumpre consignar, por fim, que é possível constatar do processado que o proprietário das Farmácias Reis Alves & Reis Alves Ltda e Reis Alves & Alves Lopes Ltda, Sr. Eduardo Rebuci dos Reis Alves, já providenciou a restituição dos valores que deveriam ser ressarcidos à União, nos termos do apurado pelos relatórios de auditoria principal e complementar de nº 8250 e de nº 8259, conforme comprovado por meio dos documentos de fls. 605 e 606 dos autos do Procedimento Preparatório nº 014/2009 (ID 99788518 – págs. 69/70), não constando dos autos que os valores apurados como devidos pela Auditoria de nº 8274, relacionados à Drogaria M.S. Souto Ltda.-EPP, de propriedade de Marcelo da Silveira Souto, tenham sidos solvidos até o presente momento.

Encerrando a fase investigatória, e do que se depreende do primeiro laudo pericial produzido, de nº 127/2009 - UTEC/DPF/PDE/SP (LAUDO DE EXAME DOCUMENTOSCÓPICO (GRAFOSCÓPICO), acostado aos autos nas fls. 667/736 do Procedimento Preparatório nº 014/2009, vê-se que foram analisados 2.054 (dois mil e cinqüenta e quatro) recibos (comprovantes de crédito ou débito da compra de remédios através do convênio firmado com a Farmácia Popular), os quais foram confrontados com 22 (vinte e dois) Autos de Colheita de Material Gráfico Padrão, relacionados às pessoas de NILCE DA SILVA COSTA VACARI, CASSIANA COTINI DO COUTO, CÉLIA ADRIANO, KLEDIANE ROSALES EREDIA, EVERTON ROMANINI FREIRE, LUCIANA VERONEZI, SANDRA REGINA DOS SANTOS HUNGAREZI, NILDA DA SILVA COSTA, FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA, ELITA MALHEIROS DE MATOS PAES e JEANDERSON PEROZZI DE CARVALHO.

Com relação ao exame do material padrão (item IV.1), a perícia observou que “alguns fornecedores apresentam convergência de classe entre si, ou seja, as características genéricas de suas escritas tais como a gênese de determinadas letras e sílabas, assim como algumas inclinações e calibres são similares entre si. Também foi observado um grau de variabilidade gráfica em alguns padrões o que denota a possibilidade de seu fornecedor apresentar características gráficas divergentes. Ainda, notou-se em alguns autos de colheita evidências de ocultação do padrão natural da escrita, caracterizado por inúmeros disfarces gráficos, notadamente nos padrões de Luciana Veronezi, Jeanderson Perozzi de Carvalho e Everton Romanini Freire. Tais observações não impossibilitam a realização dos exames para determinação da autoria dos lançamentos, contudo restringe a abrangência das conclusões.”.

No exame do material questionado (item IV.2), por sua vez, tem-se que a perícia não se delimitou na análise de autoria das assinaturas constantes dos cupons fiscais, mas buscou demais indícios que pudessem caracterizar a prática de fraude ou preenchimento divergente do comumente esperado. Nesse ponto, verificou que:

“(...) a) Alguns recibos apresentam sulcos de assinaturas em seu corpo, algumas inclusive legíveis, demonstrando que foram preenchidos sequencialmente, colocados apostos um sobre o outro (em pilhas), de forma que o preenchimento do recibo superior ficou marcado no recibo inferior. O comportamento natural e esperado para este tipo de recibo, individual, seria seu preenchimento de forma avulsa, o que tornaria impossível a existência de sulcos nos recibos.(...)

.....................................................................

“(....)b) Os Peritos detectaram que os recibos foram impressos com intervalo de tempo muito próximo. A exemplo cita-se que os recibos da farmácia Reis Alves de códigos 003124 a 003467, que totalizam 112 cupons, foram impressos todos na data de 13/04/2008 - domingo, entre às 12:59:22 (hh:mm:ss) e às 14:44:01 (hli:mm:ss), o que corresponde a uma venda a cada 56 segundos de forma ininterrupta;

c) Notou-se que recibos com número de CPF idêntico apresentavam impressões distintas dos nomes dos beneficiários. Apesar de pertencerem a mesma pessoa, a assinatura constante no recibo reproduz os nomes impressos, repetindo o erro estabelecido na impressão do recibo.(...)”

..................................................................

“(...)d) Foram constatadas assinaturas apostas em nome de mesma pessoa completamente divergentes entre si, com características inclusive de terem sido emanadas por punhos diferentes. (...)"

Além disso, consoante verificado no subitem “e”, alguns recibos possuíam impressões papilares ou fragmentos de impressões, sugerindo-se, na ocasião, a eventual realização de exame de confronto papiloscópico, caso o solicitante entendesse pertinente.

No que tange à determinação de autoria, diz a perícia, em suas considerações iniciais constantes do item IV.3.1, que “Os exames das assinaturas apostas nos documentos questionados revelaram inúmeros padrões pictóricos de escrita, observando-se assinaturas sem expressões literais compostas de traços simples sem qualquer representação formal, escritas de diferentes calibres e inclinações, escritas que denotavam grau de habilidade do punho escritor, escritas ensaiadas e escritas disfarçadas, além de lançamentos apostos naturalmente onde não se manifestou algum tipo evidente de disfarce gráfico. A busca pela determinação da autoria na maioria destes casos tornou-se prejudicada, ainda mais ao considerar-se a pouca extensão dos escritos e as características dos padrões apresentados, já esclarecidas na subseção lV.1. Destarte os Peritos restringiram as conclusões peremptórias aos casos em que os lançamentos se apresentavam os mais naturais possíveis e correlatos aos padrões apresentados. Todavia, não se pode afastar a possibilidade da autoria pelos fornecedores dos padrões dos demais lançamentos examinados, sendo inclusive observadas características relevantes em determinados lançamentos, porém inadequadas a uma conclusão inequívoca.”

Concluiu a perícia, mesmo assim, que as pessoas relacionadas em tabelas confeccionadas no laudo pericial em comento seriam os autores das escritas questionadas “em razão das características gráficas semelhantes àquelas presentes nos padrões fornecidos, quer sejam de ordem subjetiva ou objetiva, destacando-se dentre elas a gênese gráfica, inclinação, dinamismo, ligações interliterais, espaçamentos intervocabulares, alinhamentos, pressão, andamento gráfico, ataques e remates.(...)”.

Seriam elas: EVERTON ROMANINI FREIRE (44 recibos); NILCE DA ILVA COSTA VACARI (94 recibos), KLEDIANE ROSALES EREDIA (19 recibos), CASSIANA COTINI DO COUTO (4 recibos) e LUCIANA VERONEZI (15 recibos).

E, ao final, em resposta aos quesitos formulados, assim constou do laudo pericial:

“(...)

a) Quais as características do material fornecido a exame?

O material examinado acha-se descrito nas seções II - OBJETO e IV -  EXAMES do presente Laudo.

b) E possível afirmar que os cupons foram assinados por alguns dos fornecedores dos padrões gráficos constantes nos autos de colheita periciados?

Sim. Conforme consta descrito e relacionado na subseção IV3.2 Relação dos Autores, é possível afirmar que dentre os recibos apresentados e examinados pelos Peritos observam-se escritas a título de assinatura que partiram dos punhos de Everton Romanini Freire, Nilce da Silva Costa Vacari, Cassiana Cotini do Couto, Kiediane Rosales Eredia e Luciana Veronezi.

c) É possível afirmar que uma mesma pessoa assinou cupons em nome de pessoas diferentes?

Sim, conforme mencionado nas subseções IV.2 Exame do Material Questionado e IV.3 Determinação da Autoria, além de ser possível também afirmar que pessoas diferentes assinaram em nome de um mesmo beneficiário.

(...)”

Quanto às provas constantes do bojo dos autos desta Ação Popular, verifico que a maior parte delas foi colacionada a estes autos pelo Ministério Público Federal, a título de prova emprestada, sendo tal documentação oriunda dos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.403.6112.

Nas fls. 651/686, há uma cópia da denúncia oferecida na ação penal acima mencionada.

A seguir, foram apresentados os termos relacionados aos depoimentos de testemunhas ouvidas nos autos daquela ação penal, abaixo transcritos:

- LUZIA FRANCISCA AMARA JACOBS (fls. 688):

“(...) Era agente comunitária de saúda à época dos fatos e recebeu de Everton determinação para que fizesse uma lista com nome, CPF e data de nascimento, ao que se recorda, cuja lista abrangia as pessoas que atendia. Indagou o motivo e Everton lhe disse que adquiriria remédios para todos. A lista foi entregue em mãos do próprio Everton. Não fez verificação entre a lista e os prontuários dos atendidos que constaram da lista. À época fazia uso de Atenolol, mas não de Propanolol. Retirava medicamentos junto ao Posto e não se recorda de figurar como beneficiária também do Propanolol. Lidas suas declarações prestadas ao MPF, esclareceu que realmente fazia uso do Atenolol. Nada Mais.(...)”

- FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 689/691):

“(...) No ano de 2008 estava gestante e deu à luz em 14/02, tendo se afastado em licença e retornado no mês de junho. Na sua ausência ocupou seu lugar uma estudante de farmácia, Luciana Veronezi. Esclarece que havia um sistema denominado Farmanet que precisava ser periodicamente alimentado, mas quando de seu retorno percebeu na Unidade a existência de medicamentos que não eram colocados nesse sistema e Luciana apenas lhe disse que eram oriundos do Programa Farmácia Popular e que desconhecia detalhes. Mensalmente precisava fazer a contagem do estoque e lançou no sistema inclusive aqueles medicamentos encontrados na Unidade e que até então não estavam no sistema. Uma pessoa da Assistência Farmacêutica em Presidente Prudente fez contato em vistude desses novos medicamentos lançados e ao saber que eram oriundos da Farmácia Popular disse que ser tratava de procedimento irregular. Tirou mais férias e se ausentou do trabalho por alguns períodos, retornando em dezembro de 2008, ocasião em que os medicamentos continuaram a chegar em sacos e caixas, trazidos por Everton e entregues nas mãos da depoente. Como eles não vinham acompanhados de nota fiscal, exigiu e Everton lhe deu um documento para justificar a presença dos medicamentos na Unidade. Tais medicamentos ficavam no estoque e eram entregues à população. Dentre os trazidos por Everton havia alguns que também eram fornecidos pelo Programa Dose Certa, dentre os quais pode citar Captopril, Gibenclamida, Propanolol, Ciclo 21 e Metformina. Não sabe o motivo de além deles serem fornecidos pelo Dose Certa, também aportarem na Unidade oriundos da Farmácia Popular, sendo que constantemente faziam atualização da demanda desses medicamentos e não havia falta dos mesmos pelo Dose Certa. Viu cupons fiscais na sala de Everton, mas nunca viu alguém os assinando. A ausência de notas fiscais era suprida por documento assinado por Everton materializando a entrega dos mesmos na Unidade. Os pacientes são cadastrados e nos respectivos prontuários conta a medicação de uso contínuo a eles prescrita. Anotava-se a entrega dos medicamentos no prontuário do paciente. Quando de seu retorno em dezembro, a depoente fez um controle da todos os medicamentos através da uma "ficha de prateleira", que é uma espécie de balanço dos medicamentos com origem e destinação. Todos os medicamentos foram inventariados, tanto os oriundos dos Programas Governamentais, como aqueles trazidos por Everton. Everton lhe dizia que os medicamentos vinham da Farmácia Popular e que não estavam acompanhados de notas. Além de Everton, Kleidiane também em uma oportunidade lhe entregou os medicamentos, sendo Kleidiane uma espécie da secretária de Everton. Não recebeu medicamentos de pessoas vinculadas a Farmácias, mas avistou por vezes o funcionário da FARMAIS de Dracena, Jeanderson, o qual também é morador de Nova Guataporanga. Avistou também Paulo Toniolo, morador da cidade de Tupi Paulista, o qual era proprietário de Farmácia. Dos cupons que viu na sala de Everton não sabe dizer detalhes, pois apenas observou que era um volume considerável. Everton lhe pediu no início de 2009 uma lista com nome de usuários de medicamentos, mas não lhe forneceu porque não dispunha da mesma. Tomou conhecimento através de outros funcionários de que Everton deu ordem para que alguns assinassem documentos relativos à entrega de medicamentos. Também soube de uma ordem de Everton para que agentes comunitários de saúde fizessem um levantamento pessoas que faziam uso de medicação contínua. Por ocasião das oitivas na fase policial alguns agentes ficaram temerosos de alguma perseguição em virtude de seus depoimentos. A ordem de Everton aos agentes se referia à conferência nos prontuários a respeito do uso efetivo dos medicamentos pelos pacientes. Cassiana era enfermeira na Unidade e nada lhe disse a respeito de eventual pressão sofrida da parte de Everton para que assinasse algum documento. Nada Mais. (...)”

- ELITA MALHEIROS DE MATOS PAES (fls. 692):

“(...) À época dos fatos era agente comunitária de saúde e recebeu determinação de Everton para fazer uma lista dos hipertensos e diabéticos, constando nome, RG e CPF, cuja lista entregou a ele não lhe foi esclarecida a finalidade da mesma. Nada Mais. (...)”

- NILDA DA SILVA COSTA (fls. 693/694):

“(...) Nada sabe sobre os fatos mencionados na denúncia. Recebeu ordem de Everton para que fizesse uma lista na qual deveria constar nome e CPF das pessoas que atendia em sua micro-área na qualidade de agente comunitária de saúde. Não lhe foi esclarecida a utilidade e destinação da lista. Não fez confrontação com a lista que elaborou e o prontuário dos pacientes. Lidas suas declarações prestadas junto ao Ministério Público Federal, esclareceu que não se recorda de Everton ter determinado que constasse da lista o medicamento e a respectiva quantidade utilizada pelo paciente. Reconhece como sua a assinatura no Termo de Declaração prestadas ao MPF em 06/05/2009. A lista confeccionada foi entregue para Everton. Não se recorda de eventual determinação de Everton para que confrontasse a lista com os prontuários dos pacientes. Nenhum de seus atendidos reclamou da vinculação dos nomes com medicamentos que não usava. Nada mais. (...)”

- SANDRA REGINA DOS SANTOS HUNGAREZI (fls. 695):

“(...) À época dos fatos era agente comunitária de saúde e Everton deu uma determinação para que elaborasse uma lista com nome, RG e CPF de seus atendidos, bem como o nome a medicamentos que usavam. Entregou a lista ao próprio Everton e nada lhe foi dito sobre sua finalidade. Nada Mais. (...)”

- DIVANIR ROMANHOLI BATISTA (fls. 696):

“(...) Se cadastrou no Programa Nota Fiscal Paulista para concorrer a prêmios e verificou que havia compras em seu nome junto à FARMAIS de Dracena de medicamentos que não fazia uso à época, mais especificamente anticoncepcionais. Posteriormente ficou sabendo de comentários a respeito do uso indevido do CPF e várias pessoas, constatando então que estava entre elas Nunca fez compras na FARMAIS de Dracena. Nada Mais. (...)”

- LIBÉRIO JOVELINO DE LIMA (fls. 697):

“(...) Quando surgiram os fatos, considerando que sua esposa frequenta o Posto de Saúde, foi junto com ela verificar na Internet se seus nomes estavam vinculados e constataram que não havia nada no nome dela, mas apenas no nome do depoente. Faz 08 anos que foi ao Posto e não faz uso de medicamentos, nunca tendo recebido os mesmos nem assinado qualquer documento fiscal relativo à entrega desses medicamentos. Não foi procurado por agente comunitário de saúde que lhe tenha pedido o CPF.Nada Mais.(...)”

- FLORISSALDO SOZIM (fls. 698):

“(...) Ao tomar conhecimento de pessoas da cidade vinculadas aos fatos aqui tratados, foi fazer uma verificação e constatou que havia compras em seu nome na FARMAIS de Dracena, sendo que não efetuou tais compras, não usou os medicamentos e não assinou qualquer documento relativo à compras desses medicamentos. Obteve junto ao Posto o medicamento Atenolol em substituição ao Lozartan, em virtude do preço deste. Nada Mais. (...)”

- MÁRCIA REGINA OLIVEIRA JACOBS (fls. 699):

“(...) Tomou conhecimento da utilização indevida de seu nome e CPF na compra de medicamentos na FARMAIS de Dracena, estabelecimento no qual nunca efetuou compras e também não fazia uso dos medicamentos vinculados a seu nome. Nada Mais. (...)”

- JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS (fls. 700):

“(...) Tomou conhecimento da existência de compras em seu nome junto a uma empresa de nome Reis & Reis quando acessou o site do Nota Fiscal Paulista. Foi verificar no endereço e constatou que se tratava da FARMAIS de Dracena, local onde nunca estivera antes. Lá foi atendida pelo funcionário Jeanderson e este lhe disse que o nome da depoente constava de uma lista encaminhada por Everton à Farmácia, mas que "isto não aconteceria mais". Nega as aquisições e esclarece que nunca fez uso dos medicamentos vinculados a seu nome. O próprio Everton lhe solicitou em ocasião anterior o seu CPF, esclarecendo que a finalidade seria aquisição de preservativos junto ao Governo Estadual. Nada Mais. (...)”

- RENATA APARECIDA JACINTO GARCIA (fls. 707):

“(...) Até outubro de 2008 era agente comunitária de saúde em Nova Guataporanga e em determinada ocasião o acusado Everton chegou na sala em que estavam os agentes com vários cupons fiscais e determinou que dividissem entre o grupo e cada um assinasse uma parte dos cupons. A faxineira Inácia estava na porta e disse que não assinaria nada, saindo em seguida, tendo a depoente também se ausentado sem assinar qualquer documento. Everton não chegou a dizer a forma como deveriam assinar os documentos. Também teve seu CPF utilizado indevidamente na compra de remédios da Farmácia Popular. Sandra, Elite e, salvo engano, Luzia, também agentes de saúde estavam e permaneceram na sala, não tendo a depoente visto se elas assinaram os documentos. O pedido feito por Everton se deu de maneira natural, que logo após saiu do local. Nada Mais.(...)”

- VICTOR ELEY DA FONSECA (fls. 708):

“(...) Sua genitora numa viagem a São Paulo foi impedida de adquirir medicamentos pelo Programa Farmácia Popular porque o sistema acusava que ela tinha excedido sua cota. Ela fez contato com o depoente e o depoente procurou a ouvidoria do SUS, recebendo dias depois um e-mail indicando que sua genitora adquiria medicamentos pelo Farmácia Popular desde 2008. No mesmo e-mail havia indicação dos estabelecimentos onde ocorreram as aquisições, sendo um deles de Dracena. Esteve no local e conversou com o proprietário Eduardo, o qual disse que poderia se tratar de aquisições feitas por um funcionário seu, Jeanderson, residente em Nova Guataporanga. Jeanderson foi chamado e informou que realmente efetuou as aquisições com base numa listagem de dados fornecidos pela Secretaria da Saúde naquele município, salvo engano através do acusado Everton. Jeanderson também disse que entrega os medicamentos naquela Secretaria. Não se recorda de ter conversado com Everton sobre os fatos. Na ONG presidida por sua genitora várias pessoas, mais de 50, compareceram pedindo consulta de seus CPF’s e foi constatado que o nome e documentos dessas pessoas foram utilizados indevidamente na fraude. Nada Mais. (...)”

- JOSEFA FELICIANA DUDA DA FONSECA (fls. 709/711):

“(...) Pelo advogado dos réus Everton, Nilce e Kleidiane foi dito que contraditava a testemunha alegando inimizade política e pessoal dos referidos réus, com diversos entreveros na cidade de Nova Guataporanga. Pela testemunha foi dito que não é inimiga de aludidos réus e se limitou a denunciar os fatos, não tendo qualquer entrevero com os mesmos. Nega pertencer a grupo político diverso do dos réus. Pelo MM. Juiz foi dito: "Em cumprimento ao disposto no art. 214 do CPP, está consignada a contradita e a resposta da testemunha, não sendo caso de sua exclusão ou indeferimento de compromisso porque ela não se enquadra no rol dos artigos 207 e 208 do mesmo Código. Compromissada e inquirida pelo Meritíssimo Juiz de Direito; na forma da lei, respondeu: Já prestou depoimento a respeito destes fatos em ação civil que tramita neste Juízo, onde afirmou e reitera neste ato que em fevereiro de 2009 viajou para São Paulo e esqueceu de levar um medicamento para o controle do diabetes. Foi até a Farmácia para o adquirir e o funcionário sugeriu que usasse o programa "Farmácia Popular", que permitiria a aquisição por valor menor. Entregou seu CPF e a receita, mas não pode adquirir o medicamento pelo programa porque segundo o funcionário sua cota para aquele mês estaria esgotada. Ficou espantada porque nem adquiria esse medicamento, o recebendo através de um programa Goveramental (atenção básica). Comprou pelas vias normais, mas ligou para seu filho e pediu que fizesse uma verificação, O filho da declarante fez contato com o SUS e verificou que desde o início de 2008 constavam aquisições daquele medicamento e outros relativos às patologias da declarante, compras feitas em Araçatuba e em Dracena. Quando retornou a Nova Guataporanga registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia, o qual foi sumariamente arquivado, motivando a vinda da declarante ao Ministério Público, local onde foi orientada a respeito da situação. O filho da declarante esteve na empresa de Dracena e conversou com o proprietário, Eduardo, o qual disse que provavelmente se tratava de uma listagem que vinha de Nova Guataporanga trazida por um funcionário de nome Jeanderson. O próprio Jeanderson confirmou esse fato com o filho da declarante, dizendo que realmente o nome da declarante constava da listagem que ele levava para aquela empresa. O mesmo Jeanderson esteve na casa da declarante pedindo desculpas pelo uso de seu CPF, obtendo resposta de que o procedimento de averiguação já estava em curso e que quando fosse ouvido deveria se limitar a dizer a verdade. Também foi procurada por Eduardo em seu local de trabalho, o qual disse que recebia uma lista com os dados de pessoas, cuja lista era encaminhada pela Unidade de Saúde de Nova Guateporanga para a farmácia. A própria assinatura da declarante era falsificada nos cupons relativos aos medicamentos. Consultou o Ministério Público e fez verificações com o CPF de terceiros, constatando que várias outras pessoas tiveram seus nomes e documentos utilizados falsamente nos mesmos moldes do documento e nome da declarante. Com sua vinda ao Fórum depois de procurar a Delegacia, bem como a descoberta do nome de outras pessoas com o mesmo problema, a notícia de espalhou, não sendo necessária qualquer outra providência. Quando foi procurada por Jeanderson, ele lhe disse que não sabia que Josefa Feliciana Duda da Fonseca fosse a declarante, que é conhecida como "Jô Fonseca". Fernanda Borssank é nora da declarante, sendo certo que no ano de 2008 desempenhava a função de farmacêutica na Unidade de Saúde de Nova Guataporanga, tendo se afastado em fevereiro de 2008 por licença maternidade, não sabendo dizer o período de seu afastamento. O pai de Fernanda e a própria Fernanda são sócios de uma farmácia em Nova Guataporanga, denominada Drogareli. Referida farmácia participa do programa "Farmácia Popular", não sabendo precisar desde quando, estimando entre os anos de 2008 ou 2009. Não sabe dizer quem teria falsificado suas assinaturas nos cupons. A declarante foi Presidente do Conselho de Saúde de Nova Guataporanga. Além de Eduardo, também foi procurada por Paulo Toniolo, que era o contato com a farmácia de Araçatuba. Paulo Toniolo é falecido e era seu conhecido, dono de farmácia em Tupi Paulista e fornecedor da família da depoente, o qual se desculpou pelo ocorrido. Não é filiada a qualquer partido político. DO DEPOIMENTO SUPRA JÁ CONSTAM AS REPERGUNTAS FORMULADAS PELA PARTE CONTRÁRIA. Nada Mais.(...)”

Consta, ainda, dos documentos apresentados pelo MPF, cópia do LAUDO DE PERÍCIA CRIMINAL FEDERAL (DOCUMENTOSCOPIA) de n° 0231/2012- UTEC/DPF/PDE/SP (fls. 712/785), produzido em razão de determinação exarada nos autos da ação penal já mencionada, com o intuito de responder/esclarecer os questionamentos (quesitos) formulados pelas defesas dos réus. Tal laudo se inicia com uma descrição detalhada quanto à terminologia empregada no decorrer do trabalho e os equipamentos utilizados na sua elaboração, bem como faz uma revisão bibliográfica no tocante ao processo de escrita.

Aborda, na sequência, a questão relacionada aos indícios de disfarce gráfico com relação ao material padrão colhido por Luciana Veronezi, Jeanderson Perozzi de Carvalho e Everton Romanini Freire, nos seguintes termos:

“(...)

Conforme abordado nas folhas 56 do Laudo 0127/2009-UTECIDPF/PDE/SP, o material padrão apresentado por Luciana Veronezi, Jeanderson Perozzi de Carvalho e Everton Romanini Freire apresentavam indícios de disfarce gráfico. Tal assertiva foi baseada considerando-se que o material apresentava modificação do aspecto pictório, decorrente de variação da inclinação, mudança da forma das letras maiúsculas, na gênese das letras minúsculas, nos ataques, variação expressiva de calibre, uso alternado de letra de forma e letra cursiva, mudança no espaçamento interliteral, nas passantes superiores e inferiores, no aumento dos valores angulares e paradas do instrumento escritor. Estas alterações representam dez características das dezesseis apresentadas como comumente empregadas para execução de disfarces gráficos, conforme já relacionado na Tabela 01. Igualmente, em meio ao material gráfico apresentado, foi notada pouca fluência em algumas escritas, caracterizada pelo tipo de variação de pressão e velocidade observada, o que denota a falta de espontaneidade em seu lançamento, principalmente quando comparadas a outros lançamentos dos mesmos fornecedores, onde se observa maior fluência e maior naturalidade da escrita.

(...)”

Prossegue o Laudo quanto às indagações da defesa da corré Cassiana Cotini do Couto nos tocante aos aspectos psicológicos e/ou eventual coação, restando, assim, dirimidos os questionamentos:

“(...)

No tocante ao questionado pela defesa dos réus, quanto ao aspecto psicológico da ré Cassiana Cotini do Couto, observa-se pelo abordado acima que qualquer transtorno do sistema nervoso, mesmo que momentâneo, pode afetar o padrão da escrita. Entretanto tais alterações são na maioria das vezes fatores limitantes à análise dos grafismos, não se constituindo em impedimento às conclusões categóricas. A partir do momento em que as características gráficas existentes nas peças questionadas convergem para as observadas nos padrões, o Perito em Grafoscopia tem condições de atribuir sua autoria, conforme abordado por Hayes9: "Nevertheless, one 's usual writing habtis show through, making lhe writing indentifiable" e por Huber e Headrick:

(...)

Já, quando as características gráficas divergem entre as grafias questionadas e o padrão, há que se analisar se tais divergências podem ou não serem explicadas pelo diagnóstico de eventual estado mórbido, devendo-se neste caso tomar as devidas cautelas quanto às conclusões peremptórias.

Ainda, com relação ao questionamento da defesa da ré Cassiana Cotini do Couto, no que tange a eventual coação para preenchimento das escritas ou da existência de características gráficas que apontem ou neguem a livre vontade de seu autor, cabe de antemão esclarecer que não se pode confundir livre vontade com espontaneidade da escrita, pois a segunda pode fazer-se presente ou não, independentemente da primeira. Em relação à livre vontade, coação, ou qualquer efeito extrínseco ou intrínseco que possa vir a afetar a escrita, não existem estudos consolidados, no âmbito da ciência Grafoscópica, que permitam estabelecer uma ferramenta diagnóstica, haja vista a grande variedade de alterações motrizes que podem, inclusive, apresentarem-se combinadas, sendo improvável uma conclusão precisa, conforme citado pelos autores Hayes e Huber e Headrick:

(...)

Desta feita, qualquer afirmativa que o signatário venha a fazer no sentido de se diagnosticar eventual coação, stress emocional, livre vontade ou quaisquer outros fatores relacionados, será meramente especulativa, carecendo de fundamentação científica.”

No tocante ao exame de autenticidade/autoria, o Laudo apresenta considerações acerca das possibilidades de análise para viabilizar a determinação de autoria e aduz que:

“(...)

Na análise do material questionado foram identificadas inúmeras assinaturas com características gráficas convergentes, mesmo quando apostas em nome de pessoas distintas. Tais achados evidenciam a ocorrência da quarta possibilidade, ou seja, uma mesma pessoa assinou diversos recibos em nome de terceiros, adotando suas próprias características gráficas. Outro aspecto que corrobora esta conclusão trata da existência de recibos apostos com grafias distintas .....

(...)

Também foram identificados recibos emitidos em nome de uma mesma pessoa apresentando escritas com grau de habilidade gráfica completamente divergente, forte indicio de que foram preenchidos por pessoas distintas,...

(...)

Igualmente, em meio ao material questionado foram localizados alguns recibos cujos emissores correspondem aos fornecedores de material gráfico padrão, os quais apresentaram modelo de autenticidade de suas assinaturas. Ainda assim, foi possível identificar que tais assinaturas - constantes dos recibos questionados - não guardam similaridade com o material gráfico padrão fornecido, ....

(...)

Face principalmente ao exposto acima e, considerando as demais características de falsidade material que permeiam os recibos apresentados, o Perito entendeu por bem realizar os exames apenas confrontando as escritas questionadas com o material padrão apresentado, sem requerer materiais gráficos adicionais com assinaturas autênticas. Tal procedimento não se trata de nenhuma inovação metodológica, encontrando respaldo inclusive na Orientação Técnica 006/201 1-DITEC/DPF do Instituto Nacional de Criminalística. Ademais, os princípios que regem a Grafoscopia são taxativos ao afirmarem que a escrita é individual e inconfundível, assim sendo, mesmo sem os padrões de autenticidade, uma vez comprovada a autoria das escritas, pode-se concluir que única e exclusivamente aquela pessoa poderia ter emanado os escritos identificados.”

A seguir, o laudo faz uma descrição minuciosa das novas análises realizadas, restritas aos recibos cuja autoria foi determinada pelo Laudo anterior de nº 0127/2009, onde restou constatado, novamente, que características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, corroboraram com a conclusão já definida em oportunidade pretérita quanto às autorias das assinaturas constantes do laudo original.

Por fim, assim foram respondidos os quesitos ofertados:

“(...)

RÉ CASSIANA COTINI DO COUTO

Quesito 01) Comparadas as assinaturas e a rubricas da ré CASSIANA COTINI DO COUTO, colhidas no material gráfico objeto de estudo, pode-se afirmar guardarem referidas assinaturas nítidas diferenças em sua forma comparando-as com aquelas apostas nos recibos?

Primeiramente cabe destacar que as assinaturas e rubricas apostas no material padrão fornecido apresentam convergência gráfica com os demais lançamentos presentes no mesmo material gráfico padrão fornecido, especialmente aqueles que reproduzem nomes de pessoas. Vale também salientar que o confronto com o material questionado não é restrito apenas as assinaturas e rubricas fornecidas, sendo utilizado todo o material gráfico padrão no intuito de avaliar as variações das escritas, no ensejo de ponderar se as convergências e/ou divergências identificadas podem ser explicadas por esta variação. Quanto ao questionamento no que tange as "nítidas diferenças", acha-se exposto e ilustrado na subseção 1V4.4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couro que os recibos questionados ali relacionados apresentam convergências em qualidade satisfatória com os padrões fornecidos.

02) Inserindo-se no conteúdo dos lançamentos das assinaturas apostas por CASSIANA COTINI DO COUTO no material colhido para estudo nota-se divergências entre ataques e remates dos traços comparando-se com aquelas apostas nos referidos recibos?

Quando comparados aos recibos relacionados na Tabela 06 não se vislumbram divergências, conforme exposto e ilustrado na subseção IV 4.4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couto.

03) Pode-se afirmar serem antagônicos os manuscritos contraditados?

As assinaturas questionadas dos recibos relacionados na Tabela 06 guardam similaridades entre si, sendo consoantes ao material padrão fornecido por Cassiana Cotini do Couto, conforme exposto e ilustrado na subseção IV 4.4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couto.

04) Existe diferenças, de qualquer ordem, no padrão colhido no material de exame e as assinaturas indicadas nos recibos supostamente assinados pela ré CASSIANA COTINI DO COUTO?

Durante a análise do material gráfico, padrão e questionado, são ponderadas as diferenças e convergências observadas. No caso do material gráfico padrão de Cassiana Cotini do Couto foram constatadas convergências em qualidade satisfatória com o material questionado relacionado na Tabela 06, conforme exposto e ilustrado na subseção IV.4.4 Quanto a Autoria de Cassiano Cotini do Couto.

05) É possível que os senhores peritos e forneçam um quadro das coincidências e das divergências dos "Elementos de Ordem Geral", quer objetivos, quer subjetivos das assinaturas da ré CASSIANA COTINI DO COUTO existentes neste processo?

As convergências que subsidiaram as conclusões apresentadas acham-se detalhadamente relacionadas e ilustradas na subseção IV.4. 4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couto.

06) Examinando-se os documentos podem os senhores peritos dizerem, se há linearidade vertical entre as letras encontradas no documento sob análise, e, aquelas respeitantes a ré CASSIANA COTINI DO COUTO?

O material gráfico padrão guarda convergência quanto às dimensões (vide glossário) frente às assinaturas constantes dos recibos relacionados na Tabela 06, conforme exposto e ilustrado na subseção IV 4.4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couto.

07) Há diferença entre a impregnação de tinta nos escritos do documento analisado e os referentes a RÉ CASSIANA COTINI DO COUTO?

Não foram observadas divergências na pressão (vide glossário) existente no material gráfico padrão frente às observadas nas assinaturas constantes dos recibos relacionados na Tabela 06, conforme exposto e ilustrado na subseção IV 4.4 Quanto a Autoria de Cassiana Cotini do Couto, que pudessem negar a autoria dos referidos manuscritos, aliás, foram observadas convergências em boa parte das escritas analisadas.

08) Houve tentativa de fraudar o padrão gráfico das assinaturas apostas nos recibos? Quem subscreveu, tentou de alguma maneira "burlar" alguma assinatura preexistente?

As assinaturas constantes dos recibos relacionados na Tabela 06, cuja autoria foi atribuída a Cassiana Cotini do Couto, não apresentam assinaturas sobrescritas.

09) De acordo com as considerações dos quesitos anteriores, é factualmente possível afirmar que, com relação a pessoa que subscreveu o indicado recibo, a mesma estivesse sendo coagida ou submetida a erro escusável ou invencível no momento da assinatura de referido documento?

Conforme já abordado na subseção IV.3. 4 Fatores Extrínsecos e Intrínsecos da Escrita, dado o atual estágio de pesquisas desenvolvidas no ramo da Grafoscopia, qualquer afirmativa que o signatário venba a fazer no sentido de se diagnosticar eventual coação, stress emocional, livre vontade ou quaisquer outros fatores relacionados, será meramente especulativa, carecendo de fundamentação científica.

10) É possível apontar características formais nos recibos no sentido de que o suposto subscritor tenha manifestando livremente sua vontade?

Vide resposta ao quesito anterior.

11) O senhores peritos levam em consideração questões psicológicas do subscritor da assinatura para a elaboração da conclusão da perícia?

Conforme já abordado na subseção IV.3.4 Fatores Extrínsecos e Intrínsecos da Escrita, apesar dos transtornos psicológicos serem capazes de alterar o padrão de escrita de um indivíduo, a partir do momento em que as características gráficas existentes nas peças questionadas convergem para as observadas nos padrões, o Perito em Grafoscopia tem condições de atribuir sua autoria.

12) Os peritos indagaram como era o local de trabalho e se a ré CASSIANA COTINI DO COUTO habitualmente assinava esse tipo de documentos?

Não. O Perito entende que os documentos questionados e o material padrão fornecido eram suficientes para as conclusões técnicas apresentadas no Laudo 0127/2009- UTEC/DPF/PDE/SP.

13) Quando da elaboração do laudo oficial, o senhores peritos indagaram a ré CASSIANA COTINI DO COUTO a respeito dos motivos que supostamente a levaram a assinar os cupons objeto da análise nesses autos? Perguntaram se a mesma foi enganada ou coagida por algum superior hierárquico a assinar tais documentos?"

Não cabe ao signatário analisar as razões que levaram à conduta ora apresentada, pois se trata de juízo de valor o que fugiria ao aspecto técnico de sua atribuição.

RÉUS EVERTON ROMANINI FREIRE E OUTROS

1°) No Capítulo IV.1 - "Exame de Material Padrão" os Peritos autores do laudo de número 0127/2009 mencionam tentativa dos fornecedores dos padrões gráficos de confronto (Luciana Veronezi, Jeanderson Perozzi de Carvalho e Everton Romanini Freire) de disfarçar a escrita deliberadamente, na tentativa de inviabilizar o exame grafotécnico. Em que constitui tais disfarces - comentar de forma ilustrada.

Os disfarces gráficos citados no corpo do Laudo 0127/2009- UTEC/DPF/PDE/SP, bem como a fundamentação teórica que serviu de base para as conclusões apresentadas, acham-se ilustrados e detalhados na subseção IV.3 - Análise do Material Padrão.

2°) Importante mencionar em que folhas em que se encontram as peças de exame, de modo a possibilitar sua fácil localização e reexame?

O material examinado encontrava-se acautelado junto ao Cartório Central da Delegacia de Polícia Federal em Presidente Prudente. O Perito separou os documentos questionados conforme atribuição de autoria e os está encaminhando em embalagens lacradas conforme detalhado na Tabela 08 da subseção IV.6 Organização do Material Analisado.

3°) Conforme mencionado no laudo pericial, é inegável a ocorrência de anomalias de ordem física(documental), contudo o escopo principal da análise é a autoria gráfica das assinaturas e rubricas lançadas nas peças de exame. De forma a melhor esclarecer as conclusões do mencionado laudo solicita-se aos seus autores que mencionem e expliquem a forma clara todos os aspectos genéticos e de natureza morfológica da escrita, pois as explicações contidas no laudo deixam severas dúvidas sobre tal classificação.

As terminologias adotadas acham-se detalhadas na subseção IV.1 Glossário. As características gráficas que permitiram ao signatário concluir pela autoria dos manuscritos acham-se relacionadas, discriminadas e ilustradas na subseção IV.4 - Análise das Autorias do Material Questionado.

4º) Relativamente à autoria dos lançamentos questionados, buscaram os peritos encarregados dos exames coletar padrões gráficos de confronto dos indivíduos que, em tese, teriam retirado os medicamentos? Se o fizeram, porque não foi mencionado?

Conforme já abordado na subseção JV.4.1 - Exame de Autenticidade versus Exame de Autoria, dadas as evidências de fraude constantes das peças questionadas e as idiossincrasias constantes dos documentos relatadas na mesma subseção, o Perito entendeu por bem realizar os exames apenas confrontando as escritas questionadas com o material padrão apresentado, sem requerer matérias gráficos com assinaturas autênticas. Tal procedimento não se trata de nenhuma inovação metodológica, encontrando respaldo inclusive na Orientação Técnica 006/2011-DITEC/DPF do Instituto Nacional de Criminalística. Ademais, os princípios que regem a Grafoscopia são taxativos ao afirmarem que a escrita é individual e inconfundível, assim sendo, mesmo sem os padrões de autenticidade, uma vez comprovada a autoria das escritas, pode-se concluir que única e exclusivamente aquela pessoa poderia ter emanado os escritos identificados.”

Durante a instrução processual nestes autos principais, foram efetuadas as oitivas de duas testemunhas arroladas pela defesa da corré Cassiana Cotini do Couto, cujos termos abaixo transcrevo:

- JORGE FERNANDES GARCIA (fls. 827):

“(...) O depoente trabalhava no controle de vetores e quando dos fatos objeto desta ação vieram à tona, fazia 15 ou 20 dias que saíra do controle de vetores e passara a trabalhar no Centro de Saúde auxiliando o digitador, não tendo contato com o fornecimento de medicamentos. Quando no controle de vetores, tinha contato com a requerida Cassiana por ocasião da aprovação de algum plano relativo ao seu trabalho. Não foi responsável pela elaboração de listas com nomes de munícipes. Nada sabia sobre os atos mencionados na ação civil pública e somente quando divulgados é que soube dos nomes vinculados a eles. Quando foi procurado para ser testemunha ficou claro que seu depoimento versaria sobre o relacionamento profissional com Cassiana. A pessoa que elaborou as listagens de nomes foi a testemunha Luiz Antonio, havendo boatos de que a mando de Everton. Depois falaram dos nomes dos outros réus, mas nada com consistência. Everton era superior hierárquico de Cassiana. Desconhece eventual assédio moral da pessoa de Everton contra Cassiana. Nunca viu Cassiana assinando qualquer documento a mando de Everton. Cassiana lhe disse que ia embora da cidade porque estava insatisfeita, mas não lhe deu detalhes dos motivos do pedido de exoneração. Não tem mais contato com Cassiana e não sabe se ela está em tratamento psicológico. Nada mais.(...)”

- LUIS ANTONIO PINHEIRO CASTILHO (fls. 828):

“(...) Trabalha como digitador e em relação aos fatos esclarece que as listas em que constavam os nomes e CPF's dos munícipes de Nova Guataporanga foram feitas pelo depoente e a mando de Everton, com base em dados fornecidos por agentes de saúde. Não sabia da finalidade de tais listagens. Cassiana não teve participação na determinação para elaboração de tais listas. Um funcionário da FARMAIS, Gearnderson, ficava pressionando diariamente o depoente para obtenção da lista em questão, sem, no entanto, lhe dizer qual o motivo do interesse. Cassiana era subordina da Everton e desconhece eventual assédio moral dele em relação a ela. Cassiana era uma pessoa fechada, sendo que depois do surgimento dos fatos aqui tratados ela passou agir de maneira estranha e numa ocasião que aparentava estar chorando o depoente perguntou o que acontecia mas ela nada lhe disse. Desconhece os motivos da saída de Cassiana da municipalidade, pois ela nada lhe disse a respeito. Nunca viu Cassiana assinando documentos a mando de Everton. Cassiana desempenhava o cargo em comissão. Cassiana tinha o hábito de exigir do depoente explicação minuciosas dos documentos que lhe apresentava para assinatura, os quais ser referiam a atividades rotineiras, nunca assinando nada a esmo. Recebeu a ordem de Everton no sentido de que deveria relacionar os munícipes com nomes e CPF's e considerando que o depoente era responsável pelas agentes de saúde, pediu tais dados às mesmas, digitando as listas manuscritas que elas lhe entregavam. Além de nome e CPF, em alguns casos também constou o medicamento utilizado pela pessoa. Algumas folhas acrescentadas nas listas não são de sua autoria. Uma vez prontas as listas, as deixou sobre a mesa de Everton, o comunicando depois. Atualmente Everton é Secretário da Saúde de Nova Guataporanga, sendo na época era Coordenador Municipal da Saúde. Nada mais.(...)”

E, por fim, as oitivas de testemunhas arroladas pelas defesas dos corréus Everton Romanini Freire, Klediane Rosales Erédia e Nilce da Silva Costa Vacari, conforme termos abaixo, encerrando-se a fase instrutória:

- MOACIR BATSITA FERREIRA (fls. 876):

“(...) “Nada sabe a respeito dos fatos. Reside em Nova Guataporanga desde 1973. Sempre que necessita recebe medicamentos gratuitos no posto de saúde do município. O procedimento é o seguinte: Passa pelo médico que prescreve o medicamento, o qual recebe no próprio posto de saúde. Nunca assinou qualquer documento para receber o medicamento. Residia no município na época dos fatos e nunca adquiriu medicamento do programa farmácia popular. Conhece Everton que era secretário municipal de saúde na época. Cleidiane trabalhava no posto de saúde, mas não sabe qual a função. Nilce também trabalhava no posto de saúde." Nada mais.(...)”

- JOÃO JACOMINI (fls. 877):

“(...)"Reside em Nova Guataporanga há 10 anos e sempre se utilizou de medicamentos gratuitos fornecidos pelo município. O procedimento é o seguinte: Passa pelo médico no posto de saúde, que prescreve o medicamento. Com a receita, o depoente pega o medicamento no próprio posto de saúde. Não assina qualquer documento para receber o documento. Sobre os fatos descritos na inicial nada sabe a respeito. Em uma única oportunidade adquiriu remédio pelo programa Farmácia Popular em uma farmácia do município de Nova Guataporanga, pertencente a Jair. Forneceu o número de seu CPF e assinou o cupom fiscal na ocasião. Adquiriu o medicamento na própria farmácia." Sem reperguntas. Nada mais. (...)”

- SONIA APARECIDA DA SILVA BERTIPAGLIA (fls. 878):

“(...)"Nada sabe a respeito dos fatos descritos na inicial. Sempre fez uso de medicamento fornecidos gratuitamente pelo municipio de Nova Guataporanga. Passava pelo médico no posto de saúde que prescrevia o medicamento Ciclor 21. Com a receita, pegava o medicamento no próprio posto de saúde, sem assinar qualquer documento. Nunca fez uso do programa farmácia popular.” Sem reperguntas. Nada mais.(...)”

Encerrada a descrição das partes mais relevantes do que consta do conjunto probatório, passo a analisar, enfim, as insurgências recursais, propriamente ditas.

1) EVERTON ROMANINI FREIRE

Vê-se dos autos que o julgado combatido condenou o corréu EVERTON ROMANINI FREIRE em ressarcimento ao erário no montante de R$8.532,80 (em solidariedade com os coréus FARMÁCIA M.S. SOUTO EPP e MARCELO DA SILVEIRA SOUTO); ao pagamento de multa civil no importe de cem vezes o valor da remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP; à perda da função pública; à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência do réu nas condutas descritas nos artigos 10, XII e 11, I, ambos da mesma Lei nº 8.429/1992;

Em suas razões recursais, aduz o apelante que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92, posto que ausentes dolo ou culpa; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa (farmacêutica) que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito; que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo; que não foi obtido nenhum proveito patrimonial; que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda 05 (cinco) remunerações. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

Passo a analisar as irresignações.

Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Everton Romanini Freire, Secretário de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP e filho do então Prefeito Policarpo Santo Freire, arquitetou um esquema astucioso com o fim precípuo de obtenção irregular de fármacos pelo Programa Farmácia Popular, onde restou comprovada, de forma segura, sua atuação dolosa e direta no planejamento e execução dos atos ímprobos em exame.

Em apertada síntese, e segundo restou comprovado do processado, Everton teria determinado e obtido, por meio das Agentes Comunitárias de Saúde da localidade onde atuaria como Secretário Municipal, levantamento de dados qualificativos de munícipes (nome e CPF), além de alguns medicamentos por eles utilizados rotineiramente e que poderiam ser adquiridos pelo programa governamental mencionado, sem especificar, na oportunidade, a finalidade de tal pedido.

Ao receber os dados coletados, determinou ao digitador do município (Luis Antônio) a elaboração de listas feitas a partir dos rascunhos efetuados à mão pelas agentes comunitárias de saúde, o que se realizou e, posteriormente, lhe foi entregue.

De posse de tais listas (onde constariam, inclusive, funcionários públicos municipais e que, aparentemente, teriam sofrido alterações ao longo do processo, com a inclusão de outras pessoas), providenciou sua entrega à Farmais de Dracena/SP, primeiro estabelecimento farmacêutico partícipe dos fatos, de propriedade de Eduardo Rebuci (com o qual negociava desde janeiro de 2008, segundo afirmado pelo próprio apelante em seu depoimento de fls. 111/118 do Procedimento Investigatório), estabelecimento esse que se encarregou de fornecer medicamentos em desacordo com as normas do programa governamental em comento.

Oportuno frisar que, na mesma ocasião do depoimento supra mencionado, Everton deixou claro que não possuiria qualquer controle efetivo acerca da quantidade dos fármacos que estariam sendo adquiridos e, também, se o que estava sendo entregue corresponderia, de fato, ao que constava das listas fornecidas, bem como também ficou evidente de que estava ciente da irregularidade no procedimento, pois afirmou ter aceitado informalmente a proposta efetuada, sem pensar em formalizar qualquer tipo de contrato ou convênio.

Dos autos se verifica, ainda, que dentre as inúmeras transações comerciais irregulares de medicamentos, vários fármacos teriam sido adquiridos em nome de pessoas que nem sequer os utilizavam, chegando ao disparate de se verificar a compra de fármacos para pessoas já falecidas e de anticoncepcionais para pessoas idosas.

As entregas dos medicamentos irregularmente adquiridos, por sua vez, seriam feitas tanto no Posto de Saúde local como também na própria residência do Secretário, conforme se denota dos depoimentos de Maria Madalena da Rocha Soares e de Jeanderson, efetuados no início do Procedimento Investigatório.

O elevado estoque de medicamentos apreendidos na UBS local pela Polícia Civil demonstrou, ainda, que tais aquisições, além de realizadas por meio de atos ímprobos/fraudulentos, seriam também insensatas e desproporcionais ao consumo da população (duas mil, novecentos e cinquenta e quatro caixas de medicamentos apreendidas), sendo certo que a prefeitura local confirmou serem tais medicamentos todos advindos do Programa Farmácia Popular (fls. 409 do Procedimento Investigatório).

O processado indicou, também, por meio do depoimento de Paulo Toniolo, partícipe e intermediário dos fatos, já falecido, que Everton havia lhe solicitado que viabilizasse a entrega de medicamentos por meio do Programa Farmácia Popular, considerando a interrupção imotivada da remessa de fármacos pelos estabelecimentos antes associados ao esquema fraudulento, de propriedade de Eduardo Rebuci, tendo lhe fornecido, na oportunidade, listagens de munícipes idênticas. Este, por sua vez, recrutou uma farmácia localizada em Araçatuba/SP, de propriedade de Marcelo Souto, que se dispôs a participar do projeto ímprobo na aquisição de medicamentos, nos mesmos moldes irregulares já observados.

Por fim, vê-se que o apelante arregimentou funcionárias públicas municipais para a consecução das atividades delituosas, as quais aderiram à proposta ilegal assinando os cupons de aquisição de medicamentos como se fossem os próprios adquirentes, com o nítido objetivo de simular uma situação de “regularidade” nas aquisições que, em realidade, não existia.

Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente nos autos sua atuação como verdadeiro mentor do esquema, pois, na qualidade de gestor da saúde pública municipal, planejou e executou ardilosamente todos os passos a fim de viabilizar que os medicamentos fossem obtidos de maneira irregular, utilizando-se de métodos trapaceiros e injustificáveis. Burlou não só os ditames do programa de fornecimento de medicamentos, como também as normas relacionadas às aquisições públicas.

Por sua vez, seus atos concorreram diretamente para o enriquecimento ilícito dos estabelecimentos farmacêuticos partícipes, escolhidos em prejuízo da livre concorrência, observando que os autos demonstraram que, mesmo não sendo adimplida a diferença do valor do medicamento pelo suposto beneficiário do medicamento no momento da dispensação dos fármacos, ainda sim a transação comercial seria muito interessante para as farmácias envolvidas, considerando a margem de lucro existente.  

Assim, geraram óbvios prejuízos ao erário, que foram confirmados pelas auditorias levadas a cabo pelo DENASUS, sendo certo que nem todos os prejuízos sofridos foram reembolsados, conforme observado no feito.

Pelo que se verificou nos autos, também não encontra respaldo a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona.

Quanto à alegação de não teria havido desvio de medicamentos e que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos, é de se observar que os lotes de medicamentos recebidos eram encaminhados sem a apresentação das notas fiscais correspondentes, sendo certo que próprio apelante, ao ser instado pela farmacêutica Fernanda, optou por assumir a responsabilidade quanto ao recebimento e conferência dos fármacos recebidos (fls. 293/317 do procedimento investigatório), tornando assim impossível aferir se houve (ou não) desvio de medicamentos e se todas as aquisições efetuadas foram, efetivamente, entregues para serem dispensadas no Posto de Saúde local.

Frise-se que, por não ter sido aventado ou ter se configurado o envolvimento de valores pagos pelos estabelecimentos farmacêuticos diretamente ao então Secretário de Saúde, e nem mesmo seu eventual enriquecimento ilícito relacionado às aquisições efetuadas, nunca foi postulada sua condenação nos termos do artigo 9º da Lei nº 8.429/92.

Quanto à questão de que os medicamentos seriam entregues gratuitamente à população, importante destacar a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude na aquisição, além de ser irrelevante tal situação, uma vez que isso nunca foi objeto de apreciação judicial, aliado ao fato de que o apelante foi condenado por outras condutas, relacionadas aos artigos 10, XII (permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente) e 11, I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ambos da mesma Lei nº 8.429/1992.

No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo, tal como bem consignado pela r. decisão de primeiro grau, que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que as conclusões das perícias realizadas são firmes e robustas em suas conclusões, as quais apontaram a autoria do corréu Everton em 44 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos, e isso independentemente de eventuais tentativas de disfarce gráfico no material padrão fornecido, como ocorrido no caso deste corréu.

Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que o corréu Everton incidiu em conduta descrita no artigo 10, inciso XII e, também, em conduta descrita no artigo 11, inciso I, ambos da Lei nº 8.429/1992, condenando-o, assim, às penas previstas no artigo 12, incisos II e III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, incisos II e III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses dos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

Confira-se a literalidade do dispositivo legal:

“(...)

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

(...)”(g.n.)

No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor do corréu Everton são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos (que incluem, também, falsificações de assinaturas em cupons fiscais), a atuação do corréu no planejamento e execução do atos ímprobos e sua condição de gestor da saúde municipal à época, nomeado pelo então Prefeito, seu genitor.

No entanto, vejo que a multa civil que lhe fora aplicada, no montante de cem vezes o valor de sua remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP, apesar de bem fundamentada, se apresentou extremamente elevada, considerando os valores dos prejuízos constatados pelas auditorias do DENASUS nas transações irregulares de medicamentos, que totalizaram, à época, o montante de R$ 40.773,11.

Nesses termos, é possível vislumbrar que, caso mantida tal condenação no patamar original, o valor dela, isoladamente, poderá ultrapassar consideravelmente o montante dos prejuízos causados, embasando tal constatação no fato de que o valor do salário mínimo em 2008 seria de R$ 415,00 e, em 2009, de R$ 465,00.

Assim, para fins de atender aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação, e na falta de melhores elementos para definir qual seria sua remuneração à época, entendo ser plausível a redução da multa civil aplicada para cerca de ¼ da condenação original, desconsiderando-se eventual resto, caso a divisão se mostre inexata, o que resultará, ainda, em uma penalidade rigorosa, mas mais apropriada ao caso em exame.

Fixo a multa civil devida pelo corréu Everton, portanto, em 25 vezes o valor de sua remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

2) NILCE DA SILVA COSTA VACARI

Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré NILCE DA SILVA COSTA VACARI em pagamento de multa civil no montante de noventa e quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

Em suas razões recursais, aduz a apelante que restou comprovado que não há elementos jurídicos ou probatórios que assegurem a manutenção da r. sentença vergastada; que não há comprovação de enriquecimento ilícito, que não há violação a qualquer princípio constitucional ou ofensas às disposições legais; que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito;  que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo e não foi obtido nenhum proveito patrimonial e afirma que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda duas vezes a remuneração dela. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

Passo a analisar as irresignações.

Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Nilce da Silva Costa Vacari, Auxiliar de Enfermagem (provimento efetivo), procedeu à falsificação de assinaturas em 94 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

Sua atuação no esquema furtivo está devidamente comprovada nos autos, podendo ser evidenciada nas menções genéricas a funcionários do posto de saúde constantes da denúncia de fls. 63 do Procedimento Investigatório e no depoimento de JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS nas fls. 375/378 do mesmo procedimento; pelos depoimentos de FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83 do Procedimento Investigatório) e RENATA APARECIDA JACINTO GARCIA (fls. 417 do Procedimento Investigatório) e restou materializada pelos laudos periciais produzidos na fase investigativa e nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor.

Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente que a falsificação de assinaturas constatada propiciou a burla dos ditames do programa governamental em comento, com o intuito de fornecer “ares de regularidade” nas transações comerciais fraudulentas que estavam sendo realizadas. Tais atitudes, além de ser penalmente puníveis, atentam diretamente contra os princípios da Administração Pública.  

Não encontra respaldo nos autos a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona, desconhecendo os cidadãos envolvidos que foram feitas aquisições de medicamentos irregulares em seus nomes, mediante fraude no que tange às assinaturas apostas nos correspondentes cupons fiscais.

Quanto às alegações de que não ela não teria enriquecido ilicitamente; que não teria havido desvio de medicamentos; que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos e que os medicamentos foram entregues gratuitamente à população, note-se que são irrelevantes tais situações, uma vez que a apelante foi condenada pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ou seja, pelo falseamento de assinaturas em cupons fiscais com o intuito de burlar as regras de dispensação do programa governamental em tela, pouco importando se os medicamentos foram ou não entregues na UBS e quem e de que forma os recebeu, sendo importante destacar, ainda, a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude no procedimento de aquisição.

No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que os resultados obtidos pelas perícias realizadas são firmes e robustos em suas conclusões, as quais apontaram a autoria da corré Nilce em 94 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos.

Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que a corré Nilce incidiu em conduta descrita no artigo 11, inciso I, condenando-a, assim, às penas previstas no artigo 12, inciso III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, inciso III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

Confira-se a literalidade do dispositivo legal:

“(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

(...)”(g.n.)

No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor da corré Nilce são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos, consubstanciados no falseamento de 94 assinaturas para burlar o regramento de programa estatal, sendo razoáveis/proporcionais e, sobretudo, indicadas, as punições que lhe foram aplicadas.

No entanto, vejo que a multa civil que lhe fora aplicada, no montante de 94 vezes o valor de sua remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, apesar de bem fundamentada, adotando como parâmetro uma vez o valor da remuneração para cada cupom fiscal contendo falsidade na assinatura, acabou se apresentando extremamente elevada, considerando os valores dos prejuízos constatados pelas auditorias do DENASUS nas transações irregulares de medicamentos, que totalizaram, à época, o montante de R$ 40.773,11.

Nesses termos, é possível vislumbrar que, caso mantida tal condenação no patamar original, o valor dela, isoladamente, poderá ultrapassar consideravelmente o montante do prejuízo causado, embasando tal constatação no fato de que o valor do salário mínimo em 2008 seria de R$ 415,00 e, em 2009, de R$ 465,00.

Assim, para fins de atender aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação, e na falta de melhores elementos para definir qual seria sua remuneração à época, entendo ser plausível a redução da multa civil para cerca de ¼ da condenação original, desconsiderando-se eventual resto, caso a divisão se mostre inexata, adotando-se, assim, o mesmo procedimental já definido para o corréu Everton.  Isso resultará, ainda, em uma penalidade rigorosa, mas mais apropriada ao caso dos autos.

Fixo a multa civil devida pela corré Nilce, portanto, em 23 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

3) KLEDIANE ROSALES ERÉDIA

Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré KLEDIANE ROSALES ERÉDIA em pagamento de multa civil no importe de dezenove vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

Em suas razões recursais, aduz a apelante que restou comprovado que não há elementos jurídicos ou probatórios que assegurem a manutenção da r. sentença vergastada; que não há comprovação de enriquecimento ilícito; que não há violação a qualquer princípio constitucional ou ofensas às disposições legais; que o conjunto probatório não evidencia a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92; que os fatos demonstram que nada foi feito às escondidas ou na intenção de prejudicar os populares, o governo ou os funcionários da UBS; que não houve desvio de medicamentos; que o controle de medicamentos estava sendo efetuado; que em nenhum momento houve envolvimento de quantias em dinheiro; que os munícipes recebiam os medicamentos gratuitamente; que a denúncia partiu de pessoa que seria inimiga pessoal e política dos denunciados; que não houve enriquecimento ilícito;  que não houve configuração do crime de improbidade administrativa; que não há prova quanto à mentoria dos fatos; que a prova técnica apontou alto grau de variabilidade do material gráfico colhido, de modo a restar prejudicada a autoria do delito. Subsidiariamente, sustenta que a dosimetria da pena mostrou-se exacerbada, não levando em consideração o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o suposto dano teria sido mínimo; que não foi obtido nenhum proveito patrimonial; que as sanções constantes dos incisos I a III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 não são cumulativas e a cumulatividade da pena somente poderia ser aplicada em feitos iniciados após as alterações trazidas pela Lei 12.120 de 2009, observando que os atos foram supostamente praticados antes da promulgação da referida lei. Salienta, outrossim, que o inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 é criterioso em apontar que a perda da função pública somente ocorre quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, e não restou configurada tal condição. Requer, nesses termos, sua absolvição ou, no caso de mantença da r. sentença, que a pena aplicada seja reformada em atenção aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, não culminado o agente com a perda da função ou cargo público e que a multa civil não exceda uma única vez a remuneração dela. E, por fim, que a pena não seja aplicada de forma cumulada como ocorreu na r. decisão de primeiro grau.

Passo a analisar as irresignações.

Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Klediane Rosales Erédia, anteriormente Conselheira Tutelar e que ingressou no cargo público de Escriturária I (provimento efetivo) aos 05/05/2008, designada para prestar serviços no Centro de Saúde local, procedeu à falsificação de assinaturas em 19 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

Sua atuação no esquema furtivo está devidamente comprovada nos autos, podendo ser evidenciada nas menções genéricas a funcionários do posto de saúde constantes da denúncia de fls. 63 do Procedimento Investigatório e no depoimento de JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS nas fls. 375/378 do mesmo procedimento; pelos depoimentos de FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83 do Procedimento Investigatório) e RENATA APARECIDA JACINTO GARCIA (fls. 417 do Procedimento Investigatório) e restou materializada pelos laudos periciais produzidos na fase investigativa e nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor.

Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente que a falsificação de assinaturas constatada propiciou a burla dos ditames do programa governamental em comento, com o intuito de fornecer “ares de regularidade” nas transações comerciais fraudulentas que estavam sendo realizadas. Tais atitudes, além de ser penalmente puníveis, atentam diretamente contra os princípios da Administração Pública.  

Não encontra respaldo nos autos a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona, desconhecendo os cidadãos envolvidos que foram feitas aquisições de medicamentos irregulares em seus nomes, com posterior fraude no que tange às assinaturas apostas nos correspondentes cupons fiscais.

Quanto às alegações de que não ela não teria enriquecido ilicitamente; que não teria havido desvio de medicamentos; que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos e que os medicamentos foram entregues gratuitamente à população, note-se que são irrelevantes tais situações, uma vez que a apelante foi condenada pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ou seja, pelo falseamento de assinaturas em cupons fiscais com o intuito de burlar as regras de dispensação do programa governamental em tela, pouco importando se os medicamentos foram ou não entregues na UBS e quem e de que forma os recebeu, sendo importante destacar, ainda, a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude no procedimento de aquisição.

No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que os resultados obtidos pelas perícias realizadas são firmes e robustos em suas conclusões, as quais apontaram a autoria da corré Klediane em 19 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos.

Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que a corré Klediane incidiu em conduta descrita no artigo 11, inciso I, condenando-a, assim, às penas previstas no artigo 12, inciso III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.

Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, inciso III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

Confira-se a literalidade do dispositivo legal:

“(...)

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

(...)”(g.n.)

No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor da corré Klediane são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos, consubstanciados no falseamento de 19 assinaturas para burlar o regramento de programa estatal, sendo razoável/proporcional e, sobretudo, indicadas as punições que lhe foram aplicadas.

No entanto, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil, considerando o mesmo critério adotado neste voto com relação à funcionária pública Nilce, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Klediane para 4 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

4) LUCIANA VERONEZI

Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré LUCIANA VERONEZI em pagamento de multa civil no importe de quinze vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos, desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

Em suas razões recursais, no mérito, aduz a apelante que os atos praticados pela ré não ostentariam indícios de desonestidade ou de má-fé, sendo o caso, no máximo, de falta de habilidade ou de despreparo escusável da agente pública. Sustenta, ainda, que a Lei da Improbidade Administrativa alcança o agente público desonesto ou imoral, e não o imperito ou inábil de boa-fé.

Passo a analisar as irresignações.

Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Luciana Veronezi, funcionária pública concursada que tomou posse no cargo de serviços gerais II (provimento efetivo) aos 03/03/2008, designada para prestar serviços no Centro de Saúde local, procedeu à falsificação de assinaturas em 15 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

Sua atuação no esquema furtivo está devidamente comprovada nos autos, podendo ser evidenciada nas menções genéricas a funcionários do posto de saúde constantes da denúncia de fls. 63 do Procedimento Investigatório e no depoimento de JOSI APARECIDA OLIVEIRA MARTINS nas fls. 375/378 do mesmo procedimento, bem como pelo depoimento de FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83 do Procedimento Investigatório) e restou materializada pelos laudos periciais produzidos na fase investigativa e nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor.

Nesses termos, não há que se falar que os atos praticados pela corré Luciana não ostentariam indícios de desonestidade ou de má-fé, e nem mesmo sua inabilidade ou despreparo escusável, até porque se verifica dos autos que, no mesmo ano dos fatos (2008), ela concluiu o curso de nível superior em Farmácia, solicitando demissão do cargo público no início do ano seguinte (fls. 580 do Procedimento Investigatório), o que faz pressupor que ela tenha um nível de intelecção e discernimento acerca de seus atos mais elevado do que a maioria das pessoas, sendo evidente pressupor que estaria ciente das implicações advindas dos atos ímprobos que cometeu, ao falsear assinaturas fazendo-se passar por terceiras pessoas. Corrobora tal entendimento o fato de que seu grau de instrução/qualificação a fez, inclusive, ser designada para substituir a farmacêutica Fernanda por ocasião de seus afastamentos, tornando impossível o acolhimento das alegações de imperícia ou inabilidade.

A manutenção da r. sentença que a condenou, nesse contexto, é medida que se impõe.

No entanto, mesmo inexistente pretensão recursal nesse sentido, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil a ela aplicada, considerando os mesmos critérios adotados neste voto com relação aos demais corréus, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Luciane para 3 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

Entendo possível efetuar tal redução ex officio, sem que isso possa ser considerado uma afronta à correlação entre o pedido e o provimento jurisdicional, pois se mostra evidente a desproporcionalidade da manutenção de sua pena de multa civil em 15 vezes o valor da remuneração percebida, motivado esse entendimento pela redução efetuada neste voto em relação à mesma penalidade fixada para os demais corréus.

Confira-se, nesse sentido:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 128 E 460 DO CPC. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. CORRELAÇÃO ENTRE O PEDIDO E PROVIMENTO JURISDICIONAL. INAPLICABILIDADE EM MATÉRIA DE DIREITO SANCIONADOR, NA QUAL É POSSÍVEL A REVISÃO DA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES, QUANDO EVIDENTE A SUA DESPROPORCIONALIDADE. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE DO APELO RARO. CORRETA A DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO NA ORIGEM. NEGA-SE PROVIMENTO AO AGRAVO. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO.
1. Apesar de não ter havido pedido expresso para redução da multa civil, em sede de Apelação e, a despeito da regra de correlação ou congruência da decisão, prevista nos arts. 128 e 460 do CPC, pela qual o Juiz está restrito aos elementos objetivos da demanda, entende-se que, em tratando-se de matéria de Direito Sancionador, e revelando-se patente o excesso ou a desproporcionalidade da sanção aplicada, pode o Tribunal reduzi-la, ainda que não tenha sido alvo de impugnação recursal.
2. Na hipótese em apreço, entendeu o Tribunal de origem que a multa civil aplicada no máximo permitido (duas vezes o valor do dano) revelou-se excessiva, reduzindo-a, de ofício, para o valor equivalente à condenação de ressarcimento do dano. A alteração dessa conclusão a que chegou o Tribunal a quo demandaria, invariavelmente, incursão no acervo fático-probatório da demanda, o que encontra óbice, no presente caso concreto, na Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Nega-se provimento ao Agravo em Recurso Especial de RICARDO LIMA ESPÍNDOLA e ao Recurso Especial do MINISTÉRIO PÚBLICO.” (REsp 1293624/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 19/12/2013)

4) CASSIANA COTINI DO COUTO

Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré CASSIANA COTINI DO COUTO em pagamento de multa civil no montante de quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992, por ter sido constatada a incidência da corré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

Em suas razões recursais, no mérito, aduz a apelante que os apelados não conseguiram demonstrar que ela teria cometido ato de improbidade administrativa, porquanto não teria restado comprovado qualquer tipo de ligação ou vínculo com o então Secretário de Saúde. Sustenta, também, que a condenação se deu sem estar baseada em provas concretas e o fato de existir uma confissão na fase preliminar não pode conduzir à certeza da punição. Além disso, ressalta que a prova pericial é inquisitorial, não havendo qualquer outra que refutasse ou questionasse seu conteúdo produzida sob o pálio do contraditório e diz que as testemunhas não trouxeram arrimo para sustentar possível acusação contra a apelante. Discorda, ainda, da juntada da prova emprestada trazida aos autos pelo MPF (Laudo Documentoscópio elaborado pelo perito João José de Castro Baptista Vallim, mat. 14.943., elaborado nos autos da ação penal n° 2009.61.12.005739-O - IP n°8-0361/2009), sob a alegação de trata-se de medida excepcional, asseverando que o laudo original teria sido produzido no inquérito civil, onde não houve a formação do contraditório. Frisou, mesmo assim, que tal laudo apresenta diversas incongruências, não sendo hábil a comprovar o imputado a ela pela peça inaugural. Continua sua explanação, alegando, alternativamente, que mesmo que tenha assinado algum documento, que seus atos devem ser considerados como vícios de consentimento e que não há que se falar em ato de improbidade, pois a apelante desconhecia qualquer vício ou fraude. Aduz, nesses termos, que se efetuou alguma assinatura, teria realizado tal ato sob coação ou foi enganada; que tinha medo de ser demitida; que é pessoa de boa índole e não possui antecedentes e que não foi favorecida por quaisquer vantagens. Informa, ainda, ter ocorrido a existência de erro quanto aos cupons supostamente assinados, porquanto teria entendido que aquilo seria um benefício trazido para a população. Assim, a apelante afirma não ter agido com dolo, não teve a intenção de lesar o erário ou de cometer atos que violassem a moralidade administrativa e nem enriqueceu de forma ilícita, não havendo má-fé em sua conduta. Quando à dosimetria das penas, disse que nenhuma das penas pode lhe ser empregada pela ausência de prática de qualquer ato de improbidade. Ressalta, com relação à multa civil que lhe foi aplicada, não possuir condições de adimpli-la, por ser pobre na acepção do termo, motivo pelo qual requer a reversão de tal condenação, registrando, ainda, não ter auferido qualquer tipo de lucro. Requer, por fim, a reforma da r. sentença em tudo aquilo que lhe foi desfavorável.

Passo a analisar as irresignações.

Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Cassiana Cotini do Couto, ocupante do cargo de Chefe de Enfermagem do Posto de Saúde local desde janeiro de 2008 (cargo em comissão), procedeu à falsificação de assinaturas em 4 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

Sua atuação no esquema furtivo está devidamente comprovada nos autos, podendo ser evidenciada nas menções genéricas a funcionários do posto de saúde constantes da denúncia de fls. 63 do Procedimento Investigatório, bem como pelo depoimento de FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83 do Procedimento Investigatório) e, em especial, por suas próprias declarações prestadas nas fls. 102/104 do Procedimento Investigatório, onde confessou, categoricamente, ter assinado alguns documentos como se fosse o próprio paciente, a pedido do Secretário Everton, e que assim o fez alegando receio de ser demitida, em razão de ocupar um cargo comissionado.

Seus atos ímprobos foram materializados pelos laudos periciais produzidos na fase investigativa e nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor, onde restou constatado que a corré Cassiana firmou 4 cupons de venda de medicamentos, tentando se passar pelos respectivos adquirentes, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, como a autora das assinaturas naqueles documentos.

Nesse ponto, importante consignar que, a despeito de agora se insurgir com relação ao segundo laudo pericial trazido aos autos como prova emprestada, é imperioso verificar que a elaboração de tal laudo nos autos da Ação Penal movida em seu desfavor se deu em razão dos pedidos efetuados pelos réus nos autos daquele processado, onde a própria Cassiana tentou comprovar, sob o crivo do contraditório e elaborando 13 (treze) quesitos na ocasião, que tais assinaturas não seriam provenientes de seu punho e/ou que teria assinado tais documentos mediante eventual coação e/ou com vício de consentimento, no que acabou não obtendo êxito.

Nem mesmo as testemunhas por ela arroladas e ouvidas neste feito (JORGE FERNANDES GARCIA e LUIS ANTONIO PINHEIRO CASTILHO - fls. 827/828 destes autos, respectivamente), foram capazes de corroborar sua versão de que Everton a teria assediado moralmente ou coagido a firmar documentos em nome de terceiras pessoas, observando que a última testemunha ainda ressaltou que ela não assinava nada sem postular explicações detalhadas sobre o que estaria firmando.

Ademais, como já consignado por ocasião da análise das preliminares argüidas por esta corré, não existe nenhum impedimento quanto à possibilidade de utilização de prova emprestada em ação de improbidade administrativa, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa nos autos do processo para o qual ela será utilizada, tal como ocorreu no caso em análise. Ressalte-se, mais uma vez, que os resultados obtidos no laudo produzido na fase investigatória foram devidamente confrontados nos autos da ação penal, dando origem a novo posicionamento da perícia, que culminou com o mesmo desfecho antes apresentado.

Não há que se falar, outrossim, que os atos praticados pela corré Cassiana seriam decorrentes de vícios de consentimento e que ela desconheceria qualquer vício/ fraude e/ou que teria sido enganada, porquanto se trata de pessoa portadora de nível superior completo e que exerceria a função de Chefia do Posto de Saúde local, em comissão, o que pressupõe que ela tenha um nível de intelecção e discernimento elevado, posibilitando-a diferenciar o certo do errado.

O ato de falsear assinaturas, fazendo-se passar por terceiras pessoas, além de ser penalmente punível, atenta frontalmente contra os princípios da Administração Pública, sendo irrelevante as alegações de que ela não enriqueceu ilicitamente ou teve intenção de lesar o erário, porquanto não foi condenada por tais situações e, sim, pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência).

E, caso estivesse com receio de ser demitida, repiso que deveria ter vislumbrado as implicações que teriam os atos que praticou, negando-se, portanto, a efetuá-los, até porque a legislação a resguarda nesse sentido. E, não tendo assim procedido, é responsável a arcar com as conseqüências advindas de suas ações. O dolo e má-fé, nesse contexto, são evidentes.

A manutenção da r. sentença que a condenou, portanto, é medida que se impõe, sendo adequadas e pertinentes as penalidades a ela aplicadas.

No entanto, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade/adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil a ela aplicada, considerando os mesmos critérios adotados neste voto com relação aos demais corréus, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Cassiana para 1 (uma) vez o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

5) REIS ALVES & REIS ALVES LTDA EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES

Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou os corréus REIS ALVES & REIS ALVES LTDA EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES em pagamento de multa civil no importe de duas vezes o montante do prejuízo causado (R$64.480,62), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r. sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/1992, por ter sido constatada a incidência dos réus nas condutas descritas no artigo 10, da mesma Lei.

Em suas razões recursais, sustentam os apelantes que os fatos em questão demonstram, apenas, uma violação administrativa, cuja conseqüência e sanção culminaram na suspensão preventiva dos estabelecimentos farmacêuticos que possui do programa Farmácia Popular. Ressalvou, também, que por conta das irregularidades constatadas por auditoria do DENASUS, já ressarciu ao Fundo Nacional de saúde os valores apurados como devidos, como reconhecido pela r. sentença de primeiro grau. Ressalta, ainda, que já reembolsou o SUS com relação aos valores apurados pelas Auditorias realizadas, o que não teria ocorrido com o outro estabelecimento farmacêutico partícipe do esquema, não entendo ser justa a imposição das mesmas penalidades para ambos os estabelecimentos em razão do princípio da espontaneidade e, também, por analogia ao preceituado no artigo 90, § 2° da Lei nº 10.684/2003.  Requer, assim, a reforma da r. sentença para julgar improcedente o pedido inaugural ante a inexistência de ato de improbidade ou, subsidiariamente, a redução, pela metade, tanto do valor da multa civil aplicada (R$ 64.480.62) como do período de 05 (cinco) anos de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Passo a analisar as irresignações.

De início, e como já consignado alhures, é pacífico no C. STJ que, para que a conduta do agente possa ser enquadrada na Lei de Improbidade Administrativa, mostra-se necessária a demonstração do elemento subjetivo, sendo o dolo para os tipos relacionados nos artigos 9º e 11 e, no mínimo, culpa, para as situações do artigo 10:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTS. 9º, 10 E 11 DA LEI 8.429/92. IRREGULARIDADES EM PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS. ACÓRDÃO QUE, EM FACE DOS ELEMENTOS DE PROVA DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ATO ÍMPROBO E DO ELEMENTO SUBJETIVO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

(...)

III. Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/10/2014; REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 02/09/2014; AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/03/2014.

(...)”

(STJ, AgRg no AREsp 409.591/PB, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 07/11/2017, DJe 16/11/2017)

Por sua vez, os apelantes, ao aderirem ao programa governamental denominado “Farmácia Popular”, celebraram vínculo com o poder público e, portanto, inserem-se no conceito de agentes públicos passíveis de sujeição à Lei de Improbidade Administrativa, nos moldes do seu artigo 1º:

“PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PARTICULAR EQUIPARADO A AGENTE PÚBLICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(...)

7. Enfim, os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não são apenas os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, conforme os artigos 1º, parágrafo único, e 2º, da Lei 8.429/92. Nesse sentido: AgRg no REsp 1196801/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 26/08/2014, MS 21.042/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 17/12/2015, E REsp 1081098/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 03/09/2009.

(...)”

(STJ, RESP nº 1357235, Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJE de 30/11/2016)

Efetuadas tais considerações, observo, ao contrário do afirmado na peça recursal, que o conjunto probatório dos autos demonstrou que os corréus efetuaram avença imprópria com o Secretário de Saúde de Nova Guataporanga/SP para fins de concretizar a comercialização fraudulenta de fármacos, em evidente descompasso com programa governamental em comento.

A atuação dos corréus está devidamente comprovada nos autos e não é negada pela peça de irresignação, que busca, tão somente, caracterizar os atos perpetrados como mera irregularidade administrativa, e não com ato de improbidade administrativa, o que não é possível.

Nesse ponto, imperioso consignar que estes corréus, ao aderirem ao esquema furtivo por meio de listas que lhe foram fornecidas, efetuando a venda de medicamentos para municipalidade de Nova Guataporanga em nítida contrariedade com os ditames do Programa Farmácia Popular (porquanto os supostos pacientes nunca se apresentaram nos estabelecimentos farmacêuticos para adquirir os medicamentos que estavam sendo comercializados; não havia quaisquer receitas médicas para comprovar as respectivas prescrições e nunca foram adimplidas pelos supostos adquirentes as diferenças devidas), possibilitaram a aquisição indevida de medicamentos que abasteceram irregularmente os estoques do posto de saúde da localidade, e isso em quantidade aparentemente muito superior à demanda da população local, gerando comprovados prejuízos ao Erário pela dispensação indevida, os quais restaram confirmados pelas Auditorias realizadas e que já foram ressarcidos, espontaneamente, por estes corréus.

Constatou-se, também, que boa parte dos medicamentos foram adquiridos em nome de pessoas que nem sequer os utilizavam (incluindo anticoncepcionais para pessoas idosas) ou mesmo que alguns consumidores já seriam falecidos, sendo certo que as farmácias e seu proprietário nem sequer tiveram a curiosidade de saber quem estaria firmando os cupons que retornaram assinados, o que revela absoluto desprezo com as regras, que aderiu e anuiu, para dispensação de fármacos prescrita pela Portaria do Ministério da Saúde de n.º 491, de 09/03/2006, regulamentadora do convênio e vigente à época dos fatos.

Assim, comungo com o mesmo entendimento trazido pela r. julgado combatido no sentido de ter sido constatada a incidência dos réus nas condutas descritas no artigo 10, da Lei nº 8.429/1992, pois as atitudes levadas a cabo teriam deixado de observar relevantes deveres relacionados à dispensação dos medicamentos, mediante culpa grave (no mínimo), causando comprovados prejuízos à União, que custeava cerca de 90% do valor de cada medicamento que estaria sendo, fraudulentamente, comercializado.

Ademais, é pacífico o entendimento desta E. Corte no sentido de que a realização de vendas fictícias mediante a realização de fraude, como observado no caso vertente, configura ato de improbidade administrativa, não havendo que se falar em “mera” irregularidade administrativa.

Precedente:                                       

“APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. FRAUDE AO PROGRAMA SOCIAL "FARMÁCIA POPULAR". SIMULAÇÃO DE VENDAS. PROVA CABAL. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. RETIFICAÇÃO. SOLIDARIEDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Os apelantes, tendo aderido ao programa governamental “Farmácia Popular”, criado pela Lei 10.858/2004, celebraram vínculo com o poder público e dele passaram a receber subvenções, razão pela qual inserem-se no conceito de agentes públicos por equiparação passíveis de sujeição à Lei de Improbidade Administrativa, nos moldes do seus artigos 1º e 2º. Precedente.

2. Não há falar-se, outrossim, em cerceamento de defesa pela não realização de prova pericial ou pela ausência de expedição de ofício à Caixa Econômica Federal.

3. No que diz respeito à perícia, só se mostraria imprescindível caso os réus tivessem apresentado documentos, ou outras provas, que infirmassem as irregularidades apontadas no relatório SUS – DENASUS, que baseou a presente ação civil pública por improbidade administrativa, o que não ocorreu.

4. Registre-se que a posterior análise amostral realizada pelo Ministério Público Federal em relação às notas fiscais de vendas encaminhadas pelos fornecedores mencionados na auditoria deu-se para verificação se, atendo-se ao princípio ativo dos medicamentos, ainda assim os indícios de irregularidades persistiriam, o que acabou se confirmando; logo, e contrariamente ao alegado pelos recorrentes, não há qualquer imprecisão acerca do valor do prejuízo apurado, o qual foi minuciosamente detalhado pelo DENASUS.

5. No que tange à pleiteada expedição de ofício à CEF, alegam os apelantes que seria imprescindível para que informem os documentos a ela encaminhados pela Drogaria nos anos de 2012 a 2015, em cumprimento às exigências do DENASUS.

6. Ocorre que, como bem assentado pelo MM. Juízo, trata-se de documentos cujas cópias, segundo o regime jurídico do “Farmácia Popular”, deveriam, obrigatoriamente, estar custodiados pelos recorrentes, seja diretamente, seja indiretamente por intermédio de escritório de contabilidade que lhe preste serviço.

7. Ademais, desde a notificação administrativa, os apelantes silenciaram quanto à apresentação de tais documentos, inexistindo qualquer indício de oposição ao respectivo fornecimento pela CEF senão por intervenção judicial, razão pela qual forçoso concluir que os réus não se desincumbiram do seu ônus de provar as correspondentes alegações, segundo o art. 434 do CPC.

8. Quanto ao mérito, cuida-se de ACP promovida pelo Parquet Federal em face da recorrente pessoa jurídica, Drogaria Popular Mineiros do Tiete Ltda - ME, bem como contra seus representantes legais Wagner J. Travain e Aparecida T. G. Travain, cujo fundamento base é o relatório elaborado em abril de 2017 pelo DENASUS e no qual foram descritas diversas irregularidades na condução do programa governamental "Farmácia Popular", no período de janeiro de 2012 a março de 2015.

9. A propósito, o "Farmácia Popular", nos moldes da Lei 10.858/2004 e do Decreto Presidencial 5.090/2004, consiste, em suma, na disponibilização de medicamentos a baixo custo para a população necessitada, o que pode ser feito tanto em estabelecimentos próprios ("Farmácias Populares") ou, mesmo, mediante celebração de convênios com drogarias e farmácias da iniciativa privada ("Aqui tem Farmácia Popular"), que, ao aderirem a esse programa governamental, acabam recebendo subvenções públicas, com o intuito de custeá-la.

10. Outrossim, nos termos da Portaria 3089/2009, do Ministério da Saúde, vigente à época dos fatos apontados como ilícitos, os estabelecimentos privados subvencionados pelo "Farmácia Popular" deveriam, para cada dispensação relacionada ao programa, exigir dos compradores documento com foto, número do CPF, receita médica constando inscrição do médico no CRM, assim como a respectiva assinatura um uma via do cupom fiscal representativo da venda.

11. Todavia, e consoante detalhado no Relatório de Auditoria 17531, elaborado pelo DENASUS, constatou-se, nesse período: 1) a ausência de documentação obrigatória para o credenciamento no Programa Farmácia Popular do Brasil; 2) a dispensação de medicamentos em quantidade superior ao disponível em estoque; 3) a venda de medicamentos em nome de pessoa falecida; 4) a dispensação de fármacos em nome de funcionários da Drogaria e 5) falta das cópias dos cupons vinculados e fiscais, das respectivas prescrições médicas e de instrumentos públicos ou particulares de procuração.

12. Assim que, à vista dessas irregularidades, o DENASUS concluiu por um prejuízo de R$ 126.206,27 ao erário, em função da não demonstração da higidez das aludidas dispensações, todas meticulosamente descritas no relatório.

13. Acerca da responsabilidade de Wagner J. Travain, a prova documental (contrato social e respectivas alterações), bem como os depoimentos testemunhais, apontam, com segurança, que a administração do estabelecimento farmacêutico era, de fato e de direito, por ele desempenhada no período das irregularidades, ou seja, de janeiro/2012 a março/2015. Não há provas de cometimento de irregularidades por Aparecida T. G. Travain, razão pela qual a sentença, acertadamente, julgou improcedente o pedido em relação a ela.

14. Também é de ser admitida a responsabilidade da Drogaria, pessoa jurídica, eis que instrumentalizada para a concretização das improbidades, sendo que a jurisprudência do E. STJ é pacífica quanto ao entendimento de que as pessoas jurídicas podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade.

15. Constatadas a inveracidade das dispensações de medicamentos realizadas e a ausência de documentos de guarda obrigatória (que poderiam, em tese, demonstrar que as vendas ocorreram de fato), não merece reparo a conclusão alcançada pelo MPF, acolhida pela sentença, no sentido de que essas vendas foram fictícias, registradas no intuito de fraude ao programa "Farmácia Popular" e que, portanto, caracterizaram improbidade administrativa nos termos da Lei 8.429/92 (enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e violação a preceitos do poder público), passível de penalização nos termos do art. 12 da mesma Lei.

16. As teses defensivas não foram capazes de infirmar a prova coligida, toda no sentido da ocorrência da improbidade. Não há falar-se em condenação amparada em prova frágil ou unilateral.

17. O relatório DENASUS, que reuniu farta documentação, consubstancia documento oficial, dotado de presunção relativa de legitimidade e veracidade, e sendo assim, cabia aos réus o ônus da prova de eventuais erros ou inconsistências nele existentes, o que não ocorreu, ainda que amplamente oportunizada, na fase instrutória, a ampla defesa e o contraditório.

18. Também não restou provado o argumento segundo o qual a ocorrência chuvas torrenciais provocou alagamentos no estabelecimento comercial, acarretando destruição de medicamentos e documentos.

19. E nem tampouco prospera o argumento acerca de ausência de má-fé ou de dolo nas condutas.

20. Em primeiro lugar, não se afigura verossímil a alegação de que os muitos dos procedimentos do "Farmácia Popular" são complexos ou ininteligíveis. Ao contrário, eles consistem, basicamente, em utilização de sistema informatizado e solicitação, conferência e guarda de documentos comuns; isso não bastasse, segundo a normatização incidente, os interessados, no ato de adesão a esse programa social, declaram ciência de todos os seus termos e se comprometem a cumprir todos os deveres dele decorrentes.

21. Em segundo lugar, a natureza das irregularidades verificadas, que essencialmente consistiram na venda simulada de medicamentos, demonstra intenção e voluntariedade nos atos, o que incompatível com a tese de que ocorreram por simples desconhecimento dos procedimentos do "Farmácia Popular".

22. Já em relação à dosimetria das sanções por improbidade arbitradas pela sentença, há que se fazer um esclarecimento.

23. Contrariamente ao alegado pelos recorrentes, a medida de ressarcimento ao erário no valor de R$192.892,52, bem como a fixação da pena de multa civil no importe de uma vez esse prejuízo (ou seja, também R$192.892,52) não consubstanciam demasia ou desproporcionalidade, eis que fixadas nos termos e limites do art. 12, I, da Lei 8.429/92.

24. Todavia, a imposição dessas medidas de forma individualizada a cada corréu, como indicam a fundamentação e o dispositivo da sentença, representa sim irrazoabilidade, uma vez que, somadas, totalizariam cerca de R$ 800.000,00, valor que, na prática, seria suportado pelo corréu pessoa física, eis que administrador e sócio majoritário da corré pessoa jurídica, uma Drogaria de pequeno porte.

25. Logo, merece retificação a forma como a dosimetria das penas foi estabelecida, para que tanto a medida de ressarcimento ao erário como a sanção de multa civil incidam uma única vez cada, de forma solidária entre os apelantes.

26. Dá-se parcial provimento ao recurso de apelação, unicamente para fixar que a medida de ressarcimento ao erário no valor de R$ 192.892,52 e a sanção de multa civil, também no montante de R$ 192.892,52, incidirão uma única vez cada e deverão ser arcadas pelos apelantes de forma solidária, mantidos, no mais, todos os termos da sentença condenatória por improbidade administrativa.” 

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000698-48.2018.4.03.6117, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 05/10/2020, Intimação via sistema DATA: 08/10/2020)

Quanto à analogia buscada com relação ao artigo 9º, § 2°, da Lei nº 10.684/2003, destaco sua inaplicabilidade na espécie, na medida em que o valor reposto pelos corréus nestes autos se refere ao ressarcimento integral dos danos comprovados pelas Auditorias do DENASUS em razão das fraudes perpetradas, o que em nada se relaciona com os débitos abrangidos pela legislação mencionada.

No tocante ao pedido de redução, pela metade, tanto do valor da multa civil aplicada (R$ 64.480.62) como do período de 05 (cinco) anos de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, imperioso consignar, novamente, que na aplicação das penalidades em ações de improbidade administrativa cabe ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

Nesse ponto específico, entendo ser relevante, em princípio, a argumentação recursal de que não seria razoável e proporcional a aplicação das mesmas penalidades aos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema fraudulento, considerando que dois deles solveram seu débito espontaneamente e, o outro, não. Entretanto, não pode ser esse o único fator a ser analisado.

Meditando acerca da questão, e confrontando-a com os montantes dos prejuízos apurados pelas Auditorias do DENASUS; a quantidade de transações fraudulentas constatadas e o período de permanência no esquema perpetrado, observo que a participação dos presentes corréus nos atos ímprobos constatados foi muito mais longeva e efetiva, de modo a ser justificável que, a despeito de ter solvido espontaneamente os valores apurados como devidos, sejam mantidas as penalidades a eles aplicadas em grau de igualdade com o estabelecimento que ainda não adimpliu o débito, nos exatos patamares delineados em primeiro grau de jurisdição.

Por fim, faço constar que os recursos de apelação de M.S. Souto EPP e Marcelo da Silveira Souto não foram conhecidos em razão de decisão de fls. 1248 e vº dos autos, que reconheceu os efeitos da deserção.

Do exposto, nego provimento ao agravo retido interposto pelo corré Cassiana, rejeito todas as preliminares formuladas e, no mérito, nego provimento aos apelos de Luciana Veronezi e Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, Reis Alves & Alves Lopes Ltda e Eduardo Rebuci dos Reis Alves e dou parcial provimento aos apelos de Everton Romanini Freire, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Cassiana Cotini do Couto, apenas para reduzir as penas de multa civil aplicadas, redução essa também efetuada, de ofício, com relação à corré Luciana Veronezi, nos termos ora consignados.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

RECURSOS DE APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUJEIÇÃO DO FEITO À REMESSA OFICIAL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 19 DA LEI N.º 4.717/65. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ILEGALIDADE/VIOLAÇÃO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA EM PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO DO MPF. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INÉPCIA DA INICIAL. OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA DE ORDEM NÃO MANIFESTAMENTE ILEGAL. NULIDADE DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGITIMIDADE DE PARTE. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. ILICITUDES DAS PROVAS PRODUZIDAS NO PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO, COM VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO REQUERIDO EDUARDO REBUCCI DOS REIS ALVES. PRELIMINARES REJEITADAS. PROGRAMA FARMÁCIA POPULAR. ESQUEMA SIMULADO PARA AQUISIÇÃO FRAUDULENTA DE FÁRMACOS. APELAÇÕES DE LUCIANA VERONEZI E DE REIS ALVES & REIS ALVES LTDA EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA E EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES IMPROVIDAS. APELAÇÕES DE EVERTON ROMANINI FREIRE, NILCE DA SILVA COSTA VACARI, KLEDIANE ROSALES ERÉDIA E CASSIANA COTINI DO COUTO PARCIALMENTE PROVIDAS. PENALIDADES DE MULTA CIVIL REDUZIDAS.  REDUÇÃO, EX OFFICIO, DA PENA DE MULTA CIVIL APLICADA EM DESFAVOR DE LUCIANA VERONEZI REDUZIDA.

1. Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela União Federal em face de 1) Everton Romanini Freire, 2) Reis Alves & Alves Lopes Ltda, 3) Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, 4) M.S. Souto EPP, 5) Cassiana Cotini do Couto, 6) Nilce da Silva Costa Vacari, 7) Klediane Rosales Erédia, 8) Luciana Veronezi, 9) Eduardo Rebuci dos Reis Alves e 10) Marcelo da Silveira Souto, visando à condenação dos requeridos pela prática de atos de improbidade administrativa, consoante previsão dos artigos 10  e 11 da Lei n.º 8.429/1992, aplicando-lhes sanções constantes do artigo 12 da referida Lei, tudo decorrente de ações perpetradas em um esquema ilícito e fraudulento para obtenção irregular de medicamentos por meio do Programa Farmácia Popular.

2. Improbidade administrativa pode ser definida, de forma singela, como a atuação do agente público (e do particular em desempenho de função estatal ou que se beneficie, por qualquer meio, do ato desonesto), dolosa e/ou culposa, que viole os critérios de honestidade/moralidade/lealdade/honradez dele esperados. Constitui-se em ilícito de caráter civil, com eventuais implicações de natureza penal e/ou administrativa.

3. O arcabouço legal para responsabilização dos agentes públicos ímprobos (e de eventuais terceiros) possui como matriz normativa o texto constitucional, em especial o artigo 37, § 4º.

4. Para a concretização do previsto na Carta Magna, foi elaborada a Lei nº 8.429/92 que, além de definir, em seus artigos 1º a 4º, os agentes sujeitos a sancionamento, classificou em três espécies os atos de improbidade administrativa, em seus artigos 9º (que importam em enriquecimento ilícito), 10 (que causam lesão ao erário) e 11 (que atentam contra os princípios da administração pública.

5. Observa-se do texto legal que o legislador, na formulação do normativo em questão, buscou o emprego de diversos conceitos jurídicos abertos e/ou indeterminados, a fim de permitir o modelamento da situação fática aos mecanismos punitivos, com nítido objetivo de refrear que o mero formalismo pudesse acarretar em impunidade do agente. Importante consignar, outrossim, que as tipificações contidas na legislação em comento não são exaustivas, o que é inequívoco pelo que consta do vocábulo “notadamente”, constante do “caput” dos artigos supra mencionados.

6. No entanto, relevante anotar que o C. STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que, para o reconhecimento das tipificações das condutas dos réus, é necessária a demonstração de elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo, ainda que genérico, para as hipóteses dos artigos 9º e 11 e, no mínimo, em culpa, naquelas situações previstas no artigo 10.

7. As sanções correspondentes, por sua vez, estão definidas no artigo 12 da mesma Lei e não são, necessariamente, cumulativas; cabe ao julgador efetuar a dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

8. Pontuadas as observações iniciais, e antes de adentrar nas minúcias do caso em exame e, por fim, no mérito das insurgências apresentadas, passo a analisar a seara recursal, iniciando pela questão da submissão do feito (ou não) ao reexame de ofício, bem como apreciarei as questões prejudiciais de mérito, em diversos itens.

9. De início, verifico a inaplicabilidade da sujeição do feito à remessa oficial, tal como bem registrado pela r. sentença vergastada, uma vez que o  , com a redação dada pela Lei nº 6.014/73, somente  determina o segundo grau obrigatório de jurisdição nas sentenças em julguem pela improcedência ou carência da ação, o que não se verificou no processado.

10. Agravo retido interposto pelo corré Cassiana Cotini do Couto improvido.  Cerceamento de defesa não configurado. O despacho de fls. 633 determinou às partes a manifestação expressa sobre as provas que pretendiam produzir, justificando-as no tocante à pertinência e necessidade, sob pena de preclusão. A agravante, em acolhimento à determinação judicial, solicitou, nas fls. 643/646, as oitivas de testemunhas e seu próprio depoimento pessoal, não fazendo alusão expressa e/ou justificada às oitivas e/ou interrogatórios de quaisquer outros corréus, de modo que não há que se falar em designar audiência para esse fim. Por sua vez, o r. despacho de fls. 798, deferiu, tão somente, a produção de prova testemunhal, sendo certo que a manifestação seguinte da agravante se deu no sentido de indicar a qualificação de duas testemunhas e solicitar a desistência de outra, nada mencionando a respeito do não atendimento à sua solicitação anterior para proceder seu próprio depoimento pessoal. Desse modo, inequívoco constatar a ausência de postulação expressa justificada, no momento oportuno, no sentido de serem ouvidos tanto os demais corréus como ela própria, configurando-se a preclusão da questão, como bem exposto pela r. decisão combatida. (...) Ademais, observe-se que, nos termos do art. 130 do CPC/73, vigente à época dos fatos, o juiz seria o destinatário da prova e poderia, em busca da apuração da verdade e da elucidação dos fatos, determinar a produção das provas necessárias e indeferir aquelas julgadas impertinentes, inúteis ou protelatórias, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Note-se, nesse contexto, que a própria oitiva da agravante seria despicienda, pois sua versão dos fatos já consta das peças defensivas colacionadas no processado, aliado ao fato de que nem ela, e nem os demais corréus, possuem a obrigação de depor neste feito, uma vez que também são réus na esfera penal em razão dos mesmos fatos, estando desobrigados, portanto, a dizer a verdade e em produzir eventual prova que lhes pudesse ser desfavorável.

11. Ilegalidade/Violação contraditório e ampla defesa em Procedimento Preparatório do MPF. Situações não configuradas. Na esteira de pacífica jurisprudência, verifica-se que tanto o inquérito civil como os procedimentos preparatórios de natureza investigativa, de natureza pré-processual, instaurados pelo Ministério Público, não possuem caráter sancionador e são instrumentos meramente inquisitórios, cujo objetivo precípuo se resume na colheita de elementos para embasar, se for o caso, futura e eventual proposição judicial. Isso os diferencia dos processos administrativos propriamente ditos, e torna despicienda a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais deverão ser exercidos no curso de eventual ação a ser porventura proposta.  Precedentes. Preliminar da apelante Luciana Veronezi não acolhida.

12. Ilegitimidade Passiva. Situação inocorrente em sede preliminar. O ato atribuído à apelante na exordial, escorado em diversos elementos de prova, indicaria sua participação efetiva na consecução do ato reprovável, uma vez que as falsificações de assinaturas que lhe foram atribuídas seriam suficientes para a burla e posterior concretização da transação comercial inidônea, simulando regularidade no procedimento que não existia, sendo irrelevante o fato de que as vendas fictícias já estariam em curso por ocasião de seu ingresso no serviço público municipal. A configuração da atitude delitiva e sua comprovação, com eventual dolo ou culpa, por sua vez, são questões de mérito, a serem delineadas no momento oportuno. Precedente. Preliminar da apelante Luciana Veronezi não acolhida.

13. Inépcia da Inicial. Inocorrência. Na peça recursal, sustenta a apelante que a peça inaugural seria inepta em razão de ser extensa e confusa, pois teria trazido inúmeros fatos e condutas atribuídas a várias pessoas, sem se ater em relação à devida individualização e não indicando a real participação da acusada no esquema fraudulento. No entanto, observo que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é assente com o entendimento que, nas ações por improbidade administrativa, o requerido defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial, bastando que a descrição dos fatos tidos por ímprobos esteja relacionada às hipóteses legais trazidas pela legislação de regência e aos atos supostamente praticados pela pessoa da acusada.  Ademais, observo que os autores, apesar da extensa narrativa, lograram êxito em individualizar e indicar sua participação no esquema perpetrado, consistente na falsificação de assinaturas nos cupons de venda de medicamentos, fazendo-se passar pelos supostos pacientes, com o intuito de fraudar as normas e diretrizes do Programa Farmácia, possibilitando a simulação do atendimento das regras prescritas no referido programa para fins de aquisição irregular de medicamentos. Precedente. Preliminar da apelante Luciana Veronezi não acolhida.

14. Obediência hierárquica de ordem não manifestamente ilegal. Situação não configurada. A recorrente, servidora pública concursada à época, certamente possuía o discernimento necessário para compreender que a conduta que lhe foi apontada, de apor assinaturas em determinados documentos, simulando ser outra pessoa que não a própria signatária, não pode ser enquadrada como mero cumprimento de dever funcional e trata-se, em realidade, de atitude que se amolda e está tipificada, inclusive, na seara penal, de forma a concluir que o descumprimento a este tipo de “ordem” não seria apenas um direito da apelante, mas sim um verdadeiro dever. Precedente. Preliminar da apelante Luciana Veronezi não acolhida.

15.  Nulidade da Instrução Processual/Cerceamento de Defesa/Suspensão do Andamento Processual. Inocorrência/Impossibilidade. Quanto à questão do cerceamento de defesa apontado em relação à ausência de depoimento pessoal dos corréus, reporto-me ao já decidido na apreciação do agravo retido interposto pela recorrente. Melhor sorte não assiste à recorrente no tocante ao pedido de suspensão do processo para se aguardar o desfecho da ação penal correspondente, efetuado por meio da petição colacionada aos autos nas fls. 896/897, devendo ser afastada a preliminar arguida, porquanto o artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 estabelece, taxativamente, a independência das instâncias punitivas(...) Assim, mesmo que se possa aduzir acerca da prevalência das decisões tomadas na esfera penal (em situações específicas), verifico que o C. STJ possui jurisprudência consolidada no sentido de que o resultado da demanda civil somente deverá seguir o decidido na seara penal nos casos em que restar provada a inexistência do fato ou quando o réu não tenha concorrido, de qualquer modo, para a prática da infração penal, situações essas que não foram, nem sequer, vislumbradas pelo nobre julgador em análise perfunctória, de modo a permitir o regular andamento processual. Precedente. Preliminar da apelante Cassiana Cotini do Couto não acolhida.

16. Ilegitimidade de Parte. Situação inocorrente em sede preliminar. O ato atribuído à apelante na exordial, escorado em diversos elementos de prova, indicaria sua participação efetiva na consecução do ato reprovável, uma vez que as falsificações de assinaturas que lhe foram atribuídas se mostraram suficientes para a burla e posterior concretização da transação comercial inidônea, simulando regularidade no procedimento que não existia. Seu eventual conhecimento acerca do esquema delituoso e a apreciação valorativa das provas produzidas em primeiro grau são questões de mérito, a serem delineadas no momento oportuno. Precedente. Preliminar da apelante Cassiana Cotini do Couto não acolhida.

17. Inépcia da Inicial. Inocorrência. Repisa a apelante, na peça recursal, que a exordial seria inepta, uma vez que, da narração dos fatos, não decorre uma conclusão lógica. Aduz, também, que a inaugural seria extensa e complexa, não narrando os fatos praticados pela apelante, afirmando, apenas, que ela teria auxiliado Everton ao falsificar a assinatura nos cupons fiscais, sem pormenorizar ou detalhar de que forma ela teria participado do esquema fraudulento. No entanto, razão não lhe assiste, pois, apesar da extensa narrativa, entendo que os autores lograram êxito em individualizar e indicar sua participação no esquema perpetrado, consistente na falsificação de assinaturas nos cupons de venda de medicamentos, fazendo-se passar pelos supostos pacientes, com o intuito de fraudar as normas e diretrizes do Programa Farmácia, possibilitando a simulação do atendimento das regras prescritas no referido programa para fins de aquisição irregular de medicamentos. Ademais, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é assente com o entendimento que, nas ações por improbidade administrativa, o requerido defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial, bastando que a descrição dos fatos tidos por ímprobos esteja relacionada às hipóteses legais trazidas pela legislação de regência e aos atos supostamente praticados pela pessoa da acusada. Precedente. Preliminar da apelante Cassiana Cotini do Couto não acolhida.

18. Ausência de Interesse Processual. Situação não configurada. Não há que se falar em ausência de interesse processual, porquanto se verifica dos autos a existência de indícios suficientes a vislumbrar a eventual da prática de atos ímprobos, de modo a tornar nítido o interesse processual dos autores. Consigne-se, nesse ponto, que a atuação do representante ministerial encontra respaldo no disposto no artigo 129 da Constituição Federal e, de ambos os autores, no disposto no artigo 17, caput, da Lei nº 8.429/1992. Preliminar da apelante Cassiana Cotini do Couto não acolhida.

19. Ilicitudes das provas produzidas no Procedimento Preparatório, com violação do princípio do contraditório e do princípio da não Auto-Incriminação. Situações inocorrentes. Na esteira de pacífica jurisprudência, verifica-se que tanto o inquérito civil como os procedimentos preparatórios de natureza investigativa, de natureza pré-processual, instaurados pelo Ministério Público, não possuem caráter sancionador e são instrumentos meramente inquisitórios, cujo objetivo precípuo se resume na colheita de elementos para embasar, se for o caso, futura e eventual proposição judicial. Isso os diferencia dos processos administrativos propriamente ditos e torna despicienda a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os quais deverão ser exercidos no curso de eventual ação a ser porventura proposta.  (...) Com relação às peças colacionadas aos autos a título de “prova emprestada”, cumpre destacar que o Código de Processo Civil de 1973, vigente à época dos fatos, já admitia a utilização de prova emprestada de outro processo, inclusive para fins de economia processual, o que agora se tornou expresso no atual codex processual, em seu artigo 372 (...) Além disso, mostra-se pacífico o entendimento jurisprudencial a respeito da possibilidade de utilização de prova emprestada em ação de improbidade administrativa, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa nos autos do processo para o qual ela será utilizada, tal como ocorreu no caso em análise. (...) Por fim, observo que não encontra respaldo a alegação da apelante (enfermeira formada em nível superior) de que seu depoimento e o fornecimento de material grafotécnico se deram coercitivamente, uma vez que, dos autos, é possível observar que ela prestou declarações de maneira espontânea no procedimento instaurado pelo MPF, acompanhada no ato por advogado (que, hodiernamente, representa os interesses de outros corréus no processado), o qual também seria Procurador Jurídico do Município de Nova Guataporanga à época (fls. 95/96, 100 e 102/104 do procedimento investigatório), de modo a ser razoável presumir que ela teria recebido regular orientação legal sobre os fatos e a respeito da situação, na oportunidade. Ademais, sua autorização para colheita de material gráfico teria ocorrido sem haver quaisquer constrangimentos, conforme verificado por sua assinatura lançada nos documentos de fls. 104 e, em especial, de fls. 134, local onde ela afirma, expressamente, tal situação. Preliminar da apelante Cassiana Cotini do Couto não acolhida.

20. Ilegitimidade passiva do requerido Eduardo Rebucci dos Reis Alves. Situação não configurada. Alegam os apelantes que o proprietário das farmácias não teria concorrido para o ato lesivo ou dele se beneficiado, direta ou indiretamente, aduzindo que a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas ou jurídicas que a compõem. Do que se observa da legislação de regência, os artigos 2º e 3º da Lei nº 8.429/1992 são aplicáveis aos particulares que, de qualquer forma, tenham concorrido para o ato acoimado de ímprobo.  Desse modo, justificável a manutenção dele no pólo passivo da demanda, até porque, e ao revés do alegado na peça recursal, a narrativa constante da exordial teria indicado não só a participação dos estabelecimentos farmacêuticos em questão no esquema desbaratado, mas também a atuação consistente e direta do proprietário/administrador/gestor Eduardo na consecução do esquema fraudulento, em conluio com o Secretário de Saúde Municipal Everton, de modo a afastar a alegação de ilegitimidade vindicada. Precedente. Preliminar do apelante

21. O programa "Farmácia Popular do Brasil" foi concebido nos moldes da Lei nº 10.858/2004 e regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 5.090/2004, criado com o objetivo precípuo de possibilitar o acesso, à população, de mais uma alternativa de acesso a medicamentos considerados essenciais, com a participação do setor privado e em sistema de co-pagamento.

22. As diretrizes do Programa foram estabelecidas por meio de diversas Portarias expedidas do Ministro de Estado da Saúde, sendo oportuna a transcrição de alguns pontos da Portaria n.º 491, de 09/03/2006, editada pelo Ministério da Saúde e vigente à época dos fatos, que estabelecia os critérios de expansão para dispensação de medicamentos no Programa “Farmácia Popular do Brasil”.

23. Em suma, verifica-se que, para a aquisição de fármacos, nos termos do programa governamental em comento (considerada a Portaria Ministerial vigente à época dos fatos), seria necessário que o paciente, munido de um documento que contivesse o número de seu CPF e de posse de uma Receita Médica contendo o número do CRM do emitente, prescrita pelo referido profissional com data de emissão não superior a 6 (seis) meses, providenciasse as apresentações de tais documentos em um estabelecimento farmacêutico privado conveniado com o Programa,  de forma a habilitá-lo a adquirir o medicamento prescrito para o tratamento de sua patologia, com minoração significativa no dispêndio para sua aquisição (redução de cerca de 90% do preço tabelado - pago pela União), o que ocorreria mediante assinatura em uma via do cupom fiscal relativo à transação comercial correspondente e, obviamente, depois de efetuado o pagamento do valor residual devido (10%).

24. No entanto, desvirtuando completamente os ditames do programa em questão, verificou-se nos autos a elaboração de um esquema simulado para aquisição fraudulenta de fármacos, com a participação direta do Secretário de Saúde do município de Nova Guataporanga/SP, quatro funcionárias públicas municipais, três estabelecimentos farmacêuticos e dois de seus respectivos gestores/proprietários, causando prejuízos aos cofres da União, além de danos morais a diversos cidadãos daquela localidade, os quais se viram arrolados em uma situação imprópria da qual ignoravam completamente.

25. O acervo probatório produzido é extenso, consistente e robusto, estando calcado, em especial, nos elementos produzidos nas investigações levadas a cabo pelo Ministério Público Federal nos autos do Procedimento Preparatório nº 014/2009 em apenso; nos Relatórios de Auditoria produzidos pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS); em dois laudos grafotécnicos elaborados (um deles elaboradora na fase investigativa e, o outro, na esfera judicial, nos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112), além das provas testemunhais/documentais produzidas nestes autos e, também, nos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112.

26. Oportuno consignar que as provas relacionadas à Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112 (onde foram denunciados Everton Romanini Freire, Eduardo Rebuci dos Reis Alves, Marcelo da Silva Souto, Cassiana Cotini do Couto, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Luciana Veronezi, em razão dos mesmos fatos aqui em análise) foram aqui colacionadas durante a instrução processual pelo Ministério Público Federal, a título de prova emprestada, tendo sido apresentadas, naquela oportunidade: a denúncia ofertada naquele feito; diversas oitivas realizadas sob o crivo do contraditório e o Laudo de Perícia Criminal acima citado (fls. 651/786).

27. A seguir, farei uma descrição pormenorizada dos elementos obtidos no conjunto probatório para fins de aclaramento da situação fática (consideradas as inúmeras insurgências recursais), minudenciando as apurações realizadas no Procedimento Preparatório instaurado pelo MPF, as conclusões dos Relatórios de Auditorias produzidos pelo DENASUS e os resultados alcançados no primeiro Laudo Grafotécnico produzido.

28. Posteriormente, adentrarei na fase judicial, com a descrição igualmente detalhada dos elementos probatórios ali produzidos, incluindo aqueles colacionados a título de prova emprestada, oriunda dos autos da Ação Penal nº 0005739-14.2009.4.03.6112. Efetuados tais atos, analisarei o mérito dos recursos interpostos.

29. Encerrada a descrição das partes mais relevantes do que consta do conjunto probatório, passo a analisar, enfim, as insurgências recursais, propriamente ditas.

30. Vê-se dos autos que o julgado combatido condenou o corréu EVERTON ROMANINI FREIRE em ressarcimento ao erário no montante de R$8.532,80 (em solidariedade com os coréus FARMÁCIA M.S. SOUTO EPP e MARCELO DA SILVEIRA SOUTO); ao pagamento de multa civil no importe de cem vezes o valor da remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP; à perda da função pública; à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência do réu nas condutas descritas nos artigos 10, XII e 11, I, ambos da mesma Lei nº 8.429/1992;

31. Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Everton Romanini Freire, Secretário de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP e filho do então Prefeito Policarpo Santo Freire, arquitetou um esquema astucioso com o fim precípuo de obtenção irregular de fármacos pelo Programa Farmácia Popular, onde restou comprovada, de forma segura, sua atuação dolosa e direta no planejamento e execução dos atos ímprobos em exame.

32. Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente nos autos sua atuação como verdadeiro mentor do esquema, pois, na qualidade de gestor da saúde pública municipal, planejou e executou ardilosamente todos os passos a fim de viabilizar que os medicamentos fossem obtidos de maneira irregular, utilizando-se de métodos trapaceiros e injustificáveis. Burlou não só os ditames do programa de fornecimento de medicamentos, como também as normas relacionadas às aquisições públicas.

33. Por sua vez, seus atos concorreram diretamente para o enriquecimento ilícito dos estabelecimentos farmacêuticos partícipes, escolhidos em prejuízo da livre concorrência, observando que os autos demonstraram que, mesmo não sendo adimplida a diferença do valor do medicamento pelo suposto beneficiário do medicamento no momento da dispensação dos fármacos, ainda sim a transação comercial seria muito interessante para as farmácias envolvidas, considerando a margem de lucro existente. Assim, geraram óbvios prejuízos ao erário, que foram confirmados pelas auditorias levadas a cabo pelo DENASUS, sendo certo que nem todos os prejuízos sofridos foram reembolsados, conforme observado no feito.

34. Pelo que se verificou nos autos, também não encontra respaldo a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona.

35. Quanto à alegação de não teria havido desvio de medicamentos e que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos, é de se observar que os lotes de medicamentos recebidos eram encaminhados sem a apresentação das notas fiscais correspondentes, sendo certo que próprio apelante, ao ser instado pela farmacêutica Fernanda, optou por assumir a responsabilidade quanto ao recebimento e conferência dos fármacos recebidos (fls. 293/317 do procedimento investigatório), tornando assim impossível aferir se houve (ou não) desvio de medicamentos e se todas as aquisições efetuadas foram, efetivamente, entregues para serem dispensadas no Posto de Saúde local.

36. Quanto à questão de que os medicamentos seriam entregues gratuitamente à população, importante destacar a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude na aquisição, além de ser irrelevante tal situação, uma vez que isso nunca foi objeto de apreciação judicial, aliado ao fato de que o apelante foi condenado por outras condutas, relacionadas aos artigos 10, XII (permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente) e 11, I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ambos da mesma Lei nº 8.429/1992.

37. No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo, tal como bem consignado pela r. decisão de primeiro grau, que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

38. Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que os resultados obtidos pelas perícias realizadas são firmes e robustos em suas conclusões, as quais apontaram a autoria do corréu Everton em 44 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos, e isso independentemente de eventuais tentativas de disfarce gráfico no material padrão fornecido, como ocorrido no caso deste corréu.

39. Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que o corréu Everton incidiu em conduta descrita no artigo 10, inciso XII e, também, em conduta descrita no artigo 11, inciso I, ambos da Lei nº 8.429/1992, condenando-o, assim, às penas previstas no artigo 12, incisos II e III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

40. Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

41. No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, incisos II e III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses dos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

42. No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor do corréu Everton são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos (que incluem, também, falsificações de assinaturas em cupons fiscais), a atuação do corréu no planejamento e execução do atos ímprobos e sua condição de gestor da saúde municipal à época, nomeado pelo então Prefeito, seu genitor.

43. No entanto, vejo que a multa civil que lhe fora aplicada, no montante de cem vezes o valor de sua remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP, apesar de bem fundamentada, se apresentou extremamente elevada, considerando os valores dos prejuízos constatados pelas auditorias do DENASUS nas transações irregulares de medicamentos, que totalizaram, à época, o montante de R$ 40.773,11.

44. Nesses termos, é possível vislumbrar que, caso mantida tal condenação no patamar original, o valor dela, isoladamente, poderá ultrapassar consideravelmente o montante dos prejuízos causados, embasando tal constatação no fato de que o valor do salário mínimo em 2008 seria de R$ 415,00 e, em 2009, de R$ 465,00.

45. Assim, para fins de atender aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação, e na falta de melhores elementos para definir qual seria sua remuneração à época, entendo ser plausível a redução da multa civil aplicada para cerca de ¼ da condenação original, desconsiderando-se eventual resto, caso a divisão se mostre inexata, o que resultará, ainda, em uma penalidade rigorosa, mas mais apropriada ao caso em exame.

46. Fixo a multa civil devida pelo corréu Everton, portanto, em 25 vezes o valor de sua remuneração percebida a título de Secretário Municipal de Saúde do Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

47. Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré NILCE DA SILVA COSTA VACARI em pagamento de multa civil no montante de noventa e quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

48. Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Nilce da Silva Costa Vacari, Auxiliar de Enfermagem (provimento efetivo), procedeu à falsificação de assinaturas em 94 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

49. Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente que a falsificação de assinaturas constatada propiciou a burla dos ditames do programa governamental em comento, com o intuito de fornecer “ares de regularidade” nas transações comerciais fraudulentas que estavam sendo realizadas. Tais atitudes, além de ser penalmente puníveis, atentam diretamente contra os princípios da Administração Pública.

50. Não encontra respaldo nos autos a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona, desconhecendo os cidadãos envolvidos que foram feitas aquisições de medicamentos irregulares em seus nomes, mediante fraude no que tange às assinaturas apostas nos correspondentes cupons fiscais.

51. Quanto às alegações de que não ela não teria enriquecido ilicitamente; que não teria havido desvio de medicamentos; que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos e que os medicamentos foram entregues gratuitamente à população, note-se que são irrelevantes tais situações, uma vez que a apelante foi condenada pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ou seja, pelo falseamento de assinaturas em cupons fiscais com o intuito de burlar as regras de dispensação do programa governamental em tela, pouco importando se os medicamentos foram ou não entregues na UBS e quem e de que forma os recebeu, sendo importante destacar, ainda, a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude no procedimento de aquisição.

52. No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

53. Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que os resultados obtidos pelas perícias realizadas são firmes e robustos em suas conclusões, as quais apontaram a autoria da corré Nilce em 94 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos.

54. Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que a corré Nilce incidiu em conduta descrita no artigo 11, inciso I, condenando-a, assim, às penas previstas no artigo 12, inciso III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

55. Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

56. No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, inciso III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

57. No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor da corré Nilce são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos, consubstanciados no falseamento de 94 assinaturas para burlar o regramento de programa estatal, sendo razoáveis/proporcionais e, sobretudo, indicadas, as punições que lhe foram aplicadas.

58. No entanto, vejo que a multa civil que lhe fora aplicada, no montante de 94 vezes o valor de sua remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, apesar de bem fundamentada, adotando como parâmetro uma vez o valor da remuneração para cada cupom fiscal contendo falsidade na assinatura, acabou se apresentando extremamente elevada, considerando os valores dos prejuízos constatados pelas auditorias do DENASUS nas transações irregulares de medicamentos, que totalizaram, à época, o montante de R$ 40.773,11.

57. Nesses termos, é possível vislumbrar que, caso mantida tal condenação no patamar original, o valor dela, isoladamente, poderá ultrapassar consideravelmente o montante do prejuízo causado, embasando tal constatação no fato de que o valor do salário mínimo em 2008 seria de R$ 415,00 e, em 2009, de R$ 465,00.

58. Assim, para fins de atender aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação, e na falta de melhores elementos para definir qual seria sua remuneração à época, entendo ser plausível a redução da multa civil para cerca de ¼ da condenação original, desconsiderando-se eventual resto, caso a divisão se mostre inexata, adotando-se, assim, o mesmo procedimental já definido para o corréu Everton.  Isso resultará, ainda, em uma penalidade rigorosa, mas mais apropriada ao caso dos autos.

59. Fixo a multa civil devida pela corré Nilce, portanto, em 23 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

60. Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré KLEDIANE ROSALES ERÉDIA em pagamento de multa civil no importe de dezenove vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

61. Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Klediane Rosales Erédia, anteriormente Conselheira Tutelar e que ingressou no cargo público de Escriturária I (provimento efetivo) aos 05/05/2008, designada para prestar serviços no Centro de Saúde local, procedeu à falsificação de assinaturas em 19 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

62. Nesses termos, não há que se falar não estar evidenciada a prática descrita no inciso I, artigo 11, da Lei nº 8.429/92 (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), porquanto é evidente que a falsificação de assinaturas constatada propiciou a burla dos ditames do programa governamental em comento, com o intuito de fornecer “ares de regularidade” nas transações comerciais fraudulentas que estavam sendo realizadas. Tais atitudes, além de ser penalmente puníveis, atentam diretamente contra os princípios da Administração Pública. 

63. Não encontra respaldo nos autos a afirmação de que nada teria sido feito às escondidas, pois se vê do processado que os munícipes só tiveram conhecimento dos fatos quando esses vieram à tona, desconhecendo os cidadãos envolvidos que foram feitas aquisições de medicamentos irregulares em seus nomes, com posterior fraude no que tange às assinaturas apostas nos correspondentes cupons fiscais.

64. Quanto às alegações de que não ela não teria enriquecido ilicitamente; que não teria havido desvio de medicamentos; que existiria um controle efetivo dos fármacos recebidos e que os medicamentos foram entregues gratuitamente à população, note-se que são irrelevantes tais situações, uma vez que a apelante foi condenada pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência), ou seja, pelo falseamento de assinaturas em cupons fiscais com o intuito de burlar as regras de dispensação do programa governamental em tela, pouco importando se os medicamentos foram ou não entregues na UBS e quem e de que forma os recebeu, sendo importante destacar, ainda, a existência de outros programas governamentais que possibilitariam o fornecimento de medicamentos gratuitos à população, sem que para isso fosse necessária a realização de fraude no procedimento de aquisição.

65. No que tange à alegação de a que farmacêutica Fernanda seria sua inimiga pessoal e política, observo que ela nem sequer foi contraditada quando ouvida como testemunha nos autos da Ação Penal, salientando que tanto a versão por ela trazida, como a dos demais denunciantes, foi convergente com a realidade dos fatos comprovados, já fartamente esmiuçados no decorrer desse voto.

66. Em relação às provas periciais produzidas por meio de dois laudos distintos (o segundo nos autos da Ação Penal em razão de determinação judicial, consideradas as insurgências manifestadas quanto a seus resultados), tenho que os resultados obtidos pelas perícias realizadas são firmes e robustos em suas conclusões, as quais apontaram a autoria da corré Klediane em 19 assinaturas apostas nos cupons de venda de medicamentos apresentados, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, a autoria de suas assinaturas naqueles documentos.

67. Quanto aos pedidos subsidiários formulados, atente-se que o r. julgado considerou que a corré Klediane incidiu em conduta descrita no artigo 11, inciso I, condenando-a, assim, às penas previstas no artigo 12, inciso III, da mesma Lei. E, como já mencionado no corpo deste voto, a aplicação de penalidades não é, necessariamente, cumulativa, cabendo ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

68. Nesse ponto, e ao contrário do que consta do arrazoado recursal, vejo que a Lei nº 12.120/2009, ao alterar o caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, teve por finalidade dar fim à controvérsia jurisprudencial anterior relacionada à questão e se mostrou, desse modo, até mais benéfica ao infrator, pois explicitou que as sanções correspondentes podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Tal observação, que não constava no texto original do caput do artigo 12 da Lei nº 8.429/1992, levava à compreensão de que a aplicação das penalidades indicadas em cada inciso deveria ser feita, obrigatoriamente, de forma cumulativa, o que traria evidentes prejuízos à análise de proporcionalidade/razoabilidade, a despeito de a jurisprudência dominante já indicar, antes da alteração legislativa, a necessidade da aplicação de penalidade em consonância com esses critérios.

69. No concernente à alegação de que a perda da função pública somente poderia ocorrer quando há valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do funcionário ou agente público, observo não encontrar respaldo tal afirmativa, uma vez que a legislação de regência, em seu artigo 12, inciso III, também autoriza a perda da função pública nas hipóteses do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, desde que comprovadas, como no caso vertente.

70. No caso dos autos, reputo que as penas que foram aplicadas em desfavor da corré Klediane são plenamente adequadas e podem ser aplicadas cumulativamente (no caso vertente), como ocorreu na r. sentença vergastada, considerando, em especial, a gravidade dos atos, consubstanciados no falseamento de 19 assinaturas para burlar o regramento de programa estatal, sendo razoável/proporcional e, sobretudo, indicadas as punições que lhe foram aplicadas.

71. No entanto, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil, considerando o mesmo critério adotado neste voto com relação à funcionária pública Nilce, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Klediane para 4 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

72. Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré LUCIANA VERONEZI em pagamento de multa civil no importe de quinze vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos, desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992,  por ter sido constatada a incidência da ré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

73. Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Luciana Veronezi, funcionária pública concursada que tomou posse no cargo de serviços gerais II (provimento efetivo) aos 03/03/2008, designada para prestar serviços no Centro de Saúde local, procedeu à falsificação de assinaturas em 15 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

74. Nesses termos, não há que se falar que os atos praticados pela corré Luciana não ostentariam indícios de desonestidade ou de má-fé, e nem mesmo sua inabilidade ou despreparo escusável, até porque se verifica dos autos que, no mesmo ano dos fatos (2008), ela concluiu o curso de nível superior em Farmácia, solicitando demissão do cargo público no início do ano seguinte (fls. 580 do Procedimento Investigatório), o que faz pressupor que ela tenha um nível de intelecção e discernimento acerca de seus atos mais elevado do que a maioria das pessoas, sendo evidente pressupor que estaria ciente das implicações advindas dos atos ímprobos que cometeu, ao falsear assinaturas fazendo-se passar por terceiras pessoas. Corrobora tal entendimento o fato de que seu grau de instrução/qualificação a fez, inclusive, ser designada para substituir a farmacêutica Fernanda por ocasião de seus afastamentos, tornando impossível o acolhimento das alegações de imperícia ou inabilidade. A manutenção da r. sentença que a condenou, nesse contexto, é medida que se impõe.

75. No entanto, mesmo inexistente pretensão recursal nesse sentido, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade e adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil a ela aplicada, considerando os mesmos critérios adotados neste voto com relação aos demais corréus, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Luciane para 3 vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau. Entendo possível efetuar tal redução ex officio, sem que isso possa ser considerado uma afronta à correlação entre o pedido e o provimento jurisdicional, pois se mostra evidente a desproporcionalidade da manutenção de sua pena de multa civil em 15 vezes o valor da remuneração percebida, motivado esse entendimento pela redução efetuada neste voto em relação à mesma penalidade fixada para os demais corréus. Precedente.

76. Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou a corré CASSIANA COTINI DO COUTO em pagamento de multa civil no montante de quatro vezes o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por três anos desde a data da r.  sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/1992, por ter sido constatada a incidência da corré nas condutas descritas no artigo 11, I, da mesma Lei.

77. Ao contrário do afirmado no apelo, o conjunto probatório dos autos demonstrou que Cassiana Cotini do Couto, ocupante do cargo de Chefe de Enfermagem do Posto de Saúde local desde janeiro de 2008 (cargo em comissão), procedeu à falsificação de assinaturas em 4 cupons de venda de fármacos, fazendo-se passar pelos supostos adquirentes dos medicamentos alienados pelos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema, com o intuito de simular o atendimento das regras prescritas pelo referido programa governamental de aquisição de medicamentos de uso contínuo a pacientes, situação essa que revela, decerto, seu desprezo aos princípios da administração pública, em especial aos deveres de honestidade, legalidade e moralidade.

78. Sua atuação no esquema furtivo está devidamente comprovada nos autos, podendo ser evidenciada nas menções genéricas a funcionários do posto de saúde constantes da denúncia de fls. 63 do Procedimento Investigatório, bem como pelo depoimento de FERNANDA BORSSANK PASCHOARELI DA FONSECA (fls. 79/83 do Procedimento Investigatório) e, em especial, por suas próprias declarações prestadas nas fls. 102/104 do Procedimento Investigatório, onde confessou, categoricamente, ter assinado alguns documentos como se fosse o próprio paciente, a pedido do Secretário Everton, e que assim o fez alegando receio de ser demitida, em razão de ocupar um cargo comissionado.

79. Seus atos ímprobos foram materializados pelos laudos periciais produzidos na fase investigativa e nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor, onde restou constatado que a corré Cassiana firmou 4 cupons de venda de medicamentos, tentando se passar pelos respectivos adquirentes, considerando, para tanto, as características gráficas convergentes, tais como alinhamentos, inclinações, proporcionalidades, ligações interliterais, gênese gráfica, valores angulares e curvilíneos, ataques e remates, dinamismo, pressão, velocidade, entre outras, todas em qualidade satisfatória, o que teria possibilitado à perícia atestar, indubitavelmente, e nas duas oportunidades, como a autora das assinaturas naqueles documentos.

80. Nesse ponto, importante consignar que, a despeito de agora se insurgir com relação ao segundo laudo pericial trazido aos autos como prova emprestada, é imperioso verificar que a elaboração de tal laudo nos autos da Ação Penal movida em seu desfavor se deu em razão dos pedidos efetuados pelos réus nos autos daquele processado, onde a própria Cassiana tentou comprovar, sob o crivo do contraditório e elaborando 13 (treze) quesitos na ocasião, que tais assinaturas não seriam provenientes de seu punho e/ou que teria assinado tais documentos mediante eventual coação e/ou com vício de consentimento, no que acabou não obtendo êxito.

81. Nem mesmo as testemunhas por ela arroladas e ouvidas neste feito (JORGE FERNANDES GARCIA e LUIS ANTONIO PINHEIRO CASTILHO - fls. 827/828 destes autos, respectivamente), foram capazes de corroborar sua versão de que Everton a teria assediado moralmente ou coagido a firmar documentos em nome de terceiras pessoas, observando que a última testemunha ainda ressaltou que ela não assinava nada sem postular explicações detalhadas sobre o que estaria firmando.

82. Ademais, como já consignado por ocasião da análise das preliminares argüidas por esta corré, não existe nenhum impedimento quanto à possibilidade de utilização de prova emprestada em ação de improbidade administrativa, desde que respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa nos autos do processo para o qual ela será utilizada, tal como ocorreu no caso em análise. Ressalte-se, mais uma vez, que os resultados obtidos no laudo produzido na fase investigatória foram devidamente confrontados nos autos da ação penal, dando origem a novo posicionamento da perícia, que culminou com o mesmo desfecho antes apresentado.

83. Não há que se falar, outrossim, que os atos praticados pela corré Cassiana seriam decorrentes de vícios de consentimento e que ela desconheceria qualquer vício/ fraude e/ou que teria sido enganada, porquanto se trata de pessoa portadora de nível superior completo e que exerceria a função de Chefia do Posto de Saúde local, em comissão, o que pressupõe que ela tenha um nível de intelecção e discernimento elevado, posibilitando-a diferenciar o certo do errado.

84. O ato de falsear assinaturas, fazendo-se passar por terceiras pessoas, além de ser penalmente punível, atenta frontalmente contra os princípios da Administração Pública, sendo irrelevante as alegações de que ela não enriqueceu ilicitamente ou teve intenção de lesar o erário, porquanto não foi condenada por tais situações e, sim, pela conduta ímproba relacionada ao artigo 11, inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência).

85. E, caso estivesse com receio de ser demitida, repiso que deveria ter vislumbrado as implicações que teriam os atos que praticou, negando-se, portanto, a efetuá-los, até porque a legislação a resguarda nesse sentido. E, não tendo assim procedido, é responsável a arcar com as conseqüências advindas de suas ações. O dolo e má-fé, nesse contexto, são evidentes.

86. A manutenção da r. sentença que a condenou, portanto, é medida que se impõe, sendo adequadas e pertinentes as penalidades a ela aplicadas.

87. No entanto, em atenção aos princípios de proporcionalidade/razoabilidade/adequação e procurando trazer equidade na fixação da penalidade de multa civil a ela aplicada, considerando os mesmos critérios adotados neste voto com relação aos demais corréus, entendo por bem reduzir a multa civil devida pela corré Cassiana para 1 (uma) vez o valor da remuneração percebida quando ocupante de cargo público no Município de Nova Guataporanga/SP, a ser corrigida em conformidade com as determinações já constantes da r. sentença de primeiro grau.

88. Vê-se dos autos que o julgado ora combatido condenou os corréus REIS ALVES & REIS ALVES LTDA EPP, REIS ALVES & ALVES LOPES LTDA e EDUARDO REBUCI DOS REIS ALVES em pagamento de multa civil no importe de duas vezes o montante do prejuízo causado (R$64.480,62), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos desde a data da r. sentença, em razão da aplicação do artigo 12, inciso II, da Lei nº 8.429/1992, por ter sido constatada a incidência dos réus nas condutas descritas no artigo 10, da mesma Lei.

89. De início, e como já consignado alhures, é pacífico no C. STJ que, para que a conduta do agente possa ser enquadrada na Lei de Improbidade Administrativa, mostra-se necessária a demonstração do elemento subjetivo, sendo o dolo para os tipos relacionados nos artigos 9º e 11 e, no mínimo, culpa, para as situações do artigo 10.

90. Por sua vez, os apelantes, ao aderirem ao programa governamental denominado “Farmácia Popular”, celebraram vínculo com o poder público e, portanto, inserem-se no conceito de agentes públicos passíveis de sujeição à Lei de Improbidade Administrativa, nos moldes do seu artigo 1º.

91. Efetuadas tais considerações, observo, ao contrário do afirmado na peça recursal, que o conjunto probatório dos autos demonstrou que os corréus efetuaram avença imprópria com o Secretário de Saúde de Nova Guataporanga/SP para fins de concretizar a comercialização fraudulenta de fármacos, em evidente descompasso com programa governamental em comento.

92, A atuação dos corréus está devidamente comprovada nos autos e não é negada pela peça de irresignação, que busca, tão somente, caracterizar os atos perpetrados como mera irregularidade administrativa, e não com ato de improbidade administrativa, o que não é possível.

93. Nesse ponto, imperioso consignar que estes corréus, ao aderirem ao esquema furtivo por meio de listas que lhe foram fornecidas, efetuando a venda de medicamentos para municipalidade de Nova Guataporanga em nítida contrariedade com os ditames do Programa Farmácia Popular (porquanto os supostos pacientes nunca se apresentaram nos estabelecimentos farmacêuticos para adquirir os medicamentos que estavam sendo comercializados; não havia quaisquer receitas médicas para comprovar as respectivas prescrições e nunca foram adimplidas pelos supostos adquirentes as diferenças devidas), possibilitaram a aquisição indevida de medicamentos que abasteceram irregularmente os estoques do posto de saúde da localidade, e isso em quantidade aparentemente muito superior à demanda da população local, gerando comprovados prejuízos ao Erário pela dispensação indevida, os quais restaram confirmados pelas Auditorias realizadas e que já foram ressarcidos, espontaneamente, por estes corréus.

94. Constatou-se, também, que boa parte dos medicamentos foram adquiridos em nome de pessoas que nem sequer os utilizavam (incluindo anticoncepcionais para pessoas idosas) ou mesmo que alguns consumidores já seriam falecidos, sendo certo que as farmácias e seu proprietário nem sequer tiveram a curiosidade de saber quem estaria firmando os cupons que retornaram assinados, o que revela absoluto desprezo com as regras, que aderiu e anuiu, para dispensação de fármacos prescrita pela Portaria do Ministério da Saúde de n.º 491, de 09/03/2006, regulamentadora do convênio e vigente à época dos fatos.

95. Assim, comungo com o mesmo entendimento trazido pela r. julgado combatido no sentido de ter sido constatada a incidência dos réus nas condutas descritas no artigo 10, da Lei nº 8.429/1992, pois as atitudes levadas a cabo teriam deixado de observar relevantes deveres relacionados à dispensação dos medicamentos, mediante culpa grave (no mínimo), causando comprovados prejuízos à União, que custeava cerca de 90% do valor de cada medicamento que estaria sendo, fraudulentamente, comercializado.

96. Ademais, é pacífico o entendimento desta E. Corte no sentido de que a realização de vendas fictícias mediante a realização de fraude, como observado no caso vertente, configura ato de improbidade administrativa, não havendo que se falar em “mera” irregularidade administrativa. Precedente.

97. Quanto à analogia buscada com relação ao artigo 9º, § 2°, da Lei nº 10.684/2003, destaco sua inaplicabilidade na espécie, na medida em que o valor reposto pelos corréus nestes autos se refere ao ressarcimento integral dos danos comprovados pelas Auditorias do DENASUS em razão das fraudes perpetradas, o que em nada se relaciona com os débitos abrangidos pela legislação mencionada.

98. No tocante ao pedido de redução, pela metade, tanto do valor da multa civil aplicada (R$ 64.480.62) como do período de 05 (cinco) anos de suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, imperioso consignar, novamente, que na aplicação das penalidades em ações de improbidade administrativa cabe ao julgador efetuar a devida dosimetria, sopesando a gravidade das condutas com os princípios da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.

99. Nesse ponto específico, entendo ser relevante, em princípio, a argumentação recursal de que não seria razoável e proporcional a aplicação das mesmas penalidades aos estabelecimentos farmacêuticos partícipes do esquema fraudulento, considerando que dois deles solveram seu débito espontaneamente e, o outro, não. Entretanto, não pode ser esse o único fator a ser analisado.

100. Meditando acerca da questão, e confrontando-a com os montantes dos prejuízos apurados pelas Auditorias do DENASUS; a quantidade de transações fraudulentas constatadas e o período de permanência no esquema perpetrado, observo que a participação dos presentes corréus nos atos ímprobos constatados foi muito mais longeva e efetiva, de modo a ser justificável que, a despeito de ter solvido espontaneamente os valores apurados como devidos, sejam mantidas as penalidades a eles aplicadas em grau de igualdade com o estabelecimento que ainda não adimpliu o débito, nos exatos patamares delineados em primeiro grau de jurisdição.

101. Agravo retido interposto pelo corré Cassiana improvido. Preliminares rejeitadas. Apelações de Luciana Veronezi e de Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, Reis Alves & Alves Lopes Ltda e Eduardo Rebuci dos Reis Alves improvidas. Apelações de Everton Romanini Freire, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Cassiana Cotini do Couto parcialmente providas. Penalidade de multa civil aplicada em desfavor de Luciana Veronezi reduzida, de ofício.

 

                                    

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo retido interposto pela corré Cassiana, rejeitou todas as preliminares formuladas e, no mérito, negou provimento aos apelos de Luciana Veronezi e Reis Alves & Reis Alves Ltda EPP, Reis Alves & Alves Lopes Ltda e Eduardo Rebuci dos Reis Alves e deu parcial provimento aos apelos de Everton Romanini Freire, Nilce da Silva Costa Vacari, Klediane Rosales Erédia e Cassiana Cotini do Couto, apenas para reduzir as penas de multa civil aplicadas, redução essa também efetuada, de ofício, com relação à corré Luciana Veronezi, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.