Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001302-25.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: RICARDO BARANA, DEISE DE ALMEIDA BARANA

Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A
Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001302-25.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: RICARDO BARANA, DEISE DE ALMEIDA BARANA

Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, CELSO MIRIM DA ROSA NETO - SP286489-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A
Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A, CELSO MIRIM DA ROSA NETO - SP286489-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

Trata-se de ação ordinária ajuizada por RICARDO BARANA e DEISE DE ALMEIDA BARANA em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando cancelamento da cobrança de laudêmio em relação a cessão do domínio do imóvel ocorrida em 2006 e, subsidiariamente, a revisão de cálculo e restituição do indébito.

 

Sentença: O MM. Juízo a quo julgou parcialmente extinto o feito, nos termos do art. 485, VI do CPC/15, quanto ao pedido de revisão de cálculo e restituição do indébito em razão da ilegitimidade da parte e, no mérito, julgou improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade do crédito de laudêmio, nos termos do art. 487, I do CPC/15. Sem condenação em honorários, nos termos do art. 25 da Lei n° 12.016/2009.

 

Em suas razões, a parte apelante sustenta, em síntese: a) que é parte legítima também quanto ao pedido de revisão de cálculo e restituição do indébito; b) que o crédito de laudêmio sobre a cessão restou enquadrado na inexigibilidade prevista no inciso III do artigo 20 da Instrução Normativa nº 01/2007 da SPU e no art. 47 da Lei 9.636/98, visto que transcorrei prazo superior a cinco anos entre a data da transação (28.05.2006) e a lavratura da escritura em fevereiro de 2018.

 

Devidamente processado o recurso, vieram os autos a esta E. Corte.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco: De início, acompanho o e. Relator para reconhecer a legitimidade dos apelantes quanto ao pedido de revisão do cálculo e repetição do indébito.

Sobre o elemento pessoal, o sujeito ativo do laudêmio é a União Federal (proprietária do imóvel e senhoria direta) e o sujeito passivo é o vendedor (enfiteuta ou foreiro, e não o adquirente, nos termos do art. 3º do DL nº 2.398/1987), embora pactos privados legítimos que modifiquem esse ônus devam ser respeitados pelos que negociam o domínio útil (E.STJ, REsp 1399028/CE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 08/02/2017). E porque o laudêmio assume contorno de obrigação propter rem, tanto o vendedor quanto o adquirente estão legitimados para compor lides sobre o tema.

Nesse sentido a jurisprudência sedimentada desta Corte:

DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LAUDÊMIO. INTERESSE DE AGIR DOS ADQUIRENTES DE DOMÍNIO ÚTIL DO IMÓVEL. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO. CIÊNCIA, PELA UNIÃO, DA ALIENAÇÃO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. O laudêmio possui natureza propter rem, ou seja, as obrigações desta natureza gravam a própria coisa independentemente de quem seja o titular do direito real sobre elas. 2. Basta a aquisição do domínio, ainda que não haja a imissão na posse, para que o adquirente se torne responsável por tais obrigações, inclusive com relação às parcelas anteriores à aquisição. Precedente desta Corte. 3. Ainda que assim não fosse, resta evidente o interesse de agir das impetrantes quanto à discussão judicial sobre ser devida, ou não, a cobrança de laudêmio fundada em transferência onerosa do domínio útil do imóvel por eles adquirido, já que, a persistir a exigência dos valores pela União, futuras transmissões deste domínio útil poderão ser obstadas em razão de tais pendências, nos termos do artigo 3º, § 2°, I, "b" do Decreto-Lei nº 2.398/87. 4. De rigor, portanto, a reforma da sentença para se reconhecer a legitimidade dos impetrantes para propor a presente ação. 5. Os fatos que dão causa à cobrança do laudêmio (hipótese material de incidência) são a cessão (ou cessões) ou o registro da escritura. No entanto, o prazo decadencial só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento, pela União Federal (SPU), das transações então noticiadas na escritura. 6. A prevalecer a tese recursal, bastaria aos alienantes e adquirentes que mantivessem em segredo as diversas transferências do domínio útil durante o prazo decadencial e/ou prescricional para, só após o seu decurso, dar publicidade às transações, pretendendo se furtar ao pagamento do laudêmio devido sob a alegação de prescrição e/ou decadência, o que não se pode admitir, sob pena de que vendedores e compradores se beneficiem de sua própria torpeza. 7. No caso concreto, a escritura de venda do domínio útil aos impetrantes é datada de 11/09/2014, e que, embora não haja nos autos a data exata do lançamento do laudêmio, o presente writ foi impetrado em 13/12/2017, de sorte que certamente não decorreu o prazo prescricional quinquenal para constituição do crédito. 8. Sentença reformada para se reconhecer a legitimidade ativa ad causam dos impetrantes e, no mérito, se rejeitar o pedido e denegar a segurança, sem condenação em honorários advocatícios, na forma do artigo 25 da Lei nº 12.016/09. 9. Apelação parcialmente provida.

(ApCiv 5027059-90.2017.4.03.6100 - 1ª Turma, Relator Des. Fed. Wilson Zauhy, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/03/2020)

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LAUDÊMIO OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ILEGITIMIDADE ATIVA. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDOS. 1. Reexame necessário e apelação interposta pela União contra sentença que rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa e, confirmando a liminar, julgou procedente o pedido formulado por CLAUDIA REGINA BENTO, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, concedendo a ordem para anular o débito de "laudêmio de cessão" exigido pela autoridade impetrada, objeto do presente mandamus. 2. Não desconheço que os valores devidos em razão do domínio útil podem ser exigidos tanto do alienante quanto do adquirente, por se tratar de obrigação propter rem, justificando o interesse dos atuais adquirentes do imóvel em discutir a exigibilidade do laudêmio, podendo figurar no polo ativo da ação mandamental. 3. Apesar de a impetrante CLAUDIA REGINA BENTO ter constado no instrumento particular de promessa de compra e venda firmado em 14.01.2004 como uma das compromissárias compradoras, é certo que cedeu o direito de compra em 28.04.2014, restando consignado na escritura pública de 28.07.2015 que a única compradora é PATRICIA DELIPE FRANÇA. 4. Assim, é de se reconhecer ilegitimidade ativa da impetrante para discutir a inexigibilidade de qualquer do crédito relativo ao imóvel RIP 7047.010142775. 5. Remessa necessária e recurso de apelação providos.

(ApCiv 5018623-45.2017.4.03.6100, 1ª Turma, Relator Des. Fed. Helio Nogueira, Intimação via sistema em 23/03/2020).

No mérito, com a devida vênia, divirjo do e.Relator. A enfiteuse ou aforamento é figura jurídica pela qual há a divisão (onerosa e entre vivos) das prerrogativas relativas a bens imóveis, colocando de um lado o domínio eminente ou conspícuo (confiado ao senhorio) e de outro lado o domínio útil (transferido ao enfiteuta ou foreiro). O laudêmio corresponde à obrigação pecuniária de direito público instituída por preceitos legislativos federais em favor da União Federal, em razão de transações envolvendo o domínio útil de seus imóveis submetidos a aforamento ou enfiteuse, sob a justificativa de compensar a União pelo não exercício do direito de consolidar o domínio pleno nessas transações.

Ainda que correntemente seja empregado o vocábulo “taxa”, o laudêmio tem natureza jurídica de receita patrimonial não tributária (nos termos do art. 39, § 2°, da Lei nº 4.320/1964, incluído pelo DL nº 1.735/1979), motivo pelo qual são inaplicáveis os regramentos do art. 145, II da Constituição de 1988 e do art. 77 e seguintes do Código Tributário Nacional (porque não há contraprestação estatal por serviço público ou por exercício do poder de polícia). Porém, a linguagem normativa utilizada para a taxa de laudêmio é muito próxima da empregada em matéria tributária, daí porque há fato gerador, lançamento, decadência, prescrição e inexigibilidade, dentre outras figuras, inclusive representando dívida ativa para efeito de cobrança executiva (art. 201 do DL nº 9.760/1942).

Toda transferência de imóvel sob o regime de aforamento da União deverá ser precedida de do recolhimento de laudêmio segundo cálculos fornecidos ao interessado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), após o que esse mesmo órgão federal expede a Certidão de Autorização de Transferência (CAT). Por força do contido no art. 3º, § 2º, I, “a”, do Decreto-Lei nº 2.398/1987 (alterado pelo art. 33 da Lei nº 9.636/1998), sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, os Cartórios de Notas e Registros de Imóveis não lavrarão, nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União (ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio) sem a CAT elaborada pela SPU que declare ter o interessado recolhido o laudêmio devido.

Quanto aos elementos materiais e quantitativos, o art. 3º, caput, do DL nº 2.398/1987 (com alterações pela nº Lei 13.240/2015 e, depois, pela MP nº 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017) prevê que o fato gerador é a transferência onerosa (entre vivos) do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União Federal, ou de cessão de direito a eles relativos, sendo calculado na ordem de 5% sobre o valor atualizado do domínio pleno do terreno.

Quanto ao elemento temporal ínsito ao elemento material, é verdade que, à luz do direito privado (art. 1.227 do Código Civil de 2002), a transferência do domínio útil de um imóvel não ocorre no momento da celebração do contrato de compra e venda e nem quando de sua quitação ou da lavratura de escritura em Cartório de Notas, mas sim com as devidas anotações na matrícula do imóvel em Cartório de Registro de Imóveis. Já no âmbito do direito público, cabe ao legislador estabelecer a materialidade e o momento no qual são consumadas as transferências onerosas entre vivos para fins de laudêmio, sendo certo que o art. 3º, caput, do DL nº 2.398/1987 previu essa obrigação em toda transação do “domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos”, aí incluídas as negociações não levadas anteriormente a registro público pelos negociantes.

Essas transações não submetidas a registro em Cartório de Imóveis acabam sendo reveladas por força do art. 195 e do art. 237, ambos da Lei nº 6.015/1973, ao exigirem que as anotações na matrícula de imóveis sejam feitas em continuidade ou sequência para apontar todas as transferências de domínio, especialmente para dar segurança jurídica às transações e para garantir que a propriedades ou os direitos somente sejam negociados apenas por seus titulares. Por essa necessária continuidade ou encadeamento, os registros devem indicar toda a sequência dominial, apontando cada transferência de modo individualizado, mesmo que uma ou mais não tenham sido anteriormente levadas a registro.

Cessões do domínio útil de imóveis da União Federal, mesmo se celebradas por contratos particulares não registrados, são fatos geradores do laudêmio em decorrência da delimitação material do fato gerador previsto no art. 3º, caput, do DL nº 2.398/1987 (com alterações pela nº Lei 13.240/2015 e, depois, pela MP nº 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017), mesmo porque a desoneração poderia dar ensejo a negócios feitos às margens de registros públicos tão somente para evitar essa obrigação pecuniária.

Em suma, pela sequência de procedimentos exigidos pela legislação de regência, o interessado solicita à SPU o cálculo do laudêmio, após o que faz o recolhimento do montante devido para, então, pedir à mesma SPU a expedição da CAT necessária para a escritura no Cartório de Notas e para o registro da transferência no Cartório de Imóveis. Na sequência, o adquirente deverá requerer à SPU as anotações para que seu nome conste como foreiro (titular do domínio útil do imóvel da União Federal), sob pena de multa pecuniária (art. 3º, §§ 4º e 5º do DL nº 2.398/1987). 

É sabido que a expedição da CAT não é precedida de diligências ou investigações por parte da SPU sobre a sequência das transações envolvendo o imóvel aforado, mas tendo ciência acerca de cessões por contratos particulares não levados a registro (notadamente quando o adquirente pede a que seu nome seja anotado como foreiro), o laudêmio deve ser lançado e cobrado pela União Federal.

Como decorrência da segurança jurídica, a regra geral é a fixação de prazo para que obrigações sejam exigidas pelo credor, cabendo ao legislador estabelecer hipóteses de decadência e de prescrição, com seus respectivos prazos, termos (iniciais e finais) e circunstâncias de suspensão e de interrupção da exigibilidade.

Pela sequência de atos legislativos pertinentes ao laudêmio, constam os seguintes prazos e termos sobre decadência para lançar e prescrição para exigir essa receita patrimonial:

(a) antes da Lei nº 9.636/1998 havia apenas prazo prescricional quinquenal, nos termos das previsões gerais do art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, sendo ínsito que o lançamento deveria se dar no mesmo lapso temporal;

(b) o art. 47 da Lei nº 9.636/1998 se tornou legislação específica a tratar do tema, mantendo apenas a prescrição quinquenal para a cobrança do crédito estatal e sem dispor sobre decadência (daí porque o lançamento correspondente também deveria ser feito no mesmo prazo);

(c) com a modificação do art. 47 da Lei nº 9.636/1998 pela Lei nº 9.821/1999 (resultante da MP 1787/1998 – reeditada até a MP 1787-1/1999 e seguida da MP 1856-7/1999), desde 30/12/1998 passou a haver prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito mediante lançamento, a partir do que corre o prazo prescricional quinquenal para a sua exigência;

(d) com a nova alteração do art. 47 da Lei nº 9.636/1998 pela Lei nº 10.852/2004 (conversão da MP 152/2003), desde 24/12/2003, o prazo decadencial para lançar passou a ser de dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos para a cobrança do crédito (contados da data do lançamento).

Essa sequência normativa foi consolidada pelo E.STJ na Tese firmada no Tema 244 (“O prazo prescricional, para a cobrança da taxa de ocupação de terrenos de marinha, é de cinco anos, independentemente do período considerado.”), ao julgar o REsp nº 1.133.696/PE, em 13/12/2010, aplicável também ao laudêmio porque a legislação de regência cuida de todas as receitas patrimoniais não tributárias da União Federal.

Por certo que nenhum desses atos legislativos pode ter aplicação retroativa no sentido do restabelecimento de decadências ou de prescrições já consumadas anteriormente às modificações introduzidas (art. 5º, XXXVI da Constituição), mas os novos prazos (incluindo suas majorações) incidem para as obrigações que não haviam perecido quando das publicações dos atos normativos (TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0044721-47.2010.4.03.6182, Rel. Des. Federal Hélio Egydio de Matos Nogueira, julgado em 19/12/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/01/2020).

A atual redação do art. 47 da Lei nº 9.636/1998 é a seguinte:

Art. 47.  O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 10.852, de 2004)

I - decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e  (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)

II - prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento.  (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)

§ 1o  O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento.   (Redação dada pela Lei nº 9.821, de 1999)

§ 2o  Os débitos cujos créditos foram alcançados pela prescrição serão considerados apenas para o efeito da caracterização da ocorrência de caducidade de que trata o parágrafo único do art. 101 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, com a redação dada pelo art. 32 desta Lei. 

Conforme expressamente indicado no art. 47 da Lei nº 9.636/1998, o termo inicial do prazo de decadência para lançamento do laudêmio é aquele em que a União (SPU) toma conhecimento da existência do fato gerador, por iniciativa própria ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial. E o termo inicial do prazo prescricional é a data na qual se consuma a inadimplência do recolhimento do laudêmio lançado.

Particularmente acredito que a União Federal toma ciência das transferências no dia em que os Cartórios enviam à Receita Federal do Brasil a Declaração de Operações Imobiliárias (DOI) de que trata o art. 8º da Lei nº 10.426/2002 (conversão da MP 16/2001). Por essa DOI, os serventuários da Justiça informam à Receita Federal as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos Cartórios de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos sob sua responsabilidade. Cada operação imobiliária corresponderá uma DOI, que deverá ser apresentada até o último dia útil do mês subsequente ao da anotação, averbação, lavratura, matrícula ou registro da respectiva operação, nos termos da Instrução Normativa SRF nº 473/2004 e alterações, sendo certo que o art. 1º e o art. 2º, ambos da Portaria RFB nº 1384/2016 trata tais dados como não protegidos por sigilo fiscal para fins de disponibilização a órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

Não obstante meu entendimento pessoal, admito que a interpretação dominante neste E.TRF é em outro sentido, ao qual me curvo em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios. Nesta E.Corte predomina a conclusão no sentido de que cessões de direitos realizadas por instrumento particular e não levadas a registro são fatos geradores de laudêmio (art. 3º, caput, do DL nº 2.398/1987), e o termo inicial do prazo decadencial é o dia em que a União Federal toma conhecimento dessas transferências, ainda que mediante apresentação de documentação anotada em Cartório de Notas ou Cartório de Registro de Imóveis quando o interessado pleiteia que a SPU faça a transferência do domínio útil de bem aforado para seu nome (art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998). Nesse sentido, menciono: 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0025227-44.2016.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, julgado em 14/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/09/2020, e 1ª Turma,  ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5020613-71.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Hélio Egydio de Matos Nogueira, julgado em 19/08/2020, Intimação via sistema DATA: 20/08/2020; e Segunda Turma,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 233985 - 0042187-71.1999.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Cotrim Guimarães, julgado em 09/06/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/06/2015.        

   Contudo, ainda que o art. 47, I, da Lei nº 9.636/1998 tenha estabelecido duas regras para exercício das prerrogativas estatais (prazo decadencial para o lançamento e prazo prescricional para cobrança dessas receitas patrimoniais da União Federal), a parte final do §1º desse mesmo preceito legal prevê a inexigibilidade como terceira regra que limita a imposição dessas receitas estatais “a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento”. A inexigibilidade prevista na parte final do §1º do art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998 é aplicável a todas as taxas tratadas nessa lei, porque o legislador não diferenciou receitas patrimoniais periódicas (como foro e taxa de ocupação) das esporádicas (como o laudêmio).

Ademais, o art. 47 da Lei nº 9.636/1998 rege toda a matéria relativa a decadência e prescrição dessas receitas patrimoniais não tributárias da União Federal, não havendo razão jurídica para negar vigência à parte final do §1º desse mesmo preceito normativo quanto à inexigibilidade do laudêmio devido em casos de cessões particulares.                            

Até mesmo a administração pública federal expressamente reconheceu que a receita esporádica do laudêmio está sujeita à inexigibilidade do art. 47, §1º, parte final, da Lei nº 9.636/1998. Nos termos do ainda vigente art. 20, III, da Instrução Normativa SPU nº 01/2007, é inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador, para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação (se estiver definida), ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione. Não tendo sido alterado pela Instrução Normativa SPU 01/2018, o art. 20, III, da Instrução Normativa SPU nº 01/2007 está vigendo com a seguinte redação: (grifei)

Art. 20. É inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador:

I - para os créditos de foro e taxa de ocupação, a data em que deveria ter ocorrido o lançamento estabelecido conforme o disposto no art. 3º.

II - para o crédito de diferença de laudêmio, a data do título aquisitivo quando ocupação, e de seu registro quando aforamento.

III - para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação, se estiver definida, ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione.

§ 1º Para o crédito de multa de transferência, são inexigíveis as parcelas que antecederem a sessenta meses da data do conhecimento.

§ 2º Quando a data do conhecimento for anterior a 30 de dezembro de 1998, são inexigíveis os créditos não constituídos anteriores a 30 de dezembro de 1993.

Com base em memorandos e pareceres (p. ex., Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Memorando Circular nº 372/2017-MP, Parecer nº 0088 - 5.9/2013/DPC/CONJUR-MP/CGU/AGU, Parecer/MP/CONJUR/DPC/Nº 0471 - 5.9 / 2010), a partir de 18/08/2017, a SPU passou a adotar entendimento de que a regra de inexigibilidade do art. 47, §1º da Lei nº 9.636/1998 não se aplicaria ao laudêmio por ser destinada a receitas periódicas e não a receitas esporádicas.

Esses memorandos e pareceres não só contrariam os expressos comandos do art. 47, §1º, parte final, da Lei nº 9.636/1998 e do art. 20, III, da Instrução Normativa SPU nº 01/2007, como também conduzem à insegurança jurídica pela anomalia da imprescritibilidade do laudêmio em sistema normativo no qual a regra geral é o perecimento de prerrogativas do Estado mesmo diante de atos ilícitos graves praticados por pessoas físicas ou jurídicas (tais como infrações criminais ou administrativas, mesmo quando relacionados à matéria de arrecadação). A interpretação estatal dada por tais memorandos e pareceres fragmenta a redação do §1º do art. 47 da Lei nº 9.636/1998, acolhendo a primeira parte que interessa à administração pública (quanto ao termo inicial da decadência) mas recusando a parte final porque contraria sua pretensão de arrecadação (limitação da exigibilidade a cinco anos).   

Ainda que seja possível cogitar em imprescritibilidade (exceção no sistema jurídico brasileiro), suas hipóteses devem ser estabelecidas expressamente em atos legislativos, não podendo ser impostas por memorandos ou pareceres que contrariam comandos normativos positivados. E mesmo na remota possibilidade de se admitir que há espaço jurídico para dar validade a esses memorandos e pareceres, haveria de se discutir se foi levada a efeito o reconhecimento da invalidade da interpretação até então empregada pela administração pública (o que implicaria na obrigatória anulação dos atos administrativos anteriormente realizados, observados os termos da Súmula 473 do E.STF), ou se foi implementada mudança de interpretação (cujos efeitos não podem ser retroativos às inexigibilidades até então consumadas, nos moldes do art. 2º, XIII, da Lei nº 9.784/1999).

Reconheço que há controvérsias nesta E.Corte sobre o tema, mas filio-me ao entendimento conforme julgados que ora colaciono: (grifei)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECEITA DECORRENTE DE LAUDÊMIO. COBRANÇA LIMITADA A CINCO ANOS ANTERIORES AO CONHECIMENTO.  TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DECORRENTES DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. FATO GERADOR. LAUDÊMIO. REGISTRO DO IMÓVEL. INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS.

1. Reexame necessário e apelação em mandado de segurança interposta pela União Federal contra sentença que julgou procedente o pedido, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I do Código de Processo Civil, concedendo a segurança postulada por SOCIMEL EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, confirmando a liminar deferida, para reconhecer a inexigibilidade do laudêmio de cessão referente ao imóvel de Registro Imobiliário (RIP) nº 7047.0003642-01.

2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.133.696 - PE), firmou entendimento no sentido de que as relações de direito material que ensejam o pagamento de taxa de ocupação, foro e laudêmio de terrenos públicos têm natureza eminentemente pública, sendo regidas pelas regras do Direito Administrativo, e que os créditos gerados na vigência da Lei nº 9.821/99 estão sujeitos a prazo decadencial de cinco anos (art. 47), que passou a ser de dez anos após a vigência da lei 11.852/2004, ao passo que o prazo prescricional é de 5 anos, independentemente do período considerado, uma vez que os débitos posteriores a 1998 se submetem ao prazo quinquenal do o artigo 47 da Lei 9.636/98, e os anteriores à vigência da citada lei, se submetem ao prazo previsto no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/1932.

3. O parágrafo 1º do artigo 47 da Lei nº 9.636/1998 não foi revogado, de sorte que continua vigente a limitação a cinco anos da cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento do ocorrido, sob pena de inexigibilidade. Ademais, não se encontra nesse dispositivo nenhuma ressalva quanto à sua aplicação exclusivamente a receitas periódicas.

4. O fato gerador do laudêmio não consiste na celebração do contrato de compra e venda nem na sua quitação, mas sim no registro do imóvel em cartório. Assim, no caso dos autos, somente estão alcançadas pela inexigibilidade as receitas de laudêmio anteriores a cinco anos contados do registro do imóvel. Precedentes.

5. A mera celebração de compromisso de compra e venda não se trata de negócio jurídico hábil a ensejar a transferência do direito real de ocupação do imóvel, não constituindo, portanto, fato gerador da incidência de laudêmio (art. 3º, do Decreto-lei nº 2.398/1987).

6. A efetiva transferência do domínio útil do imóvel - fato gerador da exação - realizou-se, tão somente, por meio de negócio jurídico celebrado entre os alienantes Sérgio Pinho Mellão e Renata da Cunha Bueno Mellão e os adquirentes, havendo o respectivo título translativo foi devidamente levado a registro, consoante certidão de matrícula do bem objeto da transação.

7. Somente é exigível o laudêmio em face da efetiva transferência do domínio útil do imóvel, consubstanciada pelo registro do respectivo título translativo no Cartório Registro de Imóveis (artigo 1.227, do Código Civil de 2002). Precedentes.

8. Negado provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação interposto pela União Federal.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5025017-68.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 12/05/2020, Intimação via sistema DATA: 13/05/2020)

                                                                        

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXIGIBILIDADE DE LAUDÊMIO COBRADO PELO SPU. NÃO É CASO DE PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA. COBRANÇA LIMITADA A 5 ANOS DE PERÍODO ANTERIOR AO CONHECIMENTO DA AUTORIDADE. RECURSO PROVIDO.

- Trata-se de contrato particular, sem conhecimento de terceiros e muito menos da União Federal, tendo sido o pedido de transferência formalizado perante a União Federal somente em 22/06/2016, data em que tomou conhecimento do fato ensejador da cobrança, somente a partir daí podendo correr o prazo decadencial e/ou prescricional, posto que tais prazos extintivos somente se materializam com a inércia do titular do direito em promover os atos necessários ao seu exercício.

- A cobrança poderia ser lançada até 22/06/2026 (prazo decadencial, art. 47, inc. I e §1º) e depois cobrada em  mais cinco anos (prazo prescricional, art. 47, inc. II e §1º), não havendo que se falar, portanto, no caso em exame, de decadência e ou prescrição do laudêmio cobrado.

- No caso dos autos, entretanto, requer-se a aplicação da inexigibilidade prevista no § 1º do art. 47 da Lei 9.636/98, por haver transcorrido mais de cinco anos da data de conhecimento dos fatos pela autoridade administrativa.

- Dispõe expressamente o preceito legal invocado, em sua parte final, "...ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento", de forma que, mesmo sendo um crédito legítimo, líquido e certo, não alcançado por decadência e nem por prescrição, será ele, porém, inexigível na situação ali descrita na norma legal, norma que continua em vigor e com plena aplicabilidade. Aplicando o supra exposto ao caso dos autos, tem-se que o crédito não estaria atingido pela decadência ou pela prescrição, mas, sim, não está sujeito à cobrança sob fundamento da incidência da inexigibilidade prevista no § 1º, parte final, do artigo 47 da Lei nº 9.636/98.

- Agravo de instrumento provido.

 (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5027507-93.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 07/08/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/08/2019)

 

No caso dos autos, os impetrantes questionam a cobrança de débito relativo ao laudêmio exigido em decorrência de cessão de domínio útil do imóvel consistente na casa 207/208, Condomínio Tamboré 4 Villaggio, Av. Victor Civita, 235, Santana de Parnaíba/SP, objeto do Registro Imobiliário Patrimonial - RIP n. 7047.0101896-58.

Foi lavrada escritura de venda e compra do referido imóvel, em 07/02/2018 (id 143292502, Págs. 1/7), indicando RNI Negócios Imobiliários S/A (atual denominação de Rodobens Negócios Imobiliários S/A como vendedora e Ricardo Barana e Deise de Almeida Barana como compradores.

Na referida escritura consta que a vendedora RNI Negócios Imobiliários S/A, prometeram vender imóvel objeto da escritura a Gilson da Silva e Edilene Tecilla da Silva, em 29/08/2002, que, por sua vez, cederam e transferiram o bem aos compradores, Ricardo Barana e Deise de Almeida Barana, em 28/05/2006. CAT expedida em 29/01/2018.

Objetivando a transferência do imóvel para o nome dos compradores, foi protocolizado o pedido em 20/03/2018, quando então o ente estatal tomou conhecimento de todas as transações (conforme contestação e anexo ofício da SPU – informações prestadas – id 143292518, Pág. 7 e 143292519, Pág. 1).

Assim é que tendo tido ciência da transferência em 2018, a SPU não pode, em 2018, exigir qualquer parcela sobre laudêmio devido em 2006 e dos cálculos que fez para a CAT em 2018, em ambos os casos pela inexigibilidade em relação ao quinquênio anterior ao momento em que tomou conhecimento da transação (art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998).

Note-se que aos autos está acostado DARF indicando exigência de laudêmio atinente ao período de apuração em 28/05/2006, com vencimento em 07/05/2018 (id 143292516, Pág. 1).

Assim, inexigível a cobrança do laudêmio, é devida a repetição do indébito requerida, cujos acréscimos devem se servir do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Confira-se ementa de julgado da 2ª Turma desta Corte:

PROCESSO CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - APELAÇÃO CIVIL SOCIEDADE ENFITÊUTA - INCORPORAÇÃO - TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIU UTIL - LAUDÊMIO INDEVIDO - REPETIÇÃO - TAXA SELIC - APLICABILIDADE

I - Nas transferências de domínio útil em decorrência da incorporação de sociedade enfiteuta não é devido o foro laudêmio por ausência de onerosidade.

II - Se o laudêmio não recolhido no prazo é atualizado pela Selic, deve ser aplicada a mesma taxa nos casos de devolução de recolhimentos indevidos.

III - A União Federal não está isenta de reembolsar a parte contrária nas custas e despesas processuais, caso seja sucumbente na demanda judicial.

IV - Honorários advocatícios como na sentença.

V- Precedentes jurisprudenciais.

VI Recurso de apelação desprovido. (destaquei)

(Ap. n. 0007356-55.2003.4.03.6100/SP, 2ª Turma, Rel. Des. Cotrim Guimarães, e-DJF3 Judicial 1, 08/06/2017)

Invertido o resultado do julgamento, nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte-ré ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

Ante o exposto, divirjo do e. Relator para dar provimento à apelação.


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001302-25.2018.4.03.6144

RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES

APELANTE: RICARDO BARANA, DEISE DE ALMEIDA BARANA

Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, CELSO MIRIM DA ROSA NETO - SP286489-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A
Advogados do(a) APELANTE: DANIELE CLARO DE OLIVEIRA FONSECA - SP191864-A, PEDRO EGBERTO DA FONSECA NETO - SP222613-A, CELSO MIRIM DA ROSA NETO - SP286489-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):

Trata-se de ação ordinária por meio da qual os autores objetivam o reconhecimento da inexigibilidade da cobrança de laudêmio decorrente da cessão de direitos sobre o imóvel ocorrida de 28.05.2006.

 

O juízo a quo entendeu que a parte impetrante não possui legitimidade quanto ao pedido subsidiário de revisão de cálculo e de restituição do indébito lançado em nome de RODOBENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, haja vista que o adquirente não detém legitimidade para questionar o valor exigido, tampouco para pleitear, em nome próprio, a restituição de indébito.

 

Sabe-se que o laudêmio possui natureza propter rem, ou seja, as obrigações desta natureza gravam a própria coisa independentemente de quem seja o titular do direito real sobre elas.

 

Outrossim, o sistema brasileiro de registros está fundamentado no princípio da continuidade, de maneira que todas as transferências do domínio do imóvel devem constar na matrícula do bem imóvel, com o fim de se preservar o encadeamento das operações. É o que se extrai no artigo 237, da Lei nº 6.015/73.

 

Destarte, havendo notícia, na escritura, de um encadeamento de transmissões, cada qual se considera uma transação independente e submissa aos encargos daí decorrentes; registre-se que é precisamente a partir da escritura pública que a União toma conhecimento do encadeamento de transmissões, até então no recôndito das partes envolvidas. E é precisamente a partir desse conhecimento que estará a União Federal autorizada a cobrar por todas as transações anteriores, em respeito à boa-fé e à continuidade do registro imobiliário.

 

No caso dos autos, verifica-se que o imóvel adquirido passou pela seguinte cadeia sucessória: RNI NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A (RODOBENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A) – Gilson da Silva e esposa - impetrantes, e que a primeira alienação não foi escriturada nem comunicada à SPU.

 

Destarte, basta a aquisição do domínio, ainda que não haja a imissão na posse, para que o adquirente se torne responsável por tais obrigações, inclusive com relação às parcelas anteriores à aquisição.

 

Neste sentido, o seguinte julgado:

 

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO LEGAL - FORO LAUDÊMIO - NATUREZA JURÍDICA - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL DE IMÓVEL DA UNIÃO - FORO LAUDÊMIO - RESPONSABILIDADE TAMBÉM DO ALIENANTE ATÉ A TRANSCRIÇÃO IMOBILIÁRIA DO TÍTULO DE AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO

I - O foro laudêmio ostenta natureza jurídica de obrigação propter rem.

(...)

V - Agravo legal provido.

(TRF-3 - AC: 26684 SP 0026684-35.2008.4.03.9999, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, Data de Julgamento: 09/10/2012, SEGUNDA TURMA)

 

O fato da cobrança do laudêmio se dar em nome de RODOBENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/A, não afasta a legitimidade e o interesse de agir da parte impetrante para discutir a cobrança judicial do laudêmio fundada na transferência onerosa do domínio útil do imóvel em questão, pois futuras transmissões deste imóvel poderão ser obstadas por causa da ausência do prévio recolhimento das obrigações enfitêuticas.

 

Nesse sentido os seguintes julgados:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LAUDÊMIO. INTERESSE DE AGIR DOS ADQUIRENTES DE DOMÍNIO ÚTIL DO IMÓVEL. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO. CIÊNCIA, PELA UNIÃO, DA ALIENAÇÃO. PRESCRIÇÃO NÃO OCORRIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. O laudêmio possui natureza propter rem, ou seja, as obrigações desta natureza gravam a própria coisa independentemente de quem seja o titular do direito real sobre elas.

2. Basta a aquisição do domínio, ainda que não haja a imissão na posse, para que o adquirente se torne responsável por tais obrigações, inclusive com relação às parcelas anteriores à aquisição. Precedente desta Corte.

3. Ainda que assim não fosse, resta evidente o interesse de agir dos impetrantes quanto à discussão judicial sobre ser devida, ou não, a cobrança de laudêmio fundada em transferência onerosa do domínio útil do imóvel por eles adquirido, já que, a persistir a exigência dos valores pela União, futuras transmissões deste domínio útil poderão ser obstadas em razão de tais pendências, nos termos do artigo 3º, § 2°, I, “b” do Decreto-Lei nº 2.398/87.

4. De rigor, portanto, a reforma da sentença para se reconhecer a legitimidade dos impetrantes para propor a presente ação.

5. Os fatos que dão causa à cobrança do laudêmio (hipótese material de incidência) são a cessão (ou cessões) ou o registro da escritura. No entanto, o prazo decadencial só se inicia, para efeito de constituição, mediante lançamento, a partir do conhecimento, pela União Federal (SPU), das transações então noticiadas na escritura.

6. No caso concreto configura-se tal hipótese, vez que somente a partir da transcrição do respectivo título na matrícula do imóvel pode a União ter ciência não somente da alienação do imóvel retratada na matrícula, como também da cessão de direito que lhe antecedeu.

7. A prevalecer a tese recursal, bastaria aos alienantes e adquirentes que mantivessem em segredo as diversas transferências do domínio útil durante o prazo decadencial e/ou prescricional para, só após o seu decurso, dar publicidade às transações, pretendendo se furtar ao pagamento do laudêmio devido sob a alegação de prescrição e/ou decadência, o que não se pode admitir, sob pena de que vendedores e compradores se beneficiem de sua própria torpeza.

8. No caso concreto, a escritura de venda do domínio útil aos impetrantes foi levada a registro em 08/01/2015; embora não haja nos autos a data exata do lançamento do laudêmio, o presente writ foi impetrado em 31/08/2017, de sorte que certamente não decorreu o prazo decadencial decenal para constituição do crédito, tampouco o prazo prescricional quinquenal.

9. Sentença reformada para se reconhecer a legitimidade ativa ad causam dos impetrantes e, no mérito, se rejeitar o pedido e denegar a segurança, sem condenação em honorários advocatícios, na forma do artigo 25 da Lei nº 12.016/09.

10. Apelação parcialmente provida. (APELAÇÃO CÍVEL / SP 5013738-85.2017.4.03.6100, Relator(a): Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, Data do Julgamento 14/02/2020, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 18/02/2020)

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE ATIVA PARA IMPETRAÇÃO. LAUDÊMIO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.013, § 3º, I DO CPC. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.

1. Apelação em mandado de segurança interposta contra sentença que julgou o processo extinto, sem o exame do mérito, ao ponderar que a impetrante carece de legitimidade para questionar a exigibilidade do laudêmio.

2. Considerado que os valores devidos em razão do domínio útil podem ser exigidos tanto do alienante quanto do adquirente, por se tratar de obrigação propter rem, a impetrante deve ser considerada parte legítima para figurar no polo ativo da ação mandamental.

3. Sentença anulada para reconhecer a legitimidade ativa da apelante para a impetração e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que o feito tenha regular prosseguimento.

4. Impossibilidade de julgamento nos moldes do art. 1.013, §3º, I, do CPC, tendo em vista o duplo grau obrigatório previsto no art. 14, §1º, da Lei nº 12.016/09.

5. Apelação provida. (APELAÇÃO CÍVEL / SP 5013687-74.2017.4.03.6100, Relator(a): Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, 1ª Turma, Data do Julgamento 14/02/2020, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 18/02/2020)

 

Assim, de rigor a reforma da sentença para se reconhecer a legitimidade dos apelantes quanto ao pedido de revisão do cálculo e repetição do indébito.

 

Nos termos do disposto no art. 1.013, §3º, I do CPC/15 passo a analisar o mérito.

 

 

DO PEDIDO DE REVISÃO E REPETIÇÃO DO INDÉBITO

 

De início, quanto ao pedido de revisão do cálculo e repetição do indébito, não aduz razão aos apelantes.

 

O art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87, na vigência da Lei nº 9.636/98, não permite que o cálculo do laudêmio realizado pela SPU seja feito pelo adquirente do imóvel. Confira-se:

 

“Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.

(...)

§2° Os Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade do respectivo titular, não registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União ou que contenham, ainda que parcialmente, terreno da União:

 

a) sem prova do pagamento do laudêmio;

b) se o imóvel estiver situado em zona que houver sido declarada de interesse do serviço público em portaria do Diretor-Geral do Serviço do Patrimônio da União; e

c) sem a observância das normas estabelecidas em regulamento.

 

§3° O Serviço do Patrimônio da União (SPU) procederá à revisão do cálculo do valor recolhido e, apurada diferença a menor, notificará o interessado para recolhê-la, no prazo de 30 (trinta) dias, devolvendo o valor da eventual diferença a maior.

 

§4° O recolhimento da diferença a menor e a devolução da diferença a maior serão feitas pelos respectivos valores monetariamente atualizados pelo índice de variação de uma Obrigação do Tesouro Nacional (OTN).

 

§5° O não recolhimento de diferença a menor, no prazo fixado no parágrafo anterior, acarretará a sua cobrança com os acréscimos previstos nos arts. 15 e 16 do Decreto-lei n° 2.323, de 26 de fevereiro de 1987, com a redação dada pelo Decreto-lei n° 2.331, de 28 de maio de 1987.”

 

Quando do registro da escritura do imóvel, os apelantes quitaram o valor do laudêmio referente à cessão ocorrida em 2002 (ID 143292506), negócio entabulado entre a RODOBENS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS e Gilson da Silva, cujo valor foi calculado levando em consideração a atualização do valor do imóvel, R$160.536,77, e sobre esse valor corrigido é que foi calculado o laudêmio devido, correspondente a 5% do valor do imóvel, valor este apurado em R$ 8.026,83 (ID 143292506).

 

No caso dos autos, observa-se que a SPU, em março de 2018, lançou novo débito de laudêmio cobrando o valor de R$38.615,32 (valor principal acrescido de juros e multa), tendo em vista a cessão de direitos firmada aos 28.05.2006 entre Gilson da Silva e os apelantes, conforme se verifica no ID 143292515 e 143292516.

 

Diante disso, não se aplica a alteração promovida pela Lei 13.240/2015 ao cálculo do laudêmio referente à cessão onerosa ocorrida em 28.05.2006. A retroatividade da lei mais benéfica tem aplicação no direito penal, não no civil, devendo-se, in casu, observar o princípio do tempus regit actum, para verificar qual a legislação aplicável na data do fato gerador do laudêmio.

 

Nesse sentido:

 

EXECUÇÃO FISCAL. COBRANÇA DE LAUDÊMIO - CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO - CONSUMAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - APRECIAÇÃO EM CONSONÂNCIA COM O DIPLOMA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA - OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 20 DO CPC DE 1973 - MAJORAÇÃO. 1. Os créditos administrativos relativos a taxa de ocupação e laudêmio anteriores à edição da Lei nº 9.821/99 não estavam sujeitos à decadência, mas somente a prazo prescricional de cinco anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/32 ou 47 da Lei nº 9.636/98). Exegese do quanto decidido pelo STJ, sob a égide paradigmática, no julgamento do REsp nº 1.133.696/PE. Precedente da 5ª Turma do TRF3. 2. Caso em que o fato gerador remonta a 1995, sendo anterior à edição da Lei nº 9.821/99, não havendo que se falar em decadência. Porém, a cobrança deveria ter ocorrido dentro do lapso prescricional de cinco anos. Com o ajuizamento da execução fiscal apenas em 17/03/2009, de fato resta consumada a prescrição. 3. Majoração dos honorários advocatícios, a serem pagos pela União em favor da parte contribuinte, em atenção ao disposto no artigo 20 e parágrafos do CPC de 1973, bem como em consonância com o entendimento desta 5ª Turma - e tendo em vista que a causa não envolveu grandes debates - para o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 4. Remessa oficial, tida por ocorrida, e apelação da União não providas. Apelação da parte contribuinte parcialmente provida. (AC 00333129820124039999, JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/08/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

 

Destarte, não cabe o pedido de revisão, outrora permitida pela legislação anterior, uma vez que, com a edição da Lei nº 9.636/98, ao efetuar o cálculo do laudêmio, a Administração atualiza o valor do imóvel objeto do contrato de alienação, e calcula-o diretamente, não havendo mais que se falar em revisão do valor cobrado, para posterior cobrança de diferenças.

 

Nesse sentido:

 

CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO. LAUDÊMIO. CÁLCULO REALIZADO PELA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO-SPU. LEI Nº 9.636/1998, ART. 33. COBRANÇA DE DIFERENÇA. NÃO CABIMENTO. 1 - Laudêmio calculado pela Gerência Regional do Patrimônio da União-GRPU sobre venda de imóvel residencial realizada em 2007, na vigência da Lei nº 9.636/98, que alterou o art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87, não permitindo mais que o cálculo seja feito pelo adquirente do imóvel. 2 - No caso dos autos, verifica-se que a transação imobiliária realizada pelo autor, em julho de 2007, teve o seu valor total de R$ 133.999,43, enquanto o cálculo do laudêmio, realizado em novembro de 2007, levou em consideração a atualização do valor do imóvel, fixado pela SPU como sendo de R$ 194.778,90, e sobre esse valor corrigido é que foi calculado o laudêmio pago inicialmente pelo apelado, no valor de R$ 9.738,95, correspondente a 5% (cinco por cento), do valor apurado do imóvel. 3 - Após requerer a averbação da transferência de propriedade perante a GRPU, foi notificado da existência de débito em relação ao cálculo do laudêmio sobre o mesmo imóvel, e que deveria ser pago, a título de complemento, o valor de R$ 6.089,05, acrescido da multa cobrada, valor esse que foi pago pelo autor em 07.05.2009. 4 - Não cabe mais a revisão permitida pela legislação anterior, uma vez que, com a edição da Lei nº 9.636/98, ao efetuar o cálculo do laudêmio, a Administração atualiza o valor do imóvel objeto do contrato de alienação, e calcula-o diretamente, não havendo mais que se falar em revisão do valor cobrado, para posterior cobrança de diferenças. 5 - Devida a repetição dos valores pagos como complementação do laudêmio. 6 - Apelação improvida. (AC - Apelação Civel - 498448 2009.85.00.004345-6, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::19/08/2010 - Página::392.)

 

 

DA INOCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA E/OU PRESCRIÇÃO DA COBRANÇA DO LAUDÊMIO

 

O Decreto nº 2.398/1987 dispõe que a transferência onerosa entre vivos do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direitos a ele relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor.

 

O laudêmio tem natureza de receita administrativa patrimonial originária da União, decorrente da relação contratual, sem qualquer correlação com o poder de tributar que os entes federativos gozam, de forma que não é considerado um tributo, de modo que não se submete às disposições do Código Tributário Nacional.

 

Com relação à decadência e prescrição, os créditos anteriores à Lei 9.821/99 não se sujeitavam à decadência, mas, tão-somente, ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º, do Decreto 20.910/32; com a edição da Lei 9.636/98 foi instituída a prescrição quinquenal em seu art. 47, sendo que o referido artigo foi modificado pela Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadência de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional de cinco anos para a sua exigência; por fim, com a edição da Lei 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, sendo estendido o prazo decadencial para dez anos, mantendo-se, novamente, o prazo prescricional quinquenal, a contar do lançamento.

 

Cumpre, portanto, verificar a data de ocorrência do fato gerador do laudêmio.

 

Há de se ressaltar que a data da celebração do contrato entre os particulares não necessariamente corresponde ao momento em que a União toma conhecimento da alienação do direito de ocupação ou de foro, para fins de contagem do prazo prescricional/decadencial.

 

No intuito de regulamentar o lançamento e a cobrança de créditos originados de receitas patrimoniais, a SPU editou a Instrução Normativa nº 01/2007. O artigo 20 dispõe sobre a inexigibilidade dos créditos, nos seguintes termos:

 

“Art. 20º - É inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador:

(...)

III - para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação, se estiver definida, ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione.”

 

A partir de 18.08.2017, com fundamento no Memorando nº 10.040/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, órgão central da autoridade impetrada, esta passou a adotar o entendimento de que a regra de inexigibilidade, prevista no artigo 47parágrafo 1º, da Lei nº 9.636/98, não se aplicaria ao laudêmio, porque voltada para receitas periódicas (taxa de ocupação e foro), ao passo em que o laudêmio se constituiria receita esporádica.

 

Sabe-se que o fato gerador do laudêmio somente ocorre no ato do registro da transferência onerosa e/ou da cessão de direitos junto ao Cartório de Registro de Imóveis (CRI).

 

Nesse sentido:

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. TERRENO DE MARINHA. DOMÍNIO ÚTIL. TRANSFERÊNCIA ONEROSA DO DIREITO DE OCUPAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DECORRENTES DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR O LAUDÊMIO NÃO CONFIGURADO. INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS.

1. O impetrante celebrou contrato de compromisso de compra e venda com a sociedade empresária "J.R. Preto Participações e Administração Ltda.", relativo a imóvel localizado em terreno de marinha, regularmente cadastrado na Secretaria do Patrimônio da União. Os direitos e obrigações decorrentes do referido compromisso de compra venda foram, posteriormente, cedidos e transferidos para Cipriano José Marçal Fidalgo, através de escritura pública de venda e compra e cessão de direitos.

2. A efetiva transferência do domínio útil do imóvel, da "J.R. Preto Participações e Administração Ltda." para Cipriano José Marçal Fidalgo, somente veio a ocorrer em 02/12/2015, sendo recolhido o laudêmio, no valor de R$ 59.990,00 (cinquenta e nove mil e novecentos e noventa reais).

3. Não possui respaldo legal a notificação do impetrante, para também proceder ao recolhimento do laudêmio, em virtude da cessão de direitos e obrigações decorrentes do compromisso de compra e venda do imóvel.

4. O instrumento particular de compromisso de compra e venda celebrado entre o impetrante e a sociedade empresária "J.R. Preto Participações e Administração Ltda." não foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis e tampouco na Secretaria do Patrimônio da União. Nos termos dos artigos 221 e 1.417, ambos do Código Civil de 2002, o referido contrato produz efeitos somente entre as partes contratantes, não adquirindo o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

5. A mera celebração de compromisso de compra e venda não se trata de negócio jurídico hábil a ensejar a transferência do direito real de ocupação do imóvel, não constituindo, portanto, fato gerador da incidência de laudêmio, nos termos da legislação de regência.

6. A efetiva transferência do domínio útil do imóvel - fato gerador da exação - apenas ocorreu entre a sociedade empresária "J.R. Preto Participações e Administração Ltda." e Cipriano José Marçal Fidalgo, consoante registro nº 3, de 02/12/2015, constante da certidão do bem objeto da transação.

7. Somente é exigível o laudêmio em face da efetiva transferência do domínio útil do imóvel, consubstanciada pelo registro do respectivo título translativo no Cartório Registro de Imóveis (artigo 1.227, do Código Civil de 2002). Precedentes.

8. Tendo em vista o julgamento do presente recurso de apelação, resta prejudicado o agravo interno interposto pela União Federal contra a decisão monocrática que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

9. Negado provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação interposto pela União Federal. (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 368800 / SP 0015464-19.2016.4.03.6100, Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento: 04/10/2018, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/10/2018)

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LAUDÊMIO. FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR O LAUDÊMIO. REGISTRO DO IMÓVEL EM CARTÓRIO. PRECEDENTES STJ.

1. O C. Superior Tribunal de Justiça já assentou o entendimento de que o fato gerador do laudêmio ocorre tão somente com o registro do imóvel em cartório e não quando celebração do contrato de compra e venda ou de sua quitação. (Precedentes)

2. Remessa oficial não provida, com fulcro no art. 932, incisos IV do novo CPC, devendo ser mantida a r. sentença. (ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 1937107 / MS 0008828-22.2011.4.03.6000, Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 07/06/2016, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/06/2016)

 

Consta na escritura levada a registro que em 29.08.2002, a empresa RNI NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S.A. (RODOBENS NEGÓCIOS  IMOBILIÁRIOS S.A.) celebrou instrumento de promessa de compra e venda, não levado a registro, no qual prometeram vender o domínio útil do imóvel a GILSONDA SILVA e EDILENE TECILLA  DA  SILVA, bem  como  que, por  instrumento particular datado de 28.05.2006, os promitentes   compradores (Gilson da Silva e esposa) cederam seus direitos sobre o domínio útil do imóvel aos ora apelantes/impetrantes.

 

In casu, a averbação da transferência do domínio útil do imóvel somente foi levada ao conhecimento da União em 20.03.2018, conforme consta no ofício nº 77246/2018-MP (ID 143292519). 

 

Não há que se falar, portanto, em decadência nos termos do disposto no artigo 47, I, da Lei 9.696/98, na redação conferida pela lei 10.852/2004, e tampouco há que se cogitar ser o caso de prescrição que, segundo o inciso II, somente deve ocorrer cinco anos contados do lançamento.

 

Por fim, nos termos do § 11º do art. 85 do CPC/15, a majoração dos honorários é uma imposição na hipótese de se negar provimento ou rejeitar recurso interposto de decisão que já havia fixado honorários advocatícios sucumbenciais, respeitando-se os limites do § 2º do art. 85 do CPC.

 

Sobre o tema cabe também destacar manifestação do C. STJ:

 

[...] 3. O § 11 do art. 85 Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade, devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho adicional na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes. (AgInt no AREsp 370.579/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016, DJe 30/06/2016)

 

Ante o exposto e à luz do disposto nos §§2º e 11 do art. 85 do CPC, devem ser majorados em 10% os honorários fixados anteriormente, ressalvando-se que, quanto ao beneficiário da justiça gratuita, a cobrança fica condicionada à comprovação de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos, conforme dispõe o art. 98, §3º do CPC/15.

 

Diante do exposto, a sentença deve ser parcialmente reformada para se reconhecer a legitimidade ativa dos impetrantes e, no mérito, nego provimento à apelação.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

RECEITA PATRIMONIAL NÃO TRIBUTÁRIA. LAUDÊMIO. CESSÃO DE DIREITOS. CONTRATOS PARTICULARES. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INEXIGIBILIDADE. TERMO INICIAL.

- Cessões do domínio útil de imóveis da União Federal, mesmo se celebradas por contratos particulares não registrados, são fatos geradores do laudêmio em decorrência da delimitação material do fato gerador previsto no art. 3º, caput, do DL nº 2.398/1987 (com alterações pela nº Lei 13.240/2015 e, depois, pela MP nº 759/2016, convertida na Lei nº 13.465/2017), mesmo porque a desoneração poderia dar ensejo a negócios feitos às margens de registros públicos tão somente para evitar essa obrigação pecuniária.

- Na Tese firmada no Tema 244, julgando o REsp nº 1.133.696/PE, em 13/12/2010, o E.STJ firmou entendimento sobre a sequência normativa sobre decadência e prescrição relativa às receitas patrimoniais não tributárias da União Federal (também aplicável ao laudêmio), atualmente consolidada no art. 47 da Lei nº 9.636/1998. O termo inicial do prazo decadencial para lançamento do laudêmio é o dia em que a União Federal toma conhecimento dessas transferências, ainda que mediante apresentação de documentação do Cartório de Registro quando o interessado pleiteia que a SPU faça a transferência do domínio útil de bem aforado para seu nome (art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998). Precedentes deste E.TRF.

- Ainda que o art. 47, I, da Lei nº 9.636/1998 tenha estabelecido duas regras para exercício das prerrogativas estatais (prazo decadencial para o lançamento e prazo prescricional para cobrança dessas receitas patrimoniais da União Federal), a parte final do §1º desse mesmo preceito legal prevê a inexigibilidade como terceira regra que limita a imposição dessas receitas estatais “a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento”. A inexigibilidade prevista na parte final do §1º do art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998 é aplicável a todas as taxas tratadas nessa lei, porque o legislador não diferenciou receitas patrimoniais periódicas (como foro e taxa de ocupação) das esporádicas (como o laudêmio). Ademais, o art. 47 da Lei nº 9.636/1998 rege toda a matéria relativa a decadência e prescrição dessas receitas patrimoniais não tributárias da União Federal, não havendo razão jurídica para negar vigência à parte final do §1º desse mesmo preceito normativo quanto à inexigibilidade do laudêmio devido em casos de cessões particulares.

 - Até mesmo a administração pública federal expressamente reconheceu que a receita esporádica do laudêmio está sujeita à inexigibilidade do art. 47, §1º, parte final, da Lei nº 9.636/1998. Nos termos do ainda vigente art. 20, III, da Instrução Normativa SPU nº 01/2007, é inexigível o crédito não constituído originado em receita patrimonial cujo fato gerador anteceda cinco anos ou mais da data do conhecimento das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da respectiva receita, considerando-se como fato gerador, para o crédito de laudêmio sobre cessão, a data da transação (se estiver definida), ou à míngua de definição da data, a data do instrumento que a mencione.

- Com base em memorandos e pareceres, a SPU passou a adotar entendimento de que a regra de inexigibilidade do art. 47, §1º da Lei nº 9.636/1998 não se aplicaria ao laudêmio por ser destinada a receitas periódicas e não a receitas esporádicas. Esses memorandos e pareceres não só contrariam os expressos comandos do art. 47, §1º, parte final, da Lei nº 9.636/1998 e do art. 20, III, da Instrução Normativa SPU nº 01/2007, como também conduzem à insegurança jurídica pela anomalia da imprescritibilidade do laudêmio em sistema normativo no qual a regra geral é o perecimento de prerrogativas do Estado mesmo diante de atos ilícitos graves praticados por pessoas físicas ou jurídicas (tais como infrações criminais ou administrativas, mesmo quando relacionados à matéria de arrecadação). A interpretação estatal dada por tais memorandos e pareceres fragmenta a redação do §1º do art. 47 da Lei nº 9.636/1998, acolhendo a primeira parte que interessa à administração pública (quanto ao termo inicial da decadência) mas recusando a parte final porque contraria sua pretensão de arrecadação (limitação da exigibilidade a cinco anos).

- Ainda que seja possível cogitar em imprescritibilidade (exceção no sistema jurídico brasileiro), suas hipóteses devem ser estabelecidas expressamente em atos legislativos, não podendo ser impostas por memorandos ou pareceres que contrariam comandos normativos positivados. E mesmo na remota possibilidade de se admitir que há espaço jurídico para dar validade a esses memorandos e pareceres, haveria de se discutir se foi levada a efeito o reconhecimento da invalidade da interpretação até então empregada pela administração pública (o que implicaria na obrigatória anulação dos atos administrativos anteriormente realizados, observados os termos da Súmula 473 do E.STF), ou se foi implementada mudança de interpretação (cujos efeitos não podem ser retroativos às inexigibilidades até então consumadas, nos moldes do art. 2º, XIII, da Lei nº 9.784/1999).

- No caso dos autos, tendo tido ciência da transferência em 2018, a SPU não pode, em 2018, exigir qualquer parcela sobre laudêmio devido em 2006 e dos cálculos que fez para a CAT em 2018, em ambos os casos pela inexigibilidade em relação ao quinquênio anterior ao momento em que tomou conhecimento da transação (art. 47, §1º, da Lei nº 9.636/1998).

- Note-se que aos autos está acostado DARF indicando exigência de laudêmio atinente ao período de apuração em 28/05/2006, com vencimento em 07/05/2018.

- Inexigível a cobrança do laudêmio, é devida a repetição do indébito requerida, cujos acréscimos devem se servir do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

- Invertido o resultado do julgamento, nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte-ré ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Segunda Turma, por maioria, deu provimento à apelação, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Carlos Francisco, acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Hélio Nogueira e Valdeci dos Santos; vencidos os senhores Desembargadores Federais Cotrim Guimarães (relator) e Peixoto Júnior, que reformavam parcialmente a sentença para reconhecer a legitimidade ativa dos impetrantes e, no mérito, negavam provimento à apelação , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.