Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000515-03.2015.4.03.6107

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DOLORES ALVES LEITE

Advogado do(a) APELANTE: AMANDA PALMIERI ANTONIO RAGO - SP264654

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000515-03.2015.4.03.6107

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DOLORES ALVES LEITE

Advogado do(a) APELANTE: AMANDA PALMIERI ANTONIO RAGO - SP264654

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO: Cuida-se de agravo interno interposto pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), em face da decisão monocrática proferida pelo então relator que, em sede de embargos de terceiro opostos por DOLORES ALVES LEITE, deu provimento à apelação da embargante para desconstituir a penhora incidente sobre 1/3 da parte ideal da nua propriedade do imóvel objeto da matricula nº 92.271, do Cartório de Registro de Imóveis de Araçatuba/SP, e condenar a embargada ao reembolso das custas processuais efetivamente pagas pela parte, bem como ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, nos termos do art. 20, § 4º do CPC.

Aduz a agravante a inexistência de interesse processual por parte da embargante, para requerer o levantamento da penhora efetivada sobre o imóvel em questão, uma vez que tal constrição não limitou nem impediu o exercício do direito de usufruto vitalício do bem, por ter recaído sobre a nua propriedade.

Sem contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000515-03.2015.4.03.6107

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DOLORES ALVES LEITE

Advogado do(a) APELANTE: AMANDA PALMIERI ANTONIO RAGO - SP264654

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

V O T O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Nos Tribunais, a celeridade e a eficiência na prestação jurisdicional (escoradas na garantia da duração razoável do processo e refletidas no art. 932 do Código de Processo Civil) permitem que o Relator julgue monocraticamente casos claros no ordenamento e pacificados na jurisprudência. Para que o feito seja analisado pelo colegiado, caberá agravo interno no qual devem ser explicitadas as razões pelas quais a decisão agravada não respeitou os requisitos para o julgamento monocrático (notadamente o contido no art. 932 do Código de Processo Civil), não servindo a mera repetição de argumentos postos em manifestações recursais anteriores.

De todo modo, alegações de nulidade da decisão monocrática são superadas com a apreciação do agravo interno pelo órgão colegiado competente, conforme orientação do E.STJ (AgInt no REsp 1.688.594/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 05/12/2017, DJe 15/12/2017) e deste E.TRF da 3ª Região (AC 5787532-70.2019.4.03.9999, Rel. Des. Federal David Dantas, j. 30/04/2020, e - DJF3 06/05/2020).

No caso dos autos, a decisão monocrática agravada foi proferida pelo e.Desembargador Federal Souza Ribeiro em 05/04/2018, com o seguinte conteúdo (ID 90373327 - Pág. 74/84):

 

"Trata-se de embargos de terceiro, opostos por DOLORES ALVES LEITE em face da UNIÃO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, objetivando a desconstituição da penhora da parte ideal correspondente a 1/3 da nua propriedade do imóvel objeto da Matrícula nº 92.271 do CRI de Araçatuba/SP, efetivada nos autos da execução fiscal nº 0000994-30.2014.403.6107, movida pela embargada em desfavor de "MARCOS ROBERTO FERREIRA ARAÇATUBA-ME" e Marcos Roberto Ferreira.

Sustenta, em síntese, que aludido imóvel pertencia a ela e seu marido Alécio Leite, os quais doaram a nua propriedade a seus três filhos, dentre eles o cônjuge do executado, Antônio Carlos Leite, na proporção de 1/3 para cada um, com reserva de usufruto vitalício para os doadores.

Aduz tratar-se aludido imóvel de bem de família, segundo o disposto na Lei nº 8.009/90, visto que nele reside desde sua aquisição, no início dos anos 60, sendo sua única moradia até a presente data, inclusive após o falecimento do cônjuge. Contudo, a despeito de tais fatos, sofreu a constrição na execução subjacente, a qual pretende ver cancelada (fls. 02/07).

A União Federal impugnou os embargos, defendendo a regularidade da constrição, argumentando, em resumo, a inexistência de turbação ao exercício do direito real de fruição da coisa (usufruto), já que a penhora recaiu sobre a nua propriedade (fls. 28/29).

A r. sentença de fls. 35/36, prolatada em 11/11/2015, integrada por embargos de declaração, ofertados pela embargante (fls. 40/42) e rejeitados pela decisão de fls. 44/45, julgou improcedentes os embargos de terceiro, para reconhecer a validade da penhora efetivada nos autos da execução fiscal subjacente, sobre a parte ideal de 1/3 da nua propriedade do imóvel descrito na petição inicial, extinguindo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inc. I, do CPC/73. Condenou a embargante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC/73.

A embargante apelou, pugnando pela reforma da sentença, argumentando, em suma, a impenhorabilidade do imóvel em tela por se tratar de bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/90, argumentando que sua condição de usufrutuária do bem, não afasta essa característica. Alegou constituir-se a penhora realizada na demanda executiva, evidente incômodo ao direito de posse da embargante, uma vez que viola o princípio constitucional da dignidade humana, além de causar transtorno emocional a pessoa idosa que não conheceu outro lar se não a casa objeto da discussão (fls. 49/55).

Com as contrarrazões (fls. 62/64), subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

DECIDO.

De início, cumpre consignar que o Plenário do C. STJ, em sessão realizada em 09.03.16, definiu que o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado (AgRg no AREsp 849.405/MG, Quarta Turma, julgado em 05.04.16), o que abrange a forma de julgamento nos termos do artigo 557 do antigo CPC/1973.

Nesse sentido, restou editado o Enunciado Administrativo nº 2/STJ:

"Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".

Tendo em vista que o ato recorrido foi publicado na vigência do CPC/73, aplicam-se as normas nele dispostas (Precedentes do STJ: AgInt no REsp 1590781, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJU 30.05.16; REsp 1607823, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJU 01.07.16; AgRg no AREsp 927577, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJU 01.08.16; AREsp 946006, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJU 01.08.16).

Assim, passo a proferir decisão monocrática terminativa, com fulcro no artigo 557 do antigo Código de Processo Civil.

Pois bem. Conforme relatado, estes embargos foram opostos por Dolores Alves Leite visando o cancelamento da constrição imposta sobre a fração ideal de 1/3 do imóvel matriculado sob nº 92.271 do CRI de Araçatuba/SP, nos autos da ação de execução fiscal nº 0000994-30.2014.403.6107, na qual constam como executados, a empresa "Marcos Roberto Ferreira Araçatuba-ME" e Marcos Roberto Ferreira (autos em apenso).

A controvérsia cinge-se à verificação da impenhorabilidade ou não da nua propriedade de bem destinado à moradia da genitora do proprietário, em virtude de usufruto vitalício, bem como da caracterização do mesmo como bem de família, nos moldes da Lei nº 8.009/90.

No caso, consta dos documentos carreados aos autos que a embargante e seu cônjuge, Alécio Leite eram proprietários do imóvel em questão desde 07/02/1975, sendo que, aos 17/12/2012 transmitiram, por doação, a nua propriedade do bem aos filhos, Dirce Leite Rilo, Elizabete Leite Câmara e Antônio Carlos Leite, com reserva de usufruto vitalício aos doadores, o que restou averbado no registro imobiliário sob R-05 e R-06, em 07/10/2013 (fls. 12/14).

O cônjuge da autora faleceu em 06/01/2015 (fls. 10), sendo ela, portanto, a única usufrutuária atual do bem, e, conforme se verifica da peça inicial e da procuração, onde consta seu endereço residencial, continua utilizando o imóvel como sua moradia, a despeito de ter transferido o domínio da coisa aos descendentes.

Nessa esteira, à luz da legislação então em vigor (CC/1916, arts. 534 e 713), os filhos, na condição de nu-proprietários detêm a capacidade de disposição do imóvel, uma vez pertencer a eles a titularidade do domínio. Além disso, não consta da matrícula do imóvel, qualquer restrição que impeça sua constrição, como por exemplo, cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade.

Por outro lado, a teor da jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça, a existência de cláusula de usufruto vitalício, por si só, não acarreta a impenhorabilidade do bem, visto que a nua propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, permanecendo resguardado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou adjudicação, até que ocorra sua extinção.

Nesse sentido, precedente daquela Corte Superior, deste Tribunal e do TRF da 4ª Região, em acórdãos assim ementados:

"DIREITO CIVIL. PENHORA SOBRE A NUA-PROPRIEDADE DE IMÓVEL, GRAVADO COM USUFRUTO VITALÍCIO. POSSIBILIDADE.
- Da interpretação conjunta dos arts. 534 e 713 do CC/16, fica evidente a opção do legislador pátrio em permitir a cisão, mesmo que temporária, dos direitos inerentes à propriedade: de um lado o direito de uso e gozo pelo usufrutuário, e de outro o direito de disposição e sequela pelo nu-proprietário.
- A nua-propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou adjudicação, até que haja sua extinção.
Recurso especial não conhecido."
(STJ, REsp 925.687/DF, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 09/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 275) (g. n.)

"EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE IMÓVEL GRAVADO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO DA NUA PROPRIEDADE.
1- A cláusula de usufruto vitalício não implica a impenhorabilidade do imóvel, uma vez que a nua propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção.
2- Precedentes do C. STJ e deste E. TRF da 3ª Região.
3- Questão levantada apenas em sede de apelação (o imóvel como sendo bem de família), não pode ser conhecida, sob pena de configurar-se em supressão de instância.
4- Apelação que, na parte conhecida, se nega provimento."
(TRF3, AC nº 2010.61.06.003631-5/SP, Quarta Turma, Relator Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra, j. 07/08/2014, D.E. de 25/08/2014) (g. n.)

"EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BEM IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE POSTEIOR AO AJUIZAMENTO DO EXECUTIVO FISCAL. AFASTAMENTO. DIREITO CIVIL. PENHORA SOBRE A NUA-PROPRIEDADE DE IMÓVEL, GRAVADO COM USUFRUTO VITALÍCIO. POSSIBILIDADE.
1. O Código Tributário Nacional e a Lei de Execuções Fiscais excluem a possibilidade de penhora tão-somente àqueles bens declarados por lei absolutamente impenhoráveis. Ora, não se pode ampliar o conceito de bens absolutamente impenhoráveis para incluir aqueles gravados com cláusula de inalienabilidade e incomunicabilidade, tampouco posteriores ao ajuizamento do executivo fiscal, porquanto tal ilação iria frontalmente de encontro com o preceituado nos arts. 184 do CTN e 30 da LEF.
2. Da interpretação conjunta dos arts. 524 e 713 do CC/16, vigente à época do caso concreto, é evidente a opção do legislador pátrio em permitir a cisão, mesmo que temporária, dos direitos inerentes à propriedade: de um lado o direito de uso e gozo pelo usufrutuário, e de outro o direito de disposição e sequela pelo nu-proprietário.
3. A nua-propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou a adjudicação, até que haja sua extinção."
(TRF4, ACREEX nº 2007.72.01.001500-1/SC, Segunda Turma, Relatora Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, j. 14/04/2009, D.E. de 30/04/2009)

Ocorre que a embargante alega tratar-se o imóvel em questão de bem de família, ocupando-o como única moradia há mais de cinco décadas, sendo, portanto, impenhorável, à luz da Lei nº 8.009/90.

A respeito da impenhorabilidade do bem de família, estabelecem os artigos 1º e 3º da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990:

"Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
(...)
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
III - pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)"

Como se observa, a própria Lei nº 8.009/90 estabelece os requisitos e as hipóteses de exceção para a impenhorabilidade do imóvel residencial.

Todavia, não se pode ignorar a importância da interpretação teleológica da norma. O magistrado deve interpretar a lei, a fim de atingir sua finalidade e sua correta aplicação ao caso concreto.

A legislação mencionada nesta decisão protege o devedor em sua dignidade, preservando o direito social de moradia, alicerçado no artigo 6º da Constituição Federal.

Além disso, o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Nessas diretrizes, a jurisprudência da C. Corte Superior tem flexibilizado, em algumas situações, a letra da lei.

Assim, o C. STJ decidiu ser necessária "a presença de dois requisitos, embora não em conjunto, para caracterizar a impenhorabilidade do bem de família, quais sejam: a) restar demonstrado ser o bem penhorado o único imóvel de propriedade do executado; ou b) se constatado que, embora a executada possua outro imóvel, o bem oferecido à penhora constitui a moradia da executada e de sua família". (REsp nº 646416/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Franciulli Netto, j. 24/08/2004, DJ 28/02/2005).

De outro turno, de acordo com o caput do art. 1º, da Lei nº 8.009/90, residir no imóvel constitui requisito elementar para invocar a benesse da impenhorabilidade, sendo que, a teor do entendimento jurisprudencial, a existência de mais de um imóvel em nome do devedor/executado, não constitui óbice ao reconhecimento da impenhorabilidade do bem em que reside a família.

Além disso, é entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, considerando as peculiaridades do caso concreto, o fato de o imóvel não ser habitado pelo devedor, mas por sua genitora, idosa, que é titular de usufruto vitalício do bem, não afasta a proteção da Lei nº 8.009/90, uma vez que a Constituição da República elevou o direito à moradia à condição de desdobramento da dignidade humana, prevendo, ainda, especial amparo à pessoa idosa, dele incumbindo não só a sociedade, o Estado, mas a própria família do idoso, ainda mais considerando ser o executado proprietário de outros imóveis passíveis de constrição. Essa a conclusão que se extrai do seguinte aresto, in verbis:

"PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO. LEI 8.009/90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NÃO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO ISSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL.
1. A Lei 8.009/1990 instituiu a impenhorabilidade do bem de família como um dos fundamentos da tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para a vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.
2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família.
3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009/1990.
4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ.
5. Recurso especial não provido."
(STJ, REsp 950.663/SC, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, j. 10/04/2012, DJe de 23/04/2012) (g. n.)

Com efeito, na espécie, a embargante, atualmente com 86 (oitenta e seis) anos de idade, é genitora de Antônio Carlos Leite, marido do executado Marcos Roberto Ferreira (fls. 15), sendo ela, juntamente com seu cônjuge, Alécio Leite, doadora do referido imóvel aos filhos, e atual usufrutuária do bem, nele residindo sem a companhia do filho e seu genro/devedor, os quais moram em outro endereço - Rua Argentina, nº 1.254, Bairro Icary, Araçatuba/SP (conforme petição inicial dos embargos de terceiro nº 2015.61.07.000516-7 - autos em apenso).

Destarte, nos termos do julgado retro destacado, o qual é plenamente aplicável ao caso, o fato de a embargante ser sogra do executado não retira do imóvel em discussão a característica de bem de família e a consequente impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/90, uma vez que a embargante é genitora de um dos donatários do bem (marido do devedor), estando abrangida no conceito de família, e, portanto, abarcada pela parte inicial do art. 1º da norma legal em apreço (entidade familiar), além, repita-se, de ser, atualmente, a única usufrutuária do bem, no qual permanece residindo, mesmo depois do óbito do cônjuge.

Ademais, não existe nos autos qualquer indício no sentido de que o devedor e seu cônjuge, filho da embargante, possuam outro imóvel e, o fato de o executado, Marcos Roberto Ferreira e Antônio Carlos Leite, nu-prorietários de parte do imóvel nele residirem, não descaracteriza sua destinação mediata de garantir a moradia da família, como comprovado nos autos pela embargante, não havendo, por parte da embargada, qualquer alegação ou comprovação que possibilite o afastamento dessa conclusão.

Nesse sentido, entendimento jurisprudencial, in verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PRELIMINAR. ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ART. 512 DO CPC. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA. IMÓVEL RESIDENCIAL. BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CONHECIMENTO A QUALQUER TEMPO E GRAU DE JURISDIÇÃO. IMÓVEL DOADO AOS FILHOS DO EXECUTADO EM USUFRUTO DA EX-CÔNJUGE. FRAUDE À EXECUÇÃO AFASTADA.
1. Não foi omisso o acórdão recorrido quanto à alegada supressão de instância, pois a Corte local entendeu que a tese da impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, suscitável a qualquer tempo e grau de jurisdição. Violação do art. 535 do CPC afastada.
2. A impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública que não pode, nem mesmo, ser objeto de renúncia por parte do devedor executado, já que o interesse tutelado pelo ordenamento jurídico não é do devedor, mas da entidade familiar, que detém, com a Carta Política de 1988, estatura constitucional. Precedentes. Ausência de contrariedade ao art. 512 do CPC.
3. O fato de o recorrido já não residir no imóvel não afasta sua impenhorabilidade absoluta, já que foi transferido, no caso, para seus filhos com usufruto de sua ex-esposa. Como a lei objetiva tutelar a entidade familiar e não a pessoa do devedor, não importa que no imóvel não mais resida o executado.
4. Se o imóvel é absolutamente impenhorável e jamais poderia ser constrito pela execução fiscal, conclui-se que a doação do bem aos filhos do executado com usufruto pela ex-esposa não pode ser considerado fraude à execução, pois não há a possibilidade dessa vir a ser frustrada em face da aludida alienação.
5. Recurso especial não provido."
(STJ, REsp 1.059.805/RS, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, j. 26/08/2008, DJe de 02/10/2008)

"TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. COMPROVAÇÃO SUFICIENTE.
(...)
2. O artigo 1º da Lei 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família com o objetivo de assegurar o direito de moradia e garantir que o imóvel não seja retirado do domínio do beneficiário, protegendo-lhe a família.
3. O instituto e sua finalidade estão de pleno acordo com o próprio art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988, que eleva a família à condição de base da sociedade e merecedora de proteção especial do próprio Estado.
4. Consoante o disposto na Lei 8.009/90, o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, e não responderá por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam, ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
5. A penhora incidiu sobre a parte ideal correspondente a 50% da nua propriedade do imóvel objeto da matrícula n.º 3.805, e registrado perante o Cartório de Registro de Imóveis de Monte Alto/SP, pertencente à CAMILA MARIA PAVANELLI.
6. A condição de bem de família do imóvel encontra-se suficientemente documentada consoante a matrícula de número 3.805 (fls. 40/43), com a indicação registral de que a não ser a metade ideal da nua propriedade, (...) não consta mais nenhuma outra aquisição imobiliária em nome da Sra. CAMILA MARIA PAVANELLI.
7. Foram juntados aos autos recibo de compra de bem móvel, e também declaração de pobreza, emitidos pela agravante, dando conta que a mesma reside no imóvel constrito.
8. A Fazenda não logrou infirmar, com qualquer documento, a condição ostentada pelo imóvel.
9. Precedentes: STJ, 4ª Turma, REsp 329453, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 2.4.2002, DJ 20.5.2002; TRF3, 6ª Turma, AI 00570094719954030000, Rel. Des. Federal Consulelo Yoshida, j. 27/11/2008, e-DJF3 Judicial 2 de 02/03/2009.
10. Agravo de instrumento provido."
(TRF3, AI nº 2012.02/00.009010-4/SP, Sexta Turma, Relatora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, j. 30/11/2017, D.E. de 13/12/2017)

Nessa esteira, revela-se insubsistente a penhora que incidiu sobre o imóvel descrito na petição inicial, posto que, além de ser o único imóvel do devedor e seu marido, em copropriedade com outros dois donatários, serve de residência a membro da entidade familiar, usufrutuária vitalícia do bem, a merecer a proteção da Lei nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade.

Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC/73, DOU PROVIMENTO à apelação da embargante, para reformar a r. sentença recorrida e julgar procedentes os embargos de terceiro, para desconstituir a penhora incidente sobre 1/3 da parte ideal da nua propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 92.271 do CRI de Araçatuba/SP, e condenar a embargada ao reembolso das custas processuais efetivamente pagas pela parte, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, na forma da fundamentação supra.

Decorrido o prazo legal para recurso, observadas as formalidades legais, baixem os autos à Vara de origem.

Publique-se. Intimem-se."

 

Verifico, portanto, que, no agravo interno interposto, a recorrente não demonstrou o desacerto da decisão monocrática proferida, cujos fundamentos estão escorados em textos normativos validamente positivados e em jurisprudência pertinente, devidamente relacionadas ao caso sub judice.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROPRIETÁRIO NÃO RESIDENTE NO IMÓVEL. USUFRUTO VITALÍCIO EM FAVOR DA GENITORA. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA.

- Considerando as peculiaridades do caso concreto, o fato de o imóvel não ser habitado pelo devedor, mas por sua genitora, idosa, que é titular de usufruto vitalício do bem, não afasta a proteção da Lei nº 8.009/1990, dada a estatura constitucional do direito à moradia, prevendo, ainda, especial amparo à pessoa idosa, dele incumbindo não só a sociedade, o Estado, mas a própria família do idoso.

- No caso dos autos, a embargante (com mais de 86 anos de idade), é genitora do marido do executado , sendo ela (juntamente com seu cônjuge) doadora do referido imóvel aos filhos, e atual usufrutuária do bem, nele residindo sem a companhia do filho e seu genro/devedor, os quais moram em outro endereço.

- O fato de a embargante ser sogra do executado não retira do imóvel em discussão a característica de bem de família e a consequente impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009/1990, uma vez que a embargante é genitora de um dos donatários do bem (marido do devedor), estando abrangida no conceito de família, e, portanto, abarcada pela parte inicial do art. 1º da Lei nº 8.009/1990, além de ser, atualmente, a única usufrutuária do bem, no qual permanece residindo, mesmo depois do óbito do cônjuge.

- Nos autos, não há indício de que o devedor e seu cônjuge (filho da embargante) possuam outro imóvel e, o fato de o executado nele não residir não descaracteriza sua destinação mediata de garantir a moradia da família.

- Agravo interno da União ao qual se nega provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.