Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011339-16.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

AGRAVANTE: JOAQUIM DOS SANTOS NEVES

Advogados do(a) AGRAVANTE: ADRIANA APARECIDA BONAGURIO PARESCHI - SP125434-A, ANA SILVIA REGO BARROS - SP129888-A

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011339-16.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

AGRAVANTE: JOAQUIM DOS SANTOS NEVES

Advogados do(a) AGRAVANTE: ADRIANA APARECIDA BONAGURIO PARESCHI - SP125434-A, ANA SILVIA REGO BARROS - SP129888-A

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto em face de r. decisão que, nos autos da ação revisional de benefício previdenciário, em fase de cumprimento de sentença, considerou devido o desconto, a partir da DER do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, dos valores recebidos a título de auxílio-acidente, haja vista não ser permitida a acumulação.

 

Sustenta o autor/agravante, em síntese, que obteve perante a Justiça Estadual o reconhecimento do seu direito vitalício ao recebimento do auxílio acidente, de forma que não pode haver ofensa a coisa julgada material. Aduz ter havido preclusão a Autarquia, haja vista dispor de todas informações e registros relativos aos pagamentos dos benefícios e se manteve inerte na fase concessória do seu benefício de aposentadoria. Alega, que não obstante o requerimento administrativo do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição tenha sido formulado apenas em 31/07/2000, após a lei 9528/97 que proibiu a cumulação dos benefícios, restou comprovado que possui tempo suficiente anterior a publicação da referida lei. Aduz, ainda, acerca da opção pelo benefício mais vantajoso e sustenta a inconstitucionalidade da Lei 9.528/97. Alega, também, ter recebido os valores de boa-fé. Requer a concessão do efeito suspensivo para que o INSS não cesse o benefício de auxílio-acidente nem proceda o desconto dos valores a este título em sua aposentadoria ou, a suspensão do processo até o julgamento final do Tema 979, no âmbito do Eg. STJ.

 

Efeito suspensivo deferido, quanto ao pedido alternativo, bem como determinado o sobrestamento até a apreciação do Tema 979, pelo E. Superior Tribunal de Justiça.

 

Intimado, nos termos do artigo 1.019, II, do CPC, o INSS/agravado não apresentou resposta ao recurso.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011339-16.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA

AGRAVANTE: JOAQUIM DOS SANTOS NEVES

Advogados do(a) AGRAVANTE: ADRIANA APARECIDA BONAGURIO PARESCHI - SP125434-A, ANA SILVIA REGO BARROS - SP129888-A

AGRAVADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.

 

O R. Juízo a quo considerou devido o desconto, a partir da DER do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, dos valores recebidos a título de auxílio-acidente, nos seguintes termos:

 

“(...)

Destarte, acolho, como RMI do benefício da exequente, o valor de R$ 1.327,88, conforme apurado pela contadoria judicial, de acordo com a legislação em vigência na DER do benefício do exequente. Ademais, como o título executivo não alterou as regras de cálculos a serem aplicadas ao benefício, é devido o desconto dos valores recebidos a título de auxílio-acidente, já que, na DER, não era permitida a acumulação desta espécie de benefício com aposentadoria por tempo de contribuição. Todavia, o desconto somente é devido a partir da DER do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que, neste ponto, assiste razão ao INSS.

(...)”.

 

É contra esta decisão que o agravante se insurge.

 

Razão lhe assiste.

 

Analisando os autos, o agravante obteve o reconhecimento, nos autos do processo n. 295/98 – ação acidentária -, perante a Justiça Estadual - 4ª. Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, do direito à concessão do benefício de auxílio-acidente mensal e vitalício, no percentual de 50% do salário de benefício, com termo inicial a data da citação.

 

O Segundo Tribunal de Alçada Civil manteve a concessão do benefício, na apelação sem revisão n. 566.783/00/9, com trânsito em julgado, em 11/02/2000.

 

A coisa julgada constitui garantia fundamental do cidadão no nosso Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no artigo 5º, XXXVI, da CF/88, e origina-se da necessidade de ser conferida segurança às relações jurídicas. Tal instituto tem a finalidade de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente, impedir que a lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.  Podendo ser rescindida, por meio de ação rescisória, nos termos dos artigos 966 e seguintes do CPC, o que não ocorreu no caso dos autos.

 

Outrossim, o título executivo judicial, ora executado pelo agravante, condenou a Autarquia a alterar o coeficiente do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição de 70% para 100%, desde a data do início do benefício – 15/02/2001 – com a conversão do tempo de serviço exercido em atividade especial de 28/07/1975 a 28/10/1977, de 03/04/1978 a 06/03/1986, de 05/05/1986 a 09/02/1989 e de 17/10/1989 a 05/03/1997, sem referência a eventual descontos a título de outros benefícios.

 

Com efeito, o C. Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa-fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, conforme julgados abaixo transcritos:

 

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA - FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO. (g.n.)

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa - fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar . Precedentes.

2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, ARE 734242 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015);

 

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO DO TCU QUE DETERMINOU A IMEDIATA INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DA URP DE FEVEREIRO DE 1989 (26,05%). EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. NATUREZA ALIMENTAR E A PERCEPÇÃO DE BOA-FÉ AFASTAM A RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS ATÉ A REVOGAÇÃO DA LIMINAR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido do descabimento da restituição de valores percebidos indevidamente em circunstâncias, tais como a dos autos, em que o servidor público está de boa-fé. (Precedentes: MS 26.085, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 13/6/2008; AI 490.551-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 3/9/2010).

2. A boa-fé na percepção de valores indevidos bem como a natureza alimentar dos mesmos afastam o dever de sua restituição.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, MS 25921 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 01/12/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-060 DIVULG 01-04-2016 PUBLIC 04-04-2016)".

 

O Pleno do STF, ao julgar o RE 638.115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé até a data do julgamento, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:

 

“Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, apreciando o tema 395 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Em seguida, o Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. O Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa - fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator, cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Roberto Barroso . Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 19.03.2015.

(RE 638115, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, processo eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-151 divulg 31-07-2015 public 03-08-2015)".

 

Neste passo, é entendimento consolidado da Egrégia 10ª. Turma desta Corte, que é defeso à Autarquia exigir a devolução dos valores já pagos, pois, conforme acima exposto, o C. STF decidiu que são irrepetíveis, quando percebidas de boa-fé, as prestações previdenciárias, em função da sua natureza alimentar.

 

É dizer, o recebimento de boa-fé de valores a título de benefício previdenciário, pelo segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução posto que se destinam à sua própria sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.

 

Ressalte-se que, no caso dos autos, ao agravante foi reconhecido o direito, por decisão judicial transitada em julgado, do recebimento de auxílio-acidente mensal e vitalício, motivo pelo qual, não agiu com acerto o R. Juízo a quo determinar o desconto dos valores recebidos a título de auxílio-acidente.

 

Acresce relevar, ainda, que a Primeira Seção do E. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979), salvaguardou a boa-fé do segurado, conforme tese fixada:

 

“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”

 

O colegiado acompanhou o voto do relator, Ministro Benedito Gonçalves, para quem, na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento. Houve modulação dos efeitos da decisão, que será aplicada aos processos distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão (23/4/2021).

 

Em decorrência, os valores auferidos pelo agravante, de boa-fé, a título de auxílio-acidente, reconhecido por decisão judicial, transitada em julgado, não devem ser descontados do crédito a ele devido decorrente da execução do julgado, objeto dos autos principais, sob pena de ofensa à coisa julgada, bem como a segurança jurídica.

 

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, para reformar a r. decisão agravada e afastar o desconto dos valores recebidos a título de auxílio-acidente, pelo agravante, na forma da fundamentação.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. CUMULAÇÃO. CABIMENTO NA ESPÉCIE. COISA JULGADA. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ COMPROVADA. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.

2. É entendimento consolidado da Egrégia 10ª. Turma desta Corte, que é defeso à Autarquia exigir a devolução dos valores já pagos, pois, o C. STF decidiu que são irrepetíveis, quando percebidas de boa-fé, as prestações previdenciárias, em função da sua natureza alimentar.

3. O recebimento de boa-fé de valores a título de benefício previdenciário, pelo segurado ou beneficiário, não são passíveis de devolução posto que se destinam à sua própria sobrevivência, circunstância que o reveste de nítido caráter alimentar.

4. No caso dos autos, ao agravante foi reconhecido o direito, por decisão judicial transitada em julgado, do recebimento de auxílio-acidente mensal e vitalício.

5. A Primeira Seção do E. STJ, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979), salvaguardou a boa-fé do segurado.

6. Agravo de instrumento provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.