RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000389-84.2019.4.03.6115
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
RECORRIDO: ADEMIR ALVES LINDO, EDMILSON NORBERTO BARBATO, EDUARDO LEANDRO DE QUEIROZ E SOUZA, LUCAS ALEXANDRE DA SILVA PORTO, ORLANDO BASTOS BOMFIM, CARLOS ZELI CARVALHO, EMERSON CARVALHO, WELITON FERNANDES ALVES
Advogados do(a) RECORRIDO: HENRIQUE ROSOLEM - SP127681-A, ANDERSON BONELLI DE SOUZA - SP272591-A, RENAN ROSOLEM MACHADO - SP424074-A, BARBARA OLIVEIRA DE CARVALHO - SP423774-A
Advogados do(a) RECORRIDO: OTAVIO RIBEIRO LIMA MAZIEIRO - SP375519-A, IGOR SANT ANNA TAMASAUSKAS - SP173163-A
Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGAO - SP123723-A, RODRIGO OTAVIO BRETAS MARZAGAO - SP185070-A
Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL COSTA RODRIGUES - SP82154-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
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OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000389-84.2019.4.03.6115 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: ADEMIR ALVES LINDO, EDMILSON NORBERTO BARBATO, EDUARDO LEANDRO DE QUEIROZ E SOUZA, LUCAS ALEXANDRE DA SILVA PORTO, ORLANDO BASTOS BOMFIM, CARLOS ZELI CARVALHO, EMERSON CARVALHO, WELITON FERNANDES ALVES Advogados do(a) RECORRIDO: HENRIQUE ROSOLEM - SP127681-A, ANDERSON BONELLI DE SOUZA - SP272591-A, RENAN ROSOLEM MACHADO - SP424074-A, BARBARA OLIVEIRA DE CARVALHO - SP423774-A R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão Id n. 152133771 e n. 152133772, por meio da qual o Juízo da 1ª Vara Federal de São Paulo (SP) declinou da competência em favor do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do Inquérito Policial n. 0000389-84.2019.4.03.6115, em que Ademir Alves Lindo e outros sete indivíduos figuram como investigados e foram denunciados pela prática de crimes de corrupção ativa e passiva. Alega-se, em síntese, o seguinte: a) os denunciados realizaram acordo ilícito que beneficiou a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP, no Pregão Presencial n. 25/2016; b) no oferecimento da denúncia restou consignado que a competência para processar e julgar era da Justiça Federal por envolver aplicação de verba federal, que foi utilizada para parte dos pagamentos irregulares para a empresa investigada; c) o Juízo a quo declinou da competência em favor do Tribunal de Justiça de São Paulo por entender que as condutas denunciadas não atingiam diretamente interesse da União; d) a utilização de recursos federais nos pagamentos ilícitos atrai a competência da Justiça Federal, mesmo que a corrupção tenha ocorrido em âmbito municipal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição da República, e das Súmulas n. 208 e n. 209, ambas do Superior Tribunal de Justiça; e) ainda que os pagamentos ilícitos representem mero exaurimento dos crimes imputados, é inegável que as condutas dos denunciados foram praticadas contra a União, pelo fato de ter ocorrido malversação de verba pública federal, como demonstram os documentos juntados aos autos; f) o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da competência da Justiça Federal, em casos como o dos autos (Id n. 152133776). Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 152133782, n. 152133828, n. 152133831, n. 152133834, n. 152133842). A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Elizabeth Mitiko Kobayashi, manifestou-se pelo provimento do recurso (Id n. 154938755). É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
Advogados do(a) RECORRIDO: OTAVIO RIBEIRO LIMA MAZIEIRO - SP375519-A, IGOR SANT ANNA TAMASAUSKAS - SP173163-A
Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGAO - SP123723-A, RODRIGO OTAVIO BRETAS MARZAGAO - SP185070-A
Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL COSTA RODRIGUES - SP82154-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
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n RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000389-84.2019.4.03.6115 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: ADEMIR ALVES LINDO, EDMILSON NORBERTO BARBATO, EDUARDO LEANDRO DE QUEIROZ E SOUZA, LUCAS ALEXANDRE DA SILVA PORTO, ORLANDO BASTOS BOMFIM, CARLOS ZELI CARVALHO, EMERSON CARVALHO, WELITON FERNANDES ALVES Advogados do(a) RECORRIDO: HENRIQUE ROSOLEM - SP127681-A, ANDERSON BONELLI DE SOUZA - SP272591-A, RENAN ROSOLEM MACHADO - SP424074-A, BARBARA OLIVEIRA DE CARVALHO - SP423774-A V O T O O Ministério Público Federal se insurge contra a decisão por meio da qual o Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) declinou da competência em favor do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do Inquérito Policial n. 0000389-84.2019.4.03.6115, em que Ademir Alves Lindo e outros sete indivíduos figuram como investigados e foram denunciados pela prática de crimes de corrupção ativa e passiva. Segundo a decisão recorrida, a denúncia tratou de crimes cometidos com violação aos deveres do exercício de cargo municipal, sendo a lisura desse o bem protegido pelos crimes do art. 317 e do art. 333 do Código Penal. Ressaltou-se que o ente municipal, que é o que se visa resguardar, é autônomo em relação aos demais que compõem a federação. Asseverou, o Juízo a quo, que não há interesse da União, o que afasta a competência da Justiça Federal. Esclareceu que em que pese se cogite que a vantagem indevida se desse para violação de regras de licitação à custa de verbas municipais, em relação as quais se impunha a prestação de contas ao TCU, considera esse aspecto acidental, não sendo elementar do tipo e nem compõe resultado naturalístico, tratando-se, assim, de mero exaurimento: Ao ensejo do despacho de ID 29596906, o Ministério Público Federal apresentou nova denúncia, por tudo substitutiva, com remissão aos documentos eletrônicos que embasam as alegações. No item 3 da cota introdutória (ID 28254495), o Ministério Público Federal justificou a competência da Justiça Federal forte na intenção de os acusados, denunciados por corrupção ativa e passiva, de subverterem licitação promovida com verbas de prestação de contas ao TCU. Segundo a denúncia substitutiva (ID 28254493), "em 2016, em Pirassununga/SP,Carlos Zeli Carvalho,Edmílson Norberto Barbato, Émerson Carvalho e Wéliton Fernandes Alves, ofereceram e prometeram vantagem indevida aos demais denunciados, para determiná-los a praticar atos de ofício que beneficiariam a pessoa jurídica Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli), no Pregão Presencial nº 25/2016. Na mesma data e local, Ademir Alves Lindo, atual Prefeito de Pirassununga/SP, Eduardo Leandro de Queiroz e Souza (seu advogado), Orlando Bastos Bonfim (advogado, Secretário de Educação de Pirassununga/SP), e Lucas Alexandre da Silva Porto (Ex-Secretário de Administração de Pirassununga/SP) solicitaram e receberam, para si e para outrem, a vantagem indevida oferecida, favorecendo a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli), ligada aos demais denunciados, no Pregão Presencial nº 25/2016. Aqueles que não ocupavam cargos públicos por ocasião dos fatos atuaram na intermediação e auxílio no recebimento da propina, conforme descrito abaixo, a configurar participação (de extraneus) em delito funcional, o que é admitido pelo art. 29 do CP." Vê-se que o contexto é o mesmo cogitado no despacho de ID 29596906, quanto à competência. Vista a denúncia substitutiva, resta claro que a corrupção pertinente aos autos se refere à violação dos deveres de cargos municipais, pois esta é a objetividade jurídica dos crimes previstos no art. 317 e 333 do Código Penal: a lisura do exercício da Administração Pública. Sendo que a denúncia se restringe a tais crimes, não há aparente violação de interesse da União a justificar a competência da Justiça Federal. Em que pese se cogite que a vantagem indevida recebida e prometida (que constituem a corrupção passiva e ativa) se davam na medida em que se violavam regras de licitação à custa de verbas municipais, cujo dispêndio impunham prestação de contas ao TCU, este último aspecto é acidental, não elementar do tipo e não compõe resultado naturalístico, mas partícula de mero exaurimento. Fosse o caso de a denúncia imputar crime correspondente ao mau uso deste tipo de verba, a competência da Justiça Federal se estabeleceria mais claramente. Mas não é o caso: a denúncia é de corrupção de cargos municipais, de forma que está em jogo a lisura do exercício de tais cargos, sem afetação direta do interesse da União, especialmente se se considerar que os agentes municipais, dentre eles o alcaide, pertencem a ente federativo autônomo, o município, e não agem como longa manus de órgão ou ente federal. Logo, a proteção veiculada na denúncia interessa ao Município, não a ente federal. Em que pese os crimes de corrupção ora imputados tenham ocorrido antes de o coinvestigado Ademir Alves Lindo ser investido do mandato de prefeito de Pirassununga-SP, é claro da denúncia que a corrupção envolvia promessa/exigência de vantagem em razão do cargo, antes de assumi-lo, como tipifica o art. 317 do Código Penal. Para além do aspecto temporal, é indisfarçável que a denúncia leva em consideração característica elementar do tipo, emprestando cariz funcional à imputação, especialmente se se considerar que o mandato está em curso. Nesse caso, o declínio de competência deve favorecer o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 1. Declino a competência em favor do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2. Remeta-se o feito. 3. Intime-se o Ministério Público Federal. (Id n. 152133771/n. 152133772) Consta dos autos que ao oferecer denúncia, o Ministério Público Federal aduziu que a competência para processar e julgar a ação era da Justiça Federal porque a verba pública que custeou o Pregão Presencial n. 25/2016 teria natureza federal. Asseverou, o órgão acusatório, que a aquisição dos insumos e produtos objeto desse pregão (insumos de limpeza e higiene em geral) se deu com a utilização de verba pública federal e essa foi usada no pagamento para a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP, que, por sua vez passou a quantia de propina aos agentes públicos municipais: A competência da Justiça Federal se justifica porque a verba pública que custeou o Pregão Presencial nº 25/2016 possui natureza federal. A aquisição dos insumos e produtos objeto desse pregão (insumos de limpeza e higiene em geral, conforme Id. 26326534– Pág. 6/25) se deu por meio de utilização de verba pública federal, que resultou no pagamento de quantia em favor da empresa Francisco Carvalho Tietê EPP, vencedora do certame e responsável pelo pagamento de propina aos agentes públicos municipais – propina paga em razão da função desses agentes e para determiná-los a prática de ato de ofício para favorecimento da empresa no referido pregão –, conforme demonstram os documentos de Id. 26326217 – Pág. 4/8 e a relação de pagamentos de Id. 26326504 – Pág. 1/9. Assim, o pagamento da vantagem indevida aos agentes públicos se deu em razão das funções públicas por eles ocupadas e em relação ao Pregão Presencial nº 25/2016(incluindo seus desdobramentos, conforme esclarecido na denúncia), que foi custeado com verba pública federal, a revelar o interesse federal e, por consequência, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. (Id n. 152133749). Verifica-se que os réus foram denunciados pela prática dos crimes de corrupção ativa e passiva perpetrados em 2016. Descreve a acusação que houve a oferta ou promessa e a solicitação ou o recebimento de vantagem indevida para que fosse favorecida a pessoa jurídica Francisco Carvalho Tietê EPP, no Pregão Presencial n. 25/2016, referente a licitação realizada pelo município de Pirassununga (SP), dividido em 11 (onze) lotes e estimado em R$ 3.600.903,71 (três milhões, seiscentos mil, novecentos e três reais e setenta e um centavos), destinado ao registro de preços de insumos de limpeza e higiene em geral (SP). Consta da peça acusatória que empresa Francisco Carvalho Tietê EPP sagrou-se campeã dos Lotes 02 (estimado em R$ 526.758,95) e 09 (estimado em R$588,00), sendo desclassificada do Lote 04 (estimado em R$ 1.233.707,65). E que, considerando o expressivo valor do Lote 04 e o fato de que a contratação dependeria da próxima gestão municipal, Carlos Zeli Carvalho, Edmílson Norberto Barbato, Émerson Carvalho e Wéliton Fernandes Alves ofereceram dinheiro para Lucas Alexandre da Silva Porto, então Secretário de Administração de Pirassununga (SP), e ao futuro Prefeito Ademir Alves Lindo, por meio de Eduardo Leandro de Queiroz e Souza e Orlando Bastos Bonfim, para que agissem em favor da empresa. Assevera, a acusação, ainda na denúncia, que as provas colhidas indicam que Lucas Alexandre da Silva Porto e Ademir Alves Lindo, por intermédio de Eduardo Leandro de Queiroz e Souza e Orlando Bastos Bonfim, receberam dinheiro para reformar a decisão de desclassificação no Pregão n. 25/2016 e para que a Prefeitura de Pirassununga destinasse efetivamente o máximo possível de recursos para a pessoa jurídica Francisco Carvalho Tietê EPP nos anos seguintes, garantindo, ainda, que fossem feitas compras dos itens: Em 2016, em Pirassununga/SP, Carlos Zeli Carvalho, Edmílson Norberto Barbato, Émerson Carvalho e Wéliton Fernandes Alves, ofereceram e prometeram vantagem indevida aos demais denunciados, para determiná-los a praticar atos de ofício que beneficiariam a pessoa jurídica Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli), no Pregão Presencial nº 25/2016. Na mesma data e local, Ademir Alves Lindo, atual Prefeito de Pirassununga/SP, Eduardo Leandro de Queiroz e Souza (seu advogado), Orlando Bastos Bonfim (advogado, Secretário de Educação de Pirassununga/SP), e Lucas Alexandre da Silva Porto (Ex-Secretário de Administração de Pirassununga/SP) solicitaram e receberam, para si e para outrem, a vantagem indevida oferecida, favorecendo a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli), ligada aos demais denunciados, no Pregão Presencial nº 25/2016. Aqueles que não ocupavam cargos públicos por ocasião dos fatos atuaram na intermediação e auxílio no recebimento da propina, conforme descrito abaixo, a configurar participação (de extraneus) em delito funcional, o que é admitido pelo art. 29 do CP. I – BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Inicialmente, insta contextualizar a presente denúncia, tecendo breve síntese sobre a Operação Prato Feito, a qual teve início a partir de notícia-crime encaminhada ao Ministério Público Federal pelo Tribunal de Contas da União, no bojo da qual a Corte de Contas comunicou a existência de várias fraudes em processos licitatórios destinados à aquisição de merenda escolar em diversos municípios paulistas. Segundo levantamento realizado pela SECEX-TCU-SP, por volta de 1999/2000, um grupo formado, entre outras empresas, pela Geraldo J Coan & Cia Ltda., se reuniu e iniciou um esquema ilegal envolvendo diversos municípios no Estado de São Paulo, aos quais forneceria diversos insumos e/ou merendas prontas. Como resultado das apurações promovidas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo, foi oferecida denúncia nos autos do IP nº 0095123-31.2007.8.26.0050, perante a 10ª Vara Criminal de São Paulo, investigação que restou conhecida como “Máfia das Merendas”. Com a continuidade das investigações, nos autos do IPL nº 0003628-97.2016.4.03.6181, com base em interceptações telefônicas e telemáticas iniciadas em maio de 2016 e demais diligências investigatórias, a Polícia Federal passou a observar a existência de outros núcleos empresariais que atuam paralelamente, unidos ao grupo Geraldo J Coan, para fraudar procedimentos licitatórios, celebrar contratos superfaturados, corromper agentes públicos e políticos e desviar recursos públicos em benefício próprio e de terceiros. Ao que consta da investigação, formaram-se várias associações criminosas que atuam nas prefeituras paulistas por meio de lobistas que praticam tráfico de influência e corrupção ativa, servindo de ligação entre os empresários e agentes públicos municipais. Deste modo, especialmente por meio das interceptações telefônicas e vigilâncias realizadas pela Polícia Federal, constatou-se a participação de agentes públicos nos esquemas criminosos, sendo que alguns Prefeitos mantiveram contatos suspeitos com os investigados monitorados e, em certas ocasiões, servidores públicos o fizeram sob orientação/comando desses Chefes do Executivo. Até o momento, o apuratório aponta para existência de 6 núcleos principais (Núcleo Bueno, Núcleo Coan, Núcleo Carlinhos, Núcleo Isaías Nunes Carinhanha, Núcleo Fábio Favaretto, Núcleo Wilson José da Silva Filho), sendo que cada um deles constitui associação criminosa que se utiliza de lobistas em comum, os quais “vendem” sua influência junto a Prefeituras distintas. Por sua vez, os lobistas atuam junto à Administração Pública com a finalidade de promover fraudes em procedimentos licitatórios mediante a prática do crime de corrupção ativa e tráfico de influência junto a servidores públicos e agentes políticos – Prefeitos, seus assessores e/ou Secretários, garantindo-lhes o pagamento de vantagens indevidas em troca da celebração ilegal de contratos a preços superfaturados, ou em contrapartida à promessa de futuros contratos públicos a serem celebrados com as empresas para as quais os lobistas trabalham. Dentre as associações criminosas identificadas pela Polícia Federal na Operação Prato Feito, está o “Núcleo Carlinhos”, cujo objetivo principal é o desvio de recursos públicos, por meio de contratos superfaturados para prestação de serviços e fornecimento de insumos às prefeituras, tais como produtos de limpeza, kits e uniformes escolares, merenda escolar e cestas básicas. O grupo é liderado por Carlos Zeli Carvalho, vulgo “Carlinhos”, e formado precipuamente por seus familiares, sendo seus principais integrantes Emerson Carvalho (irmão de Carlinhos), Leandro Carvalho, vulgo “Bode”(irmão de Carlinhos), Valéria de Oliveira (irmã de Carlinhos), Selma Aparecida Zanette(esposa de Carlinhos), e Weliton Fernandes Alves, vulgo “Tifu”. II – DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA Consta dos autos que, em meados de 2016, a Prefeitura de Pirassununga realizou o Pregão Presencial nº 25/2016, dividido em 11 lotes e estimado em R$ 3.600.903,71, destinado ao registro de preços de insumos de limpeza e higiene em geral (Id. 26326534 –Pág. 6/25). Concluído o procedimento licitatório, a pessoa jurídica Francisco Carvalho Tietê EPP sagrou-se campeã dos lotes 02 (estimado em R$ 526.758,95) e 09 (estimado em R$588,00), sendo desclassificada do lote 04 (estimado em R$ 1.233.707,65) “por não atender integralmente a documentação técnica solicitada para os itens 01 – água sanitária 5000 ml,13 – água sanitária 1000 ml e 27 – alvejante sem cloro” (Id. 26326524 – Pág. 58). Sabendo do grande vulto do lote 04 e que a efetiva aquisição dos produtos licitados dependeria da próxima administração municipal (uma vez que, nos termos do art. 15,§4º1, da Lei nº 8.666/93, a administração não está obrigada a adquiri-los) Carlos Zeli Carvalho, Edmílson Norberto Barbato, Émerson Carvalho e Wéliton Fernandes Alves passaram a oferecer dinheiro a Lucas Alexandre da Silva Porto, então Secretário de Administração de Pirassununga/SP, e ao virtual futuro Prefeito Ademir Alves Lindo, por meio de Eduardo Leandro de Queiroz e Souza e Orlando Bastos Bonfim, para que agissem em favor da empresa. Nesse contexto, por meio de vigilância e de interceptações telefônicas autorizadas pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Paulo/SP, restou provado que Lucas Alexandre da Silva Porto e Ademir Alves Lindo, por intermédio de Eduardo Leandro de Queiroz e Souza e Orlando Bastos Bonfim, receberam dinheiro para reformar a decisão de desclassificação aplicada no Pregão nº 25/2016 e para que a Prefeitura de Pirassununga destinasse o máximo possível de recursos a Francisco Carvalho Tietê EPP nos anos seguintes. Com efeito, segundo consta dos relatórios de Id. 26327028 – Pág. 1/27 e Id.26327036 – Pág. 1/19, na época da campanha para as eleições municipais, especificamente no dia 09/09/2016, Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) entrou em contato por telefone com Eduardo Leandro de Queiroz e Souza (advogado do então candidato à Prefeitura de Pirassununga, Ademir Alves Lindo), para acertar os detalhes da entrega de “documento” e de “material”, códigos usados para se referir à propina cujo destinatário final era Ademir Lindo. Na conversa interceptada pela Polícia Federal (Id. 26327036 – Pág. 3), Carlinhos confirma com Eduardo Queiroz que a propina seria entregue ao advogado e lobista Edmílson Norberto Barbato. Destaque-se que ao longo do diálogo, Eduardo Queiroz repetidas vezes adverte Carlinhos que “outra pessoa”, capaz de negociar os termos da entrega da propina, também estaria presente ao encontro – evitando citá-la de forma nominal, por se tratar de Ademir Alves Lindo: (...) Conforme revelou o diálogo, Edmílson Norberto Barbato intermediava os pagamentos, a título de propina, efetuados pelo Núcleo Carlinhos ao então candidato Ademir Lindo. De outro lado, Eduardo Queiroz, advogado de Ademir Lindo, tratava diretamente com Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) sobre a forma de entrega da propina. No mesmo dia 09/09/2016, poucos minutos após o diálogo acima, Carlos Zeli Carvalho e Eduardo Queiroz conversam novamente, sobre situações “da 51” - referência à Cidade de Pirassununga, em razão da bebida cachaça Pirassununga 51. “Carlinhos” acidentalmente confirma que a “outra pessoa” que compareceria à reunião junto de Edmilson Barbato era o então candidato e atual Prefeito de Pirassununga/SP, Ademir Alves Lindo (Id. 26327036 – Pág. 4). Diante do descuido de Carlos Zeli Carvalho ao se referir ao então candidato, destinatário final das propinas, Eduardo Queiroz se irrita e encerra a ligação: (...) No mesmo dia 09/09/2016, exatamente como tratado nos diálogos, Carlos Zeli Carvalho realizou um depósito na conta do lobista Edmílson Barbato no valor de R$10.000,00, conforme revelado pelo afastamento do sigilo bancário: (...) No dia seguinte ao depósito, 10/09/2016, Eduardo Queiroz entrou em contato por telefone com Carlos Zeli Carvalho (Id. 26327036 - Pág. 5), novamente para combinar um encontro entre Carlinhos e Ademir Lindo. Carlinhos deveria comparecer à cidade de Leme/SP na terça-feira seguinte, e Eduardo Queiroz o avisou que combinaria um encontro naquela cidade com uma “pessoa vizinha” (Ademir Lindo, da cidade vizinha Pirassununga –distante apenas 20km de Leme)2: (...) A necessidade de estabelecer boas relações da associação criminosa com Ademir Lindo justificava-se, ademais, porque a empresa Francisco Carvalho Tietê – ME, atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli – de propriedade do pai de Carlinhos, que figura como seu laranja, estava concorrendo no Pregão Presencial 25/2016, promovido pela Secretaria de Administração da Prefeitura de Pirassununga para o registro de preços de material de limpeza, higiene e utensílios domésticos. Em se tratando de certame para registro de preços, previsto no artigo 15 da Lei 8.666/93 e regulado pelo Decreto 7.892/2016, relevante frisar que, de acordo com o previsto no artigo 15, § 4º da Lei 8.666/93 e 16 do Decreto 7.892/2016, a empresa vencedora não tem garantida a compra da integralidade dos seus produtos pela administração pública, mas apenas registra o preço pelo qual se compromete a fornecer os produtos, detendo preferência para o seu fornecimento, facultada sempre à Administração Pública promover novos certames: (...) Dessa forma, era essencial a Francisco Carvalho Tietê EPP, além de ser declarada vencedora dos lotes aos quais concorria no Pregão Presencial 25/2016, garantir que, uma vez registrada a ata de preços, a Prefeitura de Pirassununga efetivamente adquirisse da empresa os produtos registrados. No Pregão Presencial 25/2016, a Francisco Carvalho Tietê ME havia sido declarada vencedora, em 14/07/2016, dos lotes 02, 04 e 09, no valor total de R$ 2.047.588,00(dois milhões, quarenta e sete mil, quinhentos e oitenta e oito reais). No entanto, quanto ao lote 04, o mais valioso (R$ 1.209.000,00), a empresa havia sido desclassificada em12/08/2016, um mês antes das reuniões ora descritas, sem que tivesse sido dado andamento, pela Secretaria de Administração da Prefeitura, ao recurso administrativo apresentado pela empresa. No dia 12/09/2016, segunda-feira, véspera do encontro combinado no diálogo, Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) comentou com seu comparsa Weliton Fernandes Alves(“Tifu”) que Ademir Lindo afinal não compareceria à reunião, porém enviaria um assessor para representá-lo (Id. 26327036 – Pág. 5). Destaque-se que Weliton Alves comentou com Carlinhos que a eleição de Ademir Lindo era dada como certa até pela então Prefeita de Pirassununga, Cristina do Léssio, candidata à reeleição. Weliton também comenta que Ademir Lindo é “um cara que a gente tem que sentar”, em referência às dificuldades do Núcleo Carlinhos em vencer o Pregão Presencial 25/2016: (...) No dia combinado, 13/09/2016, terça-feira, Carlinhos enviou seu irmão, Emerson Carvalho, e seu comparsa, Welinton Fernandes Alves (“Tifu”), para que se estes se encontrassem com o emissário de Ademir Lindo, Edmílson Norberto Barbato, no escritório deste, na cidade de Leme, onde chegaram por volta das 09h30. (...) A reunião entre Emerson Carvalho, Welinton Fernandes Alves (“Tifu”), e o emissário de Ademir Lindo, Edmilson Norberto Barbato, se estendeu até aproximadamente11h15. No intervalo, dois homens não identificados pela autoridade policial entraram noescritório de Edmilson portando papéis e envelopes. (...) Após a reunião com Edmilson Norberto Barbato em Leme, na qual Emerson Carvalho e Welinton Fernandes (“Tifu”) trataram da entrega de propina e do recurso pendente no Pregão 25/2016, dirigiram-se Emerson e Welinton a Pirassununga, até a residência de Lucas Alexandre da Silva Porto(Secretário de Administração da Prefeitura de Pirassununga e assecla de Ademir Lindo), responsável pelo certame, para garantir que o recurso da empresa Francisco Carvalho Tietê – ME, atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli, de propriedade do pai de Carlinhos e Emerson, fosse julgado procedente no Pregão Presencial 25/2016, e garantida a contratação no valor de R$ 2.047.588,00 A Secretaria de Administração de Pirassununga, comandada por Lucas Alexandre da Silva Porto, como já dito, era o órgão responsável pelo trâmite do Pregão Presencial 25/2016, do qual a empresa Francisco Carvalho Tietê – ME, atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli, em cujo quadro societário constava o pai de Carlinhos e Emerson, havia sido desclassificada um mês antes, em 12/08/2016, para o lote 4 do certame. A reunião havida entre Emerson, Welinton e Lucas foi para tratar do deferimento do recurso, e posterior contratação da Francisco Carvalho Tietê – ME pela Secretaria de Administração da Prefeitura de Pirassununga. (...) Dia 16/09/2016, sexta-feira, três dias depois dos encontros registrados acima, Emerson Carvalho, em diálogo com Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) (Id. 26327036 –Pág. 7), revelou qual o resultado da reunião realizada com o lobista Edmilson Barbato em Leme: o pagamento da propina a Ademir Lindo passaria a ser realizado por meio de transferência bancária – operação tratada pelo código “sedex” –, e não mais pessoalmente, em espécie – no código utilizado entre os comparsas, por “carta levada pelo carteiro”. Emerson e Carlinhos, trataram ainda da necessidade de obter os dados da conta bancária (no código utilizado, o “endereço”) de Orlando Bastos Bonfim, ex-Secretário de Educação de Pirassununga na gestão anterior de Ademir Lindo (2009-2012), cargo que voltou a ocupar desde a posse de Ademir em seu atual mandato. A intenção dos comparsas era de depositar para Orlando Bonfim a propina que tinha como destinatário final Ademir Lindo: (...) Três dias depois, em 19/09/2016, Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) transferiu R$ 4.000,00 (quatro mil reais) à conta bancária de Edmilson Norberto Barbato, o que indica que ainda não obtivera os dados bancários de Orlando Bastos Bonfim (Id.26327036 – Pág. 8): (...) Em 25/09/2016, domingo, Weliton Fernandes (“Tifu”), no diálogo com Leandro Carvalho (integrante do “Núcleo Carlinhos”, irmão de Carlos Zeli de Carvalho e Emerson Carvalho) (Id. 26327036 – Pág. 8), comenta sobre o encontro que Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”) tinha agendado com Ademir Lindo no dia seguinte, no escritório de Eduardo Queiroz em São Paulo: (...) No dia seguinte, 26/09/2016, segunda-feira, Eduardo Queiroz telefonou para Weliton Fernandes para remarcar o encontro com Ademir Lindo (Id. 26327036 – Pág. 8),referido no diálogo por Eduardo Queiroz como “a pessoa”. O encontro foi então agendado para o dia 27/09/2016, terça-feira: (...) O encontro entre Welinton, Eduardo Queiroz e Ademir Lindo não pôde ser acompanhado pela autoridade policial. Entretanto, no dia seguinte, 28/09/2016, quarta-feira, Welinton Fernandes encontrou-se com Orlando Bonfim no restaurante Graal Coral, em Pirassununga, como revela a ligação telefônica a seguir, do dia 28/09/2016, às 13h08, entre Welinton e Orlando Bonfim(Id. 26327036 – Pág. 8): (...) De fato, a análise da localização do celular de Weliton Fernandes (“Estação Rádio Base – ERB”) revelou que ele estava, exatamente naquela data e horário, no posto de conveniência Graal Coral de Pirassununga (Id. 26327036 – Pág. 9). Conforme já exposto, Ademir Lindo e seus emissários atuavam de modo a evitar deixar qualquer rastro de suas condutas ilícitas, ainda que isso gerasse dificuldades ao “Núcleo Carlinhos” para realizar a entrega da propina. Na ligação a seguir transcrita, do dia 29/09/2016 às 08h01 (Id. 26327036 –Pág. 9/10), Weliton Fernandes responde a Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”), quando indagado sobre o “endereço para mandar material” (código para os dados da conta para depósito),que o advogado de Ademir Lindo, Eduardo Queiroz, lhe havia dito que os pagamentos por meio de transferência bancária eram considerados arriscados demais por Ademir Lindo: (...) No dia 02/10/2016, data das eleições municipais em que Ademir Lindo foi eleito com 54,12% dos votos3, Eduardo Queiroz telefonou às 21h06 para Ademir Lindo paraparabenizá-lo (Id. 26327036 – Pág. 10). O Prefeito eleito responde que eles têm uma parceriapela frente: (...) No dia seguinte, 03/10/2016, Emerson Carvalho liga para Orlando Bonfim(Id. 26327036 – Pág. 10/11), para parabenizá-lo pela vitória de Ademir Lindo e pedir um encontro com o Prefeito eleito. Na conversa é esclarecido que a entrega de valores a Ademir Lindo vai continuar, tendo Emerson Carvalho se oferecido para “ajudar o ponto que sobrou aí”, é dizer, saldar dívidas da campanha de Ademir Lindo: (...) Destaque-se, no diálogo mantido entre Emerson a Orlando Bonfim, o ponto que se refere à sua necessidade de “apertar a mão agora aí, desde sábado”. Os integrantes do “Núcleo Carlinhos” estavam apreensivos com a adesão do Prefeito recém-eleito Ademir Lindo às tratativas para favorecer a empresa Francisco Carvalho Tietê – ME no Pregão25/2016. Isto porque, apesar do intenso contato já havido entre Carlinhos, Emerson e Welinton com os emissários de Ademir Lindo, inclusive com a entrega de valores em espécie e transferências bancárias em seu favor, em 03/10/2016 ainda estava pendente de julgamento o recurso interposto por aquela empresa impugnando sua desclassificação naquele certame. Determinado a marcar o encontro com o prefeito eleito o quanto antes, para selar o acordo para a contratação da Francisco Carvalho Tietê – ME –, Emerson Carvalho ligou para Edmilson Barbato. Os dois trataram do recurso pendente de julgamento no Pregão 25/2016 (Id.26327876 – Pág. 162), informando Edmilson a Emerson que “o negócio aí do recurso...agora na quarta a gente ganha em julgamento... não vai dar problema, mas se der, volta tudo”. Edmilson chega a garantir que não haveria nova licitação (“não, (...) eu tenho certeza, pode ter certeza que não tem risco nenhum lá em cima lá”). Emerson pede então a Edmilson para encontrar-se com Ademir Lindo, pois está com o dinheiro destinado ao Prefeito desde o sábado anterior (“encomenda”/“embrulho”): (...) No mesmo dia 03/10/2016, às 17h04, ainda apreensivo com a possibilidade deque Ademir não cumprisse o combinado com o “Núcleo Carlinhos”, no sentido de garantir o deferimento do recurso apresentado pela empresa Francisco Carvalho Tietê – ME. Emerson Carvalho voltou a ligar para Edmilson Barbato (Id. 26327036 – Pág. 11), questionando se Ademir Lindo não teria “dado uma recuada”. Edmilson garante o comprometimento de Ademir Lindo, citando também o aval dado por Orlando Bonfim: (...) Em seguida, no diálogo havido às 17h11, Emerson Carvalho e Weliton Fernandes (“Tifu”) debatem (Id. 26327890 – Pág. 28) se seria suficiente entregar a propina a Orlando Bonfim (chamado por eles de “número dois”) ou se o mais prudente seria fazê-lo diretamente a Ademir Lindo (“número um”): (...) O encontro entre os representantes do “Núcleo Carlinhos” e Ademir Lindo para entrega da propina ocorreu, finalmente, no dia seguinte, 04/10/2016, conforme sede preende da conversa a seguir, iniciada às 07h10, entre Carlos Zeli Carvalho (“Carlinhos”)e Weliton Fernandes (“Tifu”) (Id. 26327036 – Pág. 12), utilizando-se dos códigos “projeto”e “pendrive” para tratar da propina: (...) A análise da estação rádio base de Weliton Fernandes, em conjunto com o conteúdo de ligação interceptada realizada às 11h52, revela que este encontrou com Orlando Bomfim, o “número dois” de Ademir Lindo, para entregar a propina (Id. 26327036 – Pág.12/13): (...) Uma vez entregue, por Welinton Fernandes (“Tifu”), a Orlando Bonfim a vantagem indevida destinada ao prefeito eleito Ademir Lindo para que este cumprisse o acordo já em andamento com o “Núcleo Carlinhos”, nesse mesmo dia – 04/10/2016 – os autos do Pregão 25/2016 foram encaminhados pela Seção de Licitação da Secretaria de Administração de Pirassununga, comandada por Lucas Alexandre da Silva Porto, para julgamento do recurso da empresa Francisco Carvalho Tietê – ME (Id. 26326524 – Pág. 82). Lucas Alexandre da Silva Porto deu então pronto e célere andamento ao recurso até então represado na Secretaria de Administração de Pirassununga, conforme orientado por Ademir Lindo. No dia seguinte, 05/10/2016, foi emitido parecer favorável à empresa Francisco Carvalho Tietê ME, pela Vigilância Sanitária de Pirassununga (Id.26326524 – Pág. 83); no dia 06/10/2016, manifestou-se a pregoeira pelo deferimento do recurso (Id. 26326524 – Pág. 84/86; no mesmo sentido, parecer da Procuradoria Geral do Município, em 10/10/2016 (Id. 26326524 – Pág. 87), e, finalmente, foram homologados os lotes 02, 04 e 09 do certame à empresa Francisco Carvalho Tietê – ME pela então Prefeita Cristina Aparecida Batista, em 13/10/2016 (Id. 26326524 – Pág. 89). Com a posse de Ademir Lindo como Prefeito de Pirassununga, em 01/01/2017, Orlando Bonfim foi nomeado Secretário de Educação. Coube à Secretaria de Educação requisitar a maior parte dos produtos adquiridos pela Prefeitura de Pirassununga da empresa Francisco Carvalho Tietê – ME (Id. 26327036 – Pág. 14/17), cumprindo assim Ademir Lindo e Orlando Bonfim, já nas funções de Prefeito e Secretário de Educação, o acordo espúrio celebrado com o “Núcleo Carlinhos”. De acordo com a planilha de Id. 26326504 – Pág. 1/9, somente no ano de 2017,a Prefeitura de Pirassununga pagou R$ 585.184,00 (quinhentos e oitenta e cinco mil, cento e oitenta e quatro reais) à empresa Francisco Carvalho Tietê-ME, em decorrência da aquisição de produtos previstos no contrato resultante do Pregão 25/2016; o valor de R$ 527.820,00(quinhentos e vinte e sete mil, oitocentos e vinte reais) foi integralmente pago no mandato de Ademir Lindo. Não por acaso, o maior valor – R$ 464.606,00 – foi pago por requisições da Secretaria de Educação, capitaneada por Orlando Bonfim. III – CONCLUSÃO. Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia: i) Carlos Zeli Carvalho, Edmílson Norberto Barbato, Émerson Carvalho e Wéliton Fernandes Alves pela prática do crime tipificado no art. 333, parágrafo único, do Código Penal. ii) Ademir Alves Lindo, Eduardo Leandro de Queiroz e Souza, Orlando Bastos Bonfim e Lucas Alexandre da Silva Porto pela prática do crime tipificado no art.317, §1º, do Código Penal, na forma do art. 29 do Código Penal (admite concurso de extraneus em delito funcional ou de dever praticado pelo intraneus).Requer seja a presente denúncia recebida, com a citação dos denunciados para apresentarem resposta à acusação e o regular prosseguimento do feito até a condenação final, ouvindo-se na instrução as testemunhas arroladas ao final. Julgada procedente a ação penal, requer seja decretada a perda, em favor da União, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática do crime imputado, bem como, com relação aos acusados que ocupem cargo ou emprego ou mandato eletivo, requer seja aplicada a pena de perda do cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de cinco anos, com fundamento no artigo 92, I, a, do Código Penal. Requer, ainda, seja fixado, como mínimo de reparação dos danos causados ao Município de Pirassununga/SP e à União (art. 387, IV, do CPP4), o montante de R$1.233.707,65, valor do lote 04 do Pregão nº 25/2016, irregularmente concedido a Francisco Carvalho Tietê – ME. (Id n. 152133248) Desse modo, a denúncia, em síntese, descreve suposto esquema criminoso com o oferecimento ou promessa e solicitação ou recebimento de vantagem indevida, objetivando a prática de fraudes em relação ao Pregão Presencial n. 25/2016, destinado ao registro de preços de insumos de limpeza e higiene em geral. Seria beneficiada na licitação a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP. Verifica-se que foi firmado contrato pela Prefeitura com essa pessoa jurídica em 2016 (p. 25/76 do Id n. 152133248). Segundo a acusação, as verbas públicas envolvidas seriam de origem federal por estarem sujeitas à prestação de contas perante o TCU. A denúncia menciona que a denominada “Operação Prato Feito” se iniciou em razão de notícia-crime feita por esse órgão, o qual indicou que foram perpetradas fraudes em licitações para a compra de merenda escolar, realizadas pelas prefeituras de diversos municípios. Consoante as Súmulas n. 208 e n. 209 do Superior Tribunal de Justiça, a definição da competência para o julgamento de prefeitos por desvio de verbas demanda a análise da situação fática. Segundo o enunciado da Súmula n. 208, "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal"; por outro lado, segundo o enunciado da Súmula n. 209, "compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal". Os precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional reconhecem a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes praticados por prefeitos que se refiram ao desvio de verbas federais transferidas ao Município por meio de convênio firmado com a União, desde que estejam sujeitas a controle de órgão federal (STJ, HC n. 234859, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 10.11.15; STJ, RHC 201302963228, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 08.10.13; TRF da 3ª Região, ACR n. 00007721520024036000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 28.10.14 e TRF da 3ª Região, APN n. 680, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 08.07.09). Os réus foram acusados de crimes de corrupção com violação dos deveres de cargos municipais. E, como bem observado na decisão recorrida, a lisura do exercício do cargo público, que no caso dos autos é municipal, que é tutelada pelos crimes do art. 317 e do art. 333 do Código Penal. Considerando que denúncia não imputou aos acusados o crime pelo mau uso de verba federal, não indicou fundo ou convênio com verbas federais específicas que houvessem sido desviados, delimitando a imputação à prática dos crimes de corrupção ativa e passiva contra o município, não se vê, de maneira clara, no caso dos autos, ofensa direta a interesse da União a justificar a competência da Justiça Federal. Verifica-se que foi realizado procedimento licitatório para o registro de preço para compra de materiais de limpeza e higiene, por diversas secretarias municipais de Pirassununga (SP), dentre as quais a Secretaria Municipal de Educação, com a utilização de verbas públicas. Foram juntados aos autos diversos volumes do procedimento administrativo licitatório, tendo sido consignado nesse que em relação ao Item 4, que a empresa beneficiada pelo esquema criminoso deixara de apresentar alguns documentos técnicos (p. 27/35 do Id n. 152133255). Dentre a documentação consta a proposta de preço feita por esse empreendimento (p. 36/56 do Id n. 152133255), a ata de julgamento (p. 57 do Id n. 152133255). Constata-se que foi interposto recurso administrativo (p. 64/ 67 do Id n. 152133255) e apresentados documentos pela empresa (p. 69 do Id n. 152133255). A Procuradoria do Município opinou para que fosse declarada vitoriosa nos itens 2, 4 e 9 da licitação (p. 84/88 do Id n. 152133255), opinião que foi homologada pela prefeita p. 89 do Id n. 152133255. Feito o registro de preços (p. 93/122 do Id n. 152133255), com adjudicação do pregão (p. 123/153 do Id n. 152133255). A acusação ressaltou que coube à Secretaria de Educação requisitar a maior parte dos produtos adquiridos pela Prefeitura de Pirassununga da empresa Francisco Carvalho Tietê – ME, já na gestão do corréu Ademir, para dar cumprimento ao acordo ilegal havido entre os acusados. Asseverou que a prova documental indica que no ano de 2017, a Prefeitura de Pirassununga pagou R$ 585.184,00 (quinhentos e oitenta e cinco mil, cento e oitenta e quatro reais) à empresa em decorrência da aquisição de produtos previstos no contrato resultante do Pregão 25/2016; o valor de R$ 527.820,00(quinhentos e vinte e sete mil, oitocentos e vinte reais) foi integralmente pago no mandato de Ademir Lindo, sendo que o maior valor – R$ 464.606,00 (quatrocentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e seis reais) foi pago por requisições da Secretaria de Educação, capitaneada por Orlando Bonfim. Há documentos colacionados aos autos que indicam que os recursos usados pela Secretaria Municipal de Educação para pagamento para a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli) são quantias referentes à quota municipal de Pirassununga (SP) da contribuição de salário-educação, (p. do Id n. 152132777 e p. 1/4 e 7, do Id n. 152132778, p. 8 do Id n. 152132780, Id n. 152133241, p. 200/202 do Id n. 152133243, p. 60/69 do Id n. 152133247, p. 51/90 do Id n. 152133271, Id n. 152133384/152133387), que são transferidas ao município nos termos do art. 212, § 5º, da Constituição da República. Cumpre anotar que os recursos do salário-educação são divididos em quotas, que são destinadas para União, Estados, Distrito Federal e Municípios (Leis n. 9.766/98 e n. 10.832/03), distribuídas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE para cada um desses entes da federação sem necessidade de celebração de convênio ou outro instrumento semelhante, ou seja, independentemente de qualquer formalidade, em contas do Banco do Brasil, conforme arts. 1º, 2º e 8º do Decreto-lei n. 1.805/80. Note-se que, na espécie, em relação as aquisições feitas pela Secretaria Municipal de Educação os valores envolvidos seriam correspondentes a quota municipal de salário-educação, que são repassados e incorporados ao patrimônio do município, a firmar a competência da Justiça Estadual: AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. MALVERSAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS ORIUNDOS DO FUNDEF/FUNDEB. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 122/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Firmada a competência federal para julgar os delitos de malversação de verbas oriundas do FUNDEF/FUNDEB, necessário é o reconhecimento da competência estadual para o julgamento dos delitos de formação de quadrilha, dispensa indevida de licitação e corrupção ativa, por não se verificar a existência de conexão entre esses e o delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67. 2. Uma vez verificado que os recursos supostamente desviados do salário-educação integravam a quota municipal, sem qualquer repasse por parte dos órgãos federais, não há que falar em conexão direta entre tais delitos a justificar o deslocamento de todo o processo à Justiça Federal. 3. A pretensão de reunir no processo da quadrilha muitas dezenas de desvios, por longo período de tempo realizados, levaria ao fim a investigar todos os atos de uma gestão (por quatro ou oito anos), violando a finalidade da conexão processual. 4. Agravo Regimental improvido. (grifei) (STJ, AGRCC - AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA – 145372, Rel Min Nefi Cordeiro, j. 25.05.16) Portanto, é contra o município, ente autônomo em relação aos demais que compõem a federação, que são praticados os delitos de corrupção ativa e passiva, imputados aos acusados. Anote-se que não obstante a competência ser da justiça federal para processar e julgar os casos de malversação de verbas do FUNDEF/FUNDEB, no caso dos autos, os delitos de corrupção ativa e passiva teriam sido perpetrados contra o município, com recursos que corresponderiam ao valor da quota parte municipal, dos repasses de contribuições de salário-educação, incorporados ao patrimônio municipal: HABEAS CORPUS. DECISÃO DE DESEMBARGADOR. SÚMULA N. 691 DO STF. SUPERAÇÃO INICIAL. CONCESSÃO DE LIMINAR. ORDEM DENEGADA NA ORIGEM. INTERESSE DE AGIR. SUBSISTÊNCIA. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. QUOTA MUNICIPAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. CASSADA LIMINAR E DENEGADA A ORDEM. 1. Nos termos do art. 15 da Lei n. 9.424/1996, que regulamenta o § 5º do art. 212 da Constituição Federal, a receita total do salário-educação, contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação pública básica, é arrecadada - tão somente arrecadada - pela União, que, após a dedução de 1% destinada ao INSS, retém imediatamente 10% líquido para, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, financiar projetos programas e ações da educação básica. Os 90% líquidos restantes são desdobrados em duas diferentes quotas (uma federal e outra estadual e municipal) e automaticamente disponibilizados aos seus respectivos destinatários. 2. Nessa quadra, nem todo numerário entregue aos Estados e Municípios, pela União, por meio do FNDE, conduz ao inequívoco interesse direto na sua correta aplicação, de maneira a atrair a competência da Justiça Federal. Em caso de malversação dos recursos, há de se observar, por exemplo, a sua origem e até mesmo, em consectário lógico simples, a qual erário deveram ser restituídos os valores desviados. Inteligência das Súmulas n. 208 e 209 desta Corte Superior. 3. Assim, consoante entendimento consolidado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, "Uma vez verificado que os recursos supostamente desviados do salário-educação integravam a quota municipal, sem qualquer repasse por parte dos órgãos federais, não há que falar em conexão direta entre tais delitos a justificar o deslocamento de todo o processo à Justiça Federal. (AgRg no CC n. 145.372/RS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJ 31/5/2006). 4. Sob essas perspectivas, na situação posta sob exame, embora seja inequívoco que a verba pública foi repassada à Municipalidade pelo FUNDEF/FUNDEB, há elementos probatórios a demonstrar, especialmente na origem, que tais recursos correspondiam à quota municipal do salário-educação, a firmar a competência da Justiça Estadual para o processamento e o julgamento do suposto desvio do numerário público em questão. 5. Ordem denegada e cassada a liminar, permitindo-se o prosseguimento da ação penal perante o juízo estadual competente. (STJ, HC n. 445325, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, j. 23.10.18) PENAL. PROCESSO PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. DELITO DE CORRUPÇÃO. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. 1. Denúncia oferecida em face de prefeito municipal, acusado da prática do crime previsto no art. 317, caput, c.c. o art. 29, ambos do Código Penal, bem como em face de outros investigados no mesmo contexto fático. 2. Incompetência absoluta da Justiça Federal, tendo em vista que o suposto recebimento de vantagem indevida pelo prefeito municipal estaria relacionado à prática de ato de ofício, qual seja, a celebração de aditivo contratual custeado integralmente por verbas do Município. Portanto, inexistindo previsão de utilização de recursos federais, não se configura interesse da União no caso concreto. 3. Não é relevante para a aferição da competência na hipótese tratada nos autos o fato de o contrato originário ter sido custeado por verbas da União, eis que a denúncia é bem clara ao descrever o delito imputado ao prefeito municipal, consistente no recebimento de vantagem indevida para que praticasse ato de ofício, consistente na celebração do aditivo à avença anteriormente firmada. Aplicação, a contrario sensu, da Súmula nº 208 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Reconhecida a incompetência absoluta deste Tribunal. Prejudicadas as demais questões suscitadas nos autos. Remessa do inquérito ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. (grifei) (TRF da 3ª Região, IP n. 0028725-23.2013.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 21.06.18) Sendo, a prática dos delitos de corrupção ativa e passiva em exercício de cargos públicos municipais, praticados contra o ente municipal, envolvendo valores já incorporados ao patrimônio do município, é competente a Justiça Estadual, de modo que a decisão recorrida não merece reparo. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. É o voto.
Advogados do(a) RECORRIDO: OTAVIO RIBEIRO LIMA MAZIEIRO - SP375519-A, IGOR SANT ANNA TAMASAUSKAS - SP173163-A
Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGAO - SP123723-A, RODRIGO OTAVIO BRETAS MARZAGAO - SP185070-A
Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL COSTA RODRIGUES - SP82154-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
Advogado do(a) RECORRIDO: ELIZA MAIRA BERGAMASCO AVILA - SP383010-A
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. COMPETÊNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. PREFEITO. SALÁRIO EDUCAÇÃO. FNDE.
1. O Ministério Público Federal se insurge contra a decisão por meio da qual o Juízo da 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) declinou da competência em favor do Tribunal de Justiça de São Paulo.
2. A denúncia descreve suposto esquema criminoso com o oferecimento ou promessa e solicitação ou recebimento de vantagem indevida, objetivando a prática de fraudes em relação pregão destinado ao registro de preços de insumos de limpeza e higiene em geral. São imputados aos réus as práticas de crimes de corrupção ativa e passiva perpetrados contra a Prefeitura do Município de Pirassununga (SP).
3. Consoante as Súmulas n. 208 e n. 209 do Superior Tribunal de Justiça, a definição da competência para o julgamento de prefeitos por desvio de verbas demanda a análise da situação fática. Segundo o enunciado da Súmula n. 208, "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal"; por outro lado, segundo o enunciado da Súmula n. 209, "compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal".
4. Os precedentes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional reconhecem a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes praticados por prefeitos que se refiram ao desvio de verbas federais transferidas ao Município por meio de convênio firmado com a União, desde que estejam sujeitas a controle de órgão federal (STJ, HC n. 234859, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 10.11.15; STJ, RHC 201302963228, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 08.10.13; TRF da 3ª Região, ACR n. 00007721520024036000, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 28.10.14 e TRF da 3ª Região, APN n. 680, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 08.07.09).
5. Verifica-se que foi realizado procedimento licitatório para o registro de preço para compra de materiais de limpeza e higiene, por diversas secretarias municipais de Pirassununga (SP), dentre as quais a Secretaria Municipal de Educação, com a utilização de verbas públicas.
6. Há documentos colacionados aos autos que indicam que os recursos usados pela Secretaria Municipal de Educação para pagamento para a empresa Francisco Carvalho Tietê EPP (atual Diprohl Comércio e Serviços Eireli) são quantias referentes à quota municipal de Pirassununga (SP) da contribuição de salário-educação, que são transferidas ao município nos termos do art. 212, § 5º, da Constituição da República.
7. Os recursos do salário-educação são repartidos em cotas, que são destinadas para a União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (Leis n. 9.766/98 e n. 10.832/03), e que são distribuídas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE para cada um dos entes da federação, repassadas de forma automática, sem necessidade de convênio ou outro instrumento similar, ou seja, independentemente de qualquer formalidade, em contas bancárias específicas, abertas no Banco do Brasil (art. 8º, 1º e 2º do Decreto-lei n. 1.805, de 01.10.80).
8. Os réus foram acusados de crimes de corrupção com violação dos deveres de cargos municipais. E, como bem observado na decisão recorrida, a lisura do exercício do cargo público, que no caso dos autos é municipal, que é tutelada pelos crimes do art. 317 e do art. 333 do Código Penal. Portanto, é contra o município, ente autônomo em relação aos demais que compõem a federação, que são praticados os delitos imputados aos acusados. Note-se que, na espécie, em relação às aquisições feitas pela Secretaria Municipal de Educação os valores envolvidos seriam correspondentes a quota municipal de salário-educação, que são repassados e incorporados ao patrimônio do município, a firmar a competência da Justiça Estadual.
9. Não obstante a competência ser da justiça federal para processar e julgar os casos de malversação de verbas do FUNDEF/FUNDEB, no caso dos autos, os delitos de corrupção ativa e passiva teriam sido perpetrados contra o município, com recursos que corresponderiam ao valor da quota parte municipal, dos repasses de contribuições de salário-educação, incorporados ao patrimônio municipal. Dessa forma, considerando, ainda, que denúncia não imputou aos acusados o crime pelo mau uso de verba federal, não indicou fundo ou convênio com verbas federais específicas que houvessem sido desviados, delimitando a imputação à prática dos crimes de corrupção ativa e passiva contra o município, não se vê, de maneira clara, no caso dos autos, ofensa direta a interesse da União a justificar a competência da Justiça Federal.
10. Recurso em sentido estrito desprovido.