Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018302-76.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ISABEL CRISTINA NATALICIO GALLINARO

Advogado do(a) APELADO: JEFERSON BARBOSA LOPES - SP89646-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018302-76.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: ISABEL CRISTINA NATALICIO GALLINARO

Advogado do(a) APELADO: JEFERSON BARBOSA LOPES - SP89646-A

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de Ação Ordinária, proposta por Isabel Cristina Natalício em face da União Federal, pela qual a repetição de valores indevidamente retidos em razão da incidência de IRPF, pelo chamado regime de caixa, sobre montante relativo a verbas trabalhistas percebidas de forma cumulativa, além da não incidência do tributo sobre os juros moratórios.

 

Na sentença (fls. 186 a 189), o MM Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando a União à devolução do valor indevidamente recolhido a título de IRPF, devendo ser aplicado o regime de competência para o cálculo do montante efetivamente devido, bem como à devolução do IRPF incidente sobre juros de mora. Condenada a União Federal em honorários advocatícios arbitrados em 5% do valor atualizado da condenação. Determinada a Remessa Oficial.

 

Em suas razões de Apelação (fls. 193 a 203), a União Federal argumentou pela legalidade da utilização do regime de caixa para verbas recebidas cumulativamente. Nesses termos, requer a reforma da sentença.

 

Contrarrazões pela autora (fls. 205 a 235).

 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0018302-76.2009.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: ISABEL CRISTINA NATALICIO GALLINARO

Advogado do(a) APELADO: JEFERSON BARBOSA LOPES - SP89646-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

Como é cediço, o artigo 43 do Código Tributário Nacional determina a incidência do Imposto de Renda “sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”.

 

Por sua vez, o art. 46 da Lei nº 8.541/92, ao tratar do IRPF, assim determina:

 

Art. 46. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário.

§ 1º (omissis).

§ 2° Quando se tratar de rendimento sujeito à aplicação da tabela progressiva, deverá ser utilizada a tabela vigente no mês de pagamento.

 

Os art. 12 da Lei nº 7.713/88 e 56 do Decreto nº 3.000/1999 determinavam que a incidência do Imposto de Renda ocorresse no mês do recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, quando recebidos acumuladamente por pessoa física. Porém, aos valores recebidos de forma acumulada, decorrentes de atrasados de benefício previdenciário de Aposentadoria, não poderia ser dispensado tratamento tributário distinto daquele que seria aplicado se os valores fossem recebidos à época correta, sob pena de se chancelar situação discriminatória ao sujeito já outrora lesado.

 

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça se pronunciou favoravelmente à aplicação do regime de competência, mesmo antes da inovação legislativa promovida pela Lei nº 12.350/10.

 

Deveras, a questão da tributação de valores pagos com atraso e recebidos acumuladamente restou pacificada no Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.118.429 (submetido ao rito dos recursos repetitivos - art. 543-C do CPC). Entendeu aquela Corte que o pagamento, de uma só vez, de verbas referentes a períodos pretéritos não pode sujeitar o particular a tributação mais onerosa do que aquela que seria suportada caso os valores fossem pagos na época correta.

 

Por esse motivo, fixou-se a orientação de que a incidência do imposto de renda deve ter como parâmetro o valor mensal percebido e não o montante integral recebido de maneira acumulada – o chamado regime de competência. Para tanto, devem ser observadas as tabelas vigentes à época em que deveriam ter sido pagos, para fins de apuração das alíquotas e limites de isenção.

 

Por sua vez, o egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, decidiu que o Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos recebidos acumuladamente deve ser recolhido pelo regime de competência (RE 614.406, relator p/acórdão Ministro Marco Aurélio, Plenário em 23/10/2014, DJE: 27/11/2014). Desse modo, a tributação referente à concessão de valores pagos de uma só vez não pode ocorrer sobre o montante total acumulado, sob pena de ferir os princípios constitucionalmente garantidos da isonomia tributária (Artigo 150, II, da CF/88) e da capacidade contributiva (§ 1º do Artigo 145 da CF/88).

 

O aresto foi assim ementado:

 

IMPOSTO DE RENDA - PERCEPÇÃO CUMULATIVA DE VALORES - ALÍQUOTA.

A percepção cumulativa de valores há de ser considerada, para efeito de fixação de alíquotas, presentes, individualmente, os exercícios envolvidos.

(RE 614.406, relatora Ministra Rosa Weber, relator p/acórdão: Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2014, Acórdão eletrônico repercussão geral - mérito DJE-233 divulgado em 26/11/2014, publicado em 27/11/2014)

 

Dessa forma, o pagamento a destempo deve sofrer a tributação em consonância com a tabela e alíquota vigentes à época própria, de modo a evitar a consumação de evidente prejuízo ao contribuinte.

 

Prossigo.

 

Havia entendimento de que incide Imposto de Renda sobre juros moratórios sobre verbas salariais pagas a destempo, inclusive em razão da legislação referente à matéria, isto é, o art. 16, caput  e parágrafo único, da Lei 4.506/64 cc. art. 43, II, do CTN. Em suma, a regra geral é a incidência de IR, e “somente na situação excepcional em que o trabalhador perde o emprego, os juros de mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são pagas são isentos de imposto de renda” (REsp 1.089.720/RS, Voto do Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.11.2012).

 

O tema veio a ser objeto do Recurso Extraordinário 855.091, no qual se discutiu, à luz dos arts. 97 e 153, III, da Constituição Federal, a constitucionalidade dos arts. 3º, § 1º, da Lei 7.713/1988 e 43, II, § 1º, do Código Tributário Nacional, de modo a definir a incidência, ou não, de imposto de renda sobre os juros moratórios recebidos por pessoa física. O debate veio a ocorrer em sede de Repercussão Geral sob o Tema 808/STF.

 

O julgamento do mérito ocorreu em 15.03.2021, vindo a ser aprovada, por maioria de 10 a 1, a tese de  que "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função": conforme segue:

 

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 808 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, considerando não recepcionada pela Constituição de 1988 a parte do parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/64 que determina a incidência do imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de atraso no pagamento das remunerações previstas no artigo (advindas de exercício de empregos, cargos ou funções), concluindo que o conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda contido no art. 153, III, da Constituição Federal de 1988, não permite que ele incida sobre verbas que não acresçam o patrimônio do credor. Por fim, deu ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN interpretação conforme à Constituição Federal, de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora em questão. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Gilmar Mendes. Foi fixada a seguinte tese: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função". 

 

O entendimento foi anteriormente exprimido no âmbito desta 4ª Turma, nos termos que segue:

 

“Especificamente no que concerne à matéria relativa ao imposto de renda incidente sobre os juros moratórios, têm-se descabidas as alegações da União referentes a essa questão, uma vez que a mora no pagamento de verbas acarreta ao credor a privação de bens essenciais, no que a indenização, por meio do recebimento de juros moratórios, tem por objetivo a compensação das perdas sofridas em virtude do atraso e, assim, não há se falar em acréscimo patrimonial que autorize sua tributação pelo imposto de renda.

 

Ademais, no que toca a essa matéria, insta reiterar o disposto na decisão agravada, litteris:

(...)

Dessa forma, os juros moratórios não são passíveis de incidência de imposto de renda e não há se falar em necessidade de o autor provar que as verbas trabalhistas foram pagas em virtude de rescisão do contrato de trabalho para que tenha direito a isenção (artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil e artigo 6º, inciso V, da Lei nº 7.713/1988), pois, como visto, de qualquer modo tais juros têm natureza indenizatória.” (AgrInt em ApelReex 0022628-11.2011.4.03.6100/SP, voto do Rel. Des. Fed. André Nabarrete, Rel. Acórdão Des. Fed. Marli Ferreira, 4ª Turma, DJ 16.05.2018)

 

Impõe-se, portanto, o reconhecimento da não a incidência de IR sobre juros moratórios aplicados sobre verbas salariais pagas a destempo.

 

Face ao exposto, nego provimento à Remessa Oficial e à Apelação, nos termos da fundamentação.

 

É o voto.



E M E N T A

 

 

TRIBUTÁRIO. IRPF. VERBAS ATRASADAS. PERCEPÇÃO ACUMULADA. REGIME DE COMPETÊNCIA. ART. 12 DA LEI 7.713/88. INCIDÊNCIA DE IR. JUROS MORATÓRIOS. NÃO INCIDÊNCIA DE IR. RE 855.091. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. Os art. 12 da Lei nº 7.713/88 e 56 do Decreto nº 3.000/1999 determinavam que a incidência do Imposto de Renda ocorresse no mês do recebimento ou crédito, sobre o total dos rendimentos, quando recebidos acumuladamente por pessoa física. Porém, aos valores recebidos de forma acumulada, decorrentes de atrasados de benefício previdenciário de Aposentadoria, não poderia ser dispensado tratamento tributário distinto daquele que seria aplicado se os valores fossem recebidos à época correta, sob pena de se chancelar situação discriminatória ao sujeito já outrora lesado.

2. A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça se pronunciou favoravelmente à aplicação do regime de competência, mesmo antes da inovação legislativa promovida pela Lei nº 12.350/10.

3. Deveras, a questão da tributação de valores pagos com atraso e recebidos acumuladamente restou pacificada no Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.118.429 (submetido ao rito dos recursos repetitivos - art. 543-C do CPC). Entendeu aquela Corte que o pagamento, de uma só vez, de verbas referentes a períodos pretéritos não pode sujeitar o particular a tributação mais onerosa do que aquela que seria suportada caso os valores fossem pagos na época correta.

4. Por esse motivo, fixou-se a orientação de que a incidência do imposto de renda deve ter como parâmetro o valor mensal percebido e não o montante integral recebido de maneira acumulada – o chamado regime de competência. Para tanto, devem ser observadas as tabelas vigentes à época em que deveriam ter sido pagos, para fins de apuração das alíquotas e limites de isenção.

5. O egrégio Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, decidiu que o Imposto de Renda incidente sobre os rendimentos recebidos acumuladamente deve ser recolhido pelo regime de competência (RE 614.406, relator p/acórdão Ministro Marco Aurélio, Plenário em 23/10/2014, DJE: 27/11/2014). Desse modo, a tributação referente à concessão de valores pagos de uma só vez não pode ocorrer sobre o montante total acumulado, sob pena de ferir os princípios constitucionalmente garantidos da isonomia tributária (Artigo 150, II, da CF/88) e da capacidade contributiva (§ 1º do Artigo 145 da CF/88).

6. Havia entendimento de que incide Imposto de Renda sobre juros moratórios sobre verbas salariais pagas a destempo, inclusive em razão da legislação referente à matéria, isto é, o art. 16, caput  e parágrafo único, da Lei 4.506/64 cc. art. 43, II, do CTN. Em suma, a regra geral é a incidência de IR, e “somente na situação excepcional em que o trabalhador perde o emprego, os juros de mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são pagas são isentos de imposto de renda” (REsp 1.089.720/RS, Voto do Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 28.11.2012).

7. O tema veio a ser objeto do Recurso Extraordinário 855.091, no qual se discutiu, à luz dos arts. 97 e 153, III, da Constituição Federal, a constitucionalidade dos arts. 3º, § 1º, da Lei 7.713/1988 e 43, II, § 1º, do Código Tributário Nacional, de modo a definir a incidência, ou não, de imposto de renda sobre os juros moratórios recebidos por pessoa física. O debate veio a ocorrer em sede de Repercussão Geral sob o Tema 808/STF.

8. O julgamento do mérito veio a ocorrer em 15.03.2021, vindo a ser aprovada, por maioria de 10 a 1, a tese de  que "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função".

9. Impõe-se, portanto, o provimento do recurso para reconhecer a não a incidência de IR sobre juros moratórios aplicados sobre verbas salarias pagas a destempo.

10. Remessa Oficial improvida.

11. Apelo improvido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), no que foi acompanhado pelos votos do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e da Des. Fed. MARLI FERREIRA. Ausente, justificadamente, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.