Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010391-90.2012.4.03.6105

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE VALINHOS

Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO DA SILVEIRA GUSKUMA - SP121996-A
Advogado do(a) APELANTE: WLADIMIR VINKAUSKAS GERONYMO - SP147145

APELADO: ELISA MAMBRINI DE OLIVEIRA

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010391-90.2012.4.03.6105

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE VALINHOS

Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO DA SILVEIRA GUSKUMA - SP121996-A
Advogado do(a) APELANTE: WLADIMIR VINKAUSKAS GERONYMO - SP147145

APELADO: ELISA MAMBRINI DE OLIVEIRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de embargos de declaração opostos contra v. Acórdão que deu provimento ao agravo interno.

A ementa:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO – TEMA 500 DO STF - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO REGISTRADO NA ANVISA – EXCEPCIONALIDADE – PREENCHIMENTO CUMULATIVO DOS REQUISITOS – SENTENÇA RESTAURADA – AGRAVO PROVIDO.

1. O “dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA” foi objeto de repercussão geral no C. STF, Tema nº 500, Leading Case RE 657718, Relator Min. Marco Aurélio, com tese firmada em 22/05/2019: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”.

2. O caso dos autos enquadra-se na exceção à regra de registro, devendo a agravante comprovar o preenchimento de: (i) prescrição para o uso de medicamento órfão para sua doença rara/ultrarrara; (ii) registro do medicamento pleiteado em renomada agência de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA.

3. No particular, o medicamento “Hidroxipropil Beta-Ciclodextrina - Trappsol Cyclo” não possui registro na ANVISA, sendo considerado “medicamento órfão”.

4. A eficácia terapêutica foi comprovada pela FDA- USA - renomada agência de regulação no exterior (https://www.cyclotherapeutics.com/our-business/cyclodextrin-markets).

5. Em perícia judicial (fls. 05, ID. 120552651 – f. 106), o expert assegurou que a medicação ora pleiteada não possui fármaco similar disponibilizado na rede pública, atestando a melhora no quadro clínico da autora, bem como em sua qualidade de vida.

6. Logo, preenchidos os requisitos cumulativamente, de rigor a restauração da r. sentença, com a continuidade do fornecimento da medicação.

7. Agravo interno provido.”

A embargante, Fazenda do Estado de São Paulo, sustenta a existência de omissão no v. Acórdão, consistente no enfrentamento dos temas n. 500 e 796, ambos do C. STF, e n. 106, do C. STJ. Prequestiona a matéria, em especial: art. 12 da Lei 6360/76, a Lei Federal 9.782/99 e os arts. 1º, III; 6º; 23, II; 196; 198, II e § 2º; e 204, todos da Constituição Federal.

Contrarrazões.

É o relatório.

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010391-90.2012.4.03.6105

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO

APELANTE: ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE VALINHOS

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APELADO: ELISA MAMBRINI DE OLIVEIRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O v. Acórdão destacou expressamente:

O “dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela ANVISA” foi objeto de repercussão geral no C. STF, Tema nº 500, Leading Case RE 657718, Relator Min. Marco Aurélio, com tese firmada em 22/05/2019:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. MEDICAMENTOS NÃO REGISTRADOS NA ANVISA. IMPOSSIBILIDADE DE DISPENSAÇÃO POR DECISÃO JUDICIAL, SALVO MORA IRRAZOÁVEL NA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE REGISTRO.

1. Como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) por decisão judicial. O registro na Anvisa constitui proteção à saúde pública, atestando a eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no país, além de garantir o devido controle de preços.

2. No caso de medicamentos experimentais, i.e., sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso, é claro, não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável.

3. No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na ANVISA, o seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer em uma hipótese: a de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016). Ainda nesse caso, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos. São eles: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior (e.g., EUA, União Europeia e Japão); e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA. Ademais, tendo em vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.

4. Provimento parcial do recurso extraordinário, apenas para a afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido de registro (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”.”

Com a tese firmada pela suprema corte, reconhece-se o dever do Estado em fornecer medicamento sem registro na ANVISA, desde que cumpridos cumulativamente os requisitos acima elencados.

E o caso dos autos enquadra-se na exceção à regra de registro, devendo a agravante comprovar o preenchimento de: (i) prescrição para o uso de medicamento órfão para sua doença rara/ultrarrara; (ii) registro do medicamento pleiteado em renomada agência de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico registrado na ANVISA.

No particular, o medicamento “Hidroxipropil Beta-Ciclodextrina - Trappsol Cyclo” não possui registro na ANVISA, sendo considerado “medicamento órfão”, ou seja, “é um status dado a medicamentos que tratam doenças raras por um órgão regulatório de saúde oficial do país. Para o FDA é considerado medicamento órfão aqueles que tratam de doenças que atingem menos de 200 000 americanos.[1] Para a União Europeia este tipo de medicamento são aqueles que atingem não mais do que cinco em cada 10 000 pessoas e as doenças tratadas com eles sejam crônicas debilitantes ou coloquem a vida em risco.[1] De acordo com a Anvisa os órfãos são indicados para incidência de doenças menor que 5 : 10 000” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Medicamento_%C3%B3rf%C3%A3o)

A eficácia terapêutica foi comprovada pela FDA- USA - renomada agência de regulação no exterior (https://www.cyclotherapeutics.com/our-business/cyclodextrin-markets).

Em perícia judicial (fls. 04, ID. 120552651 – f. 106), o expert assegurou que a medicação ora pleiteada não possui fármaco similar disponibilizado na rede pública, atestando a melhora no quadro clínico da autora, bem como em sua qualidade de vida, concluindo “que a Autora deveria manter uso da mesma, em combinação com a medicação já disponibilizada pela rede pública.”

Logo, preenchidos os requisitos cumulativamente, de rigor a restauração da r. sentença, com a continuidade do fornecimento da medicação."

Quanto ao tema nº 796 do C. STF acerca da competência da autoridade judicial em direcionar qual o ente estatal que deverá cumprir a obrigação prestacional na área de saúde, diante da responsabilidade solidária, observo que a decisão que antecipou os efeitos da tutela (ID 120552650 – p. 89) já o fez - "para o fim de determinar ao DIRETOR REGIONAL DE SAÚDE DA SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO - DRS VII - CAMPINAS - que forneça à autora o medicamento beta-ciclodextrina (134g duas vezes por semana), no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação da presente decisão, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) até o limite de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser revertida em favor da autora. Ultrapassados mais de 20 dias de atraso no cumprimento da medida, a multa será cobrada solidariamente do Estado e do Sr. Diretor Regional de Saúde" - matéria não devolvida a este C. Tribunal em razões de apelação.

Não há, portanto, qualquer vício no v. Acórdão. Pedido e fundamento jurídico são institutos processuais distintos. O Poder Judiciário, pela iniciativa das partes, está vinculado a decidir a lide, em regra, nos termos do pedido. Mas a decisão fica sujeita a qualquer fundamento jurídico.

No caso concreto, os embargos não demonstram a invalidade jurídica da fundamentação adotada no v. Acórdão. Pretendem, é certo, outra. Não se trata, então, da ocorrência de vício na decisão da causa, mas de sua realização por fundamento jurídico diverso da intelecção da parte.

De outra parte, a Constituição Federal, na cláusula impositiva da fundamentação das decisões judiciais, não fez opção estilística. Sucinta ou laudatória, a fundamentação deve ser, apenas, exposta no vernáculo (STJ - AI nº 169.073-SP-AgRg - Rel. o Min. José Delgado).

Na realidade, o que se pretende, através do presente recurso, é o reexame do mérito da decisão da Turma, o que não é possível em sede de embargos de declaração. Confira-se:

PROCESSO CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ART. 535, DO CPC - SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DA EXTINTA SUDAM - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO - NÍTIDO CARÁTER INFRINGENTE - REJEIÇÃO.

1 - Tendo o acórdão embargado reconhecido a insuficiência de comprovação do direito líquido e certo, salientando a necessidade de dilação probatória, revestem-se de caráter infringente os embargos interpostos a pretexto de omissão e prequestionamento, uma vez que pretendem reabrir os debates meritórios acerca do tema.

2 - Por prerrogativa do dispositivo processual aventado, os Embargos de Declaração consubstanciam instrumento processual adequado para excluir do julgado qualquer obscuridade ou contradição ou, ainda, suprir omissão, cujo pronunciamento sobre a matéria se impunha ao Colegiado, integralizando-o, não se adequando, todavia, para promover o efeito modificativo do mesmo. Inteligência do art. 535 e incisos, do Código de Processo Civil.

3 - Precedentes (EDREsp nºs 120.229/PE e 202.292/DF).

4 - Embargos conhecidos, porém, rejeitados.

(STJ, 3ª seção, EDMS 8263/DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 09/04/2003, v.u., DJU 09/06/2003).

No tocante ao pré-questionamento, cumpre salientar que, ainda nos embargos de declaração opostos com este propósito, é necessária a observância aos requisitos previstos no artigo 535, do Código de Processo Civil de 1973, ou do artigo 1.022, do Código de Processo Civil de 2015:

Mesmo nos embargos de declaração com fim de prequestionamento, devem-se observar os lindes traçados no art. 535 do CPC (obscuridade, dúvida, contradição, omissão e, por construção pretoriana integrativa, a hipótese de erro material). Esse recurso não é meio hábil ao reexame da causa (STJ - 1ª Turma, Resp 11.465-0-SP, Rel. o Min. Demócrito Reinaldo, j. 23.11.92, rejeitaram os embs., v.u., DJU 15.2.93, p. 1.665, 2ª col., em.).

Por estes fundamentos, rejeito os embargos de declaração.

É o voto.



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO: INEXISTÊNCIA - PREQUESTIONAMENTO – REJEIÇÃO.

1. O Poder Judiciário, pela iniciativa das partes, está vinculado a decidir a lide, em regra, nos termos do pedido. Mas a decisão fica sujeita a qualquer fundamento jurídico.

2. Na solução da causa, a adoção de fundamento jurídico diverso do exposto pela parte não é omissão. É divergência de intelecção na solução da lide, circunstância desqualificadora da interposição de embargos de declaração.

3. A Constituição Federal não fez opção estilística, na imposição do requisito da fundamentação das decisões. Esta pode ser laudatória ou sucinta. Deve ser, tão-só, pertinente e suficiente.

4. Os requisitos previstos no artigo 535, do Código de Processo Civil de 1973, ou no artigo 1.022, do Código de Processo Civil de 2015, devem ser observados nos embargos de declaração destinados ao pré-questionamento.

5. Embargos de declaração rejeitados.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.