Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-17.2011.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AMERICA COMERCIAL LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA DE SOUZA JUNQUEIRA - SP177073-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-17.2011.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AMERICA COMERCIAL LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA DE SOUZA JUNQUEIRA - SP177073-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: DANIEL MICHELAN MEDEIROS - SP172328-A
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO LAPA PINTO ALVES - SP240573-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

Cuida-se de apelação interposta por América Comercial Ltda. em face de sentença que julgou improcedente o seu pedido de anulação da multa aplicada pela Caixa Econômica Federal - Centralizadora de Promoções Comerciais, no valor de R$ 1.150,00, condenando-a a pagar às rés (CEF e União Federal) honorários advocatícios, no valor de R$ 1.000,00, devidamente corrigido e distribuído entre elas em proporções iguais.

Alega a recorrente, em síntese, que a simples menção do logotipo da empresa no tema do concurso não o descaracteriza como exclusivamente cultural ou artístico; e que o mero pacto de uso do material, firmado entre promotor e participante, não consubstancia, desde logo, eventual finalidade propagandista do concurso. Pede a reforma da sentença, julgando-se totalmente procedente a demanda para anular o débito fiscal constituído, condenando-se as apeladas a se absterem de proceder à inscrição do apelante na dívida ativa, bem como condenando-as ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

Com contrarrazões de ambas os réus, defendendo a manutenção da sentença, vieram os autos ao Tribunal.

É o relatório.

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-17.2011.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: AMERICA COMERCIAL LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GRAZIELA DE SOUZA JUNQUEIRA - SP177073-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: DANIEL MICHELAN MEDEIROS - SP172328-A
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO LAPA PINTO ALVES - SP240573-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

Anote-se, inicialmente que a Lei 5.768/71 dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, e estabelece normas de proteção à poupança popular.

A Lei 9.649/98, por sua vez, prevê a competência do Ministério da Fazenda no que respeita às disposições estabelecidas na Lei nº 5.768/71, mas atribui à Caixa Econômica Federal a operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das atividades de que trata a referida lei (art. 18-B, caput e § 1º).

Pois bem.

Narrou a autora na inicial que, durante o mês de maio de 2010, realizou o "CONCURSO ARTÍSTICO AMÉRICA NO DIA DAS MÃES DO SEU JEITO, DO JEITO DELA...” nos moldes previstos no inciso II do art. 3º da Lei 5.768/71, tendo como característica principal ser exclusivamente artístico. De acordo com o regulamento do concurso, os participantes, após inscrição gratuita e não condicionada à aquisição de qualquer produto da autora, enviariam fotos de sua autoria e, mediante julgamento por comissão especializada, seriam escolhidos os vencedores. O prêmio principal consistia em viagem, com um acompanhante, à cidade de Punta del Este, no Uruguai.

Não obstante, fora surpreendida com o Ofício n°2474/2010 CEPCO, remetido pela Caixa Econômica Federal, em que o órgão denominado "Centralizadora de Promoções Comerciais" apontava a existência de irregularidades no concurso, pois teria sido realizado sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda exigida no art. 1º da referida lei.

Apresentou contra-notificação e réplica à resposta da CEF sem, contudo, lograr êxito, sendo-lhe aplicada a penalidade de multa no valor de R$ 1.150,00, com fulcro no art. 12 da Lei 5.768/71, razão porque ajuizara a presente ação judicial.

Entendeu o magistrado sentenciante que:

 

“Apesar de o regulamento do concurso estabelecer no item 1.4.3 que ‘É vedada a inserção, na foto participante, da expressão "America" ou de qualquer outra referência a produtos comercializados pelos restaurantes America, suas marcas, logos e demais sinais distintivos, hipótese na qual os participantes serão automaticamente desclassificados do concurso’, o tema do concurso se confunde com o logotipo da marca e seu objetivo é reforçá-la.

O logotipo da marca é "AMERICA É do seu jeito.".

O tema do concurso é "CONCURSO ARTÍSTICO AMERICA NO DIA DAS MÃES DO SEU JEITO, DO JEITO DELA...'.

A foto deveria estar de acordo com a data comemorativa do dia das mães e com o tema 'DO SEU JEITO, DO JEITO DELA...".

A finalidade do concurso não é exclusivamente artística, mas sim reforçar, perante os consumidores, o que seria a característica da autora: "ser do seu jeito".

Além disso, se a finalidade fosse exclusivamente artística, de premiar o melhor trabalho artístico, e não propagandistica ou comercial, o regulamento do concurso não poderia estabelecer a assunção, pela autora, da propriedade das fotos e a possibilidade de exploração comercial destas, inclusive das imagens dos participantes, como de fato o fez nestes itens 4.2.1 até 4.4.”

 

Do quanto exposto, verifica-se que a controvérsia se resume em aferir se o concurso realizado pela autora, ora apelante, se enquadrava na regra geral prevista no art. 1º ou na exceção contida no inciso II do art. 3º da Lei 5.768/71, verbis:

 

"Art 1º A distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda, nos têrmos desta lei e de seu regulamento.

...

Art 3º Independe de autorização, não se lhes aplicando o disposto nos artigos anteriores:

...

II - a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço.” (destaquei)

 

Mais especificamente, a divergência se resume à interpretação dada pelas partes à “explicação” da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE em seu site na internet, na tentativa de elucidar o que se enquadraria como promoção exclusivamente cultural, artístico desportivo ou recreativo, verbis:

 

“21. O que pode ser enquadrado como Promoção Cultural?

A Lei n° 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que, entre outras determinações, estabelece o marco legal para as promoções comerciais, foi regulamentada pelo Decreto n° 70.951, de 9 de agosto de 1972.

Ambos os diplomas legais desobrigam da autorização governamental os concursos exclusivamente culturais, recreativos, artísticos e desportivos.

No caso do Decreto, trata-se do Artigo 30, que assim dispõe:

"Art. 30 - Independe de autorização a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, desde que não haja subordinação a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço."

No mencionado dispositivo, há uma clara intenção do legislador em desburocratizar, e, com isso, estimular, os concursos destinados a premiar talentos artísticos ou esportivos, ou, simplesmente, oferecer lazer, sem conotações de mercado, salvo, naturalmente, a promoção da marca, sem quaisquer outras implicações. Percebe-se que se pensou em concursos literários, cinematográficos, em provas esportivas, gincanas, etc.

Por outro lado, o legislador utilizou o termo exclusivamente; com isso, fica estabelecido que não pode haver uma mistura de cultura e propaganda, de esporte e sorteio. A requerida ausência de álea (sorte), aliás, é uma afirmação de que são exclusivamente culturais aqueles concursos cuja vitória e consequente premiação deve-se exclusivamente ao mérito.

Com base naquelas duas características, não é difícil definir o que não é concurso cultural. Seleção e premiação de frases que contenham o nome da empresa patrocinadora, ou algum conteúdo a ela elogioso, não pode ser classificado como cultural. Concursos que exigem o preenchimento de cadastro, cujo propósito é a venda de seus dados a outros empreendedores, também, não se enquadram como culturais. Da mesma forma, aqueles concursos exclusivos para compradores ou clientes pré -cadastrados, ou cujo regulamento imponha qualquer tipo de condicionalidade à participação não são culturais.

Assim, concursos de obras literárias, cuja única menção ao patrocinador seja seu nome no título ou nas chamadas, são tipicamente culturais. Da mesma forma, provas desportivas com características similares são concursos esportivos isentos de pedido de autorização.

São duas, portanto, as características que os concursos culturais ou desportivos não podem conter: álea e propaganda. No caso desta última, inclui-se o preenchimento de cadastros cujos dados serão utilizados para propaganda futura."

 

Não obstante, a controvérsia persistiu e foi preciso a edição da Portaria MF nº 422, em 18 de julho de 2013, para identificar as hipóteses de comprometimento do caráter exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo de concurso destinado à distribuição gratuita de prêmios a que se referem a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e o Decreto nº 70.951, de 9 de agosto de 1972.

Segundo a referida Portaria:

 

“Art. 2o Fica descaracterizado como exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo o concurso em que se consumar a presença ou a ocorrência de ao menos um dos seguintes elementos, além de outros, na medida em que configurem o intuito de promoção comercial:

I - propaganda da promotora ou de algum de seus produtos ou serviços, bem como de terceiros, nos materiais de divulgação em qualquer canal ou meio, ressalvada a mera identificação da promotora do concurso;

II - marca, nome, produto, serviço, atividade ou outro elemento de identificação da empresa promotora, ou de terceiros, no material a ser produzido pelo participante ou na mecânica do concurso, vedada, ainda, a identificação no nome ou chamada da promoção;

III- subordinação a alguma modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, em qualquer fase do concurso;

IV - vinculação dos concorrentes ou dos contemplados com premiação à aquisição ou uso de algum bem, direito ou serviço;

V - exposição do participante a produtos, serviços ou marcas da promotora ou de terceiros, em qualquer meio;

VI - adivinhação;

VII - divulgação do concurso na embalagem de produto da promotora ou de terceiros;

VIII - exigência de preenchimento de cadastro detalhado, ou resposta a pesquisas, e de aceitação de recebimento de material publicitário de qualquer natureza;

IX - premiação que envolve produto ou serviço da promotora;

X- realização de concurso em rede social, permitida apenas sua divulgação no referido meio;

XI - realização de concurso por meio televisivo, mediante participação onerosa; e

XII - vinculação a eventos e datas comemorativas, como campeonatos esportivos, Dia das Mães, Natal, Dia dos Namorados, Dia dos Pais, Dia das Crianças, aniversário de Estado, de Município ou do Distrito Federal e demais hipóteses congêneres.

Parágrafo único. Descaracterizam igualmente o concurso como exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo os casos em que a inscrição ou a participação forem:

I - efetuadas por meio de ligações telefônicas ou de serviço de mensagens curtas (em inglês, "Short Message Service - SMS") oferecido por operadora de telefonia denominada móvel ("celular");

II - subordinadas à adimplência com relação a produto ou serviço ofertado pela promotora ou terceiros; ou

III - exclusivas para clientes da promotora ou de terceiros."

 

Nesse compasso, entendo que assiste razão à apelante porquanto, até a edição da Portaria MF 422, a questão relativa às hipóteses que se enquadram na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei 5.768/71 era dúbia, tanto que a manifestação da própria Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE em seu site, embora proibisse a “mistura de cultura e propaganda”, induzia à interpretação de que a “promoção da marca” não comprometia a característica meramente cultural ou artística do evento, ressaltando, inclusive, que “concursos de obras literárias, cuja única menção ao patrocinador seja seu nome no título ou nas chamadas, são tipicamente culturais”.

Foi necessária a edição da mencionada Portaria 422 para se elucidar a matéria. Destaque-se, entretanto, que referida norma somente veio a lume em 2013, após o evento objeto da presente demanda (que ocorreu em 2010).

Irrazoável, portanto, penalizar a autora que adotou uma das interpretações possíveis da ambígua nota explicativa da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE acerca do que seria uma promoção exclusivamente artístico/cultural.

Sobre o tema, confira-se os seguintes julgados desta Corte:

 

“ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONCURSO EXCLUSIVAMENTE CULTURAL. FINS COMERCIAIS NÃO CARACTERIZADO. LEI 5.768/71 E DECRETO 70.951/72. MULTA ANULADA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. A questão controversa nos autos está em saber se o concurso realizado pela autora, ora apelada, Nestlé Brasil Ltda., denominado "Concurso Cultural Passatempo", ocorrido no período de 06/05/2013 a 15/07/2013, caracterizava-se como sendo exclusivamente cultural, ou se tinha algum intuito comercial. Isso porque o concurso exclusivamente cultural independe de autorização prévia do Ministério da Fazenda, ao passo que o concurso com intuito propagandístico depende da mencionada autorização.

2. Nesse passo, a CEF alega que o concurso promovido pela apelada tinha intuito comercial e, não tendo sido observado o requisito da autorização prévia, é cabível a aplicação da multa.

3. Os artigos 1º e 3º, II, da Lei 5.768/71 dispõem sobre a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, prevendo a dispensa de autorização quando a ação resultar de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço.

4. Referida lei era regulamentada à época pelo Decreto 70.951/72, o qual previa em seu artigo 30 exatamente os mesmos requisitos para a dispensa de autorização.

5. No caso, não restou demonstrada a ocorrência de qualquer subordinação a álea ou a pagamento pelos concorrentes, ou mesmo vinculação à aquisição ou ao uso de qualquer bem, direito ou serviço.

6. Com efeito, extrai-se do regulamento do concurso que a participação dos candidatos era voluntária e gratuita, não estando subordinada a qualquer modalidade de sorte, álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculada à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço (conforme item 1.3). Dispõe ainda que o resultado, para fins de premiação, seria decorrente apenas do desempenho dos participantes, os quais deveriam responder à frase "Por que é tão gostoso ser criança?" - item 2.1. Logo, não se verifica qualquer caráter comercial.

7. De se ressaltar, contudo, que a Portaria 422 de 18/07/2013 trouxe outros aspectos que podem afastar o caráter exclusivamente cultural do concurso. Todavia, ainda que o caso possa se enquadrar em algumas das hipóteses, certo é que a Portaria é posterior à realização do concurso, não se aplicando, portanto.

8. Acrescente-se, ainda, que o noticiado no PAF de obrigação de compra de duas unidades do biscoito Passatempo para a participação no concurso não partiu da empresa ora apelada, mas, sim, de um comerciante que amadoramente produziu em folha de sulfite A4 material de divulgação condicionando os consumidores à compra do produto (fls. 82/84 e 88).

9. Portanto, no presente caso, não houve qualquer tipo de risco (álea) para o participante, bem como exigência de compra de produtos em valor mínimo como requisito prévio à sua participação no concurso, ou mesmo previsão de qualquer tipo de obrigação para os contemplados, de modo que não subsiste qualquer argumento no sentido de que a autora teria se valido do concurso em apreço para fins comerciais ou propagandísticos, uma vez que não se pode estabelecer uma relação direta nesse sentido. Assim, descabida a autuação, devendo ser mantida a sentença.

10. Apelação não provida” (destaquei)

(0025863-44.2015.4.03.6100/SP, Rel. Des. Federal ANTONIO CEDENHO, D.E. 24/01/2019)

 

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. CONCURSO DE CUNHO ARTÍSTICO. ART. 3º, INCISO II, DA LEI Nº 5.768/71. APLICAÇÃO. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. APELAÇÕES. NÃO PROVIMENTO.

1 - A ação ordinária em discussão tem por escopo a anulação da multa aplicada à autora pela Caixa Econômica Federal - CEF, tendo por base o disposto no art. 1º da Lei nº 5.768/71.

2 - Preliminarmente, não assiste razão à União no que alude à ilegitimidade para figurar no polo passivo deste feito. Por primeiro, no que se depreende do comando legal inserto no caput do art. 1º, da Lei nº 5.768/71, que serviu de base para a imposição da penalidade à autora, e que dispõe sobre a necessidade de autorização do Ministério da Fazenda nos casos que especifica. Outrossim, o art. 18-B, caput, da Lei nº 9.649/98, prevê a competência do Ministério da Fazenda no que respeita às disposições estabelecidas na Lei nº 5.768/71, não obstante a atribuição à CEF quanto à operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das atividades de que trata a Lei nº 5.768/71 (§ 1º do art. 18-B da Lei nº 9.649/98). Por segundo, também se constata a existência de interesse processual da autora em relação à União no que concerne ao afastamento da inscrição em dívida ativa da União de suposto débito fiscal a título de multa, objeto de discussão neste feito, conforme se depreende do documento de fls. 77/81, enviado pela CEF à empresa apelada.

3 - No caso em exame, o cerne da controvérsia cinge-se em aferir se o concurso realizado pela autora, ora apelada, prescindia de autorização prévia do Ministério da Fazenda, a teor do disposto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971.

4 - Observa-se, no caso em exame, à leitura do Regulamento, que o concurso realizado pela autora, ora apelada, obedeceu aos ditames do art. 3º, inc. II, Lei nº 5.768/71, bem como ao disposto no Decreto nº 70.951/72 que, ao regulamentar a referida lei, assim prescreveu em seu art. 30: "Independe de autorização a distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural, artístico, desportivo ou recreativo, desde que não haja subordinação a qualquer modalidade de álea ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço".

5 - Verifica-se tratar de concurso de caráter cultural e artístico, patrocinado pela autora em razão da data comemorativa do dia dos pais, objetivando premiar aquele que apresentasse a fotografia mais original, criativa e adequada àquela data, cuja avaliação e seleção competiam a uma comissão julgadora que levaria em consideração os critérios exclusivamente "artístico e técnico" dos recursos fotográficos. Como ficou demonstrado, a participação era gratuita e independia de consumo de produtos ou serviços da empresa autora ou das realizadoras do evento.

6 - Insta salientar que o fato de constar do Regulamento informação acerca do que "não está incluído no prêmio" (item 3.3.4), não representa ônus na entrega do prêmio ao participante vencedor, mas, sim, possui caráter eminentemente informativo, o que, ressalte-se, é dever da organizadora do concurso, mormente considerando a necessidade de divulgação prévia de todo o processo para fins de esclarecimento, transparência, e responsabilidade. Ressalte-se que o objeto do prêmio encontra-se claramente delineado no item 3.1, qual seja, "Uma Viagem para Cidade do México e Cancun com direito a um acompanhante".

7 - Outrossim, no que alude a constar do Regulamento o nome/logotipo das realizadoras do evento, também verifica-se o caráter informativo ao participante do evento, ao qual interessa dispor de informação acerca da companhia aérea (Aeromexico) que será utilizada na viagem objeto do prêmio, o hotel em que ficará hospedado (Hotel Fiesta Americana Reforma e Hotel Fiesta Americana Condesa), o local de reserva das passagens aéreas (Boscovich Turismo), enfim, tudo que se refere à viagem, não descaracterizando tal informe, por si só, o cunho exclusivamente artístico do concurso, tampouco caracterizando caráter propagandístico e publicitário a simples menção, no Regulamento, dos nomes das realizadoras, as quais encontram-se intrinsecamente envolvidas na realização do evento e do prêmio.

8 - Desse modo, demonstrada nos autos a aplicação da exceção prevista no art. 3º, inc. II, da Lei nº 5.768/71, ao concurso veiculado pela empresa autora, não é devida a multa aplicada à apelada.

9 - Apelações não providas.”

(AC 0005704-22.2011.4.03.6100/SP, Rel. Des. Federal NERY JUNIOR, D.E. 03/02/2015)

 

Este último processo, inclusive, é da mesma empresa autora deste feito, e se refere ao concurso idêntico realizado no mês de agosto do mesmo ano, em alusão ao dia dos pais.

Destarte, merece reforma a sentença impugnada para julgar procedente o pedido da autora e anular a multa aplicada pela Caixa Econômica Federal - Centralizadora de Promoções Comerciais, condenando, em decorrência, ambos os réus no reembolso das custas processuais e no pagamento de honorários advocatícios equivalentes a 10% do valor atualizado da causa, devendo cada um deles arcar com a metade dos valores.

Ante o exposto, dou provimento à apelação interposta, nos termos da fundamentação.

É como voto.



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. MULTA APLICADA PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CENTRALIZADORA DE PROMOÇÕES COMERCIAIS. CONCURSO DE CUNHO ARTÍSTICO. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. ART. 3º, INCISO II, DA LEI Nº 5.768/71. REFORMA DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ANULAÇÃO DA MULTA.

1. Controvérsia que se resume em aferir se o concurso realizado pela autora, ora apelante, se enquadrava na regra geral prevista no art. 1º ou na exceção contida no inciso II do art. 3º da Lei 5.768/71.

2. A questão relativa às hipóteses que se enquadram na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei 5.768/71 era dúbia, tanto que a manifestação da própria Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE em seu site, embora proibisse a “mistura de cultura e propaganda”, induzia à interpretação de que a “promoção da marca” não comprometia a característica meramente cultural ou artística do evento, ressaltando, inclusive, que “concursos de obras literárias, cuja única menção ao patrocinador seja seu nome no título ou nas chamadas, são tipicamente culturais”.

3. Foi necessária a edição da Portaria MF 422 em 18 de julho de 2013, para identificar as hipóteses de comprometimento do caráter exclusivamente artístico, cultural, desportivo ou recreativo de concurso destinado à distribuição gratuita de prêmios a que se referem a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e o Decreto nº 70.951, de 9 de agosto de 1972.

4. Considerando que referida norma somente veio a lume em 2013, após o evento objeto da presente demanda, irrazoável penalizar a autora que adotou uma das interpretações possíveis da ambígua nota explicativa da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE acerca do que seria uma promoção exclusivamente artístico/cultural.

5. Apelação provida para julgar procedente o pedido da autora e anular a multa aplicada pela Caixa Econômica Federal - Centralizadora de Promoções Comerciais.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento à apelação interposta, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. O Des. Fed. MARCELO SARAIVA declarou seu impedimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.