Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007501-30.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: AMANDA MENEZES GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: MARCELA GREGGO - SP357653, CARLOS AUGUSTO DE LUCCA BATISTELA - SP335685, HUGO THOMAS DE ARAUJO ALBUQUERQUE - SP335233-A, LUCILEI YASUKO MURAKAMI HASHIZUME - SP158802-A, RONALDO MORAES PETRUITIS - SP138732-A, MARCOS YOSHIO SUEOKA - SP199748-A

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007501-30.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: AMANDA MENEZES GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: MARCELA GREGGO - SP357653, CARLOS AUGUSTO DE LUCCA BATISTELA - SP335685, HUGO THOMAS DE ARAUJO ALBUQUERQUE - SP335233-A, LUCILEI YASUKO MURAKAMI HASHIZUME - SP158802-A, RONALDO MORAES PETRUITIS - SP138732-A, MARCOS YOSHIO SUEOKA - SP199748-A

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

 

Trata-se de embargos de declaração opostos pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – UNIFESP em face de acórdão prolatado por esta C. Turma, que restou assim ementado:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INGRESSO NA UNIVERSIDADE PELO SISTEMA DE COTAS. CRITÉRIO DA AUTODECLARAÇÃO. POSTERIOR INSTAURAÇÃO DE COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACINTE AO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. APELAÇÃO PROVIDA, COM ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA E CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A apelante ingressou no curso de Medicina da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP pelo vestibular de 2017, regido pelo Edital nº 12/2016, via Sistema de Reserva de Vagas (cotas). Por força de denúncia de “fraude de cota racial” encaminhada à Ouvidoria da UNIFESP em 18/02/2019, foi instaurada Comissão para averiguação das supostas irregularidades na ocupação de vagas reservadas por critério étnico-racial – Processo Administrativo nº 23089.102294/2019-02.

2. A Comissão de Heteroidentificação concluiu, por unanimidade, que a apelante é “branca, pois apresenta marcadores fenotípicos compatíveis com a raça branca”. Foram analisados três critérios, em ordem hierárquica de importância: em primeiro lugar o fenótipo, em segundo, a identidade (auto-atribuição e atribuição por outros) e, em terceiro, a ancestralidade étnico-racial (genealogia). Com base no Relatório Final da Comissão de Heteroidentificação, na Lei nº 12.711/2012 e nos itens 3.5 e 10.1 do Edital do Vestibular UNIFESP 2017, a Pró-Reitoria de Graduação determinou o cancelamento da matrícula da estudante.

3. No controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário limita-se à regularidade e legalidade do procedimento, sendo descabido ao Judiciário substituir-se à Comissão de Heteroidentificação e decidir sobre a identidade da apelante. Com efeito, aplica-se ao caso, por identidade de razões, a orientação segundo a qual “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo  das  questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência   de  ilegalidade  ou  de inconstitucionalidade" (STF, RE 632.853, Tema 485 da Repercussão Geral). No mesmo sentido: RMS 62.040/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 27/02/2020.

4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 41/DF, reconheceu a integral constitucionalidade da Lei de Cotas – Lei nº 12.990/2014, bem como dos mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos, pronunciando ser “legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. Portanto, a lei adota o critério da autodeclaração, mas legitima a adoção de critérios subsidiários para confirmar a declaração.

5. No entanto, inexiste qualquer regulamentação sobre esses critérios subsidiários de validação da autodeclaração étnico-racial em nosso ordenamento jurídico, cabendo, pois, ao edital do certame defini-los previamente a fim de possibilitar o controle pelo candidato. A propósito, esta Corte já decidiu que “a falta de previsão em edital do critério fenotípico para aferição da condição étnico-racial e sua posterior regulação como critério estrito, durante o curso, não pode prejudicar a candidata que ingressou na universidade mediante autodeclaração, pelo critério genotípico ou de ascendência, também legítimo, sob pena de violação aos princípios da segurança jurídica e da razoabilidade” (TRF 3ª Região, 3ª Turma,  AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5006874-27.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 24/06/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/06/2019).

6. Na singularidade, o edital do vestibular prevê o critério da autodeclaração (itens 2.1.3; 3.4.1 – “o enquadramento de cor (ou raça) dar-se-á mediante autodeclaração do interessado, conforma classificação adotada pelo IBGE” e 7.2.1, “b”). A despeito das cláusulas que permitem a fiscalização das informações, o edital não contempla previsão de critérios para aferição da condição étnico-racial declarada pelo candidato, sendo manifestamente desarrazoado que, após quase três anos de ingresso da apelante no curso de Medicina, sua matrícula, que foi aceita pela autodeclaração, seja cancelada porque Comissão de Heteroidentificação, não prevista no edital, concluiu que ela é “branca, pois apresenta marcadores fenotípicos compatíveis com a raça branca”.

7. “Se o edital estabelece que a simples declaração habilita o candidato a concorrer nas vagas destinadas a negros e pardos e não fixa os critérios para aferição desta condição, não pode a Administração, posteriormente, sem respaldo legal ou no edital do certame, estabelecer novos critérios ou exigências adicionais, sob pena de afronta ao princípio da vinculação ao edital” (EDcl no AgRg no RMS 47.960/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 15/10/2019).

8. A mera existência de previsão editalícia da possibilidade de se fiscalizar as informações prestadas pelo candidato, desacompanhada da previsão dos critérios a serem adotados para a aferição étnico-racial declarada não permite à Administração inovar nas regras originais do certame e instituir comissão e estabelecer critérios e exigências, sob pena de acinte aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legítima confiança do candidato e da segurança jurídica. Nesse sentido: RMS 54.907/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/04/2018, DJe 18/04/2018.

9. Tendo em vista o valor muito baixo atribuído à causa (R$ 1.000,00), a fim de evitar a fixação de honorários irrisórios, aplica-se ao caso a regra inserta no § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil para condenar a apelada ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 5.000,00, com atualização a partir desta data, nos termos do Manual de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal,  montante adequado à complexidade da causa e a remunerar de forma justa e digna o trabalho desempenhado pelo procurador da apelante.

A embargante sustenta que o acórdão “é contraditório em relação à prova dos autos, visto que comprovada a existência de fraude, mediante ocorrência de denúncia e abertura de processo administrativo regular, conforme se infere da contestação e documentos anexados”.

Aduz que a declaração étnica feita por aluno está sujeita a exame posterior, considerando-se o dever de autotutela da Administração Pública, e que no caso foi realizado criterioso escrutínio por comissão plural, que entendeu que a embargada não contemplava os requisitos para se matricular em vaga destinada a cota étnica, considerando-se como não verdadeira a declaração.

Alega que o acórdão embargado não abordou o tema à luz dos dispositivos constitucionais (CF, arts. 3º e 207) e legais citados (Lei nº 12.711/2012, arts. 1º, 3º e 7º; Decreto nº 7.824/2012, arts. 2º e 9º; Lei nº 9.394/96, art. 51; e Lei nº 9.784/99, art. 53), pugnando pela manifestação expressa da Turma Julgadora sobre eles.

A embargada apresentou resposta (ID nº 152132391).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007501-30.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: AMANDA MENEZES GONCALVES

Advogados do(a) APELANTE: MARCELA GREGGO - SP357653, CARLOS AUGUSTO DE LUCCA BATISTELA - SP335685, HUGO THOMAS DE ARAUJO ALBUQUERQUE - SP335233-A, LUCILEI YASUKO MURAKAMI HASHIZUME - SP158802-A, RONALDO MORAES PETRUITIS - SP138732-A, MARCOS YOSHIO SUEOKA - SP199748-A

APELADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SAO PAULO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

 

As razões veiculadas nos embargos de declaração, a pretexto de sanarem suposto vício no julgado, demonstram, ictu oculi, o inconformismo do recorrente e a pretensão de reforma do julgado, o que é incabível nesta via aclaratória.

Primeiramente, inexiste qualquer contradição a respeito das provas dos autos porque constou expressamente no voto que por força de denúncia de “fraude de cota racial” encaminhada à Ouvidoria da UNIFESP em 18/02/2019 foi instaurada Comissão de Heteroidentificação para averiguação das supostas irregularidades na ocupação de vagas reservadas por critério étnico-racial, que concluiu, por unanimidade, que a apelante é “branca, pois apresenta marcadores fenotípicos compatíveis com a raça branca”.

No entanto, o edital do vestibular previu apenas o critério da autodeclaração e esta Turma Julgadora entendeu que “a despeito das cláusulas que permitem a fiscalização das informações, o edital não contempla previsão de critérios para aferição da condição étnico-racial declarada pelo candidato, sendo manifestamente desarrazoado que, após quase três anos de ingresso da apelante no curso de Medicina, sua matrícula, que foi aceita pela autodeclaração, seja cancelada porque Comissão de Heteroidentificação, não prevista no edital, concluiu que ela é ‘branca, pois apresenta marcadores fenotípicos compatíveis com a raça branca’”.

Restou claro o entendimento desta C. Turma no sentido de que a mera existência de previsão editalícia da possibilidade de se fiscalizar as informações prestadas pelo candidato, desacompanhada da previsão dos critérios a serem adotados para a aferição étnico-racial declarada, não permite à Administração inovar nas regras originais do certame e instituir comissão e estabelecer critérios e exigências, sob pena de acinte aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legítima confiança do candidato e da segurança jurídica.

Destarte, inexiste qualquer vício no acórdão embargado, de modo que se a embargante entende que houve violação ao disposto nos arts. 3º e 207 da Constituição Federal, 1º, 3º e 7º da Lei nº 12.711/2012, arts. 2º e 9º do Decreto nº 7.824/2012, art. 51 da Lei nº 9.394/96 e art. 53 da Lei nº 9.784/99, deve manejar o recurso adequado à obtenção da reforma do julgado.

Enfim, se a decisão embargada não ostenta os vícios que justificariam os aclaratórios previstos no art. 1.022 do CPC, é cabível a multa de 2 % sobre o valor da causa (R$ 1.000,00), a ser devidamente atualizado, conforme já decidido pelo Plenário do STF (destaquei):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. MANIFESTO INTUITO PROTELATÓRIO. MULTA PREVISTA NO ART. 1.026, § 2º, DO CPC/2015. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS.

1. A omissão, contradição, obscuridade ou erro material, quando inocorrentes, tornam inviável a revisão da decisão em sede de embargos de declaração, em face dos estreitos limites do art. 1.022 do CPC/2015.

2. A revisão do julgado, com manifesto caráter infringente, revela-se inadmissível em sede de embargos quando inocorrentes seus requisitos autorizadores. Precedentes: ARE 944537 AgR-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 10/08/2016; ARE 755228 AgR-ED-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 12/08/2016 e RHC 119325 ED, Rel. Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 09/08/2016.

3. A oposição de embargos de declaração com caráter eminentemente protelatório autoriza a imposição de multa, com fundamento no art. 1.026, § 2º, do CPC/2015. 4. Embargos de declaração DESPROVIDOS, com aplicação de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa. (RE 898060 ED, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 28-05-2019 PUBLIC 29-05-2019)

No mesmo sentido registro precedente da Colenda Corte Especial do STJ em EDcl nos EDcl no AgInt nos EAREsp 773.829/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2019, DJe 07/10/2019.

Ante o exposto, conheço dos embargos de declaração e nego-lhes provimento, com imposição de multa.

 É como voto.

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DOS VÍCIOS DO ART. 1.022 DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE DE DESVIRTUAMENTO DOS DECLARATÓRIOS PARA OUTRAS FINALIDADES QUE NÃO A DE APERFEIÇOAMENTO DO JULGADO. RECURSO DESPROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.

1. Inexiste qualquer contradição a respeito das provas dos autos porque constou expressamente no voto que por força de denúncia de “fraude de cota racial” encaminhada à Ouvidoria da UNIFESP em 18/02/2019 foi instaurada Comissão para averiguação das supostas irregularidades na ocupação de vagas reservadas por critério étnico-racial.

2. No entanto, o edital do vestibular previu apenas o critério da autodeclaração e esta Turma Julgadora entendeu que “a despeito das cláusulas que permitem a fiscalização das informações, o edital não contempla previsão de critérios para aferição da condição étnico-racial declarada pelo candidato, sendo manifestamente desarrazoado que, após quase três anos de ingresso da apelante no curso de Medicina, sua matrícula, que foi aceita pela autodeclaração, seja cancelada porque Comissão de Heteroidentificação, não prevista no edital, concluiu que ela é ‘branca, pois apresenta marcadores fenotípicos compatíveis com a raça branca’”.

3. Restou claro o entendimento desta C. Turma no sentido de que a mera existência de previsão editalícia da possibilidade de se fiscalizar as informações prestadas pelo candidato, desacompanhada da previsão dos critérios a serem adotados para a aferição étnico-racial declarada não permite à Administração inovar nas regras originais do certame e instituir comissão e estabelecer critérios e exigências, sob pena de acinte aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legítima confiança do candidato e da segurança jurídica.

4. Destarte, inexiste qualquer vício no acórdão embargado, de modo que se a embargante entende que houve violação ao disposto nos arts. 3º e 207 da Constituição Federal, 1º, 3º e 7º da Lei nº 12.711/2012, arts. 2º e 9º do Decreto nº 7.824/2012, art. 51 da Lei nº 9.394/96 e art. 53 da Lei nº 9.784/99, deve manejar o recurso adequado à obtenção da reforma do julgado.

5. Se a decisão embargada não ostenta os vícios que justificariam os aclaratórios previstos no art. 1.022 do CPC, é cabível a multa de 2 % sobre o valor da causa (R$ 1.000,00), a ser devidamente atualizado, conforme já decidido pelo Plenário do STF.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, conheceu dos embargos de declaração e negou-lhes provimento, com imposição de multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.