APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5030750-78.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: MOHAMMED AMIR UDDIN
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5030750-78.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: MOHAMMED AMIR UDDIN R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, à sentença que concedeu mandado de segurança para processamento do pedido de autorização de residência para fins laborais com base em MEI - microempreendedor individual, independentemente da apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem. Apelou a União, alegando que: (1) o impetrante não é refugiado, mas solicitante de refúgio, cuja situação pende de apreciação pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), não cabendo flexibilização documental, exclusiva aos que ostentam condição já reconhecida de refugiado no país; (2) por não ter sido, ainda, reconhecido como refugiado, aplica-se a legislação sobre estrangeiros; (3) a sentença adotou hipótese de autorização para residência inexistente na Lei de Migração ou respectivo regulamento: “...residência para fins laborais com base em MEI...; (4) a Resolução Conjunta CNIg/CONARE 01/2018 assinala que o pedido de residência para trabalho implica renúncia ao pedido de refúgio, segundo o artigo 4º; e (5) exige dilação probatória a suposta dificuldade de obter certidão de antecedentes criminais no país de origem através da representação diplomática, o que não coaduna com o rito de mandado de segurança. Houve contrarrazões. O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo e da remessa oficial. É o relatório.
DES. FED. ANTONIO CEDENHO: Peço vênia para divergir do Exmo. Relator Des. Fed. Carlos Muta, quando à possibilidade de processamento de pedido de autorização de residência independentemente da apresentação de atestado de antecedentes criminais expedidos pelo país de origem. Dispõe a Lei nº 13.445/17 (Lei de Migração): Art. 30. A residência poderá ser autorizada, mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses: I - a residência tenha como finalidade: (...) e) trabalho; Igualmente, destaca-se: Art. 31. Os prazos e o procedimento da autorização de residência de que trata o art. 30 serão dispostos em regulamento, observado o disposto nesta Lei. (...) § 4º O solicitante de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida fará jus a autorização provisória de residência até a obtenção de resposta ao seu pedido. Com efeito, o tema encontra-se regulamentado pelo Decreto 9.199/17, que exige, para processamento de tal requerimento, a apresentação dos seguintes documentos: Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação: I - requerimento de que conste a identificação, a filiação, a data e o local de nascimento e a indicação de endereço e demais meios de contato; II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte; III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II; IV - comprovante de recolhimento das taxas migratórias, quando aplicável; V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência. § 1º Para fins de instrução de pedido de nova autorização de residência ou de renovação de prazo de autorização de residência, poderá ser apresentado o documento a que se refere o inciso II do caput ou documento emitido por órgão público brasileiro que comprove a identidade do imigrante, mesmo que este tenha data de validade expirada. É consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização das exigências documentais quando o pedido de visto ou autorização de residência tiver como requerente pessoa oriunda de países que notadamente enfrentam crises sociais e humanitárias. Isto porque tais pessoas chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, enfrentando dificuldades financeiras que as impedem de retornar ao país de origem para reunir a documentação necessária, que, muitas vezes, também lhes é sonegada em razão do pedido de refúgio. Nesse sentido: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PARA FINS DE REUNIÃO FAMILIAR. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDA PELO PAÍS DE ORIGEM. LEI 13.445/2017. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o processamento do seu pedido de residência definitiva, com base em reunião familiar, sem a necessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais expedida pelo seu país de origem. 2. Segundo a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), a residência poderá ser autorizada ao imigrante que tenha filho brasileiro com intuito de reunião familiar, sendo exigida pelo Decreto nº 9.199/2017 a apresentação de certidão de antecedente criminal ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde o imigrante tenha residido nos últimos cinco anos. Precedentes. 3. A impetrante, por seu turno, apresentou nestes autos documento expedido pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, comprovando a inexistência de antecedentes criminais em seu nome, cumprindo, assim, a função da certidão exigida pela legislação. 4. Ainda que assim não fosse, exigir que a impetrante retornasse ao seu país de origem para fins de obtenção de certidão de antecedentes criminais é totalmente irrazoável, mormente porque a impetrante não possui recursos financeiros para a viagem ou para contratar prestação de serviço, tanto que é beneficiária da assistência judiciária gratuita e representada nos autos pela Defensoria Pública da União. 5. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5012307-79.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal DENISE APARECIDA AVELAR, julgado em 18/06/2020, Intimação via sistema DATA: 23/06/2020) AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. REUNIÃO FAMILIAR. PROCESSAMENTO SEM A CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. POSSIBILIDADE. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO FEDERAL em face de decisão que, em sede de mandado de segurança, deferiu o pedido liminar para determinar à agravante, ou quem lhe faça as vezes, que processe o pedido de autorização de residência com base em reunião familiar independentemente da apresentação de certidão consular e da certidão de antecedentes criminais emitido no país de origem, salvo a existência de outros óbices técnico-jurídicos. 2. O impetrante, nacional do Congo e solicitante de refúgio, deseja obter autorização de residência com base na reunião familiar, uma vez que têm uma filha brasileira. Para formular o pedido de autorização de residência é necessária a reunião de uma série de documentos, os quais foram devidamente apresentados perante a autoridade policial que, todavia, negou-se a receber e processá-lo em razão da ausência de certidões de antecedentes criminais do país de origem dos impetrantes, com fulcro no artigo 129 do Decreto nº 9.199/17. 3. Contudo, não se mostra razoável impedir a regularização migratória com base em reunião familiar, em virtude da necessidade de apresentação de documento que a parte não conseguirá obter, já que é de se presumir que a parte impetrante não possui qualquer forma de contato com órgãos de representação diplomática de seu país natal e que não é possível, ainda, exigir seu retorno ao país para a obtenção do documento em questão. 4. No caso, deve ser prestigiada a boa-fé do impetrante, possibilitando que se dê início ao processamento do seu pedido de residência, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5027246-94.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 26/05/2020, Intimação via sistema DATA: 29/05/2020) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PARA FINS DE REUNIÃO FAMILIAR. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDA PELO PAÍS DE ORIGEM. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o prosseguimento do registro de autorização de residência com base em reunião familiar, sem a exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitidos por autoridade judicial e legalizada pela embaixada brasileira no Nepal, bem como sem a exigência complementar de tradução para a língua portuguesa. 2. Segundo a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), a residência poderá ser autorizada ao imigrante cônjuge com intuito de reunião familiar, sendo exigida pelo Decreto nº 9.199/2017 a apresentação de certidão de antecedente criminal ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde o imigrante tenha residido nos últimos cinco anos. 3. Conquanto o ato normativo estabeleça que o documento deva ser emitido por autoridade judicial, no caso em apreço, a impetrante apresentou documento expedido pelo Departamento de Investigação Criminal do Ministério do Interior do Nepal (ID 89095870 - Pág. 8), o qual é suficiente para comprovar a inexistência de antecedentes criminais, cumprindo, assim, a função da certidão exigida pela legislação. 4. Além disso, a legislação não faz qualquer exigência relativa à tradução do documento para a língua portuguesa ou à validação do mesmo pela embaixada brasileira do país de origem do estrangeiro. 5. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5026842-13.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 06/02/2020, Intimação via sistema DATA: 12/02/2020) DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PERMANENTE. ESTRANGEIRA SOLICITANTE DE REFÚGIO E COM PROLE BRASILEIRA. DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM E DE PASSAPORTE VÁLIDO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Discute-se no presente recurso sobre a existência ou não de direito líquido e certo à desnecessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e do passaporte válido para o processamento de pedido de residência permanente, fundada na reunião familiar ou em acolhida humanitária. 2. Consoante o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público". 3. Dessa forma, o mandado de segurança configura ação constitucional que visa a proteger o titular de direito líquido e certo, lesado ou sob ameaça de lesão, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, em casos de ilegalidade ou abuso de poder, por conduta comissiva ou omissiva. 4. Anota-se que o mandado de segurança é via processual adequada para a agravada manifestar a irresignação em apreço, tendo em vista a potencial violação ao direito de regularização migratória. 5. Importa frisar que o Estatuto dos Refugiados (Convenção da ONU de 1951) prevê a flexibilização das exigências documentais e regras procedimentais, diante das condições especiais dos refugiados, que se apresentam em situação de urgência ante a fuga do país de origem. O mesmo tratamento foi conferido pelos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.474/1997. 6. O art. 20 da Lei de Migração - Lei nº 13.445/2017 prevê a flexibilização documental para a identificação civil do solicitante de refúgio. 7. Na hipótese dos autos, a agravada, solicitante de refúgio com prole brasileira, veio ao país em busca de condições mínimas de sobrevivência, diante da persistente crise social e humanitária no Haiti, seu país de origem. Assim, cabível afastar a exigência de documentos que não possui a agravada condições de obter em decorrência da grave situação política do país de origem. 8. Com efeito, exigir da impetrante, ora agravada, a apresentação de documentação que não possui condições de obter, significa obstar a possibilidade de regularização da sua situação migratória. 9. Negar à impetrante o processe o processamento do pedido de autorização de residência com base em reunião familiar somente por impossibilidade de apresentação de documentos que não podem ser obtidos caracteriza violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 10. Considerando-se as especificidades do caso concreto, não se aplica, à agravada, a exigência trazida no art. 129, inciso V, do Decreto nº 9.199/2017, qual seja, apresentação de “certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos”. 11. De outro giro, verifica-se que a função precípua da apresentação do passaporte para regularização migratória é identificar o portador e conferir se, de fato, trata-se da mesma pessoa que teve autorizada a sua permanência no país. 12. Nesse contexto, é de pouca relevância que o documento de viagem esteja fora do prazo de validade previsto pelo Estado emissor, desde que não seja desatualizado, tendo em vista que os dados concernentes à identidade do portador, tais como nome, local e data de nascimento, gênero e nacionalidade, em regra, apenas são repetidos no novo passaporte, cuja diferença será somente o novo número de identificação e a nova data de validade. 13. Agravo de instrumento não provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5015457-98.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 03/10/2019, Intimação via sistema DATA: 09/10/2019) Pondera-se também que a rigidez burocrática procedimental deve ser mitigada considerando-se que a regularização migratória é de interesse primordial da própria Administração Pública e representa condição essencial para que estrangeiros possa usufruir de seus direitos fundamentais no exercício da vida civil no Brasil. No caso dos autos, tratando-se de impetrante nacional de Bangladesh, solicitante de refúgio, aplica-se, por equiparação, a dispensa prevista na Portaria Interministerial nº 11, de 04 de maio de 2018, para os casos de pedidos de naturalização. Verbis: Art. 55 - Os refugiados, asilados políticos e apátridas requerentes de naturalização ficam dispensados de apresentar os seguintes documentos constantes dos Anexos a esta Portaria: I - atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem, legalizado junto à repartição consular brasileira e traduzido por tradutor público, no Brasil, previstos nos Anexos I e II; e II - certidão ou inscrição consular, emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome do interessado e de seus genitores, prevista nos Anexos I, II, III, IV e V. Ante o exposto, divirjo do Exmo. Relator Des. Fed. Carlos Muta para negar provimento à apelação e à remessa oficial.
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V O T O
Senhores Desembargadores, consta dos autos que o impetrante ingressou em território brasileiro e protocolou pedido administrativo de refúgio, ainda em curso. Cabe anotar que tal requerimento garante ao solicitante e respectivo grupo familiar a estada regular em território nacional até decisão final do processo, mediante "autorização provisória de residência" (artigos 21 da Lei 9.474/1997, 31, § 4º da Lei 136445/2017 e 156, §§ 3º e 4º, do Decreto 9.199/2017).
Pretende-se, porém, sem aguardar o término do procedimento, garantir permanência definitiva no país por outro expediente, específico para tanto, porém com mitigação documental para comprovação de requisitos legais, invocando a condição excepcional de refugiado.
A condição de refugiado exige comprovação, em procedimento próprio, de circunstâncias necessárias para que se possa atribuir especial tratamento ao estrangeiro, estando, quanto ao impetrante, pendentes as averiguações pertinentes.
O reconhecimento do status de refugiado deve observar o procedimento específico para que, ao final, se tenha os benefícios próprios da condição. O pedido de residência permanente não se dirige aos refugiados, mas aos demais estrangeiros em geral. Aqueles que pleiteiam a condição legal de refugiado têm, porém, assegurado o direito de permanência provisória enquanto se processa o pedido de refúgio, a demonstrar que não cabe discutir o mesmo direito em dupla via procedimental.
De fato, a propositura de outro requerimento, objetivando autorização de residência, com aplicação de regime mitigado de apuração dos requisitos legais, além de violar o devido processo legal e a isonomia com outros estrangeiros, não se justifica diante da tramitação de pedido anterior de refúgio, no qual assegurada a residência provisória desde logo até que seja decidido o expediente específico.
Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente sem a observância das exigências próprias.
O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio.
Ainda que eventualmente seja mais demorado o deferimento do pedido de refúgio, em razão da sua própria natureza, não pode ser aplicado a outros procedimentos o tratamento específico outorgado a quem pleiteia o direito ao reconhecimento da condição de refugiado. A cada pedido ou situação, conforme definido em lei, aplica-se o respectivo processo, procedimento ou rito previamente estabelecido.
É o que se pode extrair do discutido no seguinte precedente da Turma:
ApReeNec 0024651-51.2016.4.03.6100, Rel. Juíza Federal Convocada LEILA PAIVA, intimação via sistema 14/02/2020: “PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - ESTRANGEIRO - AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA - REUNIÃO FAMILIAR - DOCUMENTOS. 1. A apelante afirma a viabilidade de flexibilização das exigências documentais, com relação aos requerentes de refúgio. 2. A análise judicial da concessão de vistos limita-se à verificação da legalidade dos procedimentos. O Judiciário não pode adentrar ao mérito. 3. O Regulamento indica os documentos necessários para o processamento dos pedidos de autorização de residência. Autoriza, inclusive e em certos casos, a substituição por documentos nacionais (artigo 129, § 1º). 4. Não há prova de qualquer ilegalidade no procedimento. 5. Apelação improvida.”
Em suma, não se trata de negar ao impetrante a condição de refugiado e impor solução incompatível com tal status, até porque pendente o exame definitivo do processo respectivo perante o órgão competente, sem embargo de ter sido já conferido, provisoriamente, ao interessado o tratamento legal e administrativo próprio, assegurando, assim, residência provisória, dentre outros direitos, até ultimação da análise da autoridade competente.
Também não se cogita, na espécie, de apátrida – “pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002 , ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro” (artigo 1º, § 1º, VI, da Lei 13.445/2017), para efeito de garantir flexibilização documental no pedido de regularização migratória.
Sobre a admissão de estrangeiro para trabalho em território nacional, a Lei 13.445/2017 contemplou o visto temporário e a autorização de residência (artigo 14, I, e, e 30, I, e, e II, b), dispondo, de específico, apenas que deve ser "facilitada a autorização de residência" para trabalho, deliberando-se sobre o pedido em até 60 dias da solicitação, observados prazos e procedimentos previstos em regulamento (artigo 31).
A Lei 13.445/2017 e o Decreto 9.199/2017 fixaram disciplina própria no sentido de definir que tipo de trabalho e em que condições pode o estrangeiro, para tal finalidade, ser admitido a residir no território nacional.
Neste sentido, estabeleceu o artigo 14, § 5º, da Lei 13.445/2017 que o estrangeiro pode residir no país para exercer "atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de trabalho formalizada por pessoa jurídica em atividade no País, dispensada esta exigência se o imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente".
No caso de visto temporário para trabalho, o artigo 38 do Decreto 9.199/2017 tratou da exigência de comprovação de oferta de trabalho no país, tipo de contratação, atividades que podem ser exercidas sem vínculo empregatício, entre outras providências. Em relação à autorização de residência, o artigo 147 do Decreto 9.199/2017 seguiu na mesma linha de normatização prevista para o visto temporário.
A regulamentação específica da residência para trabalho de estrangeiro em território nacional apenas acresceu exigências, não dispensando, porém, as comprovações gerais previstas para o pedido de autorização de residência que, segundo regulamentado, são as seguintes:
“Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:
I - requerimento de que conste a identificação, a filiação, a data e o local de nascimento e a indicação de endereço e demais meios de contato;
II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte;
III - documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II;
IV - comprovante de recolhimento das taxas migratórias, quando aplicável;
V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e
VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência.
§ 1º Para fins de instrução de pedido de nova autorização de residência ou de renovação de prazo de autorização de residência, poderá ser apresentado o documento a que se refere o inciso II do caput ou documento emitido por órgão público brasileiro que comprove a identidade do imigrante, mesmo que este tenha data de validade expirada.
§ 2º A legalização e a tradução de que tratam o inciso III do caput poderão ser dispensadas se assim disposto em tratados de que o País seja parte.
§ 3º A tramitação de pedido de autorização de residência ficará condicionada ao pagamento das multas aplicadas com fundamento no disposto neste Decreto.” (g.n.)
Para que seja apreciado regularmente o pedido de residência de estrangeiro, este deve instruir o requerimento com toda a documentação prevista na legislação, não existindo direito líquido e certo a subtrair do Estado, no exercício de ato de soberania nacional, que envolve a decisão de autorização de residência de estrangeiros em território nacional, o exame de fatos, circunstâncias ou condições relevantes à apreciação do mérito da pretensão, mediante a comprovação documental necessária.
A alegação do impetrante de que não possui meios financeiros para deslocar-se até a representação diplomática em Brasília para solicitar certidões de antecedentes ou consulares e que correria risco em expor-se a tal situação não autoriza, porém, o descumprimento da legislação, ainda que tivessem sido provadas as narrativas.
As situações de comprovada hipossuficiência do estrangeiro devem ser tratadas no sentido de que se obtenha, pelos meios próprios, a documentação necessária, não cabendo, porém, ao Judiciário dispensar requisito da legislação a tal pretexto, de modo a instituir regime jurídico diferenciado entre estrangeiros em razão da condição econômica ou social, sem previsão legal neste sentido. No direito pátrio, a hipossuficiência não exime a parte de juntar documentos necessários à instrução de pedidos administrativos ou judiciais, mas apenas permite gratuidade na respectiva emissão, entre outras situações, sempre de acordo e conforme previsto na legislação.
Quanto ao temor aventado genericamente, importa registrar que se o estrangeiro é perseguido no país de origem a situação respectiva deve ser tratada no âmbito do refúgio e, no caso, houve pedido neste sentido ainda em tramitação perante os órgãos competentes, assegurando, enquanto na pendência do exame, residência provisória ao estrangeiro e família, razão pela qual não se justifica cogitar de mitigação documental nem de descumprimento da legislação reguladora da autorização de residência.
Não existe, portanto, direito líquido e certo a ser amparado, no caso dos autos.
Ante o exposto, dou provimento à apelação e à remessa oficial.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM. MITIGAÇÃO DA RIGIDEZ PROCEDIMENTAL. SOLICITANTE DE REFÚGIO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS.
1. A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade de processamento de pedido de autorização de residência, independentemente da apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem.
2. É consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização das exigências documentais quando o pedido de visto ou autorização de residência tiver como requerente pessoa oriunda de países que notadamente enfrentam crises sociais e humanitárias. Isto porque tais pessoas chegam ao Brasil em busca de melhores condições de vida, enfrentando dificuldades financeiras que as impedem de retornar ao país de origem para reunir a documentação necessária, que, muitas vezes, também lhes é sonegada em razão do pedido de refúgio.
3. Pondera-se também que a rigidez burocrática procedimental deve ser mitigada, considerando-se que a regularização migratória é de interesse primordial da própria Administração Pública e representa condição essencial para que estrangeiros possam usufruir de seus direitos fundamentais no exercício da vida civil no Brasil.
4. No caso dos autos, tratando-se de impetrante nacional de Bangladesh, solicitante de refúgio, cabível a dispensa de apresentação de atestado de antecedentes criminais pelo país de origem, à semelhança do que prevê a Portaria Interministerial nº 11, de 04 de maio de 2018, para os casos de pedidos de naturalização.
5. Apelação e remessa oficial desprovidas.