APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016285-37.2017.4.03.6181
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: YUNLI WANG
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016285-37.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: YUNLI WANG OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos por YUNLI WANG (ID 156375041), por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), em face do acórdão da Décima Primeira Turma (ID 155533309) que, por unanimidade, deu provimento à apelação da acusação para condenar a ré à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 334, § 1º, III, do Código Penal, sendo essa pena substituída por uma pena restritiva de direitos, nos termos da fundamentação supra. A ementa do acórdão é a seguinte: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Esperar que, numa apreensão, haja coincidência entre o locatário (ou sublocatário) e a pessoa que está no local no dia da fiscalização não é razoável e poderia levar à total impunidade para crimes dessa natureza e nessa forma de execução. A sublocação se fez para que as mercadorias apreendidas pudessem ser expostas à venda. 2. Dosimetria da pena. Pena-base fixada no mínimo legal. Não reconhecimento de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Inexistência de causas de aumento ou de diminuição da pena. 3. Regime inicial aberto. Substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos. 4. Apelação provida. A embargante alega que há omissão no acórdão em relação às alterações legislativas trazidas pela Lei nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), especialmente o art. 28-A do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal (ANPP). Também afirma que o acórdão foi omisso ao fixar a pena de prestação pecuniária acima do mínimo legal, em 10 (dez) salários mínimos, uma vez esse valor foi fixado sem nenhuma fundamentação idônea a justificar o quantum aplicado, em manifesta ofensa ao princípio da motivação das decisões judiciais (ID 156375041). A Procuradoria Regional da República (ID 160300546) manifestou-se pelo parcial provimento dos embargos de declaração, apenas para que seja suprida a omissão quanto aos motivos que levaram a fixação do valor da prestação pecuniária, sem alteração do julgado. É o relatório.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016285-37.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: YUNLI WANG OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O art. 619 do Código de Processo Penal admite embargos de declaração quando, no acórdão, houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Omissão diz respeito à ausência de manifestação sobre tema, de fato ou de direito, que deveria ter se pronunciado o órgão julgador, por provocação da parte ou mesmo que devesse conhecer de ofício. Não é o caso. A embargante pretende seja analisada e oferecida proposta de acordo de não persecução penal (ANPP), com base na Lei nº 13.964/2019, sob o argumento de omissão a ser sanada por este Tribunal em virtude da necessidade da aplicação do art. 28-A do Código de Processo Penal. Para tanto, afirma que as condições objetivas para o acordo estariam presentes, na medida em que a ré é primária, sem antecedentes, a pena aplicada foi inferior a 4 (quatro) anos, a infração foi cometida sem violência ou grave ameaça e não há necessidade de requerimento de aplicação do art. 28-A do Código de Processo Penal antes da sessão de julgamento, inclusive por ter sido a mesma foi absolvida em primeiro grau. Sem razão, contudo. Registre-se, em primeiro lugar, que a Procuradoria Regional da República (ID 160300546) se manifestou pelo descabimento da aplicação do novo instituto, ao argumento de que o ANPP foi criado para ser proposto, caso o Ministério Público assim o entender, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia, e não nos casos, como o sub examine, em que o entendimento perfilhado na sentença, pela absolvição da embargante, foi reformado pelo acórdão embargado. O ANPP não é cabível para fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019 depois que houve o recebimento da denúncia, sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF): Direito penal e processual penal. Agravo regimental em habeas corpus. Acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP). Retroatividade até o recebimento da denúncia. 1. A Lei nº 13.964/2019, no ponto em que institui o acordo de não persecução penal (ANPP), é considerada lei penal de natureza híbrida, admitindo conformação entre a retroatividade penal benéfica e o tempus regit actum. 2. O ANPP se esgota na etapa pré-processual, sobretudo porque a consequência da sua recusa, sua não homologação ou seu descumprimento é inaugurar a fase de oferecimento e de recebimento da denúncia. 3. O recebimento da denúncia encerra a etapa pré-processual, devendo ser considerados válidos os atos praticados em conformidade com a lei então vigente. Dessa forma, a retroatividade penal benéfica incide para permitir que o ANPP seja viabilizado a fatos anteriores à Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia. 4. Na hipótese concreta, ao tempo da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, havia sentença penal condenatória e sua confirmação em sede recursal, o que inviabiliza restaurar fase da persecução penal já encerrada para admitir-se o ANPP. 5. Agravo regimental a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: "o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia". (HC 191.464/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 11.11.2020, DJe-280, Publicação 26.11.2020) Nessa mesma linha de entendimento já vinha julgando o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. PECULIARIDADE DO CASO. RECONHECIMENTO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. Segundo o § 1º do art. 28-A do Código de Processo Penal, para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. 2. Para serem consideradas as causas de aumento e diminuição, para aplicação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), essas devem estar descritas na denúncia, que, no presente caso, inocorreu, não sendo possível considerar, no cálculo da pena mínima cominada ao crime imputado ao acusado, a causa de diminuição reconhecida apenas quando do julgamento do recurso especial. No caso do delito de tráfico, far-se-á necessário o curso da ação penal, em regra, para aferir os requisitos previstos no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, o que obsta a aplicação do benefício, que decorre, inclusive do tratamento constitucional e da lei que são rigorosos na repressão contra o tráfico de drogas, crime grave, que assola o país, merecendo um maior rigor estatal. 3. Mostra-se incompatível com o propósito do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) quando já recebida a denúncia e já encerrada a prestação jurisdicional na instância ordinária, com a condenação do acusado, cuja causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei de drogas fora reconhecida somente neste STJ, com a manutenção da condenação. 4. embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1.635.787/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 04.08.2020, DJe 13.08.2020) Portanto, não há omissão no acórdão, pois, no caso examinado, já houve recebimento da denúncia e, embora tenha ocorrido a absolvição pelo juízo a quo, a mesma foi reformada em segundo grau de jurisdição, o que torna impossível a aplicação do benefício. Quanto à fixação da pena de prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade no valor de 10 (dez) salários mínimos, reconheço a omissão apontada. Na verdade, houve um equívoco na fixação do quantum. Sendo a embargante pessoa com poucas condições financeiras, tanto que é representada pela Defensoria Pública da União, o montante fixado era no mínimo legal, ou seja, um salário mínimo, mas, por equívoco, ora reconhecido, constou valor maior. Posto isso, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração para, atribuindo-lhes caráter infringente, fixar o valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade em 1 (um) salário mínimo, nos termos da fundamentação supra. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
1. O ANPP não é cabível para fatos anteriores ao início da vigência da Lei nº 13.964/2019 depois que houve o recebimento da denúncia. Jurisprudência do STF e do STJ. Omissão inexistente.
2. Valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade corrigido para 1 (um) salário mínimo. Omissão suprida.
3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.