Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029889-30.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: IVA DA SILVA SOUZA

Advogados do(a) APELADO: RENATA RUIZ RODRIGUES - SP220690-N, GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029889-30.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: IVA DA SILVA SOUZA

Advogados do(a) APELADO: RENATA RUIZ RODRIGUES - SP220690-N, GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

 

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez a trabalhador rural, desde a data do requerimento administrativo (8/6/2018).

O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício de aposentadoria por invalidez, a partir do requerimento administrativo. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela.

O INSS apela, requerendo, preliminarmente, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e, no mérito, a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5029889-30.2021.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: IVA DA SILVA SOUZA

Advogados do(a) APELADO: RENATA RUIZ RODRIGUES - SP220690-N, GEANDRA CRISTINA ALVES PEREIRA - SP194142-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

­V O T O

 

 

Requer o INSS, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.

Não lhe assiste razão.

A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não se coloca na hipótese dos autos.

A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória”.

Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art. 995, parágrafo único).

Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o benefício previdenciário é considerado verba alimentar.

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

 

DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL

Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, quando exigida.

O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.

Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 1.º/3/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/6/2012).

Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor da aposentadoria por invalidez porventura concedida.

No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11, inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de forma descontínua, é qualificado como empregado.

Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa INSS/DC nº 118, de 14/4/2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o trabalhador volante.

Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado.

Em tal sentido, a interpretação do § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal.

Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses.

Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”

 

"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

 

DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADOR RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO) (INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE)

Para comprovar a sua condição de segurado e o labor rural no período correspondente ao da carência, a parte autora acostou cópias: (1) de sua CTPS, na qual constam registros como trabalhador rural, em estabelecimentos agropecuários, de 30/5/1980 a 30/9/1986, e com início em 1.º/10/1986 (Id. 151630611); e (2) de extrato do INSS, em que consta que recebeu benefício de amparo social à pessoa portadora de deficiência, de 23/9/1996 a 1.º/4/2018, cessado pelo motivo “28 CONSTAT. IRREG./ERRO ADMIN” (Id. 151630612).

Acostada pelo INSS, consulta a dados extraídos do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) que registra vínculos como “empregado”, de 1.º/10/1986 a 11/4/1992, de 28/4/1992 a 30/4/1995, de 1.º/05/1995 a 11/9/1995; assim como o recebimento de auxílio-doença previdenciário (NB 564442410) de 26/1/1993 a 18/2/1993, (NB 564461750) de 4/8/1993 a 15/12/1993, e (NB 564471097) de 26/1/1994 a 28/2/1994, e de pensão por morte previdenciária (NB 1862879874) com início em 23/5/2018 (Id. 151630641 e 151630642).

Em audiência de instrução, debates e julgamento, realizada na data de 18/12/2019 (Id. 151630655), foram colhidos os depoimentos das testemunhas João Domingos de Jesus e Egas Ferreira (gravados em arquivo digital, informado na Certidão de Id. 152030938), assim analisados pela sentença:

 

“[...]

Cumpre anotar que o início de prova material exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91 não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.

Nesses termos, vislumbra-se que a parte autora apresentou documentos escritos (fls. 09), demonstrando ser trabalhadora rural, havendo, de conseguinte, início de prova material.

Demais disso, as testemunhas ouvidas sob o crivo do contraditório (cf. termo de audiência) comprovaram o lapso temporal de serviço rural necessário para a concessão do benefício pleiteado. Os testemunhos colhidos foram coerentes e seguros, indicando que a parte autora sempre foi trabalhadora rural, advindo deste fato, a sua condição de segurada da Previdência Social.”

 

É inconteste o valor probatório dos documentos e dos testemunhos apresentados, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora à época dos fatos que se pretende comprovar.

Assim, tornam-se desnecessárias maiores considerações a respeito desse requisito, restando demonstrada a inocorrência da perda da qualidade de segurado, nos termos do art. 15, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, e tendo em vista o ajuizamento da ação em 14/8/2018.

No concernente à incapacidade, o perito judicial apresentou as seguintes considerações e respostas aos quesitos (Id. 134952892):

 

“De acordo com a anamnese, exame físico e a análise dos documentos médicos e exames apresentados e os contidos nos autos, o Sr. Ivá é portador de:

a)- Osteoartrose – CID 10: M.15.0 - É uma doença crônica que acomete as articulações sinoviais, principalmente as submetidas à carga, caracterizando-se basicamente por alterações degenerativas da cartilagem articular e reação óssea hipertrófica secundária. A principal queixa é a dor do tipo mecânico, ou seja, dor à movimentação, principalmente ao iniciar o movimento, melhorando com o repouso. As articulações mais envolvidas são os joelhos, coluna vertebral, articulações coxofemorais e calcanhar. Atualmente a degeneração das cartilagens das articulações, caracterizando a osteoartrose, provoca dores na coluna vertebral.

b)- Sequela de acidente vascular cerebral – AVC - CID 10: I.63.3 - O acidente vascular cerebral, ou derrame cerebral, ocorre quando há um entupimento ou o rompimento dos vasos que levam sangue ao cérebro provocando a paralisia da área cerebral que ficou sem circulação sanguínea adequada. Informou que o episódio do AVC foi 1996. Atualmente apresenta limitação dos movimentos de flexão da coluna vertebral; discreta diminuição da força muscular e discreta limitação dos movimentos do membro superior direito.

c)- Coronariopatia obstrutiva - CID 10: I.25 - A gênese da lesão aterosclerótica da artéria coronária é um assunto controverso e complexo, e vários fatores de risco têm sido associados com o seu desenvolvimento. Os fatores de risco são capazes de lesar o endotélio vascular causando disfunção endotelial. Em relação a doença cardíaca específica, oito fatores de risco foram selecionados: o tabagismo, o consumo de álcool, nutrição, inatividade física, obesidade, pressão arterial elevada, glicemia elevada e níveis elevados de lipídios sanguíneos, que são passíveis de intervenção. Independente da etiologia e patogenia do processo aterosclerótico, o resultado final são placas que causam estreitamento luminal da árvore arterial coronária e, muitas vezes um trombo que causa estreitamento adicional e frequente oclusão total. Abaixo de certo nível crítico de fluxo sanguíneo, as células miocárdicas desenvolvem a lesão isquêmica, que quando grave é prolongada, o dano é irreversível, isto é, o infarto agudo do miocárdio (IAM) ocorre. A aterosclerose pode promover a isquemia, que é uma condição de privação de oxigênio acompanhada pela remoção inadequada dos metabólitos consequente a redução da perfusão, ou seja, um desequilíbrio entre o suprimento e a demanda miocárdica, podendo ser manifestada clinicamente como um desconforto anginoso A angina pectoris é o equivalente clínico de isquemia miocárdica. A dor torácica precordial isquêmica ocorre tipicamente numa situação de maior consumo de oxigênio, tal como ocorre nos exercícios e em situações de taquicardia, ou decorrente de diminuição de oferta como a obstrução relacionada com o estreitamento da luz arterial por aterosclerose. A dor anginosa caracteriza-se pela ocorrência de algia ou desconforto na região precordial ou retroesternal, descrita como sensação de peso ou de pressão sobre o esterno. Esta pode irradiar-se para o membro superior esquerdo, ombro, face interna do braço, mandíbula, pescoço, costelas e dentes. Teve um episódio de infarto do miocárdio no dia 16 de abril de 2017. Cinecoronariografia realizada em 19 de abril de 2017 (fls. 10 dos autos e anexo) relata doença coronária obstrutiva tri-arterial e ventrículo esquerdo com déficit moderado da contração global. Atestado médico emitido em 25 de maio de 2018 (fls.11 dos autos e anexo) relata a patologia. Atualmente os sinais e sintomas estão parcialmente controlados com o uso de medicamentos. Dispneia aos esforços físicos.

d)- Hipertensão arterial – CID 10: I.10 - A hipertensão arterial afeta o coração e todos os órgãos do sistema cardiovascular. Desde que bem controlada com dieta e medicamentos, não há restrições físicas ou mentais.”

[...]

De acordo com a anamnese, exame físico e a análise dos documentos médicos e exames apresentados e os contidos nos autos é possível que a incapacidade laboral seja desde setembro de 1996.

[...]

De acordo com a anamnese, exame físico e análise dos documentos médicos e exames apresentados, atualmente, a incapacidade é total e permanente.”

 

Neste caso, restou demonstrado que a parte autora detinha a qualidade de segurada especial, quando ficou incapacitada para o trabalho, sendo o conjunto probatório suficiente para a concessão de aposentadoria por invalidez, a partir do requerimento administrativo.

De rigor, portanto, a manutenção da sentença.

Posto isso, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.

- Prevalência da regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, porquanto não configuradas as hipóteses do § 1.º do mesmo dispositivo legal.

- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses em que exigida.

- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.

- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.

- Constatada pela perícia médica a incapacidade laborativa, correta a concessão do benefício.

- Reconhecimento da procedência do pedido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.