APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022387-33.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MANOEL GOMES DE SIQUEIRA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO CARRIEL DE PAULA - SP323451-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022387-33.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MANOEL GOMES DE SIQUEIRA Advogado do(a) APELADO: PEDRO CARRIEL DE PAULA - SP323451-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora): Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra r. decisão proferida em demanda previdenciária, não submetida ao reexame necessário, que julgou procedente o pedido de pensão por morte pleiteado por Manoel Gomes de Siqueira, em face do falecimento de sua companheira. Não concedida a tutela antecipatória. A autarquia federal sustenta, em síntese, que o autor não faz jus à pensão pleiteada por não ter comprovado, mediante prova material, a existência de união estável com a falecida na oportunidade do passamento. Com contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte Regional. É o relatório. cf
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022387-33.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 32 - JUÍZA CONVOCADA LEILA PAIVA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MANOEL GOMES DE SIQUEIRA Advogado do(a) APELADO: PEDRO CARRIEL DE PAULA - SP323451-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Senhora Juíza Federal convocada Leila Paiva (Relatora): Da remessa oficial A sentença foi publicada na vigência do CPC de 2015 (após 18/03/2016), razão pela qual aplica-se o Enunciado Administrativo nº 3, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: " Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC". Depreende-se do artigo 496, inciso I, § 3º, inciso I, que apenas as causas cuja condenação alcançar 1.000 (mil) salários mínimos devem ser submetidas à remessa necessária. Não se desconhece que, sob a égide do CPC de 1973, o C. STJ cristalizou o entendimento no sentido de que era obrigatória a remessa necessária na hipótese de sentença ilíquida contra a União e suas autarquias, inclusive o INSS, conforme o precedente emanado do julgamento do Recurso Especial nº 1.101.727/PR, sob a técnica dos repetitivos (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, j. 04/11/2009). Tendo, inclusive, editado a Súmula 490 que estabelece que: "A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas" (STJ, Corte Especial, j. 28/06/2012). Verifica-se, entretanto, que o C. STJ, aplicando a técnica do overrinding, em homenagem à redação do artigo 496, inciso I, § 3º, inciso I, do CPC de 2015, revisitou o tema anteriormente professado no Recurso Especial nº 1.101.727/PR, quanto às demandas previdenciárias, considerando que as condenações nesses casos, ainda que ilíquidas, regra geral não superam o valor de 1.000 (mil) salários mínimos, concluindo, assim, pela dispensa da remessa necessária. Precedentes: STJ, REsp 1844937/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019; TRF 3ª Região, 9ª Turma, Remessa Necessária Cível - 6078868-74.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, j. 02/04/2020. Nesse diapasão, ainda que aparentemente ilíquida a sentença, resta evidente que a condenação ou o proveito econômico pretendido pela parte autora não excede o novo valor de alçada do CPC de 2015, consistente em mil salários mínimos. Assim sendo, não conheço da remessa oficial. DA PENSÃO POR MORTE A pensão por morte é benefício previdenciário assegurado pelo artigo 201, inciso V, da Constituição da República, consistente em prestação de pagamento continuado. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento. Do óbito O óbito da Sra. Maria Pastora dos Santos Melo ocorreu em 17/05/2014 (ID 90578630 – p. 14). Assim, em atenção ao princípio tempus regit actum, previsto na súmula 340 do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a pensão por morte reger-se-á pela lei vigente na data do falecimento, aplicando-se ao caso as normas dos artigos 16, 26, e 74 a 79, da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, com a redação em vigor na data do falecimento. Da qualidade de segurada A concessão do benefício requer a demonstração da qualidade de segurado ou o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria, na forma do artigo 102 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991, bem como do teor da súmula 416 do C. STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito”. (STJ, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009). Na hipótese, a qualidade de segurada restou comprovada eis que a falecida era aposentada por idade desde 01/06/2006 (ID 90578630 – p. 37). Da dependência econômica A qualidade de companheiro pressupõe a existência de união estável. A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º da CF) e seus parâmetros estão previstos no artigo 1.723 do Código Civil, que assim dispõe: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Desse modo, a identificação do momento preciso em que se configura a união estável, deve se examinar a presença cumulativa dos requisitos de convivência pública (união não oculta da sociedade), de continuidade (ausência de interrupções), de durabilidade e a presença do objetivo de estabelecer família, nas perspectivas subjetiva (tratamento familiar entre os próprios companheiros) e objetiva (reconhecimento social acerca da existência do ente familiar). Com relação à previdência, o artigo 16, I e § 4º, da Lei nº 8.213/91, estabelece o companheiro como beneficiário do segurado, cuja dependência econômica é presumida. Assim, a comprovação da qualidade de companheiro da falecida na data do óbito é o suficiente para legitimá-lo ao recebimento da pensão por morte, sendo irrelevante a prova da dependência econômica dele. É esse o entendimento do Tribunal da Cidadania: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO À COMPANHEIRA DO FALECIDO. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES DO STJ. (...) 2. Outrossim, extrai-se do acórdão objurgado que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do STJ de que a existência de união estável faz presumir à companheira sua dependência econômica quanto ao falecido, legitimando-a à percepção de pensão por morte. (g. m.) 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1678887/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 09/10/2017) No mesmo sentido, confira-se o julgado desta E. 9ª. Turma: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. CORREÇÃO MONETÁRIA. (...) - A dependência econômica da companheira é presumida, consoante o disposto no art. 16, § 4º, da Lei n. 8.213/1991, mas a existência da união estável deve ser comprovada. (g. m.) - Conjunto probatório apto a demonstrar a existência de união estável na ocasião do óbito. É devido o benefício. (...) (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5019872-39.2018.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 04/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/06/2020) DO CASO DOS AUTOS O autor sustenta que conviveu em união estável com a de cujus por cerca de 27 (vinte e sete) anos, que perdurou até o passamento. Inexiste prova material da referida união. Todavia, destaco o entendimento do C. Tribunal da Cidadania quanto ao fato de, para fins previdenciários, a comprovação da união estável poder ser realizada exclusivamente mediante a prova testemunhal, em razão de o julgador não poder criar restrições não impostas pela lei. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DESNECESSIDADE DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. 1. Em nenhum momento a legislação previdenciária impôs restrições à comprovação da união estável entre o homem e a mulher mediante início de prova material; pelo contrário, deixou ao arbítrio do julgador a análise de todas as provas legais que pudessem formar a sua convicção acerca da existência da vida em comum entre os companheiros. 2. O STJ entende pela não exigência de início de prova material para comprovação da união estável, para fins de obtenção do benefício de pensão por morte, uma vez que não cabe ao julgador restringir quando a legislação assim não o fez. Nesse sentido: REsp 778.384/GO, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ 18/9/2006; AgRg no REsp 1184839/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 31/5/2010. 3. Recurso Especial provido. (REsp 1804381/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 01/07/2019) PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem indeferiu o pedido de pensão por morte, porquanto não ficou comprovada a condição de dependente da autora em relação ao de cujus. Asseverou (fl. 160, e-STJ): "As testemunhas arroladas as fls. 81/82 e 103, foram uníssonas em comprovar que a autora vivia em união estável com o de cujus e ele custeava os gastos familiares, porem somente a prova testemunhal é insuficiente para comprovar o alegado". 2. No entanto, o entendimento acima manifestado está em confronto com a jurisprudência do STJ de que a legislação previdenciária não exige início de prova material para a comprovação de união estável, para fins de concessão de benefício de pensão por morte, sendo bastante, para tanto, a prova testemunhal, uma vez que não cabe ao julgador criar restrições quando o legislador assim não o fez.(g. m.) 3. Nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg no REsp. 1.536.974/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.12.2015; AR 3.905/PE, Terceira Seção, Rel. Min. conv. Campos Marques, DJe 1.8.2013; AgRg no REsp. 1.184.839/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 31.5.2010; REsp. 783.697/GO, Sexta Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 9.10.2006, p. 372. 4. Recurso Especial de Cleuza Aparecida Balthazar provido para restabelecer a sentença de primeiro grau. Agravo do INSS prejudicado. (REsp 1824663/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 11/10/2019) Realizada a prova oral, as testemunhas asseveraram o seguinte: - ID 159307020 – Sra. Maria de Lourdes: “...que conhece o autor há mais de 10 (dez) anos; que conhecia a companheira dele, D. Maria; que eles conviviam juntos, conhecidos como marido e mulher.” - ID 159307023 – Sra. Cleuza: “..., que conhece o autor há mais de 5 (cinco) anos, pois ela tem uma chácara, onde ele morou; que conhecia a companheira dele, D. Maria; que as pessoas do bairro os conheciam como marido e mulher; que ele criou uma filha dela;..” - ID 159307024 – p. Sr. Arlindo: “..., que conhece o autor há uns 5 (cinco) ou 6 (seis)anos; que conheceu a filha da D. Maria, a falecida; que o casal se deram muito bem no tempo que “moraram lá”; que ela começou a ficar doente e a esposa do depoente dava assistência, ensinando a tomar os remédios; que todo mundo gostava do casal, conhecidos como marido e mulher.’ As testemunhas ouvidas foram coesas e uníssonas, comprovando, com eficácia, a existência de união estável entre autor e falecida pelo menos durante 10 (dez) anos, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, perdurando até o dia do passamento, não havendo como dar guarida aos argumentos da autarquia federal. Escorreita, portanto, a r. sentença guerreada. DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPATÓRIA Antecipo a tutela provisória de urgência, com fundamento nos artigos 300, caput, 302, I, 536, caput, e 537 e §§ do CPC, a fim de determinar ao INSS a imediata concessão da pensão por morte, em face do caráter alimentar do benefício. Determino a remessa desta decisão à Autoridade Administrativa, por meio eletrônico, para cumprimento da ordem judicial no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena da multa diária, a ser oportunamente fixada na hipótese de descumprimento. Comunique-se. Ante o exposto, nego provimento à apelação da autarquia federal. É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA.
1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.
2. Demonstrados o óbito e a qualidade de segurada da falecida.
3. A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º da CF) e seus parâmetros estão previstos no artigo 1.723 do Código Civil.
4. Com relação à previdência, o artigo 16, I e § 4º, da Lei nº 8.213/91, estabelece o companheiro como beneficiário da segurada, cuja dependência econômica é presumida.
5. o C. Tribunal da Cidadania entende que, para fins previdenciários, a comprovação da união estável poder ser realizada exclusivamente mediante a prova testemunhal, em razão de o julgador não poder criar restrições não impostas pela lei.
6. As testemunhas ouvidas foram coesas e uníssonas, comprovando, com eficácia, a existência de união estável entre autor e falecida pelo menos durante 10 (dez) anos, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, perdurando até o dia do passamento, não havendo como dar guarida aos argumentos da autarquia federal.
7. Recurso não provido.