APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000536-75.2017.4.03.6121
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: ALIGRA INDUSTRIA E COMERCIO DE ARGILA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELADO: JUNIOR ALEXANDRE MOREIRA PINTO - SP146754-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000536-75.2017.4.03.6121 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: ALIGRA INDUSTRIA E COMERCIO DE ARGILA LTDA - EPP Advogado do(a) APELADO: JUNIOR ALEXANDRE MOREIRA PINTO - SP146754-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada pela União em face da empresa ALIGRA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARGILA LTDA, na qual aduz, em apertada síntese, que a empresa ré se apropriou indevidamente de bem mineral, propriedade da União, tendo, portanto, causado danos e enriquecido indevidamente à custa de cabedal pertencente à litigante, agregando ilicitamente ao seu patrimônio a quantidade de 7.059,38 toneladas de argila, avaliada pelo DNPM em R$ 1.533.933,10 (um milhão, quinhentos e trinta e três mil, novecentos e trinta e três reais e dez centavos), valor esse que, atualizado até o mês de maio de 2017 (data do ajuizamento da ação), equivaleria ao montante de R$ 2.229.834,06 (dois milhões, duzentos e vinte e nove mil, oitocentos e trinta e quatro reais e seis centavos).
Postulou a União, nesses termos e em sede liminar, o bloqueio patrimonial da referida empresa até o valor atualizado do material lavrado, intentando evitar que eventual dissipação de bens possa frustrar futura execução, em prejuízo do ressarcimento intentado.
Requereu, ao final, a procedência da demanda, com a condenação da requerida a ressarcir o erário o montante correspondente ao enriquecimento ilícito que teria auferido à custa do patrimônio da União, bem como sua condenação ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, em valor não inferior ao mínimo legal previsto no artigo 85, § 2º do NCPC.
Sobreveio prolação da r. sentença que julgou liminarmente improcedente a ação, com fundamento no artigo 332, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil/2015, em razão da ocorrência de prescrição, não condenando a autora em custas em razão de isenção legal que possui.
Argumentou a r. sentença vergastada que a ré, em realidade e no caso vertente, não estaria agindo como agente do Estado, sendo os danos observados decorrentes de lavra ilegal, ou seja, oriundos da retirada de material mineral sem a devida concessão, até porque, à época, verificou-se que ela possuiria, apenas, autorização de pesquisa, e não para efetiva extração. Aduziu, nesse ponto, que a exordial fundamentou sua pretensão no Direito Civil comum, onde alegou ter ocorrido o enriquecimento ilícito da requerida e apontou, como razão para o ressarcimento postulado, o artigo 884 do Código Civil.
Concluiu o r. julgado, portanto, pelo afastamento da imprescritibilidade, porquanto “não estando a ré investida de função pública quando da prática do alegado ilícito, a ela não se aplicam as disposições do artigo 37, § 5 º, da Constituição Federal, quanto à imprescritibilidade das ações de ressarcimento”; além disso, sustentou que o C. STF, por ocasião da apreciação do RE 669.069, em sede de repercussão geral, concluiu ser prescritível a pretensão da União à reparação de danos decorrente de ilícito civil.
No tocante ao prazo prescricional aplicável à espécie, entendeu o r. julgado ser a pretensão autoral consubstanciada no ressarcimento de danos provocados por ato ilícito extracontratual, com base no Direito comum, e que, para tal hipótese, deveria ser admitida a regra constante do artigo 206, §3°, inciso V, do Código Civil, ou seja, o reconhecimento da prescrição no prazo de três anos, considerando descabida a aplicação, por analogia e em razão de haver norma específica, da prescrição qüinqüenal relacionada às ações contra a Fazenda Pública, nos termos do Decreto n° 20.910/1932, em seu artigo 1º.
Frisou a r. sentença, por fim, que tendo o dano ocorrido em 2011, e considerada a data de ajuizamento da ação (31/05/2017), estaria consumada a prescrição.
Irresignada, a União ofertou apelação, aduzindo, em apertada síntese, que a presente ação trata de ressarcimento decorrente do ilícito apossamento de bens públicos, cuja devolução ao patrimônio estatal não mais pode ser efetivada em razão da própria natureza da atividade desenvolvida pela Apelada, não deixando outra alternativa, à UNIÃO, senão reclamar o ressarcimento. Ressaltou que os bens públicos jamais passam ao domínio privado em razão do decurso do tempo, consoante estabelecem os artigos 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição, de modo que eventual ação pleiteando a sua restituição ao Estado também não poderia ser considerada prescrita; no entanto, quando não mais possível a restituição, como verificado no caso em tela, entende que a questão deve ser resolvida por meio de ressarcimento pecuniário, consoante regra dos artigos 499 e 821, parágrafo único, do NCPC, sendo que tal obrigação pecuniária não poderia ser considerada prescrita, sob pena de admitir-se, indiretamente, a apropriação privada de bens públicos e infirmar a indisponibilidade do patrimônio público.
Afirmou, ainda, que “apesar do Juízo alegar que a APELADA não está revestida de função pública, a natureza jurídica da mesma não é a de um particular qualquer. A APELADA detém direitos direito de extração e pesquisa mineral junto ao Poder Público, conforme alega em sua própria defesa administrativa. Trata-se de uma outorgada de direito de lavra e de pesquisa. Assim, mesmo que originariamente equivocado, o argumento do Juízo de que por se tratar de um particular não se poderia aplicar as disposições do art. 37, §5º, da Constituição Federal, não se sustenta.”
Prossegue em seu arrazoado recursal asseverando que “os recursos minerais indevidamente subtraídos pela empresa Apelada, muito embora tenham sido comercializados pela mesma, tendo gerado o seu enriquecimento pessoal, jamais passaram a, efetivamente, integrar o seu patrimônio privado. Nem mesmo o decurso do tempo é capaz de gerar tal fenômeno jurídico. Por outra banda, as 7.059,38 toneladas de argila, objeto desta ação, nos estritos termos da Constituição Brasileira, jamais deixaram de ser propriedade da União, muito embora tenham sido indevidamente apossados, tratados, consumidos e comercializados pela empresa ré. Aqueles bens, embora não sejam mais concretamente palpáveis, eis que consumidos pela Apelada, continuam a ser bens da UNIÃO.”
E que, “No caso concreto, entretanto, considerando as peculiaridades inerentes a atividade de extração mineral, e destacando que os bens públicos apossados foram vendidos a terceiros, afigura-se materialmente impossível impor à Apelada a obrigação de promover a sua devolução à UNIÃO, o que, não fosse a possibilidade de sua conversão em obrigação pecuniária, representaria perpetuação da lesão patrimonial em desfavor da UNIÃO, muito embora aquela parcela de seu patrimônio esteja constitucionalmente gravada pela indisponibilidade.”
Sustenta, ainda, que a tese da União acerca da imprescritibilidade dos bens públicos como conseqüência da inalienabilidade originária já fora reconhecida anteriormente, colacionando jurisprudência a esse respeito, inclusive desta E. Corte, onde se entendeu pela não aplicação da prescrição reconhecida pelo C. STF nos autos do RE 669.069, pois ela estaria limitada, apenas, à reparação de danos causados por infração de trânsito.
No que tange à incidência do artigo 37, §5º, da CF, expõe a União que, à luz do dispositivo constitucional em questão, em especial da parte final, ficaria evidenciado que o ressarcimento de ato ilícito praticado contra o poder público, por quem quer que seja, não se sujeitaria a qualquer prazo prescricional. Ressalta, outrossim, que “a Constituição não exige seja o ato ilícito caracterizado como ato de improbidade administrativa ou de corrupção. Segundo a Constituição basta que o patrimônio público seja vitimado por ato ilícito capaz de causar desvio, não havendo necessidade, sequer, de que o agente causador dos danos seja servidor público.”
Declarou, ainda, que a usurpação mineral é tipificada como crime pelo artigo 2º da Lei 8.176/91, fato este que evidenciaria a gravidade da ilicitude perpetrada, “de modo que seria incongruente adotar-se a imprescritibilidade para a improbidade, por exemplo, e não aplicar a mesma regra para os ilícitos revestidos de maior gravidade, muito embora as consequências patrimoniais em desfavor do Estado sejam assemelhadas.”
Subsidiariamente, pleiteia o afastamento do entendimento efetuado no primeiro grau no sentido de ser a pretensão da autora de ressarcimento de danos baseada em ato ilícito extracontratual, com base no Direito comum, com a consequente aplicação da regra prescricional de três anos constante do artigo 206, §3º, inciso V, do Código Civil, argumentando que tal percepção seria contrária à jurisprudência consolidada do C. STJ.
Pleiteia, também, a abertura de discussão acerca da data de início da prescrição, expondo que “em seu decisum o MM. Juízo indica que o início da contagem para ajuizamento da ação seria a partir da data da fiscalização do DNPM (05/12/2012), no entanto, era impossível por parte da UNIÃO ajuizar a ação em uma data anterior à 30 de janeiro de 2014, data em que a informação com o quantitativo do volume de mineral extraído irregularmente foi encaminhada até a Procuradoria Regional da União em São Paulo, eis que a manifestação por parte da empresa ALIGRA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARGILA LTDA somente foi ajuizada em 10 de abril de 2017.” E que “Assim, sob todos os ângulos de análise, é essencial declarar que até a abril de 2017, data da manifestação da Apelada, a UNIÃO não tinha como provocar a esfera jurisdicional, estando, portanto, amparada não só pelo próprio dispositivo mencionado pelo MM. Juízo, do caso de 3 anos do prazo prescricional, mas também em casos de analogia ao prazo quinquenal, mencionados nesse apelo. Ressalta-se que em seu decisum o MM. Juízo indica o acórdão oriundo do RE 669069 no qual o STF, em sede de repercussão geral, alterando entendimento anterior, conclui ser prescritível a pretensão da União à reparação de danos decorrentes de ato ilícito civil. Os efeitos dessa decisão não se aplicam a casos que não tenham similitude fática com as circunstâncias que foram discutidas no processo que deu origem ao entendimento, qual seja, acidente de trânsito. Assim, o entendimento firmado no RE 669069 não deve ser aplicado indistintamente em qualquer situação de “ilícito civil”.”.
Pondera, por fim, que não se pode exigir qualquer conduta da parte lesada antes de efetivamente tomar conhecimento da ilicitude e do dano que lhe foi causado, não podendo ser apenada com a prescrição se, em realidade, não tinha conhecimento da lesão decorrente da conduta ilícita da Apelada. Nesse ponto, entende que o prazo prescricional deve ser aberto apenas quando se toma conhecimento, efetivo, do fato ilícito.
Postulou, assim, a reforma da r. sentença para afastar a prescrição reconhecida e determinar o processamento da lide, com a conseqüente apreciação meritória do pleito.
Determinada a citação da ré nos termos do § 1º do artigo 331 do CPC/2015, foram ofertadas contrarrazões ao recurso interposto (ID 3414436), nas quais se pugnou pela manutenção integral do decisum.
O Ministério Público Federal, instado a ser manifestar, na qualidade de Fiscal da Lei, ofertou seu Parecer onde pleiteou o desprovimento da apelação deduzida pela UNIÃO, como também pela remessa necessária, havida por interposta, mantendo-se a conclusão constante do r. julgado, mas com fundamentação diversa, porquanto entende pela aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932, já ocorrido em 2016.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000536-75.2017.4.03.6121 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. TORU YAMAMOTO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: ALIGRA INDUSTRIA E COMERCIO DE ARGILA LTDA - EPP Advogado do(a) APELADO: JUNIOR ALEXANDRE MOREIRA PINTO - SP146754-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Introdutoriamente, destaco que a Ação Civil Pública é uma das espécies de ações coletivas para fins de responsabilização por danos morais e patrimoniais, utilizada para tutelar interesses supraindividuais, abrangendo os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, bem como a quaisquer outros interesses difusos ou coletivos identificáveis e não relacionados no rol acima mencionado, com o intuito de reparar, cessar e/ou impedir eventual dano relativo ao interesse aludido.
Encontra-se regrada por meio da Lei nº 7.347/85, onde estão descritos, pormenorizadamente, os interesses tutelados, competência, objeto, legitimidade ativa e normas gerais atinentes ao procedimento em questão.
Efetuadas tais considerações, destaco ser necessária a submissão do presente feito à remessa necessária, como bem consignado pelo “parquet”, uma vez que o C. STJ entende por sua obrigatoriedade nas situações em que a r. sentença concluir pela improcedência ou carência do pedido efetuado em Ação Civil Pública, em analogia ao disposto no artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular).
Quanto ao mérito, cinge-se à controvérsia recursal acerca do pedido para afastamento da prescrição, reconhecida em primeiro grau, com pleito alternativo para que o termo inicial do prazo prescricional seja fixado a partir do momento em que o titular da pretensão tome ciência inequívoca da violação ou lesão ao seu direito subjetivo em análise.
Com relação à insurgência recursal, vejo que a jurisprudência desta E. Corte se mostra assente com o entendimento de seria imprescritível a pretensão buscada em ações desta natureza, onde se postula o ressarcimento ao erário no tocante à exploração mineral sem a correspondente autorização estatal, em razão do reconhecimento da incidência da regra prevista no artigo 37, §5°, da Constituição Federal.
Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – EXTRAÇÃO DE AREIA SEM LICENCIAMENTO AMBIENTAL – PRESCRIÇÃO INOCORRENTE – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.
I – O objeto da pretensão da União não é a reparação ou compensação de eventual dano ambiental provocado, mas sim a obtenção do ressarcimento pela extração indevida de seu patrimônio (art. 20, IX, CF; art. 98 CC).
II – Cuidando-se de lesão ao patrimônio público não há que se falar em prescrição do direito, sendo aplicável o estatuído no § 5º do artigo 37 da Constituição Federal. Precedentes desta Corte.
III – Descabe a alegação de cerceamento de defesa de réu que, citado, deixou escoar o prazo para apresentação de contestação, sendo considerado revel. Por disposição de lei (artigo 344 do CPC), em caso de revelia consideram-se verdadeiras as alegações de fato efetuadas pelo autor. Ademais, há de se observar que o ressarcimento foi apurado em procedimento administrativo, o qual goza de presunções de legitimidade e de veracidade. Assim, cabe unicamente ao réu, apelante, demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito a fim de ilidir as presunções (artigo 373, II, CPC).
IV – O artigo 10 da Lei nº 6.938/81 estabelece que “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.” O fato de a apelante possuir Guia de Utilização – GU não dispensa a exigência da licença ambiental.
V – Constitui ônus da parte impugnar especificamente os cálculos apresentados pela União a respeito dos valores devidos a título de ressarcimento. A impugnação genérica, vaga e imprecisa não infirma as presunções emanadas da atividade administrativa.
VI – Apelação improvida.” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0016216-10.2015.4.03.6105, Rel. Juiz Federal Convocado na Titularidade Plena LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 16/04/2020, Intimação via sistema DATA: 22/04/2020)
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LAVRA IRREGULAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO DE ARGILA VERMELHA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO.
1. As ações de ressarcimento pela prática de atos ilícitos danosos ao erário são imprescritíveis, independentemente da qualidade do agente e da natureza do ilícito que ele tenha praticado, consoante disposto no artigo 37, § 5º da Constituição Federal.
2. Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça.
3. Remessa oficial e apelação providas.” (TRF3, Processo nº 0002741-09.2014.4.03.6109, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Marli Ferreira, j. 01.08.2019, e-DJF3 15.08.2019)
Há de se observar, contudo, a existência de diversos e divergentes entendimentos acerca do tema, inclusive junto o C. STJ, onde parte dos julgados converge em considerar que o dano ao erário decorrente de usurpação mineral, pertencente à União, caracterizaria ilícito civil, de modo a ser prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública, no quinquênio legal.
Nesse ponto, colaciono excerto de decisão monocrática de lavra da Ministra Relatora Assusete Magalhães, datada de 11/05/2020, nos autos do requerimento de distinção RCD no RECURSO ESPECIAL Nº 1.537.445 - SC (2015/0138403-4).
“(...)
Trata-se de requerimento de distinção (fls. 1.340/1.344e), contra decisão de minha lavra, que determinou o retorno dos autos à origem, ao fundamento de que a matéria recursal teria repercussão geral reconhecida pelo Plenário do STF, no Tema 999, em que se discute a "imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental".
Alega a União que, "no caso em análise, há motivos pelos quais deve ser feita distinção, não devendo ser sobrestado o feito. Isso porque não há pedido, na origem, de reparação de dano ambiental, mas apenas pedido de reparação pelo dano decorrente da lavra ilegal. Isso porque o STF reconheceu a repercussão geral quanto à prescrição da pretensão de reparar o dano ambiental, e no caso presente não foi deduzido pedido de ressarcimento por dano ambiental" (fl. 1.343e).
Com efeito, da análise dos autos, verifica-se que a pretensão recursal diverge da matéria afetada sob o Tema 999/STF.
Desse modo, torno sem efeito a decisão de fls. 1.332/1.335e e passo, então, à análise do Recurso Especial de fls. 1.259/1.273e.
De acordo com os autos, foi interposto Recurso Especial, com base na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIÃO. ATIVIDADE DE MINERAÇÃO. REPARAÇÃO PELOS DANOS OCASIONADOS. EXPLORAÇÃO ACIMA DO PERMITIDO. DEVER DE INDENIZAR. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO POR EXPLORAÇÃO DE MINERAIS EM QUANTIDADE SUPERIOR À AUTORIZADA TÃO SOMENTE EM RELAÇÃO À GUIA DE UTILIZAÇÃO Nº 60/2004. OCORRÊNCIA. PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. PELO DESPROVIMENTO DOS RECURSOS DE APELAÇÃO E DA REMESSA OFICIAL" (fl. 1.204e).
O acórdão em questão foi objeto de Embargos de Declaração, os quais foram acolhidos para fins de prequestionamento, nos seguintes termos:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ARTIGO 535 DO CPC. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. Nos exatos termos do artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis, tão somente, para sanar obscuridade ou contradição, ou ainda para suprir omissão acerca de tema sobre o qual o Tribunal deveria ter-se manifestado, hipóteses não ocorrentes na espécie. Embargos de declaração rejeitados" (fl. 1.240e).
Nas razões do Recurso Especial, interposto com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal, a União aponta ofensa ao art. 535, II, do CPC/73, pois, "provocado a se manifestar sobre dispositivos legais aplicáveis à espécie, o Tribunal de origem negou-se a prestar os esclarecimentos e suprir as omissões apontadas" (fl. 1.262e).
No mérito, aduz que houve aplicação indevida do art. 21 da Lei 4.717/65, além de ter violado o art. 37, § 5º, da CF/88, isso porque "a norma constitucional em tela determina é que é imprescritível a ação de ressarcimento dos danos causados ao erário, pouco importando quem causou o dano e a natureza do ato praticado por esse agente", ressaltando que "o acórdão recorrido, ao afastar a incidência da norma constitucional referida, além de contrariá-la, contrariou, também, o art. 2º, § 1º, da LICC, e o próprio artigo 21 da Lei nº 4.717/65, pois determinou a sua incidência em situação que já está sob o manto de incidência de norma constitucional específica, desconsiderando toda a sucessão e natureza de normas ora referidas" (fls. 1.269/1.270e).
Alega, ainda, a contrariedade aos arts. 884 e 952 do Código Civil, porquanto "se faz necessário o ressarcimento do valor nominal da matéria prima, como assegurado, assim como deve ser ressarcido o valor que a parte-contrária auferiu com a comercialização/beneficiamento da matéria prima (negado pelo tribunal recorrido), pena de ficar evidenciado o enriquecimento ilícito da mesma, premiando-a pela prática de ilícito" (fl. 2.726e).
Por fim, requer o provimento do recurso, "ser cassado o acórdão exarado pelo Tribunal 'a quo' em face dos embargos de declaração interpostos pela União, devolvendo o feito àquela Corte para que profira outro, agora dissipando a omissão havida quanto à pretensão de prequestionamento" e, alternativamente, "a fim de afastar a prescrição quinquenal, reconhecendo-se a imprescritibilidade da pretensão ressarcitória, bem como afastar o cálculo do valor a ser ressarcido, o qual foi baseado tão somente no faturamento líquido obtido, correspondente ao montante extraído de modo irregular, reconhecendo-se o ressarcimento ao erário no valor do minério comercializado, correspondente ao montante extraído de modo irregular" (fl. 1.273e).
Apresentadas contrarrazões, foi admitido o Recurso Especial na origem.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 1.323/1.330e, opina pelo provimento do Recurso Especial, para reformar o acórdão recorrido, a fim de afastar a prescrição quinquenal, reconhecendo-se a imprescritibilidade da pretensão ressarcitória, bem como afastar o cálculo do valor a ser ressarcido, o qual foi baseado tão somente no faturamento líquido obtido, correspondente ao montante extraído de modo irregular, reconhecendo-se o ressarcimento ao erário no valor do minério comercializado, correspondente ao montante extraído de modo irregular.
A irresignação merece ser acolhida, em parte.
Na origem, "a UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO ajuizou a presente ação civil pública em face de PLANATERRA TERRAPLENAGEM E PAVIMENTAÇÃO LTDA. , por meio da qual busca provimento jurisdicional que condene a ré a ressarcir o erário no montante de R$ 2.024.565,26 (dois milhões vinte e quatro mil quinhentos e sessenta e cinco reais e vinte e seis centavos), correspondente ao volume de basalto irregularmente extraído, devidamente acrescido de correção monetária, bem como ao pagamento de honorários advocatícios" (fl. 969e).
O Juízo de 1º Grau reconheceu "a prescrição da pretensão de ressarcimento por exploração de minerais em quantidade superior à autorizada tão somente em relação à Guia de Utilização nº 60/2004, nos termos da fundamentação; no mérito propriamente dito, julgo procedentes, em parte, os pedidos, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar a parte ré a ressarcir à autora o valor correspondente ao volume de basalto irregularmente extraído, cujo montante deverá ser apurado em procedimento de liquidação de sentença" (fl. 980e) .
O Tribunal de origem negou provimento aos recursos de Apelação, asseverando o seguinte, no que importa ao presente recurso:
"No que respeita à prescrição da Guia de Utilização 60/2004, conforme bem apontou a sentença, calcada em orientação da Corte Superior, plenamente possível a fluência do prazo prescricional no que toca a inércia da União em procurar zelar por seu patrimônio.
O DNPM teve acesso as guias de lavra desde o ano de 2004 e mesmo de posse desta informação não realizou qualquer ato destinado a interromper a lavra em excesso.
Quanto à questão de fundo, ao que dos autos consta a extração do minério em quantidade superior àquela permitida pelo DNPM é matéria incontroversa nos autos, seja com base nos documentos juntados, seja porque confessado pela empresa ora apelante.
De outra banda, acerca do valor da indenização, nada a censurar nos critérios adotados pelo Juízo - o valor do ressarcimento à União deve equivaler ao faturamento líquido percebido pela parte ré, correspondente ao montante extraído de modo irregular, entendido como o total das receitas de vendas do mineral obtido após a última etapa do processo de beneficiamento e antes de sua transformação industrial, excluídos os valores pagos a título de CFEM´s, os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as deseguros.
(...)
Assim não se pode cogitar na extensão dos efeitos da sentença proferida no processo penal para estes autos, não podendo ser afastado o dever de promover o ressarcimento civil correspondente ao dano perpetrado em desfavor do patrimônio da União e proporcional ao enriquecimento que auferiu a empresa apelante em razão da atividade ilicitamente desempenhada, como acertadamente determinado pela sentença recorrida" (fls. 1.200/1.201e).
Daí a interposição do presente Recurso Especial.
Inicialmente, verifica-se que a matéria recursal foi devidamente analisada, pelo acórdão recorrido, restando prequestionada, razão pela qual é desnecessária a análise de afronta ao art. 535 do CPC/73.
Quanto à prescrição, no caso, é incontroverso que o dano ao erário decorreria de usurpação mineral pertencente à União, caracterizando ilícito civil, de modo que é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública.
Assim, o acórdão recorrido encontra-se em conformidade com o entendimento jurisprudencial consolidado, eis que "o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, no julgamento do RE 669.069/MG, de relatoria do eminente Ministro TEORI ZAVASCKI, DJe 28.4.2016, em repercussão geral, na forma do art. 543-B do Código Buzaid, firmou entendimento segundo o qual é prescritível em cinco anos a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil" (STJ, AgInt no AREsp 554.426/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/03/2019).
A propósito, ainda, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPRESCRITIBILIDADE. REPARAÇÃO DE DANOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E ILÍCITO PENAL. PRESCRITIBILIDADE. ILÍCITO CIVIL. PRAZO. OFENSA INDIRETA. AI INTERPOSTO SOB A VIGÊNCIA DO CPC DE 1973. ARTIGO 1.033 DO CPC/2015. INAPLICABILIDADE. EMBARGOS ACOLHIDOS, EM PARTE, PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS. I – A imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5°, da Constituição Federal, diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilegalidades tipificadas como de improbidade administrativa e como ilícitos penais. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (RE 669.069-RG/MG, Relator Ministro Teori Zavascki). II - Ressarcimento de danos decorrente de ilícito civil causador de prejuízo material ao erário. Aplicação do prazo prescricional comum para ações da espécie. Impossibilidade da análise da legislação infraconstitucional. Ofensa constitucional indireta. Precedentes. III - Inaplicável o art. 1.033 do CPC/2015, em razão de o agravo de instrumento ter sido interposto sob a vigência do CPC/1973. IV – Embargos de declaração parcialmente acolhidos para prestar esclarecimentos, sem modificação do acórdão embargado" (STF, AI 481650 AgR-ED-ED, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 31/08/2017).
(...)”
Frise-se que a matéria objeto do pedido de distinção supra, e que fora afetada pelo Corte Suprema, restou posteriormente dirimida em sede de repercussão geral, fixando-se a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.”.
Observe-se a ementa correspondente:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.” (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020)
Note-se, nesse ponto, que o C. STF, em decisões recentes e posteriores à fixação da Tese 999, tem adotado posicionamento firme em determinar sua aplicação aos feitos similares aos do processado, reconhecendo a imprescritibilidade da pretensão estatal nos casos de usurpação mineral (lavra irregular de minérios).
Observe-se, nesse contexto, decisão monocrática proferida pela Exma. Min. CÁRMEN LÚCIA, nos autos do RE 1287474/SC, publicada no DJe aos 05/10/2020:
“(...)
Relatório
1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte julgado da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região:
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXTRAÇÃO ILEGAL DE MINÉRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL. A pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente de ato de improbidade prescreve em cinco anos” (e-doc. 115).
Os embargos declaratórios opostos foram rejeitados (e-doc. 119).
2. A recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado o § 5º do art. 37, o § 3º do art. 183 e o parágrafo único do art. 191 da Constituição da República e aponta “ofensa ao artigo 37, § 5º, ainda que lesão aqui versada não decorra de ato de improbidade, como sustenta o acórdão. Afinal há outros aspectos que qualificam a mineração ilegal, clandestina, como atividade odiosa, altamente prejudicial à sociedade; algo que, pela gravidade, tal como a improbidade, afastada eventual tentativa de enquadramento prescricional às hipóteses comuns. Sobretudo porque usurpação mineral configura, em essência, grave ilícito penal contra a Administração Pública” (fl. 14, e-doc. 123).
Sustenta que, “no julgamento do RE 669.069/MG, em obiter dictum, esse Colendo Supremo Tribunal Federal afirmou que a prescritibilidade não atinge os prejuízos causados por fatos que se encontram tipificados penalmente (…). No julgamento de embargos declaratórios no RE 669.069, essa Suprema Corte manifestou a necessidade de se analisar em separado a imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes das infrações ao direito público: (…). Dessa forma, não estão abrangidos no citado precedente os danos causados por a) atos tipificados como crime, b) atos tipificados como improbidade administrativa, previstos na Lei nº 8.429/92; e c) atos ilícitos administrativos, praticados no âmbito de relações jurídicas de caráter administrativo” (fls. 14-17, e-doc. 123).
Assevera que “as ações de ressarcimento que tenham como causa de pedir a usurpação mineral não se qualificam como ações relacionadas a ilícitos civis puros, como o acidente de carro, este sujeito à prescrição. O minério é bem da União, elencado entre os bens de seu domínio na Constituição Federal (art. 20, IX), tutelado pelo direito penal (art. 2º da Lei nº 8.176/1991), representando patrimônio coletivo que, quando usurpado, o material deve ser apreendido e devolvido à União, pois o bem é de seu domínio. Não pode sobre ele recair efeitos da prescrição porque, além de ser imprescritível a pretensão indenizatória da União (art. 37, § 5º), interpretar como prescritível extração ilegal de importante bem público, seria o mesmo que viabilizar a aquisição deles pela usucapião, algo expressamente vedado pelos artigos 183, § 3º, e 191, par. único, da Constituição Federal” (fls. 19-20, e-doc. 123).
Pede “o provimento do presente recurso extraordinário para que seja reformado o acórdão recorrido, a fim de reconhecer a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento decorrente de violação de normas de direito público (extração irregular de minério)” (fl. 20, e-doc. 123).
Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.
3. Razão jurídica assiste à recorrente.
O Tribunal de origem dirimiu a controvérsia nos seguintes termos:
“Trata-se de recurso de apelação e remessa oficial em face de sentença que decretou a prescrição do direito da UNIÃO de postular ressarcimento por lavra ilegal de minério. Apela a UNIÃO enfatizando a imprescritibilidade da ação por se tratar de ação de ressarcimento por ação que causou dano ambiental. (…)
Os particulares interessados em explorar minério devem submeter-se aos trâmites legais dos regimes de autorização e de concessão, nos termos do Código Nacional de Mineração (Decreto-lei n. 227/67), com subsequente recolhimento da CFEM. A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é uma contraprestação paga à União pelo aproveitamento econômico desses recursos minerais. Foi prevista na Constituição Federal de 1988, instituída pelas Leis n. 7.990/1990 e 8.001/1990. Foi regulamentada pelo Decreto n. 01/1991 e, a partir de então, passou a ser exigida das empresas mineradoras em atividade no país.
O Código de Mineração e os arts. 2º e 3º do Decreto n. 3.358/00 autorizam a administração pública direta e indireta, em todas as esferas, a extrair substâncias minerais para emprego imediato na construção civil de obras próprias, tratando-se de questão regulada positivamente, dispensando o licenciamento de extração perante o DNPM.
Particular ou ente público, entretanto, são ambos obrigados por lei ao licenciamento ambiental, garantindo que a exploração mineração não cause danos ou garantindo que os danos sejam reparados e/ou mitigados.
A exploração irregular, sem licenciamento do órgão mineral ou do órgão ambiental, justifica o acionamento do agente administrativa e judicialmente para o ressarcimento financeiro da UNIÃO e também para garantir a reparação ambiental, a qual, a depender do caso, soma-se ou não indenização pecuniária.
No caso dos autos, BRITADOR OESTE LTDA. - ME e JÉFERSON ÂNGELO TONDO foram chamados a indenizar a UNIÃO por ressarcimento ilegal de 86.475,44 de brita no período de 2000 a 2008, calculado o valor devido em R$ 2.573.509,00. Ocorre que a apuração foi providenciada em 2013 e a ação de ressarcimento ajuizada em 2017, sendo forçoso reconhecer a prescrição ao ressarcimento. (…)
Ademais, perante o Supremo Tribunal Federal a repercussão geral foi reconhecida (tema 666) restando firmada tese no sentido de que "é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil".
Não prospera, então, qualquer alegação de imprescritibilidade, de forma que neste juízo correta a extinção da ação no ponto, prosseguindo apenas quanto ao pleito de reparação ambiental” (fls. 4-5, e-doc. 115).
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 654.833 (Tema 999 da repercussão geral), Relator o Ministro Alexandre de Moraes, este Supremo Tribunal assentou a tese de ser “imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. Confira-se a ementa do julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental” (DJe 24.6.2020).
O julgado recorrido divergiu dessa orientação jurisprudencial.
4. Pelo exposto, dou provimento ao presente recurso extraordinário (al. b do inc. V do art. 932 do Código de Processo Civil e § 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), em observância ao julgamento do Recurso Extraordinário n. 654.833-RG.
(...)”
No mesmo sentido, decisão monocrática proferida pelo Exmo. Min. EDSON FACHIN, nos autos do RE 989417/SC, publicada no DJe aos 05/02/2021:
“(...)
Decisão
Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado (eDOC 9, p. 1): “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO ILEGAL DE MINERAL (AREIA). RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. CF/88, ART. 37, § 5º. DANO QUE NÃO DECORRE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRAZO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. DATA EM QUE O DNPM TOMOU CONHECIMENTO DA EXTRAÇÃO ILEGAL. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO COM BASE NO ART. 269, IV, DO CPC.”
No recurso extraordinário, com fundamento no art. 102, III, a, do permissivo constitucional, aponta-se ofensa ao art. 37, §5º; da Constituição Federal.
Em um primeiro momento, os autos vieram a esta Corte e a Ministra Cármen Lúcia, então Presidente, determinou a baixa à origem com a finalidade de adequação à sistemática da repercussão geral, tendo por base o julgamento do Tema 666 da repercussão geral. (eDOC 105)
Irresignada, a União interpôs agravo regimental, sustentando a não adequação da questão versada nestes autos ao Tema 666. O recurso, todavia, não foi conhecido sob o fundamento da irrecorribilidade do despacho de devolução dos autos à origem para observância da sistemática da repercussão geral (eDOC 112).
Interposto novo agravo, a Presidência desta Corte retratou-se, diante da argumentação de não submissão da matéria ao paradigma, e determinou a regular distribuição do feito (eDOC 117).
É o relatório. Decido.
Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o RE-RG 654.833, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 24.06.2020 (Tema 999), reconheceu a repercussão geral da controvérsia referente à prescritibilidade das ações de ressarcimento por danos ambientais. Na oportunidade, a ementa restou assim redigida:
“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 999. CONSTITUCIONAL. DANO AMBIENTAL. REPARAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. Debate-se nestes autos se deve prevalecer o princípio da segurança jurídica, que beneficia o autor do dano ambiental diante da inércia do Poder Público; ou se devem prevalecer os princípios constitucionais de proteção, preservação e reparação do meio ambiente, que beneficiam toda a coletividade. 2. Em nosso ordenamento jurídico, a regra é a prescrição da pretensão reparatória. A imprescritibilidade, por sua vez, é exceção. Depende, portanto, de fatores externos, que o ordenamento jurídico reputa inderrogáveis pelo tempo. 3. Embora a Constituição e as leis ordinárias não disponham acerca do prazo prescricional para a reparação de danos civis ambientais, sendo regra a estipulação de prazo para pretensão ressarcitória, a tutela constitucional a determinados valores impõe o reconhecimento de pretensões imprescritíveis. 4. O meio ambiente deve ser considerado patrimônio comum de toda humanidade, para a garantia de sua integral proteção, especialmente em relação às gerações futuras. Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual. 5. A reparação do dano ao meio ambiente é direito fundamental indisponível, sendo imperativo o reconhecimento da imprescritibilidade no que toca à recomposição dos danos ambientais. 6. Extinção do processo, com julgamento de mérito, em relação ao Espólio de Orleir Messias Cameli e a Marmud Cameli Ltda, com base no art. 487, III, b do Código de Processo Civil de 2015, ficando prejudicado o Recurso Extraordinário. Afirmação de tese segundo a qual É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental. (RE 654833, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-157 DIVULG 23-06-2020 PUBLIC 24-06-2020)”
Ante o exposto, determino a remessa dos autos ao Tribunal de origem para adequação ao disposto no art. 1.036 do Código de Processo Civil, nos termos do art. 328, do RISTF.
(...)”
Portanto, considerando o posicionamento recente adotado pelo C. STF, no sentido aplicar a tese fixada pelo Tema 999 em casos análogos ao observado no processado, imperioso o acolhimento da tese da imprescritibilidade da pretensão estatal, motivo pelo qual determino o retorno do feito à Instância Ordinária, para regular prosseguimento.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial, tida por interposta, nos termos ora consignados.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUICIONAL/PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO. DANO AO ERÁRIO DECORRENTE DE LAVRA IRREGULAR. IMPRESCRITIBILIDADE. TEMA 999. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDAS.
1. Introdutoriamente, destaco que a Ação Civil Pública é uma das espécies de ações coletivas para fins de responsabilização por danos morais e patrimoniais, utilizada para tutelar interesses supraindividuais, abrangendo os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, bem como a quaisquer outros interesses difusos ou coletivos identificáveis e não relacionados no rol acima mencionado, com o intuito de reparar, cessar e/ou impedir eventual dano relativo ao interesse aludido.
2. Encontra-se regrada por meio da Lei nº 7.347/85, onde estão descritos, pormenorizadamente, os interesses tutelados, competência, objeto, legitimidade ativa e normas gerais atinentes ao procedimento em questão.
3. Efetuadas tais considerações, destaco ser necessária a submissão do presente feito à remessa necessária, como bem consignado pelo “parquet”, uma vez que o C. STJ entende por sua obrigatoriedade nas situações em que a r. sentença concluir pela improcedência ou carência do pedido efetuado em Ação Civil Pública, em analogia ao disposto no artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular).
4. Quanto ao mérito, cinge-se à controvérsia recursal acerca do pedido para afastamento da prescrição, reconhecida em primeiro grau, com pleito alternativo para que o termo inicial do prazo prescricional seja fixado a partir do momento em que o titular da pretensão tome ciência inequívoca da violação ou lesão ao seu direito subjetivo em análise.
5. Com relação à insurgência recursal, vejo que a jurisprudência desta E. Corte se mostra assente com o entendimento de seria imprescritível a pretensão buscada em ações desta natureza, onde se postula o ressarcimento ao erário no tocante à exploração mineral sem a correspondente autorização estatal, em razão do reconhecimento da incidência da regra prevista no artigo 37, §5°, da Constituição Federal. Precedentes.
6. Há de se observar, contudo, a existência de diversos e divergentes entendimentos acerca do tema, inclusive junto o C. STJ, onde parte dos julgados converge em considerar que o dano ao erário decorrente de usurpação mineral, pertencente à União, caracterizaria ilícito civil, de modo a ser prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública, no quinquênio legal. Precedente.
7. Frise-se que a matéria objeto do pedido de distinção supra, e que fora afetada pelo Corte Suprema, restou posteriormente dirimida em sede de repercussão geral, fixando-se a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.”.
8. Note-se, nesse ponto, que o C. STF, em decisões recentes e posteriores à fixação da Tese 999, tem adotado posicionamento firme em determinar sua aplicação aos feitos similares aos do processado, reconhecendo a imprescritibilidade da pretensão estatal nos casos de usurpação mineral (lavra irregular de minérios). Precedentes.
9. Portanto, considerando o posicionamento recente adotado pelo C. STF, no sentido aplicar a tese fixada pelo Tema 999 em casos análogos ao observado no processado, imperioso o acolhimento da tese da imprescritibilidade da pretensão estatal, motivo pelo qual determino o retorno do feito à Instância Ordinária, para regular prosseguimento.
10. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, providas.